JUSTIÇA & CENSURA
Editorial
Censura judicial
‘UM DOS GRANDES avanços democráticos consagrados pela Constituição de 1988 foi a eliminação definitiva da censura da ordem jurídica do país (arts. 5º, IV, IX e 220, caput e párs. 1º e 2º). Vez por outra, porém, representantes do Poder Judiciário tentam reintroduzi-la de forma sub-reptícia.
O caso mais recente é o que envolve a biografia do cantor Roberto Carlos escrita pelo jornalista e historiador Paulo Cesar Araújo e publicada pela editora Planeta. O ‘rei’ não gostou do texto -o que é um direito seu. Foi à Justiça -outra prerrogativa que lhe assiste- e pediu que a comercialização da obra fosse suspensa. Ignorando as disposições constitucionais contra o instituto da censura, o juiz acatou liminarmente o pleito.
A partir daí, o que se passou foi uma sucessão de pequenos atentados contra a liberdade de expressão e o direito do público à informação. Os advogados do cantor e a editora chegaram a um acordo pelo qual a obra é retirada definitivamente do mercado em troca do fim da ação judicial. O próprio autor se comprometeu a não comentar, em entrevistas, o conteúdo do livro.
Tudo isso até seria compreensível se o texto contivesse alguma grave calúnia contra o aedo. O cantor, porém, em nenhum momento referiu tal queixa. Todo o seu raciocínio jurídico baseava-se no direito à privacidade e na defesa da honra subjetiva.
Se essa linha de argumentação fizer escola, estelionatários poderão pleitear que seja proibido noticiar seus golpes e assassinos poderão requerer o veto à divulgação de seus nomes. Ninguém poderá dizer nada a respeito de outrem sem sua autorização.
O simples ato de viver em sociedade já implica uma renúncia à privacidade total. No caso de celebridades, que se nutrem da curiosidade pública, esse direito deve ser relativizado ainda mais.’
MEMÓRIA / OCTAVIO FRIAS DE OLIVEIRA
Carlos Heitor Cony
Lição e memória
‘São muitas e variadas as impressões que podemos ter de Octavio Frias de Oliveira. Há, evidentemente, um eixo, um núcleo que está sendo abordado pelos depoimentos de personalidades que o admiravam. Os mais próximos, que com ele conviveram e trabalharam, destacam sua objetividade, seus valores morais, seu amor à verdade e o respeito às opiniões contrárias ao seu modo de pensar.
Nas reuniões do Conselho Editorial que presidia, era o que menos falava. Gostava de ouvir. Perguntaram a são Vicente de Paula qual o segredo de seu sucesso no confessionário e ele respondeu: ‘Eu sei ouvir’. Seu Octavio sabia ouvir.
Dele guardo uma experiência inédita em meus 60 anos de jornalismo militante. Quando da campanha presidencial para a sucessão de Itamar Franco, com o eleitorado dividido entre FHC e Lula, ele deixou claro que admirava seu antigo colaborador e amigo de muitos anos (FHC), mas cada um deveria manifestar seu pensamento livremente.
Nos oito anos do mandato de FHC, pelo menos duas vezes por semana eu e outros cronistas da Folha criticávamos o seu governo. Nunca fomos censurados ou advertidos. O mesmo está acontecendo com o governo de Lula. A independência que ele imprimiu ao seu jornal estendeu-se a seus colaboradores.
Curtido numa vida em que o trabalho era a chave de sua autonomia como homem e como profissional, ele exerceu outros ofícios antes de se fixar no jornalismo, que até então era monolítico, expressando a opinião de grupos e pessoas de pensamento homogêneo.
Abrindo seu jornal ao pluralismo das tendências e dos debates, ele criou um fato novo na mídia nacional, um fato que alguns ainda não compreenderam, mas que marca um ponto de não-retorno na imprensa brasileira.’
Otavio Frias Filho
Carta a d. Manuel Parrado Carral
‘S. Paulo, 3 de maio de 2007
Prezado dom Manuel Carral,
Antes de mais nada, gostaria de agradecer sua honrosa presença como celebrante da missa em memória de meu pai, Octavio Frias de Oliveira, a ser realizada no próximo sábado. Faço esse agradecimento em nome de minha mãe, d. Dagmar, de meus irmãos Maria Helena, Luís e Maria Cristina, e em meu próprio nome.
Julguei oportuno que alguns subsídios sobre meu pai lhe fossem transmitidos, até porque ele e o senhor não se conheceram pessoalmente. É o que tentarei fazer a seguir de forma breve e resumida. Não abordarei a personalidade pública de meu pai, que tem recebido bastante divulgação nos últimos dias.
Diferente de minha mãe, que é católica, meu pai era agnóstico. Pensava que não é possível comprovar nem a existência de Deus nem o contrário. Mas admitia que a religião é uma consolação útil para quem acredita e achava errado solapar qualquer forma de fé.
Ele foi um homem dinâmico, pragmático e empreendedor. Nasceu numa família de posses que empobrecera. Sair da pobreza foi o impulso que o levou a trabalhar cedo, deixando o colégio ainda adolescente. Sempre se definiu como empresário ou mero comerciante. Tinha um temperamento franco e otimista. Não cultivava ódios, era propenso à conciliação. Sua curiosidade natural o levava a perguntar e se interessar pelo próximo. Não era afeito a hierarquias e convenções sociais.
O valor mais importante para ele, o que mais suscitava seu respeito, era o trabalho. Nada resiste ao trabalho, ele repetia. Costumava repreender delicadamente os filhos quando crianças se jogassem papel no chão, por exemplo, com o argumento de que fazê-lo era desrespeitar o trabalho da pessoa que limpava o local.
Preocupava-se pouco com o futuro e quase nada com o passado, pois era dessas pessoas que vivem para o presente. Gostava dos prazeres da vida, embora fosse moderado em tudo, por disciplina e hábito. Dizia palavrões (mas era incapaz de maledicência). Foi cético quanto à natureza humana. Mesmo assim, acho que não exagero ao dizer que ele era um agnóstico que agia, sem se dar conta disso, como cristão.
Penso que era cristão na simplicidade dos hábitos, no apego à verdade, na consideração pelos outros, no amor à família.
Era comum uma pessoa que se aproximasse do cotidiano de meu pai ficar surpresa com seu despojamento. Ele não tinha vícios nem passatempos, a menos que se considere o trabalho como tais. Vivia com parcimônia, não se importava com objetos de consumo, não era dado a luxos, nunca colecionou nada, detestava ostentação. Abominava também o desperdício. Fez o possível para educar seus filhos e netos nessa mentalidade austera.
Quanto ao apego à verdade, era simplesmente seu modo de ser. É provável que eu nunca o tenha visto mentir. Era de uma franqueza, não raro a respeito dele próprio, sempre definida como desconcertante. Desprezava a hipocrisia, ironizava todo moralismo, sorria dos belos sentimentos e boas intenções que usamos para dissimular a dureza da realidade. Sua pedagogia como pai, intuitiva mas meditada, era uma escola da verdade. Tratava as crianças com carinho, mas como seres pensantes.
