Saturday, 21 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Folha de S. Paulo

VEJA vs. RENAN
Kennedy Alencar e Fernanda Krakovics

Renan planeja defesa para terça-feira

‘O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) pretende fazer um discurso, na próxima terça-feira, para explicar por que o lobista Cláudio Gontijo, da empreiteira Mendes Júnior, fazia pagamentos de despesas pessoais suas.

O lobista Cláudio Gontijo, da empreiteira Mendes Júnior, teria destinado à jornalista Mônica Veloso, com quem Renan tem uma filha, a quantia mensal de R$ 16,5 mil entre janeiro de 2004 e dezembro de 2006. O dinheiro pagava despesas da filha e o aluguel de um apartamento. Renan deve dizer que é amigo de Gontijo há mais de 20 anos e, como o lobista também conhecia a jornalista, pedia que ele entregasse o dinheiro a ela.

A estratégia foi definida ontem em reunião de Renan com os senadores Romero Jucá (PMDB-RR), que é líder do governo, José Sarney (PMDB-AP) e o ex-senador Luiz Otávio. O encontro foi na residência oficial do Senado e durou cerca de três horas.

Já está marcada para quarta uma reunião do Conselho de Ética do Senado. Segundo integrantes do conselho, a situação de Renan deverá ser discutida.

Defesa jurídica

Do ponto de vista jurídico, advogados afirmam que o segredo de justiça do processo de pensão alimentícia movido por Mônica Veloso seria argumento suficiente para Renan não se manifestar, inclusive sobre a relação com o lobista. Politicamente, porém, a situação de Renan é complicada.

Um dos pontos principais da defesa seria mostrar a legalidade dos recursos. Na esfera pessoal, Renan crê que o acordo realizado na sexta na Justiça para pagamento de pensão de R$ 7.000 por mês à filha evitará eventuais manifestações públicas hostis de Mônica.

Em nota divulgada na sexta, Renan disse que nunca teve gasto pessoal custeado por terceiros. ‘Meus compromissos sempre foram honrados com meus próprios recursos.’

Defesa política

Renan tem sido aconselhado a não mentir. Se apresentar versão inconsistente, poderá cometer quebra de decoro e ter ameaçada a permanência na presidência do Senado.

O clima no Congresso é de expectativa. Senadores são cautelosos, mas afirmam que Renan ainda deve explicações. ‘Esse assunto não pode ser tratado com leviandade. Ele deve explicações, mas não vou botar lenha nessa fogueira’, disse o senador Antonio Carlos Magalhães (DEM-BA).

Na avaliação do grupo de Renan, ele deve insistir no argumento de que um assunto de natureza pessoal foi usado para atingi-lo politicamente. Assim, busca criar uma corrente de solidariedade, pelo temor de que outros senadores pudessem ser alvos no futuro. Daí a chance de prevalecer o argumento de que tudo é segredo de justiça.

Em telefonemas, Renan insinua que haveria interesse do PT em enfraquecê-lo politicamente e, por conseqüência, o PMDB. Os dois partidos travam disputa por espaço no segundo escalão do governo Lula.

Ao levantar a tese de estremecimento entre PT e PMDB, Renan busca constranger o governo e o ministro Tarso Genro (Justiça). Desde o início da Operação Navalha, que derrubou Silas Rondeau da pasta de Minas e Energia, Renan e Sarney estimulam a versão de uso político da PF. Tarso nega.’

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Jornalista atuou em campanha para Roseana

‘Personagem central das denúncias que levantaram incertezas quanto ao futuro político do senador Renan Calheiros (PMDB-AL), a jornalista Mônica Veloso já foi apresentadora de TV e trabalhou na campanha da senadora Roseana Sarney (PMDB-MA), em 1998, para o governo do Maranhão.

Mineira, Mônica fez jornalismo em Brasília. Foi âncora do jornal local da Rede Globo na década de 90. Saiu para abrir uma empresa. Segundo amigos, atualmente ela não trabalha.

Até 2006, ela recebia pensão informal de Renan, com quem tem uma filha, hoje com dois anos e oito meses, de R$ 16,5 mil mensais, segundo a revista ‘Veja’. Ela ganha outra pensão, do ex-marido, com quem tem um filho. A Folha procurou Veloso, mas seu advogado disse que ela não daria declarações.’

VENEZUELA
Fabiano Maisonnave

Ex-opositor de Chávez se beneficia com fim da RCTV

‘O fim do canal oposicionista RCTV, previsto para as 23h59 de hoje (0h59 de amanhã em Brasília), deixará sua milionária fatia publicitária para o único concorrente em nível nacional, a Venevisión. A emissora pertence a Gustavo Cisneros, o magnata que, de articulador do golpe frustrado contra Hugo Chávez, em abril de 2002, transformou-se em aliado tácito do presidente venezuelano.

Ontem, a Venevisión praticamente ignorou os manifestantes que tomaram as ruas do centro de Caracas. Diante da RCTV, milhares protestaram contra o fim da concessão, medida rechaçada por 69% da população, segundo pesquisa do instituto Datanálisis.

Chamados no passado de ‘os quatro cavaleiros do Apocalipse’ por Chávez, os canais privados Venevisión, RCTV, Televén e Globovisión tiveram uma atuação bastante coordenada entre 2002 e 2004, período que inclui o golpe de Estado, a greve petroleira e o referendo para tirar o mandato de Chávez.

Durante essa época, Cisneros, 61, era um dos principais porta-vozes da oposição venezuelana, cujo espaço havia sido tomado pelos meios de comunicação no vazio deixado pela decadência dos partidos tradicionais. No golpe, reuniu-se com o empresário Pedro Carmona, que assumiu o país durante o afastamento de Chávez.

‘O verdadeiro canal golpista foi o canal 4. Gustavo Cisneros era o chefe da conspiração de abril de 2002. Era no seu canal que se reuniam os conspiradores; foi o eixo midiático da campanha contra o governo’, disse à Folha Teodoro Petkoff, diretor do jornal oposicionista ‘Tal Cual’ (leia sua entrevista no caderno Mais!), mas que não apoiou o golpe que afastou Chávez do poder por dois dias.

Anteontem, a Conatel (Comissão Nacional de Telecomunicações) renovou a concessão da Venevisión até 2012, um ano antes da próxima campanha presidencial, da qual Chávez pretende participar mudando a Constituição para incluir a reeleição indefinida.

Transformação

A ação de Cisneros começou a mudar na época do referendo, quando se reuniu com Chávez, em encontro viabilizado pelo ex-presidente dos EUA Jimmy Carter. Para observadores da polarizada mídia local, a conversa foi um divisor de águas.

O giro de 180º da Venevisión -e da Televén, de menor alcance- ficou claro na campanha presidencial do ano passado, quando Chávez foi reeleito. Segundo um relatório da União Européia sobre o pleito, a TV de Cisneros ‘dedicou 84% do tempo de informação política à posição oficial e apenas 16% à coalizão [oposicionista] Unidade’.

‘O tom da Televén e da Venevisión foi pouco crítico em geral com as coalizões, mas, do ponto de vista quantitativo, as duas favoreceram abertamente a posição governista’, diz o informe da UE.

Já sobre a RCTV, o relatório mostra a tendência inversa: a oposição recebeu 69% do tempo, em tom geralmente positivo, enquanto o governo teve 29%, na maior parte das vezes em tom negativo.

A tendência da Venevisión de favorecer o governo persistiu na cobertura sobre o fim da concessão à RCTV, anunciada em dezembro. ‘Eles se cuidaram muitíssimo para não entrar em conflito com a decisão governamental’, disse à Folha Marcelino Bisbal, diretor da pós-graduação em comunicação social da Universidade Católica Andrés Bello.

‘Os golpistas de verdade estão impunes, porque simplesmente se colocaram ao lado do governo. Como disse o ministro das Comunicações, Willian Lara, ‘o canal 4 já baixou do golpismo, portanto não vamos tomar medidas contrárias’, afirma Petkoff.