Meu pai trouxe da infância uma atitude de respeito pelo sofrimento alheio. Ele próprio sofreu aos 7 anos quando sua mãe, d. Elvira, morreu de forma inesperada. Seu pai, o juiz Luiz Torres de Oliveira, certa vez adotou a família de um operário que perdera o emprego por causa de uma decisão judicial. Mas a infância de meu pai já transcorreu em meio a dificuldades materiais. Adulto, conheceu o triunfo e o desastre, os dois impostores do verso de Kipling que ele gostava de citar.
Para ele, o dinheiro logo se tornou algo que não deveria ser desfrutado, e sim empregado como instrumento para gerar mais riquezas e empregos. Mencionava às vezes um ditado comercial que diz ‘é imoral perder dinheiro nos negócios’. E explicava que quem comete esse erro acaba arrastando para o infortúnio funcionários, fornecedores e até credores -junto com seus dependentes.
Sei que meu pai fazia contribuições discretas, como era de seu feitio, a algumas instituições de solidariedade social, e que por meio dos jornais ajudou muitas outras. Mas acredito que a principal doação tenha sido a de sua inteligência extraordinária e energia quase inesgotável à tarefa de criar os empregos que ao longo de seis décadas sustentaram milhares de famílias.
No esboço deste elogio sumário, devo acrescentar a figura do marido, pai, avô, irmão, tio e sogro profundamente amoroso que ele foi. Suas maneiras informais, sua disposição acolhedora e bem-humorada já despertavam simpatia à sua volta. Sem prejuízo das homenagens devidas à dimensão pública e jornalística que a imagem de meu pai assumiu, seu desaparecimento causou um grau de emoção, até de contrariedade, incomum na despedida de um homem de idade avançada.
Mas suas qualidades humanas só podiam ser apreciadas por inteiro em casa. Ele era compreensivo, doce, afetuoso. Era tolerante, amigo e encorajador. Não tinha preconceito, nem culpa, nem mágoa. Era companheiro para qualquer aventura, um entusiasta dos sonhos dos outros. Formou tarde esta que seria sua família definitiva, razão pela qual tinha urgência de ensinar e compartilhar. No entanto, teve tempo para amar sua família sem pressa e como poucos amaram; foi também amado por ela até o último instante de uma vida luminosa e -até onde isso é possível- feliz.
Escrever este relato levantou um turbilhão de lembranças e sentimentos. Encerro por aqui, prezado d. Manuel, em respeito a seu tempo e também porque o assunto seria para mim interminável. Perdoe o zelo de filho. Espero ter traduzido alguma noção do homem que meu pai foi e continua a ser na vida dos que o conheceram.
Um abraço cordial do
Otavio Frias Filho’
Painel do Leitor
Octavio Frias de Oliveira
‘‘Ana e eu gostaríamos de manifestar nossos sentimentos pela perda do grande profissional e empreendedor, cujo nome está intimamente associado à história da imprensa brasileira.’
CELSO AMORIM, ministro das Relações Exteriores (Brasília, DF)
‘Consternados pelo falecimento do ilustre jornalista Octavio Frias de Oliveira, expressamos nossa solidariedade à família e à equipe que ele construiu na Folha.’
MAURA PARDINI BICUDO VÉRAS , reitora da PUC (São Paulo, SP)
‘Queiram aceitar minhas condolências pela morte de Octavio Frias de Oliveira. Dele permanecerá a memória de um dos mais dinâmicos empresários de cultura deste país. Surpreendi-me quando, certa vez, ele me disse que não era doutor. Mais surpreendente do que a declaração foi a simplicidade com que a disse. Mais do que doutor, foi um mestre.’
FRANCISCO CORREA WEFFORT , ex-ministro da Cultura (São Paulo, SP)
‘O país perde o maior ‘publisher’ de sua história. Nossa visão é a de que, muito além do profissional, perdemos o exemplo de ser humano simples, humilde, honesto e, ao mesmo tempo, um excelente empresário.’
JOSEPH COURI , presidente do Sindicato das Micro e Pequenas Indústrias do Estado de São Paulo -Simpi (São Paulo, SP)
‘Consternada com o passamento desse grande brasileiro, aceitem seus familiares e funcionários do Grupo Folha os nossos mais profundos pesares.’
ANITA LOUISE REGINA HARLEY , diretora vice-presidente da Arthur Lundgren Tecidos – Casas Pernambucanas (São Paulo, SP)
‘O empresário, jornalista e homem público Octavio Frias de Oliveira exerceu, entre tantos outros, um papel crucial na consolidação da democracia brasileira, pela sua competência, destemor e comprometimento com a ética.’
RICARDO IZAR , deputado, presidente do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar (Brasília, DF)
‘Octavio Frias de Oliveira se destacou pelo seu estilo de homem pragmático, com singular visão sóciocultural do jornalismo. Um exemplo magnânimo de vencedor.’
MÁRIO CHAMIE , poeta (São Paulo, SP)
‘Pude conhecer de perto ‘seu’ Frias, com seu dinamismo, coragem e inteligência aguda, quando tive o privilégio de atuar como editorialista da página 2 e membro do Folhetim, na virada dos anos 70. Em momentos difíceis para o país, vi-o tomar decisões, debatendo e sondando o futuro da nação e do mundo com rara sensibilidade. Quando me convidou para escrever a ‘História da Folha de S. Paulo -1921/1981’, deixou-me completamente à vontade, evitando que a ‘voz do dono’ interferisse no resultado. Era um ‘gentleman’. Cético, porém não pessimista.’
CARLOS GUILHERME MOTA , historiador (São Paulo, SP)
‘A Federação das Associações de Imprensa do Brasil (Faibra) e a Federação Nacional da Imprensa (Fenai) lamentam sinceramente o falecimento do empresário e publisher Octavio Frias de Oliveira, destacando a importância de suas ações para o desenvolvimento e engrandecimento da imprensa brasileira.’
J.H. OLIVEIRA JÚNIOR , presidente da Faibra/Fenai (Brasília, DF)
‘Envio à família de Octavio Frias de Oliveira e à Folha de S.Paulo meus sinceros pêsames pela morte desse empresário que tanto contribuiu para tornar mais livre, plural e moderna a imprensa brasileira.’
ANTONIO CICERO, poeta e colunista da Folha (Rio de Janeiro, RJ)
‘Transmito minhas condolências à Folha e a todos os brasileiros pela morte de um dos mais inteligentes, inquisitivos e criativos homens de imprensa de nosso país.’
MARCOS CINTRA , vice-presidente da Fundação Getulio Vargas (São Paulo, SP)
‘O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor manifesta seu pesar pelo falecimento de Octavio Frias de Oliveira. O Brasil ganhou muito com sua teimosia em defesa da democratização e, especialmente, com a pluralidade de idéias presente na Folha. Vale ressaltar o espaço dedicado à defesa do consumidor, às coberturas empenhadas na informação e à formação de um público consciente de seus direitos.’
MARILENA LAZZARINI , coordenadora-executiva do Idec (São Paulo, SP)
‘A comunidade judaica do Brasil e suas lideranças foram alguns dos beneficiários do pluralismo e do caráter democrático que o senhor Octavio Frias de Oliveira deu à Folha de S.Paulo e que seus filhos têm sabido prosseguir.’
JACK TERPINS , presidente da Confederação Israelita do Brasil (São Paulo, SP)
‘Recebam meus sinceros pêsames pela perda inestimável para toda a nação.’
MANOEL FRANCISCO PIRES DA COSTA , presidente da Fundação Bienal (São Paulo, SP)
‘Aos familiares do doutor Octavio Frias de Oliveira e a seus companheiros da Folha de S.Paulo, minhas condolências pela perda deste grande brasileiro.’
CARLOS DIEGUES , cineasta (Rio de Janeiro, RJ)
‘Transmito aqui minhas condolências à família de Octavio Frias de Oliveira, que deixa para o futuro um legado imprescindível para a democracia e para a cultura neste país: o respeito ao pluralismo político e à diversidade cultural.’
JOÃO BATISTA DE ANDRADE , escritor, cineasta e ex-secretário de Cultura do Estado de São Paulo (São Paulo, SP)
‘A perda de Octavio Frias de Oliveira deixou o Brasil mais pobre. E trouxe para todos a responsabilidade de continuar fazendo e escrevendo a história do país com a mesma dignidade e integridade com que ele sempre se pautou.’
ORLANDO DINIZ , presidente da Federação do Comércio do Estado do Rio de Janeiro (Rio de Janeiro, RJ)
‘Sensibilizado com o falecimento de Octavio Frias de Oliveira, manifesto os meus sentimentos de pesar e conforto a todos os familiares.’
FERNANDO DAMATTA PIMENTEL , prefeito de Belo Horizonte (Belo Horizonte, MG)
‘O país lamenta a perda do homem que se transformou em referência na área de comunicação. Visionário, marcou a sua e as próximas gerações com um legado de determinação e ousadia.’ IRIS REZENDE E FAMÍLIA , prefeito de Goiânia (Goiânia, GO)
‘A União Brasileira de Escritores lamenta profundamente o falecimento do doutor Octavio Frias de Oliveira, um dos nomes de expressão maior da imprensa brasileira.’
LEVI BUCALEM FERRARI , presidente (São Paulo, SP)’
Folha de S. Paulo
Bispo destaca independência de Frias em missa de 7º dia
‘D. Manuel destacou na homilia a independência do empresário durante a ditadura militar (1964-1985). ‘Minha geração é testemunha disso’, afirmou, mencionando o ‘engajamento no movimento das Diretas-Já’. ‘Todas as homenagens que justamente recebeu são reconhecimentos dos que acompanharam a vida de Octavio Frias de Oliveira.’
A cerimônia teve início às 10h35, com a entrada dos celebrantes ao som de integrantes do Coro da Orquestra Sinfônica de São Paulo, sob regência da maestrina Naomi Munakata. Foram executados trechos da peça ‘Requiem’, de Gabriel Fauré (1845-1924), grande nome da música erudita francesa.
Ao mencionar a primeira leitura da missa, o ‘Sermão da Montanha’, de são Mateus, d. Manuel a associou à vida de Frias e aos valores cristãos. ‘Jesus chama de felizes os pobres de espírito, os que têm capacidade de chorar, os que têm mansidão na busca de seus direitos, quem é misericordioso, quem trabalha pela construção da paz. Com certeza, Octavio Frias de Oliveira concordaria com esses conceitos, pois consciente ou inconscientemente os viveu e os praticou.’
O presidente Lula, que na segunda-feira compareceu ao velório, foi representado pelo ministro do Desenvolvimento, Miguel Jorge. O governador José Serra, também presente no cemitério Gethsêmani, fez-se representar pela primeira-dama, Monica Serra, e por seu vice, Alberto Goldman.
Na igreja, estiveram presentes autoridades como o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (DEM, ex-PFL), e os senadores Tasso Jereissati (PSDB-CE) e Eduardo Suplicy (PT-SP). Também compareceram à cerimônia empresários, como David Feffer, do grupo Suzano, Eugênio Staub, da Gradiente, e Mario Amato, ex-presidente da Fiesp. E intelectuais, como o historiador Boris Fausto e os cientistas políticos Leôncio Martins Rodrigues e José Augusto Guilhon Albuquerque.
A viúva, Dagmar Frias de Oliveira, estava acompanhada dos filhos Maria Helena, Otavio, Luís e Maria Cristina, dos nove netos e dos três bisnetos.
As leituras litúrgicas foram feitas por familiares do empresário. Regina Queiroga Gomes dos Santos, sobrinha de Frias, leu um trecho do Livro de Jó.
Maria Helena, filha mais velha do empresário, leu passagem da Carta de São Paulo aos Coríntios (‘Como em Adão todos morrem, assim também em Cristo todos reviverão’). A oração dos fiéis foi feita por Celina, 11, neta do empresário.
Após a eucaristia, Eleonora de Lucena, editora-executiva da Folha, prestou uma homenagem a Octavio Frias de Oliveira. ‘Sobretudo aprendemos que é vital ser independente, ter autonomia frente aos interesses dos poderosos da época e assumir as responsabilidades decorrentes disso’, disse.
Em seguida, Maria Cristina Frias leu um poema que foi caro a seu pai: ‘If’ (‘Se’), do autor inglês Rudyard Kipling (1865-1936), em tradução de Guilherme de Almeida. O poema, que destaca o valor do esforço e ensina a tratar com igual serenidade a desgraça e o triunfo, ‘esses dois impostores’, condensa a filosofia de vida de Frias.
Por fim, d. Manuel leu mensagem enviada por dom Paulo Evaristo Arns: ‘A obra mais expressiva de Frias continuará, beneficiando São Paulo e o Brasil’, escreveu o arcebispo emérito de São Paulo, personagem destacado do processo de redemocratização do país.
Ao final da cerimônia, às 11h40, a família foi cumprimentada pelos presentes. A primeira-dama do Estado, Monica Serra, disse que seu marido, o governador José Serra (PSDB), é grande admirador do empresário. ‘Frias foi um criador. O Serra está muito triste.’
Um dos primeiros a chegar à igreja, o mecânico Jorge Pedro dos Santos, 62, leitor dos jornais do Grupo Folha, disse que aprendeu a admirar o empresário. ‘Sou um ex-garoto de rua de Salvador. Cresci com a mesma bravura que seu Frias teve quando comprou o jornal. Passei a admirá-lo porque ele não nasceu em berço de ouro.’
Até novembro passado, quando sofreu uma queda doméstica e teve de ser submetido a cirurgia para remoção de hematoma craniano, Frias participava do dia-a-dia do jornal que adquiriu em 1962 e que transformou no maior do país, base de um conglomerado que reúne o UOL, maior portal brasileiro de internet, o diário ‘Agora’, o instituto Datafolha, a editora Publifolha, a gráfica Plural e o jornal econômico ‘Valor’ -este em parceria com as Organizações Globo.
Personalidade inquieta e dinâmica, ‘seu Frias’, como era conhecido, teve uma atuação na imprensa marcada por pela independência em relação a governos e grupos econômicos, pelo pluralismo de visões em seus veículos de informação e pelo empreendedorismo que alicerçou a escalada de circulação da Folha.’
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Políticos elogiam atuação na retomada da democracia no país
‘Políticos presentes ontem à missa de sétimo dia pela morte do publisher da Folha, Octavio Frias de Oliveira, destacaram o papel do empresário na retomada da democracia no Brasil, a partir da metade dos anos 70.