Analistas prevêem que o canal de Cisneros herdará a maior parte da fatia publicitária da RCTV, estimada para este ano em US$ 163 milhões, segundo a revista especializada ‘Producto’. ‘No campo publicitário, o fim da RCTV beneficia o outro canal nacional. A publicidade requer maior audiência e sintonia possível, e quem oferece isso é a Venevisión’, disse Bisbal.

Por e-mail, a Folha pediu entrevista com Cisneros por meio do presidente da Venevisión, Carlos Bardasano, que confirmou o recebimento da mensagem, mas não deu resposta.

De acordo com a lista da ‘Forbes’, Cisneros é o 119º homem mais rico do mundo, terceiro da América Latina, com uma fortuna de US$ 6 bilhões.’

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Oposição não terá espaço em nova TV

‘Nomeada para o cargo há uma semana, a presidente do canal estatal Tves (Televisora Venezuelana Estatal), Lil Rodríguez, disse que a nova emissora será enfocada no ‘serviço público’, mas que não haverá espaço para a oposição. Jornalista há mais de 25 anos -com uma breve passagem pela RCTV-, Rodríguez apresentava um programa musical na Telesur.

A seguir, a entrevista concedida à Folha durante um intervalo entre reuniões sobre o novo canal, que estréia na madrugada de amanhã. (FABIANO MAISONNAVE)

FOLHA – Por que a Venezuela precisa de mais um canal estatal?

LIL RODRÍGUEZ – Por definição, toda rede de TV teria de ser de serviço público, porque está submetida às normas do Estado -inclusive o tempo de transmissão publicitária, o tempo que fica no ar e a exposição dos conteúdos. Onde está a diferença? A VTV é um canal informativo e de opinião, a Vive é uma televisão educativa. A Tves é de serviço público e entretenimento: musicais, programas de humor, dramáticos e esportivos terão maior espaço.

FOLHA – Para abrir a Tves, é preciso fechar a RCTV?

RODRÍGUEZ – As primeiras freqüências são as que têm maior potência e poder de capturar o público [a RCTV ocupa o canal 2]. Há oito anos, porque isso ordena a nossa Constituição, teria de ter sido trabalhado um sinal de serviço público. E acontece agora que um sinal será recuperado pelo Estado, e esse sinal permitirá que o cidadão venezuelano sinta a força desse espectro radioelétrico em razão de seu interesse como cidadão. É uma conjuntura feliz: se eu quero fazer uma determinada comida, mas, no lugar deste peixe que eu tenho aqui, eu sei que, dentro de quatro dias, terei um peixe fresco, espero por esse peixe fresco.

FOLHA – Não lhe dá pena o fim do canal mais antigo do país, onde inclusive a sra. trabalhou?

RODRÍGUEZ – Por qual razão você teria de ficar com uma mulher que não ama?

FOLHA – Não é um tema privado, mas público.

RODRÍGUEZ – Mas é a mesma premissa. O que me dá vergonha, como cidadã deste país, é a impossibilidade de acrescentar mais coisas. Tudo que eu possa fazer para aprimorar as manifestações do venezuelano, eu vou fazer.

FOLHA – E o orçamento?

RODRÍGUEZ – Tudo que eu posso dizer é que eu tenho dois dias [a entrevista foi gravada na terça] como presidente designada. Agora vou conhecer onde vou trabalhar, vou sentar e olhar o orçamento.

FOLHA – Não é muito improviso para criar um canal?

RODRÍGUEZ – Nós, no Caribe, temos um ritmo muito diferente. Mas as coisas vão sair, há com que sair.

FOLHA – A oposição poderá apresentar projetos na Tves?

RODRÍGUEZ – Não, não, não. Imagine. Promoveremos a diversidade cultural venezuelana, e não a diversidade política.’

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Intolerância preocupa atriz de novelas da Globo

‘Um rosto conhecido do público brasileiro está entre os 2.800 funcionários da RCTV afetados pelo fim da concessão do canal. Depois de trabalhar em quatro novelas da Globo, a atriz venezuelana Elena Toledo, 32, voltou recentemente ao seu país para atuar no folhetim ‘Mi Prima Ciela’. No ar há menos de um mês, deixará órfão um público de cerca de 3 milhões de telespectadores.

‘Tem gente da novela que está arrasada’, conta Toledo, em português quase perfeito, durante encontro num café de Caracas, na última sexta-feira. ‘Só que, mais preocupante do que o fim da novela, é a intolerância para escutar uma opinião contrária, diferente.’

Fora da Venezuela desde 2001, Toledo voltou há seis meses. No período em que esteve no Brasil participou das novelas ‘Vale Todo’ (versão em espanhol), ‘Kubanacan’(2003), ‘América’ (2005) e ‘Cabocla’ (2004), onde fez seu papel mais marcante, uma sensual dançarina espanhola de nome Pepa.

Em ‘Mi Prima Ciela’, ela vive Rocío Tejera, mãe biológica da protagonista da novela, Graciela Andreína. Nos capítulos que foram ao ar na semana passada, a mocinha está a ponto de descobrir toda a verdade.

Mãe? ‘No começo, eu fiquei receosa’, admite Toledo, moça de sorriso fácil que sem esforço poderia se misturar a um grupo de jovens de classe média. ‘Depois me explicaram que eu tive a minha filha com 14 anos e que na história ela teria 18 anos’.

Por agora, a atriz não corre o risco de ficar desempregada. Mesmo fora do ar, a RCTV continuará gravando a novela até o final, explica Toledo, pois foi vendida a um canal de Miami, onde estréia no próximo dia 8. ‘A RCTV passa a ser uma produtora independente.’

Sobre o futuro, diz que ainda não decidiu se fica na Venezuela -recebeu convite para protagonizar um longa-metragem- ou se aceita uma proposta vinda dos EUA. ‘No trabalho em si está tudo bem, a novela está superlegal, mas tem o negócio do canal e do país’, diz.

Toledo preferiu não comentar como vê o governo Chávez, mas diz sentir falta do país que deixou. ‘Quero de novo ver a Venezuela de paz e liberdade onde eu sempre morei. Tenho saudades dessa Venezuela.’’

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Mídia a 7 Chávez

‘Se suscitou debates na Europa, o artigo de Jürgen Habermas defendendo o financiamento do Estado aos meios de comunicação de qualidade foi ignorado na Venezuela.

O tema aqui é mais urgente e gira em torno da decisão do governo de Hugo Chávez de não renovar a concessão do canal RCTV, que deixa de transmitir às 23h59 de hoje.

‘Chávez está trabalhando para criar uma hegemonia midiática, e não um monopólio comunicacional, como em Cuba ou na União Soviética. É algo mais sofisticado’, diz Teodoro Petkoff.

Ele prevê um papel sombrio para o ‘Tal Cual’, jornal que dirige desde 2000: legitimar a hegemonia midiática do governo.

Estar à frente do mais combativo jornal anti-Chávez é apenas uma pequena parte da biografia de Petkoff, 75. Participou de uma guerrilha de esquerda, nos anos 1960, e foi ministro do Planejamento, nos anos 1990.

Com tiragem diária de 25 mil exemplares, o ‘Tal Cual’ tem um formato único na Venezuela: traz na capa um editorial assinado por Petkoff desancando o governo Chávez. A seguir, trechos da entrevista concedida à Folha.

FOLHA – Habermas parte da premissa de que o ‘quarto poder está a leilão’. É esse o caso aqui?

TEODORO PETKOFF – No caso venezuelano, não está sendo leiloado, está sendo ameaçado pelo primeiro e único poder da Venezuela, o poder político, concentrado em Hugo Chávez.

Não se pode aplicar esse conceito à história dos nossos meios, porque a propriedade dos meios de comunicação tem sido muito estável. Os grandes diários venezuelanos, para falar da imprensa escrita, têm os mesmos donos desde sempre.

Nossos problemas são completamente diferentes e têm a ver com um conflito entre a propensão fortemente autocrática e controladora do governo e a resistência, cujo mecanismo para a maioria é simplesmente a autocensura.

FOLHA – Mas o financiamento público é um tema de debate na Venezuela por causa da publicidade oficial, sobretudo da estatal petroleira, a PDVSA.

PETKOFF – A publicidade oficial venezuelana tem um peso muito grande na pauta econômica dos meios de comunicação.

O Estado é o agente econômico mais poderoso da Venezuela, e isso tradicionalmente tem sido utilizado como meio de pressão -não foi Chávez quem inventou isso.

Só que, em outras épocas, nunca teve o caráter brutal que tem agora. Simplesmente a publicidade oficial foi negada durante anos a todos os meios de comunicação que tiveram posição crítica contrária ao governo.

Isso vem sido afrouxado ultimamente também porque a posição dos meios tem sido menos agressiva.

A publicidade oficial é um instrumento claríssimo de opressão porque aqui não há separação entre governo e Estado.

Uma vez que o governo decide não fazer publicidade num meio, não há instituição do Estado que anuncie ali.

FOLHA – O que muda na Venezuela com o fechamento da RCTV?

PETKOFF – Vejo tudo de uma forma mais sofisticada. Chávez tem claro que o papel da televisão é muito mais importante do que o de qualquer outro meio.

Ele está trabalhando para criar uma hegemonia midiática, e não um monopólio comunicacional, como em Cuba ou na União Soviética. É uma coisa mais sofisticada, uma vez que já anularam o canal Venevisión [do megaempresário Gustavo Cisneros], que simplesmente se alinhou com o governo e está fechado a qualquer opinião distinta.

E o fechamento do Canal 2 significa que 80% dos telespectadores cobertos pelo canal ficam isolados de qualquer opinião distinta à do governo. Isso num país onde a televisão chega aos rincões mais afastados.

Se, ao lado disso, se coloca o enorme aparato comunicacional do governo -televisões, rádios, dezenas de pequenos jornais-, estamos diante de um Estado avassalador que hegemoniza a comunicação, mas pode coexistir com outro meios de alcance mais reduzido. Não há problema em coexistir com a Globovisión [crítico de Chávez], porque ela é só de Caracas.

Quanto à mídia impressa, o governo sabe perfeitamente que o nível de leitura, comparado com outros países, talvez seja o mais reduzido do continente. É um país de telespectadores.

Então, com os jornais, administrando a publicidade do Estado adequadamente, pode ir levando. E um jornal como o ‘Tal Cual’ pode existir; não o vejo fechando-o neste momento. É uma lição de Fidel Castro, sobre como ser totalitário mantendo uma imagem internacional relativamente democrática.

É claro que isso permite a Chávez dizer que existe liberdade de expressão. Há imprensa escrita, há outros canais de televisão, não tem problema. A coisa é astuta. É o que alguns sociólogos chamam agora de neototalitarismo.’

MÍDIA & AMBIENTE
Denyse Godoy

Jornalista ataca ambientalismo irracional

‘DE NOVA YORK – Enquanto políticos e artistas surfam na onda verde, o jornalista americano John Berlau é voz dissonante. ‘Só quero trazer um pouco de razão para o debate’, diz, ‘o ambientalismo é abraçado quase como uma religião.’

Em 2006 ele lançou nos EUA o livro ‘Eco-Freaks: Environmentalism is Hazardous to Your Health!’ (ecoloucos: o ambientalismo é perigoso para sua saúde)’, no qual critica exageros, classifica como equivocadas algumas bandeiras levantadas pelos ecologistas e os seus métodos. Leia a seguir trechos da entrevista que concedeu à Folha.

FOLHA – Como surgiu a idéia de escrever esse livro?

JOHN BERLAU – Da tristeza que senti ao observar a destruição e o sofrimento causados pelo furacão Katrina em Nova Orleans em 2005. Fiquei chocado ao saber que, por causa dos ambientalistas, o governo foi impedido de construir barragens que poderiam ter controlado um pouco o fluxo de água e diminuído o impacto sobre a cidade. O movimento defende algumas causas erradas e o resultado para a vida humana é pior do que os riscos ecológicos alegados.

FOLHA – O senhor pode dar mais algum exemplo?

BERLAU – A histeria em relação ao [pesticida agrícola] DDT, que causou um gravíssimo problema de saúde pública. O produto foi banido como poluente -embora muitos dos seus efeitos adversos nunca tenham sido comprovados-, mas poucos sabem que ele tem o seu mérito em matar mosquitos que transmitem doenças. A Academia Nacional de Ciência deu a ele o crédito por salvar 500 milhões de vidas entre 1940 e 1970. Agora, diante do grande aumento da malária na África, os especialistas já começam a defender a pulverização controlada do DDT no continente.

FOLHA – E de onde vêm as interpretações distorcidas do assunto?

BERLAU – Creio que, em grande parte, da visão idealizada de que a natureza sempre foi bondosa para com a raça humana e que é a intervenção do homem a explicação para as mudanças no ambiente. Isso não é verdade. A natureza, por milhões de anos, trouxe inundações, doenças e outras formas de devastação. Atualmente, para evitar que o homem acabe com o mundo, estamos eliminando as proteções que nossos ancestrais criaram contra a ira da natureza.’

PUBLICIDADE
Daniel Bergamasco

Cervejarias se acusam por consumo abusivo

‘Todas são pedra e todas são vidraça na guerra travada pelas grandes cervejarias no balcão de reclamações do Conar (Conselho de Auto-Regulamentação Publicitária).

Na troca de denúncias, fabricantes de marcas como Skol, Nova Schin e Kaiser se acusam por fazer campanhas ‘antiéticas’ que incentivam o ‘consumo irresponsável’ e ‘exagerado’ de cerveja.

As queixas contradizem o Sindicerv (Sindicato Nacional da Indústria da Cerveja), que critica a restrição da publicidade do produto imposta pela Política Nacional sobre Bebidas Alcoólicas, lançada na quarta-feira pelo presidente Lula. O sindicato argumenta que a propaganda de cerveja só define o tamanho das fatias do mercado, sem aumentar o bolo, ou seja, a quantidade de litros vendidos.

A AmBev fez o maior número de denúncias no Conar contra as concorrentes nos últimos meses. Fabricante da Brahma -da campanha ‘Zeca-feira’, que ‘cria’ mais uma sexta-feira na quarta para ‘happy hour’ com o produto-, a empresa considerou que uma peça de propaganda da marca Nova Schin ‘induz ao consumo abusivo de cerveja’.

Suspenso após a denúncia da AmBev, o anúncio veiculado trazia a frase ‘Nova Schin – Os dermatologistas recomendam não tomar sol entre as 10h e as 16h [Não saia do bar. São ordens médicas]’.

Em outra reclamação, a mesma AmBev disse que uma promoção da Kaiser (‘Bote no cofrinho do Pânico’) tinha ‘apelo ao consumo, uma vez que incentivava o público a tomar cerveja para juntar tampinhas e participar da promoção’. A campanha foi feita em associação com o humorístico ‘Pânico na TV’, exibido pela RedeTV.

Já a Kaiser denunciou a AmBev pela campanha do Boteco Bohemia, festival anual de gastronomia, com shows de música, que elege o melhor quitute de boteco da cidade, ‘por incentivar o consumo exagerado de bebidas’.

Para o psiquiatria João Carlos Dias, do Departamento de Dependência Química da Associação Brasileira de Psiquiatria, ‘a briga mostra como as cervejarias estão erradas ao dizer que a publicidade aumenta a participação no mercado e não o volume consumido. Ao trocar essas acusações nos bastidores, elas acabam concordando com as nossas alegações de que a publicidade de cerveja tem grande impacto sobre o consumo’.

Sérgio Ramos, presidente da Abead (Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas), também critica as empresas. ‘Todas as cervejarias têm razão nas denúncias: a propaganda incentiva o consumo abusivo’, diz. ‘Não sei se as louraças que infestam as propagandas não conseguem excitar o público masculino, especialmente os adolescentes. Deixar o Conar, órgão de publicidade, tomando conta disso é deixar a raposa cuidando do galinheiro’, afirma Ramos.