‘O sr. Frias é um homem que ganhou o respeito de todo o Brasil. Merece ser sempre lembrado com gratidão por nosso povo pelo seu esforço para ajudar o país a retomar o regime democrático. Ele trabalhou de maneira incessante pela liberdade’, afirmou o governador interino de São Paulo e secretário de Desenvolvimento, Alberto Goldman (PSDB).
A primeira-dama de São Paulo, Mônica Serra, foi à missa e representou o governador do Estado, José Serra (PSDB), que está em viagem ao exterior.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva enviou para representá-lo Miguel Jorge, ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. ‘Não estou aqui apenas na condição de ministro, mas principalmente na de jornalista. Frias nunca confundia a pessoa física com a pessoa jurídica. E gostava de ser tratado de igual para igual’, disse o ministro.
O ministro do Esporte, Orlando Silva Jr., disse ‘admirar o trabalho de Frias pela grande obra que foi capaz de construir’. O prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (DEM), declarou que, ‘nessas horas, as palavras são as mais simples: nossa gratidão pelo papel no fortalecimento da democracia’.
O senador Eduardo Suplicy (PT-SP) afirmou que ‘Frias canalizou os sentimentos tão fortes de liberdade e democracia pelos quais a população clamava no final da ditadura militar’. Segundo ele, ‘foi sobretudo por meio da Folha que esse sentimento foi expressado’.
Nas palavras do presidente do PMDB, deputado federal Michel Temer (SP), Frias ‘percorreu o caminho da democracia, da liberdade, da ética e da justiça social’. Segundo ele, o publisher da Folha ‘ajudou a valorizar e a implantar esses conceitos em nosso país por meio de suas publicações’.
O presidente nacional do PSDB, senador Tasso Jereissati (CE), disse: ‘Frias foi um dos homens mais importantes da imprensa no Brasil. Transformou a Folha em marco e referência’. O secretário de Justiça e Defesa da Cidadania de São Paulo, Luiz Antonio Marrey, declarou: ‘Após a luta e a dor pela perda de Octavio Frias, ficam o seu exemplo de vida, a família que construiu e a sua obra de construção de um país democrático e de uma imprensa independente’.
Rodrigo César Rebello Pinho, procurador-geral de Justiça do Estado de São Paulo, disse que Frias foi um ‘exemplo de jornalista, de empresário e de cidadão que lutou com vigor pela volta dos valores democráticos’.
A ex-prefeita de São Paulo e hoje deputada federal Luiza Erundina (PSB-SP) afirmou que Frias foi ‘um grande profissional de imprensa e uma pessoa bastante afetuosa’. O ex-governador e ex-prefeito Paulo Maluf, agora deputado federal pelo PP paulista, disse que, para ele, ‘Frias não era apenas um jornalista mas um grande amigo’.
Almino Affonso, ex-ministro do Trabalho e da Previdência Social no governo Jango, disse: ‘Frias deu contribuição extraordinária por ter sido a Folha o primeiro local no qual pessoas como eu pudemos escrever no final dos anos 70, quando voltei do exílio’.
Entre outros políticos, também compareceram à missa os deputados federais do PSDB paulista Edson Aparecido, José Aníbal e Paulo Renato Souza, o presidente da Assembléia Legislativa de SP, o tucano Vaz de Lima, os secretários estaduais paulistas Aloysio Nunes Ferreira (Governo) e José Aristodemo Pinotti (Ensino Superior), o ex-prefeito Miguel Colassuono, os ex-governadores Luiz Antônio Fleury Filho e José Maria Marin, e o secretário municipal de Esportes, Lazer e Recreação da cidade de São Paulo, Walter Feldman.’
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Empresários lembram espírito de inovação e ‘ceticismo otimista’
‘Um empreendedor com um senso agudo de inovação, um otimista temperado pelo realismo, um homem sem vaidades. Foi assim que muitos empresários lembraram Octavio Frias de Oliveira na missa celebrada ontem em memória do publisher da Folha.
‘Sr. Frias era um empresário visionário, que olhava sempre para o futuro. Atuava em vários ramos de atividade e sempre teve sucesso, pois se colocava sempre à frente de seu tempo. A Folha, que ele transformou no jornal mais importante do país, mostra a sua capacidade de administração e seu conhecimento’, afirmou Abram Szajman, presidente da Federação do Comércio de São Paulo.
Realismo
Para Mario Amato, ex-presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Frias de Oliveira ‘venceu pelo trabalho, pelo espírito de empreendedor e de inovador, dos maiores que o país teve, que sabia descobrir as oportunidades, que via o futuro com otimismo e realismo. Tinha amizade profunda por esse homem de alma maravilhosa’.
O realismo de Frias de Oliveira foi ressaltado por João Carlos Saad, presidente do Grupo Bandeirantes: ‘Sempre foi um homem cético’. Saad lembrou que o empresário parecia-lhe um ‘guia prudente’ no que diz respeito à conjuntura econômica do país.
‘Em diversas situações, sr. Frias não era nem tão animado nem tão desanimado. Quando muita gente se animou no período em que um real valia um dólar, o sr. Frias dizia: ‘Olha!!!’. Era um empresário muito pé-no-chão. Quando eu ficava animado demais com a economia, me diziam: ‘Você precisa conversar com o sr. Frias’.’
A discrição e a ausência de vaidade foram outros traços da personalidade de Frias de Oliveira destacados por seus pares, como David Feffer, presidente do grupo Suzano. ‘Um exemplo de pessoa empreendedora. Obstinado, corajoso, sempre humilde. Meu avô (Max Feffer), que conviveu com ele, me contava que, no início da Folha, sr. Frias sentava num caixote de madeira para trabalhar. Foi um homem que quebrou paradigmas. Revolucionou a mídia brasileira.’
‘Fazia política sem ser político. Defendeu a liberdade para a sociedade, sem [aderir a] partido. Mudou a minha vida. Aprendi com ele que a humildade é a maior arma para quem tem poder’, conta Alencar Burti, presidente da Associação Comercial de São Paulo.
A atitude de Octavio Frias de Oliveira de abrir as páginas do jornal a várias correntes de opinião e a intelectuais perseguidos pelo regime militar foi lembrada por economistas como Luciano Coutinho, presidente do BNDES, e Pérsio Arida, ex-presidente do Banco Central e também do BNDES. ‘Foi um grande renovador do jornalismo, de muita coragem em momentos difíceis da história do país’, disse Arida.
Exemplo
‘É uma perda muito grande para o Brasil. Foi um jornalista que lutou pela nossa democracia e participou ativamente de todos os eventos brasileiros com uma cobertura sempre isenta. Um exemplo de cidadão para o Brasil’, disse Milú Villela, presidente do Faça Parte – Instituto Brasil Voluntário, embaixadora da Boa Vontade da Unesco, presidente do Museu de Arte Moderna e do Instituto Itaú Cultural.
O grande empreendedor foi lembrança constante entre os empresários presentes, como o sublinharam o ex-ministro do Desenvolvimento e consultor Alcides Tápias, o empresário Eugênio Staub e o secretário de Emprego do Estado de São Paulo e igualmente empresário Guilherme Afif Domingos.
‘Devemos esse tributo a ele’, disse Afif. ‘Foi o perfeito exemplar de empresário, que daria certo em qualquer setor’, afirmou o publicitário Alex Periscinoto. Também assistiu à missa o publicitário Luiz Salles.’