Gilberto Leifert, presidente do Conar, não quis comentar o assunto. A assessoria de imprensa do conselho diz apenas que a troca de acusações entre concorrentes faz parte da rotina do órgão e que são mais comuns, por exemplo, na área de telefonia do que na de bebidas alcoólicas.

Criado em 1980, o Conar é financiado pela contribuição de agências de publicidade, veículos de comunicação e anunciantes. O órgão julga denúncias oferecidas por cidadãos, empresas associadas ou por seus técnicos, que monitoram a adequação dos anúncios às regras do mercado.

Apelo sexual

A Schincariol, fabricante da Nova Schin -que exibe comerciais estrelados pela cantora Ivete Sangalo com as pernas de fora-, acusou a Skol (AmBev) por propaganda em que, segundo a queixa relatada pelo Conar, ‘insinua êxito sexual após o consumo de cerveja e contém elevado grau de erotismo’. A peça em questão, intitulada ‘Bingo’, é protagonizada por um grupo de idosos, que, com as latinhas de cerveja na mão, dançam e paqueram.

A Folha procurou as assessorias de imprensa da Kaiser, da AmBev e da Schincariol. Apenas a primeira respondeu. ‘Não existe troca de acusações, apenas pedidos de ajustes das peças publicitárias’, diz a resposta da Kaiser.’

FUTURO DOS JORNAIS
Jürgen Habermas

O valor da notícia

‘Semanas atrás, a página de economia do jornal alemão ‘Die Zeit’ assustou seus leitores com a manchete ‘O quarto poder corre perigo?’. Tratava-se da notícia alarmante de que o ‘Süddeutsche Zeitung’ rumava para um futuro econômico de incertezas.

A maioria dos acionistas quer se ver livre do jornal; caso as coisas se encaminhem para um leilão, é possível que um dos dois bons diários supra-regionais da Alemanha [o outro é o ‘Frankfurter Allgemeine’] caia nas mãos de investidores privados, fundos de investimento ou conglomerados de mídia.

Haverá quem diga: ‘Business as usual’ [negócios, como sempre]. O que poderia haver de alarmante no fato de que os proprietários queiram fazer uso de seu direito de se desfazer de seus negócios, sejam quais forem seus motivos?

A crise dos jornais, desencadeada no começo de 2002 pelo colapso do mercado publicitário, ficou para trás -no ‘Süddeutsche Zeitung’ e em outros órgãos de imprensa da mesma dimensão. As famílias que agora se dispõem a vender sua participação detêm 62,5% das ações e escolheram um momento propício.

Apesar da concorrência digital e dos novos hábitos de leitura, os lucros vêm aumentando.

Deixando de lado a boa conjuntura econômica, os lucros se devem sobretudo a medidas de racionalização com impacto direto sobre o desempenho e a margem de manobra das redações. Notícias bombásticas à maneira do jornalismo norte-americano ditam a tendência atual.

Assim, por exemplo, o ‘Boston Globe’, um dos poucos jornais de centro-esquerda dos EUA, teve que renunciar a todos os seus correspondentes no estrangeiro, enquanto os grandes encouraçados da imprensa nacional -como o ‘Washington Post’ e o ‘New York Times’- temem a capitulação diante de fundos ou conglomerados ávidos por ‘sanear’ jornais em vista de taxas de lucro descabidas; no caso do ‘Los Angeles Times’, esse já é fato consumado.

Jugo do lucro

Há três semanas, o ‘Die Zeit’ voltou à carga, falando de um ‘ataque de Wall Street à imprensa dos EUA’.

O que há por trás desse tipo de manchete? Certamente, o temor de que os mercados não façam justiça à dupla função que a imprensa de qualidade até hoje desempenhou: atender à demanda por informação e formação, sem comprometer taxas de lucro aceitáveis.

Mas os lucros em alta não serão uma confirmação de que jornais ‘enxutos’ satisfazem melhor os desejos de seus consumidores?

Conceitos vagos como ‘profissional’, ‘arrojado’ ou ‘sério’ não servem apenas para velar a preeminência concedida ao leitor adulto, que sabe o que quer?

A imprensa terá o direito de, sob o pretexto da ‘qualidade’, cercear a liberdade de escolha de seus leitores?

Por que forçar a leitura de reportagens áridas em vez de ‘infotainment’ [fusão, em inglês, das palavras ‘information’ e ‘entertainment’, informação e entretenimento], comentários objetivos e argumentos circunstanciados, ao invés de encenações apelativas de personalidades e acontecimentos?

A objeção que se manifesta nessas questões se baseia na suposição polêmica de que os consumidores escolhem com autonomia, segundo suas preferências pessoais. Mas essa espécie de verdade acaciana certamente induz ao erro quando se trata de uma mercadoria tão peculiar quanto a informação política e cultural. Pois essa mercadoria a um só tempo atende e transforma as preferências de seus consumidores.

Formação em massa

Não há dúvida de que leitores, ouvintes e espectadores seguem suas preferências ao fazer uso dos meios de comunicação: querem se divertir ou se distrair, querem se informar ou tomar parte em debates públicos.

Mas, quando se interessam por um programa político ou cultural, quando recebem a ‘bênção matinal realista’ da leitura de jornais, todos se expõem -com alguma medida de autopaternalismo- a um processo de aprendizado de resultados imprevisíveis.

No curso de uma leitura, novas preferências, convicções ou juízos podem se formar.

A metapreferência que orienta uma tal leitura se dirige então àquelas prioridades que se exprimem na auto-imagem de um jornalismo independente e que fundamentam o prestígio da imprensa de qualidade.

A polêmica sobre o caráter peculiar da mercadoria ‘informação e formação’ faz pensar no slogan que fez furor quando do surgimento da televisão: essa nova mídia não seria mais que ‘uma torradeira com imagens’.

Pensava-se que a produção e o consumo de programas televisivos podiam ser deixados inteiramente a cargo do mercado. Desde então, as empresas de comunicação cuidam de fornecer programas para seus espectadores enquanto vendem a atenção do público a seus anunciantes.

Sempre que imperou sem peias, esse modo de organização causou danos políticos e culturais. O sistema ‘híbrido’ de televisão [na Alemanha] é uma tentativa de remediar o mal.

E as leis locais, as decisões de tribunais federais e os princípios de programação das emissoras públicas refletem a noção de que as mídias eletrônicas não devem satisfazer apenas as necessidades mais comercializáveis dos consumidores.

Ouvintes e espectadores não são apenas consumidores mas também cidadãos com direito à participação cultural, à observação da vida política e à voz na formação de opinião.

Com base nesses direitos, não é o caso de deixar programas voltados a tais necessidades fundamentais da população à mercê da conveniência publicitária ou do apoio de patrocinadores.

Mais ainda, as taxas que financiam esses serviços também não devem variar ao sabor dos orçamentos locais, isto é, da conjuntura econômica -é o que argumentam algumas emissoras num processo contra os governos locais, em trâmite no Supremo Tribunal Federal alemão.

A idéia de uma reserva pública voltada para a mídia eletrônica pode ser interessante.

Mas algo assim poderia servir de modelo para a organização de jornais e revistas ‘sérios’, como o ‘Süddeutsche Zeitung’ ou o ‘Frankfurter Allgemeine Zeitung’, ‘Die Zeit’ ou ‘Der Spiegel’, para não falar das revistas mensais mais ambiciosas?

Efeito político

O resultado de um estudo sobre fluxos de comunicação pode ter interesse nesse contexto: ao menos no âmbito da comunicação política -ou seja, para o leitor enquanto cidadão-, a imprensa de qualidade desempenha um papel de ‘liderança’: o noticiário político do rádio e da televisão depende em larga escala dos temas e das contribuições provenientes do jornalismo ‘argumentativo’.

Suponhamos que uma dessas redações caia nas mãos de investidores que trabalham com lucros rápidos e prazos curtos: a reestruturação e o enxugamento nesses lugares estratégicos não tardarão a pôr em risco os padrões jornalísticos e a afetar em cheio a vida política.

Pois a comunicação pública perde vitalidade discursiva quando lhe falta informação fundamentada ou discussão vivaz, coisas que não se obtêm sem custos.