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A mensagem de Dom Paulo
‘Aos prezados amigos e parentes da Família Frias, Não podendo presidir nem concelebrar a santa missa de sétimo dia de nosso pranteado amigo Frias, desejo comunicar breves palavras de confiança, esperança e conforto.
Para quem viveu o dia-a-dia do jornalista e grande defensor da liberdade, da democracia plena e da cidadania para os nosso tempos, Deus, Senhor da História e da justiça eterna, nos garante, ao menos, as três coisas importantes:
1- A obra mais expressiva do amigo e parente Frias continuará, beneficiando São Paulo e o Brasil.
2- As lágrimas, as saudades e a nossa gratidão devem, e podem, transformar-se em luz, verdade e vida, como ensina a Bíblia.
3- O nosso verdadeiro encontro se dará na eternidade feliz. Embora não tenhamos pressa, queremos prepará-lo na justiça, na verdade, na solidariedade e na luta pela paz.
Seu,
Paulo Evaristo, Cardeal Arns
Arcebispo Emérito de São Paulo
– Saudações especiais ao senhor bispo dom Manuel Parrado Carral e concelebrantes.
São Paulo, 4 de maio de 2007
Mensagem do cardeal Arns, arcebispo emérito de São Paulo, lida por d. Manuel Parrado Carral, na missa realizada na manhã de ontem.’
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‘Sua Excelência, o leitor’ marca presença na igreja
‘O empresário Octavio Frias de Oliveira referia-se a eles como ‘Sua Excelência, o leitor’. Ontem, em meio a autoridades, empresários, parentes e amigos da família, eles estavam lá, na igreja Santuário Nossa Senhora do Rosário de Fátima, para assistir à missa de sétimo dia pela morte de Frias.
Alguns percorreram longas distâncias de ônibus ou até mesmo a pé. ‘Caminhei por uma hora e vou fazer a volta. Considero dr. Frias um dos maiores jornalistas e empresários de mídia, junto com Assis Chateaubriand [Diários Associados] e Roberto Marinho [Organizações Globo]’, disse um suado administrador de empresa Luiz Carneiro, 55, após caminhar cerca de 4 km de Higienópolis até o Sumaré.
Houve quem entrasse na igreja por acaso e resolvesse ficar. ‘Eu não sabia que a missa seria aqui. Estava passando em frente e, quando vi o que era, não pude deixar de entrar. Leio a Folha há muitos anos’, disse a professora Maria Dirce.
Outra professora, a aposentada Ruth Carvalho Tobal, 73, saiu de casa, na Chácara Santo Antônio, em Santo Amaro, às 9h. Pegou dois ônibus e o metrô para chegar ao Sumaré a tempo da missa, iniciada às 10h35. ‘Gosto muito da Folha. Não pude ir ao velório porque estava em Guaratinguetá. Hoje, me senti na obrigação de vir.’
Ex-menino de rua, o encanador Jorge Pedro dos Santos, 62, já estava lá antes das 10h. Elogiando o papel do grupo, especialmente o jornal ‘Agora’ para seu dia-a-dia, ele citava detalhes da vida de Frias para dizer que se identificava com a biografia do empresário. ‘Ele veio de baixo. Os pequenos inteligentes e sociáveis observam os grandes. Não são só os grandes que observam os pequenos.’
A missa de sétimo dia reuniu famílias, como a do empresário José Ricardo De Vita, que acompanhava a mãe, Jacyra, 81, na igreja. ‘Passei a admirar Frias durante a ditadura militar. A atitude corajosa continuou durante o governo Collor’, declarou o empresário.
Morador de Vila Nova Conceição, o músico Fábio Caramuru, 50, disse ter ido à missa por considerar a Folha ‘o melhor e mais lúcido’ jornal do país. Na fila dos cumprimentos aos familiares, a teóloga Maria Alice da Silva, 55, declarou-se ‘admiradora de seu Frias’.
‘Sou assinante. Tenho o maior carinho e respeito pelo seu Frias. Fez um grande jornal’, elogiou o professor de inglês e comerciante Flávio de Paiva Fernandes, 57.
Sentado no fundo da igreja, o eletricista Gineton Alves Cirilo afirmou que conheceu Frias quando foi à sua casa uma vez executar um serviço. Acabou voltando sempre que era preciso, durante muitos anos.
‘Seu Frias era uma pessoa simples, de boa conversa. Teve uma trajetória muito bonita como jornalista’, disse Cirilo.’
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‘O que fica em comum para todos é o aprendizado’
‘Cara família Frias de Oliveira, meus colegas:
Trago aqui palavras em homenagem a Octavio Frias de Oliveira. Poderia relatar, como a maioria dos aqui presentes, histórias exemplares de inteligência, tolerância e coragem. Nesta última semana, nos corredores do Grupo Folha -e em várias outras redações pelo país-, muitos de nós revivemos algum momento com ele. Lembramos uma pauta provocativa, uma pergunta arguta, uma crítica irretorquível ou um elogio entusiasmado. Rememoramos as anotações em vermelho num editorial, os pontos de interrogação numa reportagem, um sorriso no elevador ou o caminhar sereno pelas pedras portuguesas da calçada da Barão de Limeira.
Não vou fazer isso. Cada um de nós guardará com carinho essas lembranças particulares. O que fica em comum para todos é o aprendizado. Nesses anos de trabalho com o sr. Frias aprendemos a ser jornalistas e seres humanos melhores. Aprendemos a fazer perguntas, a buscar entender os diferentes lados de um problema, a reconhecer nossos erros e a lutar para superar nossas limitações.
Aprendemos que é preciso construir a cada dia um produto melhor, mais completo e aprofundado, voltado para o leitor. Aprendemos a não nos contentarmos com uma boa edição, com a liderança de mercado, com um furo ou com um resultado programado. Somos insatisfeitos e é assim que avançamos e crescemos.
Aprendemos a importância de defender a democracia, o contraditório, o plural. Aprendemos que é necessário cultivar o espírito crítico e não esquecer a dramaticidade dos abismos sociais e econômicos do Brasil.
Sobretudo aprendemos que é vital ser independente, ter autonomia frente aos interesses dos poderosos da época e assumir as responsabilidades decorrentes disso.
A ousadia, a curiosidade e a energia de Octavio Frias de Oliveira contaminaram o Grupo Folha, e estão entranhados no seu cotidiano. Na Folha, no UOL, no ‘Agora’, no ‘Valor’, no Datafolha, na Publifolha e em todas as outras unidades do grupo buscamos seguir esse modelo. Um paradigma que já não pertence mais só ao Grupo Folha, mas que espalha raízes na mídia brasileira como um todo e é a referência para profissionais de diferentes gerações e regiões do país.
Fico por aqui. Pois, como sabia sr. Frias, amanhã tem jornal.
Muito obrigada.
Eleonora de Lucena’
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Sociedade civil homenageia empresário
‘Intelectuais, atores, advogados, publicitários e jornalistas compareceram à missa de sétimo dia de Octavio Frias de Oliveira. Da diversidade de pessoas resultou uma imagem multifacetada do empresário: cada um tinha uma lembrança particular de Frias de Oliveira.
‘Ele era de uma integridade muito grande. E, apesar de sempre ter se negado a se ver como jornalista, foi o maior jornalista que conheci’, afirmou o cientista político José Augusto Guilhon Albuquerque, professor titular aposentado da FEA.
O advogado e ex-ministro da Justiça José Carlos Dias recordou a posição de Frias de Oliveira quando a Polícia Federal invadiu a Folha em 1990, no governo Collor.
‘Eu vi a firmeza com que se posicionava para impedir a invasão. Participei da reunião para elaboração do editorial e percebi sua liderança nas horas decisivas. Sem dúvida, o Frias foi um dos homens mais marcantes da história da liberdade de imprensa no Brasil.’
Estiveram na missa o secretário de Cultura do Estado, João Sayad, e sua mulher, a empresária Cosette Alves, os atores Sérgio Mamberti, Bruna Lombardi, Carlos Alberto Ricelli, Cristina Mutarelli, Iara Jamra e Mika Lins.
Dois jornalistas que foram porta-voz do presidente Luiz Inácio Lula da Silva também foram à cerimônia: Ricardo Kotscho, ex-repórter especial da Folha, e André Singer, ex-secretário de Redação.
O cientista político Leôncio Martins Rodrigues disse que admirava a capacidade empresarial de Frias de Oliveira, sobretudo a sua visão sobre a importância da tecnologia, porém considera que o maior legado dele foi a independência editorial, não só diante dos Poderes mas também por meio da pluralidade de pontos de vista que abrigava no jornal.
Sonhador
O publicitário Nizan Guanaes ressaltou a capacidade empreendedora de um Frias de Oliveira já com idade avançada.
‘Ele sonhava acordado, com os pés no chão, e acho que influenciou toda uma geração de jovens empreendedores que se seguiram a ele’, disse Nizan. ‘Vendo um homem de uma certa idade, mas com um pensamento tão jovem, nos sentíamos empurrados por aquele pragmatismo sonhador.’
Também estiveram na cerimônia Francisco Mesquita Neto e Fernão Lara Mesquita, que integram o conselho de administração do Grupo Estado, os editores Pedro Paulo de Sena Madureira e Wagner Carelli.
‘A obra dele como empresário é indiscutível. É só ver a diferença entre o que ele recebeu e o que ele deixou’, afirmou Fernão Mesquita, referindo-se ao fato de o empresário ter comprado a Folha quando era um jornal pouco expressivo.
Pessoa rara
O jornalista Boris Casoy, que foi editor-chefe da Folha entre 1977 e 1984, preferiu frisar a complexidade do empresário.
‘Alguém já o comparou a aquele artigo da [revista] ‘Seleções’, ‘O Meu Tipo Inesquecível’. Ele era o meu tipo inesquecível. Não pense que ele era bonzinho, no mau sentido, com os que o cercavam. Nada. Se precisasse cobrar, ele cobrava. Dava bronca, disciplinava, ensinava. Não pense que as pessoas gostavam dele porque era carinhoso. As pessoas gostavam dele porque era inteligente, racional e conhecia o ser humano. A maioria das pessoas não vem aqui [na missa] por temor reverencial à Folha. A maioria vem porque tem uma memória boa dele’, afirmou Casoy.
O jornalista Matinas Suzuki Jr., que foi editor-executivo da Folha, disse que a lembrança mais forte que tinha do empresário era como uma pessoa rara: ‘Penso no ‘seu’ Frias como uma ararinha azul, uma espécie raríssima, uma pessoa muito livre, sem dogmas de pensamento econômico, sem dogmas de pensamento político, que fez da simplicidade e da informalidade um valor’.
A atriz Bruna Lombardi afirmou que ‘ele foi uma pessoa que nos deixou o sentimento de que dá para fazer um país melhor com inteligência e com liberdade’.
Sena Madureira recordou-se da solidariedade do empresário: ‘Desde 1989, quando eu me mudei para São Paulo, o ‘seu’ Frias foi a pessoa que esteve do meu lado, sobretudo nas minhas horas mais difíceis’.
Também compareceram à missa os médicos Miguel Srougi, Raul Cutait e Anthony Wong, o historiador Boris Fausto, e o dono de restaurante Massimo Ferrari.
Estiveram presentes ainda os jornalistas Claudio Weber Abramo, Leão Serva, Lilian Pacce, Junia Nogueira de Sá, Luís Nassif, Jorge da Cunha Lima, Carlos Alberto Di Franco e Aldo Pereira, além do arquiteto Nabil Bonduki, do advogado Ives Gandra da Silva Martins e da psicanalista Anna Verônica Mautner.’
RC vs. PLANETA
A censura de Roberto Carlos é coisa arriscada
‘ROBERTO CARLOS corre o risco de se transformar numa fracassada celebridade da história da censura. Amparado na Justiça, ele obteve da Editora Planeta e do escritor Paulo César Araújo o compromisso de retirar das livrarias todos os exemplares de ‘Roberto Carlos em detalhes’. O cantor não gostou da biografia e considerou ‘uma falta de respeito lançar mão da minha história, que é um patrimônio meu’.
Num artigo excepcional, o escritor Paulo Coelho, um dos autores mais festejados pelos leitores e massacrados pela crítica, condenou a atitude do cantor, a capitulação da editora e mostrou que no caso esteve em jogo ‘o destino de todos os escritores brasileiros’ .
O fogo aceso por Roberto Carlos poderia se transformar numa daquelas infindáveis discussões sobre censura, privacidade, neurastenia e sensacionalismo, mas faltou sorte ao cantor. Já houve casos semelhantes e, num deles, em vez de se queimar o livro, queimou-se um pedaço da reputação da família do presidente francês François Mitterrand, morto em 1996. Uma semana depois do funeral, Claude Gluber, seu médico pessoal, publicou o livro ‘O Grande Segredo’, contando que, desde 1981, Mitterrand padecia de um câncer de próstata disseminado nos ossos. No último ano de governo não tinha condições físicas para exercer a Presidência da França.
Gluber foi condenado a quatro meses de prisão por quebra do sigilo médico, a família ganhou uma indenização e o livro foi recolhido. Nove dias depois da apreensão, ‘O Grande Segredo’ estava na internet. O dono de um café copiara um exemplar, pusera o texto na rede e conseguira uma demanda de mil internautas por hora. Arrumaram um pretexto e prenderam o homem, mas no dia seguinte o texto apareceu na página de uma estudante da Universidade de Glasgow. Ainda não se passara um mês e começou a tradução para o inglês, obra de um grupo de voluntários do Knox College. Logo depois, a edição virtual do livro banido virou notícia no ‘New York Times’.
Em 2004, o governo francês foi condenado pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos por ter banido o livro, que hoje está nas livrarias e na internet.
‘Roberto Carlos em detalhes’ custava R$ 50 nas lojas. Se cair na rede, sairá de graça.’
TELEVISÃO
Vida de ursinho é ‘Big Brother’ alemão
‘Rejeitado pela mãe ao nascer, alimentado com mamadeira no zoológico, cercado apenas por humanos, o filhote de urso polar Knut, cinco meses, renderia um choroso melodrama da Disney ou em Hollywood. Quase como um Mogli às avessas.
Mas, na Alemanha, onde vive no Zoológico de Berlim, a saga de Knut virou uma autêntica novela, que encanta os alemães, que não se cansam de acompanhar o passo a passo desengonçado do ursinho. Nas bancas de jornais, Knut está em todas as capas, das revistas científicas e de ecologia às de fofocas e infantis. Bonecos de pelúcia do Knut são vendidos em vários pontos de Berlim a preços de 5 a 9 (R$ 14 a R$ 26).