A esfera pública não teria mais como opor resistência às tendências populistas e não seria mais capaz de desempenhar funções que lhe cabem no quadro de um Estado democrático de Direito.

Vivemos em sociedades pluralistas. O processo de decisão democrático só pode ultrapassar as cisões profundas entre visões de mundo opostas se houver algum vínculo legitimador aos olhos de todos os cidadãos.

O processo de decisão deve conjugar inclusão (isto é, a participação universal em pé de igualdade) e condução discursiva do conflito de opiniões.

Pois tão-somente a discussão deliberativa fundamenta a suposição de que, no longo prazo, os processos democráticos propiciam resultados mais ou menos racionais.

A formação de opinião por via democrática tem uma dimensão epistêmica, uma vez que envolve a crítica de afirmações e juízos errôneos.

Esse é o papel de uma esfera pública dotada de vitalidade discursiva.

Esse papel se evidencia intuitivamente tão logo se tenha em mente a diferença entre o conflito público de opiniões concorrentes e a divulgação de pesquisas de opinião.

Opiniões que se formam por meio de discussão e polêmica são, a despeito de toda dissonância, filtradas por informações e argumentos, enquanto as pesquisas de opinião apenas invocam opiniões latentes em estado bruto ou inerte.

Mediação

É claro que os fluxos díspares de comunicação numa esfera pública dominada pelos meios de comunicação de massa não permitem o tipo de discussão ou consulta regrada que tem lugar em tribunais ou sessões parlamentares.

Mas isso também não é necessário, pois a esfera pública é apenas um dos elos relevantes: ela faz as vezes de mediação entre discursos e discussões nos foros do Estado, de um lado, e as conversas episódicas ou informais de eleitores potenciais, de outro.

A esfera pública dá sua contribuição à legitimação democrática da ação estatal ao selecionar temas de relevância política, elabora-os polemicamente e os vincula a correntes de opinião divergentes.

Por essa via, a comunicação pública estimula e orienta a formação da opinião e do voto, ao mesmo tempo em que exige transparência e prontidão do sistema político.

Sem o impulso de uma imprensa voltada à formação de opinião, capaz de fornecer informação confiável e comentário preciso, a esfera pública não tem como produzir essa energia.

Quando se trata de gás, eletricidade ou água, o Estado tem a obrigação de prover as necessidades energéticas da população.

Por que não seria igualmente obrigado a prover essa outra espécie de ‘energia’, sem a qual o próprio Estado democrático pode acabar avariado?

O Estado não comete nenhuma ‘falha sistêmica’ quando intervém em casos específicos para tentar preservar esse bem público que é a imprensa de qualidade.

Melhores resultados

O problema é apenas de ordem pragmática: como se alcançam os melhores resultados?

Em certo momento, o governo [do Estado] de Hessen concedeu ao jornal ‘Frankfurter Rundschau’ um crédito subsidiado -sem sucesso. Mas as subvenções diretas são apenas um dos meios disponíveis.

Outros caminhos são as fundações com participação pública ou a renúncia fiscal para famílias envolvidas no ramo.

Nenhuma dessas soluções está livre de problemas. E ainda é preciso aclimatar a idéia de subvenções a jornais e revistas.

Em termos históricos, a idéia de regular o mercado da imprensa tem alguma coisa de contra-intuitivo. Afinal, o mercado foi outrora o cenário em que idéias subversivas puderam se emancipar da repressão estatal.

Mas o mercado só é capaz de desempenhar essa função se as determinações econômicas não penetrarem nos poros dos conteúdos culturais e políticos dispersos no mercado.

Agora, como antes, a crítica adorniana da indústria cultural constitui o ponto central. A observação cética é indispensável, pois nenhuma democracia pode se dar ao luxo de uma falha de mercado nesse setor.

JÜRGEN HABERMAS (1929) é um dos principais filósofos e sociólogos vivos. Colaborou entre 1955 e 1959 com Adorno e Horkheimer no Instituto de Pesquisa Social, em Frankfurt, e lecionou nas universidades de Heidelberg e de Frankfurt. Entre suas obras de maior impacto traduzidas para o português estão ‘Mudança Estrutural na Esfera Pública’, ‘Direito e Democracia’ e ‘Consciência Moral e Agir Comunicativo’ (Tempo Brasileiro). Este texto foi publicado originalmente no jornal alemão ‘Süddeutsche Zeitung’. Tradução de Samuel Titan Jr.’

Folha de S. Paulo

Crítico compara Habermas a Vladimir Putin e chama seu artigo de ‘frívolo’

‘Em artigo para o jornal ‘Tagesspiegel’, o crítico literário Marius Meller -editor literário desse jornal entre 2003 e 2006 e colaborador de publicações como ‘Frankfurter Allgemeine Zeitung’, ‘Merkur’ e ‘Kursbuch’- fez duras objeções ao argumento de Jürgen Habermas sobre o aporte de subsídios estatais para garantir a qualidade dos jornais impressos.

‘Em questões de moral, sr. Habermas, o ator principal é o indivíduo, não o sistema. Já nos anos 1980, o sr. profetizou a queda da democracia por conta da televisão privada, e estava errado. Eu sinceramente espero que o esquema gnóstico de bem e mal que o sr. tão frivolamente aplica ao liberalismo e ao neoliberalismo não se torne uma ideologia que um dia venha a invocá-lo como sua fonte’, escreveu em 18/5 em resposta ao artigo de Habermas (leia pág. ao lado), originalmente publicado em 16/5.

Quanto mais livre a economia, mais livre é a imprensa, escreve Meller, o que significaria que, ao propor uma estatização dos meios de comunicação, o filósofo alemão estaria sugerindo que a imprensa livre corrompe.

‘O que o sr. sugere relembra a Rússia em tempos recentes’, completa, ‘e dá margem a pensar, sobretudo para alguém que conhece sua teoria sobre a mudança estrutural do público, que o sr. é o porta-voz do [presidente russo] Vladimir Putin’, alfineta.’

NEW JOURNALISM
Trevor Butterworth

Lá vem o homem bomba

‘A perspicácia de Oscar Wilde [1854-1900] é mais esperta do que profunda, mas, quando declarou que ‘nosso primeiro dever na vida é assumir uma pose’, pode ter identificado uma verdade: a roupa não apenas faz o homem; se for imutável em seu estilo, pode fazê-lo parecer eterno.

É essa, pelo menos, a impressão deixada por Tom Wolfe quando abre caminho em meio ao império culinário do café Boulud, no Upper East Side [em Nova York], espalhando verve e elã entre os clientes impassivelmente abastados e azedamente envelhecidos do local.

O escritor -que foi pioneiro da reportagem jornalística feita com a intensidade da literatura, que conferiu ao que resultou dela a aparência de um movimento (o ‘novo jornalismo’), que fez a crônica do espírito americano desassossegado em seu caminho em direção às estrelas (‘Os Eleitos’) e, depois, em sua volta, até a queda no esgoto (‘A Fogueira das Vaidades’)- se encontra, espantosamente, com 77 anos de idade.

Ele é afável, extremamente modesto e inquiridor, a ponto de transformar um entrevistador em entrevistado.

Sua voz é doce, com leve cantarolado sulista; seus comentários são irônicos; sua conduta é alegre; ri docemente e com freqüência e, mesmo nessa idade senatorial, é impossível imaginá-lo falando em tom intransigente em um púlpito ou resmungando em alguma espelunca.

Mas a jovialidade de Wolfe não significa que não se deva levá-lo a sério.

Muitos escritores que são pessoalmente encantadores podem tornar-se intransigentes ou mesmo cruéis na página escrita -como descobriu o compositor Leonard Bernstein quando Wolfe zombou selvagemente dele em ‘Radical Chic’, um relato sobre um evento de levantamento de fundos para o Partido Panteras Negras que Bernstein e sua mulher promoveram em seu apartamento de cobertura de 13 cômodos na Park Avenue, em 1966.