Há cartões de crédito, músicas, programa de tevê, um cafonérrimo boneco de porcelana, além de bonés, camisetas e cartazes, tudo com sua imagem.
Knut é o primeiro filhote de urso polar nascido no zoológico de Berlim nos últimos 30 anos. A saga do urso começou em dezembro, poucos dias após o nascimento, quando Knut e seu irmãozinho foram rejeitados pela mãe, que se negou a amamentá-los.
O irmão morreu pouco depois. Seria o mesmo o destino de Knut, que começou a ser alimentado com mamadeiras por funcionários do Zôo de Berlim. A tevê e os jornais se encarregaram de criar um Baby Big Brother em cima do filhote.
No final de março, quando foi apresentado pela primeira vez ao público, diante de 300 jornalistas e cobertura ao vivo da CNN, Knut virou uma estrela internacional.
Negócios e ciúmes
O Zoológico de Berlim registrou a marca Knut e colocou o ursinho na primeira página de seu site na internet. Knut tem blog, escrito pelos tratadores.
De 5.000 visitantes diários, o Zoológico passou a 15 mil. Nas duas primeiras semanas de exposição pública de Knut, foram 30 mil visitantes – 40 mil nos feriados da Semana Santa.
O ingresso para adultos do Zôo é de 11, a tarifa reduzida para estudantes, idosos e desempregados é de 8 e crianças de 5 a 15 anos pagam 5,50. A reportagem da Folha esteve no zoológico no mês passado. Apesar de estar em uma altura privilegiada, pouco se vê do ursinho, no meio da multidão. Mas as pessoas aplaudem qualquer pirueta do animalzinho.
Os telejornais acompanham seu passo a passo desengonçado. Já foram motivos de manchete em horário nobre sua primeira febre e as dores quando nasceram os primeiros dentes caninos. Estressado, o horário de exposição pública de Knut foi reduzido a duas horas diárias nas últimas semanas.
Ambientalistas sugeriram que o ursinho fosse sacrificado, pois não seria natural que crescesse como um bebê. Algo que causou discussão internacional. A favor de Knut, claro.
Acusado de morte
Mas, localmente, jornais berlinenses acusaram Knut de responsável pela morte da ursa panda Yan Yan, 22.
Ela morreu pouco depois do início da visitação pública de Knut. Reportagens diziam que o excesso de visitantes no zoológico teria alterado a rotina de Yan Yan. Ciúmes? Depressão? Não faltaram especulações.
O Ministério do Meio Ambiente da Alemanha anunciou que Knut será o ‘garoto-propaganda’ da conferência da ONU sobre a diversidade biológica que acontecerá em Bonn, em maio de 2008.
Prova do apelo internacional do bebê-urso é a capa da atual edição da revista americana ‘Vanity Fair’, a bíblia do glamour. Lá ele posa, fotografado por Anne Leibovitz, ao lado do ator Leonardo Di Caprio.
Para Jörn Ehlers, diretor do escritório alemão da organização não-governamental WWF (iniciais em inglês de Fundo Mundial para a Natureza), o sucesso de Knut é ‘bem vindo’. ‘Ele chama atenção para várias espécies selvagens que estão em extinção, por culpa das mudanças climáticas.’
Com apenas cinco meses de idade, a vida amorosa de Knut já é debatida na Alemanha. O zoológico da cidade de Gelsenkirchen, no vale do Ruhr, pediu que Knut seja ‘emprestado’ para se acasalar com Lara, uma ursa polar de dois anos. Knut ainda não se pronunciou.’
Laura Mattos e Lucas Neves
Fábrica do desespero
‘Depois de boa carne, bom vinho, alfajores, doces de leite inesquecíveis e jogadores de futebol com tiara na cabeça, a Argentina agora abre uma fábrica de donas de casa desesperadas.
Buenos Aires foi escolhida para sediar uma verdadeira indústria de produção de versões latinas da premiada série norte-americana ‘Desperate Housewives’. O projeto tem investimento de US$ 50 milhões da Disney, detentora dos direitos do original. O programa, que está na terceira temporada nos EUA, conta a história de vizinhas que quase enlouquecem na tentativa de conciliar a vida doméstica, profissional e social. Mas vai além do drama cômico do dia-a-dia, ao inserir humor negro e uma trama policial a partir de um misterioso suicídio no primeiro episódio.
A versão brasileira, ‘Donas de Casa Desesperadas’, começou a ser gravada há duas semanas e será exibida pela Rede TV! a partir de agosto com Sônia Braga, Lucélia Santos, Teresa Seiblitz e Isadora Ribeiro.
Terá os mesmos cenário e figurino de pelo menos outras duas adaptações: uma argentina e outra para Colômbia e Equador. Chile, México e Venezuela também negociam para levar as suas donas de casa ao mesmo pólo de 45 mil m2 da Pol-ka, uma produtora argentina bem-sucedida, parceira na realização de ‘O Filho da Noiva’, indicado ao Oscar.
As casas e as roupas são também semelhantes às originais, com algumas adaptações para uma ‘cara latina’, imaginada pela Disney. As construções, de madeira no original, como é comum em bairros dos EUA, são de alvenaria nas latinas.
Sônia Braga, que será a Mary Alice brasileira (que se suicida no primeiro capítulo e vira narradora da história) usa a mesma roupa trajada por Cecilia Roth, consagrada atriz argentina, musa do cineasta espanhol Pedro Almodóvar. Foi dela o papel de Alicia Olviedo, a Mary Alice da versão argentina, ‘Amas de Casa Desesperadas’.
A atriz Teresa Seiblitz, que fará Lynette (Lígia para o Brasil), a desesperada mãe de quatro filhos, achou o sistema esquisito: ‘Quando experimentei o figurino que havia sido usado pela atriz argentina, estranhei. Depois pensei: ‘Estamos fazendo um clássico’, disse, na apresentação oficial do projeto, em São Paulo, na semana passada.
O sistema de franquia teledramatúrgica é visto como um modo de diminuir custos e melhorar a qualidade a partir do know-how norte-americano em série. À Rede TV!, que entra como co-produtora e exibidora, caberá um investimento de US$ 5 milhões, orçamento que seria insuficiente se a emissora, crua na teledramaturgia, estivesse sozinha na empreitada.
Há, contudo, desvantagens na padronização. A filha da divorciada atrapalhada Susan, que no Brasil é Susana (Lucélia), vai à escola com saia de prega xadrez, malha com gola ‘V’ sobre camisa branca, sapato de couro e meia curta, uniforme tipicamente argentino.
Outro grande perigo: o maquiador, assim como todos da produção, é da Argentina, onde a mulherada das novelas não economiza em sombras. Ficará a cargo de Fábio Barreto (‘O Quatrilho’), diretor de ‘Donas de Casa’, a missão de garantir que as atrizes tenham o visual mais natural, comum na teledramaturgia brasileira.
Ele terá também de realizar pequenas adaptações nos roteiros, trocando hábitos norte-americanos por brasileiros. Já no primeiro episódio, as donas de casa levam comida ao velório da amiga Mary Alice. O rega-bofe foi eliminado na versão do Brasil, onde isso não é habitual.