No final do ano passado, em artigo publicado no ‘New York Times’, Wolfe teceu críticas arrasadoras à Comissão de Preservação de Marcos Históricos da cidade por sua disposição em tolerar a difusão de ‘caixas de vidro gigantes’ nos distritos históricos de Manhattan e, especificamente, aceitar uma proposta de construção de uma torre de vidro de 30 andares, projetada por Norman Foster.

O plano foi arquivado.

Chama a atenção o fato de que Wolfe se mostra muito mais à vontade e muito mais interessado em tratar da política de qualquer coisa, menos do establishment político: raça, gênero, arte e arquitetura, finanças e status -tudo serve de matéria-prima para seu intelecto onívoro e suas reportagens implacáveis, mas não os partidos ou os políticos que os lideram.

O fato chama ainda mais a atenção por se tratar de alguém que iniciou sua carreira jornalística na capital da nação.

Washington é um lugar sério e comportado, e deve ter sido ainda mais assim no final dos anos 1950, quando Wolfe entrou para o ‘Washington Post’.

Depois de três anos escrevendo sobre temas exóticos, como torneios de pingue-pongue soviéticos, reuniões de comissões de zoneamento e pequena criminalidade, ele partiu para Nova York, em busca de coisas realmente excitantes, afirma.

O resto é história. Wolfe floresceu no ‘New York Herald Tribune’, jornal conhecido por cultivar escritores, e atingiu a estratosfera literária com seu relato sobre a cultura dos carros customizados no sul da Califórnia, para a revista ‘Esquire’.

O título do artigo deu nome à coletânea posterior de seus ensaios que foi seu primeiro livro, ‘The Kandy-Kolored Tangerine-Flake Streamline Baby’ [O Carrão de Racha Floco de Tangerina Cor de Doce, em tradução livre].

Anedotas presidenciais

No entanto há um senso palpável de que a história -não o movimento glacial de forças impessoais, mas os eventos rápidos e significativos criados por pessoas- foi feita às margens do rio Potomac [divisa da capital federal dos EUA] durante o reinado de George W. Bush.

Isso parece constituir-se em material fascinante para um escritor que dissecou com tanta perspicácia a interação entre ideologia e personalidade na cultura em ‘A Palavra Pintada’ e ‘Da Bauhaus ao Nosso Caos’.

Mas Wolfe afirma não se interessar pela história. ‘Eu nunca quis cobrir política, exceto em países caribenhos’, diz.

‘Os EUA são tão estáveis que as vitórias políticas consistem em variações menores. Nosso governo é como um trem que segue em um trilho, e há pessoas à sua esquerda e à sua direita que gritam para o trem. Mas o trem não tem escolha: ele está seguindo no trilho. Ele continua para a frente. E é realmente maravilhoso até que ponto essa situação é estável. Não é possível que de repente o Parlamento decida que é preciso haver uma eleição.’

‘E, quando acontecem as coisas mais inacreditáveis, não há reação. Por exemplo, quando Richard Nixon foi forçado a deixar o governo [em 1974], ele realmente não teve escolha. Por acaso apareceu uma junta militar? Não. houve manifestações de rua de republicanos? Não. Não sei nem sequer de algum caso de alguém atirar um tijolo pela janela de um bar -nem mesmo algum republicano bêbado. Todo mundo, como eu, ficou sentado e assistiu aos fatos pela TV. Foi um evento que passou na televisão… Nada, na realidade.’

Em certo sentido, a visão que Wolfe tem da democracia em ação é tranqüilizadora.

O Iraque, também, vai passar, embora um distanciamento tão grande possa parecer igualmente perturbador, já que os fatos naquele país estão demorando demais para passar para a história.

‘Tudo o que vem sendo dito agora já foi dito sobre a Guerra do Vietnã’, ele prossegue.

‘Também foi dito na época que tínhamos um presidente muito estúpido. Você deveria ter estado aqui quando Eisenhower foi presidente [1953-61]; ele não era muito bom em coletivas de imprensa porque tinha o hábito de iniciar suas sentenças com uma cláusula relativa e, quando começava a acrescentar mais cláusulas relativas e aposições, nunca chegava ao sujeito ou ao predicado. Então diziam que ele era realmente estúpido. Como um sujeito como esse pode comandar o país? Mas tudo o que ele fez, afinal, foi vencer a Segunda Guerra Mundial! Devia haver alguma inteligência ali!’

‘Muito poucas pessoas se recordam de que Reagan [1981-89] era retratado como idiota’, acrescenta Wolfe, citando um comentário de Henry Kissinger segundo o qual, após 20 minutos na companhia de Reagan, a pessoa se descobria indagando ‘como é possível que o destino do mundo livre se encontre nas mãos desse homem?’.

Apesar disso, diz Wolfe, Reagan não parava de tomar as decisões corretas.

Anticorporativismo

‘Bush é retratado como imbecil. Eu já conversei com ele em duas ocasiões -não por muito tempo-, mas descobri que ele é mais bem-informado sobre literatura do que o editor do ‘New York Review of Books’, Bob Silvers. Já conversei com os dois, e Bush faz Bob Silvers parecer uma lesma.’

Wolfe ri, possivelmente diante da idéia do establishment literário de Nova York babando em seus capuccinos de raiva diante do golpe mais recente em um conflito prolongado, mas de baixa intensidade.

Nos anos 1960, Wolfe zombou do ‘Review’, descrevendo-o como ‘o principal órgão teórico do Radical Chique’, após o periódico publicar em sua capa uma ilustração que mostrava como fabricar um coquetel Molotov.

Três décadas depois, Silvers publicou resenha de Norman Mailer sobre ‘Um Homem por Inteiro’, em que o veterano pugilista literário observava que ler o romance de 742 páginas de Wolfe sobre poder e política racial em Atlanta era como ‘fazer amor com uma mulher de 140 quilos. A partir do momento em que ela fica por cima, acabou. Ou você se apaixona ou é asfixiado’.).

A vitalidade contínua da reportagem narrativa longa impeliu Wolfe de volta ao jornalismo. Isso e possivelmente as reações negativas a seu último romance, ‘Eu Sou Charlotte Simmons’, uma história sobre o abuso da inocência num campus universitário americano moderno.

‘Fiquei espantado com as muitas, muitas resenhas negativas’, diz Wolfe, momentaneamente perturbado. A coisa se tornou tão desanimadora que ele pediu a seu editor que parasse de lhe enviar as resenhas.

Essa atitude pode ser interpretada como prova de que Wolfe estaria fora de sintonia com a cultura literária da maioria, mas ‘Charlotte Simmons’, mesmo assim, teve vendas significativas para um romance -algo na casa de algumas centenas de milhares de cópias vendidas da edição em capa dura-, embora fossem modestas comparadas com ‘Um Homem por Inteiro’, cuja edição de capa dura vendeu mais de 1,2 milhão de exemplares.

Em contraste, o muito elogiado romance ‘Indecisão’ [Rocco], lançado em 2005 por Benjamin Kunkel, vendeu apenas 15 mil cópias em sua edição em capa dura.

Wolfe está concluindo um livro curto, um tratado sobre status, discurso e evolução baseado em palestra que deu no ano passado ao National Endowment for the Humanities [Apoio Nacional às Humanidades].

Ele está em fase de pesquisas para um livro sobre imigração, que ainda não tem uma hipótese de base -’quero saber como os novos imigrantes se pensam e se estratificam… Não sei o que vou encontrar’, diz ele.

A editora Picador vai começar a relançar sua obra completa a partir de março do próximo ano.

E, como qualquer ícone literário legítimo, Wolfe é bastante solicitado.

A ‘Portfolio’, nova revista de negócios, estreou com um longo ensaio de Wolfe sobre os novos ‘mestres do universo’ -o manto adotado pelos vendedores de títulos em ‘A Fogueira das Vaidades’, hoje dado aos administradores de fundos de hedge.

‘Não bam bam bam bam bam bam’, começou o texto, mas ‘mas bama bampa barama bam bammity bam barampa Fogo! Foi a primeira coisa que veio à cabeça dela, porque ninguém bate dessa maneira na porta de seu apartamento em um prédio…’.

É por isso que as pessoas amam Wolfe. Ele torna o escrever excitante e o jornalismo, divertido.

Sem eufemismo

‘Quando vim a Nova York pela primeira vez, para trabalhar em um jornal, vivia-se a grande era do ‘understatement’ (expor os fatos de maneira suavizada, minimizando sua importância)’, diz.

‘O ‘understatement’ era valorizado como algo quase aristocrático; você não se deixava levar por suas emoções e não tentava fazer malabarismos -fazia ‘understatement’. E, de algum modo, o fato de expor as coisas de modo ‘understated’ deveria tornar ainda maior o impacto da mensagem. Na realidade, porém, geralmente tornava o impacto menor -pois, em muitos casos, as pessoas nem sequer percebiam que você estava dizendo algo importante.’

Mas, para alguém que curte tanto a linguagem, talvez seja uma surpresa descobrir que Wolfe acha trabalhoso escrever. ‘Nunca confio nas pessoas que dizem que escrever é divertido’, ele pondera. ‘A única coisa que o torna divertido é a expectativa dos aplausos.’

Este texto foi publicado no ‘Financial Times’. Tradução de Clara Allain.’

Folha de S. Paulo

Tom Wolfe é best-seller no jornalismo e na literatura

‘Nascido em 1930, Tom Wolfe criou em 1965 o ‘novo jornalismo’. Preparando uma reportagem para a ‘Esquire’ sobre os ‘hot rods’, carros concebidos para ‘rachas’, Wolfe enviou ao editor uma carta em estilo literário, repleta de onomatopéias. O relato foi publicado na forma original e fez sucesso, repetido em ‘Radical Chique’, em que analisa a elite de Nova York.

Nos anos 80, seu romance ‘A Fogueira das Vaidades’, sobre corretores de Wall Street, passou mais de um ano na lista dos mais vendidos do ‘New York Times’. O mais recente é ‘Eu Sou Charlotte Simmons’.’

MÍDIA & PRIVACIDADE
Danuza Leão

Mundo cão

‘EXISTE UM ASSUNTO que andou pelos jornais há uns tempos e que sempre me intrigou. O caso, que aconteceu nos Estados Unidos, foi, na época, um grande escândalo, e há umas semanas os personagens centrais da história foram entrevistados pela apresentadora de TV Oprah Winfrey.

Foi assim: uma professora de 26 anos manteve durante meses relações sexuais com um aluno de 14. Os pais do aluno desconfiaram, passaram a controlar a vida do filho, e quando tiveram a certeza do que estava acontecendo, entraram na Justiça acusando a professora de abuso sexual contra o adolescente.

Ela foi condenada e passou alguns anos na cadeia, onde teve um filho (do seu aluno).

No dia da entrevista na TV, lá estavam o menino, seus pais e, na platéia, a professora, que já havia cumprido sua pena. O menino -o rapaz, melhor dizendo-, com cara de santo, aceitava candidamente o papel de seduzido, enquanto a professora era execrada como uma tarada com quem seria um perigo conviver. A tal ponto que os pais do menino -avós, portanto, da criança- estavam mais uma vez entrando na Justiça para ficar com a guarda do menino, sob a alegação de que a mãe não tinha condições morais para criar o filho.

Ora, francamente. Existem meninos de 14 anos que são praticamente crianças, e outros tão desenvolvidos fisicamente que são capazes de manter um caso durante meses com uma garota ou uma mulher mais velha (e não se pode dizer que quem tem 26 anos seja tão velha assim).

Então, por que rotulá-la como uma devassa e até querer lhe tirar o filho? Homens de 60 anos, sobretudo quando são ricos, se casam com meninas de 20 e as famílias acham muito normal. Mas se um garoto de 14, provavelmente grandão, como costumam ser os garotos americanos, saudável e bem nutrido, transa com uma mulher mais velha, ela é presa. Mas é bom lembrar que, para que o ato sexual aconteça com um menino, é preciso alguma colaboração de sua parte, digamos assim. Mas a mulher é sempre a culpada.

Aí, fiquei pensando na diferença cultural, entre americanos e brasileiros. No nosso país, os pais estimulam os filhos a começar a vida sexual cedo, ajudam no que for preciso, e quando isso acontece, é motivo de grande orgulho entre os homens da família. Imagino que, se soubessem que o filho de 14 anos estava tendo um caso com uma mulher de 26, babariam de felicidade.

Agora, vamos pensar: abusar sexualmente de uma menina é possível, basta imobilizá-la de alguma maneira. Se um professor abusasse de uma aluna de 14 anos seria compreensível que os pais tomassem uma atitude qualquer, que não deixassem passar batido. Mas, como bem se sabe, filhos são educados de maneira diferente das filhas. Enquanto se espera de uma menina um comportamento recatado, quanto mais um garoto aprontar, quanto mais gatinhas e mulheres adultas conseguir conquistar, mais admirado será pelos amigos e pelos pais.

Nem sei por que estou falando dessa história, que nem é tão recente assim.

Talvez para tentar esquecer das fotos que vi nos jornais nesta semana: umas revoltantes, das famosas pontes que levam o nada a lugar nenhum e que infelizmente são a cara do Brasil; a outra, dolorosa, de um pai desesperado chorando em cima dos corpos de seus dois filhos pequenos que morreram num acidente de trânsito, atropelados por um ônibus.

O mais velho tinha três anos.’

TELEVISÃO
Daniel Castro

As campeãs da TV paga

‘O seriado mais visto da TV paga brasileira nem sequer aparece entre os 20 mais da TV americana. Em abril, cada episódio inédito de ‘Lost’, transmitido pelo AXN, foi visto por 217.903 telespectadores, quase 50% a mais do que ‘Heroes’ (148.174), a segunda colocada.

É o que revela ranking inédito das 20 séries mais assistidas da TV paga, obtido com exclusividade pela Folha. Os dados são do Ibope, que não revela à imprensa a audiência da TV por assinatura -para esta reportagem, o instituto nem mesmo confirmou em quantos domicílios faz a medição (são 250 em São Paulo e 150 na Grande Rio). Os canais só podem divulgar dados de seus próprios programas, sem nenhuma comparação com a concorrência.

‘Lost’ recuperou em abril a liderança perdida em março para ‘Heroes’. Sensação da temporada nos EUA, em seu primeiro mês no Universal Channel ‘Heroes’ já foi primeiro lugar no Ibope (Nesta edição da Ilustrada, especialistas discutem se ‘Lost’ terá fôlego para segurar o telespectador até a solução de seus mistérios, em 2010).

O ranking também revela que ação e drama dominam o gosto brasileiro. As comédias estão em baixa. Dos 20 mais vistos no Brasil, só cinco são desse gênero, e um deles, ‘Friends’, teve seu último episódio inédito exibido em 2004.’

***

Antigo, ‘ER’ é a maior surpresa de ranking da TV

‘O ranking das séries mais vistas da TV paga brasileira traz algumas surpresas. A maior delas é a sexta posição ser ocupada por ‘ER’, drama médico que está no ar no Brasil desde 1995 e que já trocou de elenco algumas vezes. Foi ‘ER’ que lançou para o estrelato um George Clooney ainda de cabelos pretos. O seriado é testemunha da evolução da TV paga no país.

Apesar de antigo (o Warner Channel atualmente exibe sua 13ª temporada), ‘ER’ (ou ‘Plantão Médico’, como a Globo o batizou nos anos 90), teve em abril mais público do que séries badaladas, como ‘Desperate Housewives’.

Os fãs de ‘24 Horas’ e de ‘CSI’ provavelmente ficarão frustrados com seus desempenhos. A primeira ocupa um modesto 18º lugar e fica atrás das reprises de ‘The OC’ e ‘House’. Esperava-se mais de um programa que foi saudado como revolucionário, por representar em cada temporada cada minuto de um dia inteiro, como se fosse em tempo real. Já ‘CSI’, o quinto programa mais visto dos EUA, com mais de 20 milhões de telespectadores na semana passada, aparece em 14º lugar no ranking do Brasil.