Qualquer alteração, contudo, tem de ser aprovada pela Disney. Para Barreto, não há mesmo tanto o que mudar.’O texto é muito rico e a sua eficiência já está comprovada’, afirmou.
Se ‘Donas de Casa Desesperadas’ conseguirá chegar aos pés de ‘Desperate’, isso só saberemos em agosto, quando estréia a primeira temporada (23 episódios). Mas o fato é que a TV brasileira começa a experimentar as fábricas internacionais de teledramaturgia, modelo que tende a crescer e pode conquistar espaço em um mercado no qual as redes ainda concentram a produção de quase toda a sua programação.’
Lucas Neves
Nos EUA, ‘Desperate’ é vista por 15 milhões
‘Na Wisteria Lane original, a aflição já não é atributo exclusivo das protagonistas de ‘Desperate Housewives’: os produtores da série norte-americana andam às voltas com a vertiginosa queda de audiência.
Na primeira temporada, cuja adaptação estréia na Rede TV! em agosto, 25 milhões de espectadores acompanhavam semanalmente a trama. À época (2004/2005), a série conquistou o Globo de Ouro e recebeu 15 indicações ao Emmy (o Oscar da TV ianque).
Agora, na reta final do terceiro ano (que termina no próximo dia 20), o programa registrou, no fim de abril, os dois índices mais baixos desde sua estréia: cerca de 15,5 milhões de espectadores.
Em outubro do ano passado, em franca recuperação depois de uma segunda temporada fraca, ‘Desperate’ era um dos três programas mais assistidos nos EUA. No Brasil, mantém essa posição no ranking do canal pago Sony; na Rede TV!, onde é veiculada domingo à noite, é sintonizada por 108 mil domicílios da Grande São Paulo.
Hoje, as picardias das pós-balzaquianas (categoria na qual só não cai Gabrielle) amargam nono lugar no ibope americano, apesar de ainda serem líderes em seu horário de exibição.
No ano 2, foi a partir da entrada de uma família sem qualquer ligação com o quinteto principal que as donzelas agoniadas começaram a perder fôlego. Os roteiristas não conseguiram integrar o novo núcleo à trama pregressa, e o resultado foi uma rejeição generalizada.
Em entrevista à imprensa internacional da qual a Folha participou, no fim de 2006, em Los Angeles, Teri Hatcher, que interpreta Susan, tentou explicar a queda de audiência. ‘O que vejo é que Marc [Cherry, criador da série] sentiu que o barco havia sido tomado dele, que havia perdido o controle sobre a história.’ Talvez vendo que o tal barco poderia ir a pique antes do imaginado, ela já se oferecia para estrelar um ‘spin off’ (série derivada) ao lado de Nicolette Sheridan, a intérprete de Edie, notória desafeta de sua Susan. ‘Poderia haver algo contra o que elas lutariam juntas’, arriscava.
Já Felicity Huffman, vencedora de um Emmy por sua Lynette, preferiu ficar a bordo do navio da memória. ‘Quando fui fazer o teste para a personagem, apresentei-me como uma mãe durona. Queria um papel que remetesse à loucura, à angústia da maternidade.’
Pois ela poderá encenar toda a insanidade nos episódios que o público brasileiro verá em breve, quando o marido abrirá uma pizzaria na vizinhança e um dos pizzaiolos dividirá a atenção entre a massa e a mulher do chefe. Em outras frentes da história, um certo filho chegará a Wisteria Lane e uma gravidez (não tardia; tire daí suas conclusões) será anunciada.’
Valmir Santos
Diretor dos Satyros estréia programa na TV Cultura
‘‘Meu quarto é mais seguro que a igreja’, diz o travesti Veruska para o homem evangélico com quem divide a cama. É uma passagem de ‘O Vento nas Janelas’, primeiro teleteatro do programa ‘Direções – Por um Novo Caminho na Teledramaturgia’ que a TV Cultura exibe a partir de hoje em co-produção com o SescTV.
Roteiro e direção levam assinatura de Rodolfo García Vázquez (Os Satyros), que adaptou conto homônimo de sua autoria.
Culpas e desejos se interpõem no caminho do Homem da Mala (Ivam Cabral), pai de família enamorado da ‘boneca’ Veruska (Tiago Moraes). Ele entra em conflito com o ‘outro lado’ da realidade, o da mulher, filha e avô que o esperam. A trama é narrada sob o ponto de vista do travesti.
Na concepção cenográfica da cidade fictícia em que se passa a ação, a referência de Vázquez é o filme ‘Dogville’ (2003), com ruas e fachadas de edifícios vazadas.
Como orientador artístico do projeto, Antunes Filho quer que ‘a garotada que está fazendo sucesso no teatro paulista’ contribua. ‘Eles podem renovar a linguagem da TV’, diz. Ao todo, serão produzidos 16 programas.
O VENTO NAS JANELAS
Quando: hoje, às 21h
Onde: TV Cultura’
Bia Abramo
Desespero das donas-de-casa tem solução
‘SÓ ESTRÉIA em agosto, mas foi a notícia da semana na área de TV: a Rede TV! apresentou o elenco de ‘Donas de Casa Desesperadas’ e divulgou números oficiais do investimento que vai fazer para a produção do seriado (US$ 5 milhões, cerca de R$ 10 milhões). O investimento é alto, o título é prestigioso e, no entanto, já tem cara de fiasco.
Como fazer a transposição de uma série que é baseada na cultura de subúrbio e no fato de que as personagens que são, simultaneamente, donas-de-casa à americana e mulheres modernas, liberadas? Por donas-de-casa à americana, entenda-se: trata-se de uma organização doméstica na qual estão total ou parcialmente ausentes as empregadas domésticas.
Parece um detalhe, mas não é. A piada do seriado é justamente esta, a de levantar o tapete de um modelo de domesticidade e destino feminino que, em linhas essenciais, tenta preservar uma divisão de trabalho, responsabilidades e universos tal como foi estabelecida lá nos anos 50.
Sim, aqui há donas-de-casa, mas elas são mesmo as donas das casas, administradoras do trabalho doméstico exercido por outras mulheres, e não as ‘esposas da casa’.
Apenas um exemplo: a personagem de Felicity Huffman, Lynette, é uma executiva de sucesso, que opta por cuidar dos filhos na primeira gravidez e se vê com quatro filhos pestes. Sem uma babá sequer, nem ao menos uma faxineira.
Ora, é só andar pelos parques e shoppings nos finais de semana em qualquer grande cidade brasileira para se espantar com a quantidade de moças vestidas de branco, carregando ou entretendo filhos únicos de casais perfeitamente saudáveis e aptos.
Se há algum mérito nas séries norte-americanas, ele está justamente na enorme capacidade de se representar, de maneira razoavelmente verossímil.
Aqui, a recusa em se enxergar é inacreditável.
Nesse sentido, ‘Paraíso Tropical’ está num fio de navalha. Se, por um lado, a representação do mundo corporativo e dos tipos à margem do dinheiro e do poder são excelentes, as relações amorosas são por demais presas aos modelos românticos. O problema de Paula e Daniel não é de uma eventual falta de química entre Fábio Assunção e Alessandra Negrini, mas da dificuldade de engolir a idéia de o desencontro amoroso ser fruto das circunstâncias, dos equívocos, do ‘destino’, em suma.’
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