A terceira colocação para ‘Criminal Minds’, com 120.573 telespectadores em média por episódio, não chega a ser surpreendente. A série, em que agentes do FBI estudam a mente de criminosos, foi vista na semana passada por mais de 13 milhões de norte-americanos e ficou em 17º lugar no ranking de todos os programas mais assistidos dos EUA.

‘Criminal Minds’ foi a série que, em março deste ano, desbancou a badalada ‘Lost’. Até então, ambas iam ao ar às quartas, às 21h. Para fugir da concorrência da série da CBS, a ABC mudou ‘Lost’ para as 22h.

Atual principal título do canal Sony, ‘Grey’s Anatomy’ é a quinta série mais vista no Brasil, atrás de ‘Smallville’. Nos EUA, a produção é líder em seu segmento e ocupa o segundo lugar no ranking geral. Na semana passada, foi assistida por 22,572 milhões de norte-americanos, só perdendo para a edição das quartas-feiras de ‘American Idol’. O programa é um drama médico com cara de ‘Friends’, sobre um grupo de amigos residentes de hospital.

‘House’, sétima série mais vista no Brasil, foi o sexto da TV americana na semana passada. O ranking dos dez campeões de audiência da TV paga tupiniquim se completa com ‘Desperate Housewives’, ‘Cold Case’ e ‘Two and a Half Men’, nesta ordem.

TV envergonhada

A divulgação de audiência da TV paga é uma questão dramática para o setor. A medição é feita pelo Ibope desde 2001. Os primeiros relatórios decepcionaram os canais, pois escancararam que o telespectador paga por serviços de TV a cabo principalmente para ver emissoras abertas. Mais de 70% da audiência dos assinantes vai para a Globo, Record, SBT e Band.

No início, o Ibope divulgava o alcance dos canais. Alcance é o registro do total de telespectadores que sintoniza um determinado programa durante pelo menos um minuto. É, portanto, algumas vezes superior à média de audiência do programa.

Com o tempo, o Ibope deixou de divulgar à imprensa qualquer número de audiência de TV paga. Hoje, só permite que os canais divulguem os desempenhos de seus próprios programas, sem compará-los com os da concorrência.

Mais recentemente, o instituto passou a recomendar aos canais que só elaborem rankings trimestrais, e não mensais. Isso daria maior ‘consistência’ aos números, pois é grande a alternância de posições entre os programas mais vistos. Por exemplo, um seriado que hoje é líder pode ser o 20º daqui a alguns meses, quando passar a ser reprisado.

O grande problema da TV paga é a baixa penetração do setor no Brasil, além do massacrante domínio da TV aberta.

A TV paga está hoje em 4,54 milhões de domicílios no país (menos de 10% do total).

A medição do Ibope é feita apenas em São Paulo e no Rio. Mas o mercado, para turbinar os números, passou a projetar esses dados para todo o país, usando uma base bastante generosa, que considera que cada domicílio tem 3,2 telespectadores. Assim, haveria 14.526.851 telespectadores no Brasil todo. Se fossem considerados apenas os telespectadores de São Paulo e Rio, seriam 4,499 milhões de pessoas. Isso faz muita diferença para um setor cuja série mais vista tem apenas 1,5% da audiência.

A TV paga tem como características básicas a segmentação e a fragmentação (um mesmo programa é reprisado várias vezes, o que dispersa sua audiência). Alguns canais só trabalham os números do Ibope com o recorte que os interessa. Ou seja, só divulgam audiências entre seus públicos-alvo (por exemplo, de 18 a 34 anos).

O ranking obtido pela Folha considera todos os públicos e exclui todos os outros gêneros de programas que não sejam seriados -no geral, as maiores audiências da TV paga costumam ser eventos esportivos, estréias de filmes de sucesso e programas infantis, sem contar o imbatível ‘Big Brother Brasil’.’

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Record deve exibir ‘heroes’ no fim do ano

‘A Record adiou a estréia de ‘Heroes’, cujo final da 1ª temporada foi exibido nos EUA segunda-feira passada. A série, que deveria estrear após ‘O Aprendiz 4’, ficou para o final do ano ou janeiro de 2008. A idéia é exibir os 23 capítulos seguidos, diariamente. ‘Quando vi os dez primeiros episódios seguidos, me chamou a atenção para fazer diariamente, como ‘Lost’ e ‘24h’, na Globo’, diz Hélio Vargas, diretor de programação da Record.’

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Série alavanca canal pago AXN no Ibope

‘Graças a ‘Lost’, o AXN é hoje um dos mais assistidos da TV paga -em abril, ficou em quarto no horário nobre (das 19h à 0h). O canal pertence à mesma programadora do Sony.

‘Antes de ‘Lost’, o AXN vinha caminhando na direção de um novo posicionamento. Distanciava-se de esportes radicais e de esportes de aventura e passava a se dedicar cada vez mais à ação. Era fundamental ter na grade a presença de uma atração de peso’, explica Stefania Granito, gerente de marketing do canal, que visa o público com mais de 18 anos em geral (o do Sony, nono canal mais assistido em abril, vai de 18 a 34).

Também em quarto no ranking dos canais em abril, o Warner busca o público de 18 a 49 anos. Sua estratégia é fazer estréias de novas séries e temporadas duas vezes por ano, normalmente em outubro/novembro e em junho/julho.

Exibidor de ‘Heroes’, o Universal Channel (ex-USA), sexto mais visto, tem como alvo homens e mulheres com mais de 25 anos. ‘O foco do canal são as séries de investigação e suspense, que trazem enredos instigantes com personagens de peso. Outro critério para nós é a continuidade das séries. Não há nada mais frustrante para o assinante do que acompanhar uma série que é interrompida. Fazemos dois grandes lançamentos por ano’, diz Paulo Barata, diretor do canal.

Já o Fox, décimo colocado, não é bem um canal de séries -exibe também filmes e futebol- e busca fazer apresentar novidades todos os meses.

O líder de audiência da TV paga brasileira no horário nobre de abril foi um canal infantil, o Cartoon Network. O Cartoon só perde a liderança eventualmente -no primeiro trimestre para o Multishow (oitavo em abril), que é alavancado por ‘Big Brother Brasil’, ou pelo TNT (terceiro) ou pelo SporTV (segundo).’

Sylvia Colombo e Laura Mattos

Quem agüenta ver ‘Lost’ até o fim, em 2010?

‘Até quando vai dar para agüentar o autoritarismo do doutor Jack, as ironias espertinhas do malandro Sawyer, as dissimulações da misteriosa Kate e as armações do vilão (vilão?) Ben? Mais grave, como os roteiristas de ‘Lost’ vão conseguir amarrar todas os mistérios que inventaram para construir este que é um dos maiores fenômenos da televisão hoje?

Pois não é tão cedo que os lostmaníacos vão poder dormir em paz. A rede norte-americana ABC anunciou que o seriado terá ainda mais 48 episódios, distribuídos por três temporadas, e que só terminará mesmo em… 2010. Será que dá para agüentar até lá?

Muita gente já desencanou. Esperar mais três anos para saber por que o vôo 815 da Oceanic caiu na ilha misteriosa, ex-sede de um projeto científico hoje tomada por uma espécie de seita, parece tempo demais.

Por outro lado, é uma tentação e tanto manter vivas as esperanças do charmoso grupo de sobreviventes que conquistou audiência cativa no mundo.

Estariam os roteiristas de ‘Lost’ ousando muito ao buscar uma fórmula de sucesso de tão longo prazo? Ou seriam eles os desbravadores de uma nova forma de construir narrativas?

‘Querer esticar uma idéia original de sucesso é condená-la ao fiasco. A tendência natural é que ela se dilua. Logo eles terão de inventar ‘barrigas’ [formas de esticar a história], o fôlego vai se perdendo. E é aí que começam as apelações’, diz Marçal Aquino, de ‘O Invasor’.

Mas será que não há uma arte nascendo justamente nessa tarefa de inventar ‘barrigas’ bem argumentadas? Para Fernando Bonassi (‘Carandiru’), ‘Lost’ é revolucionária. ‘A série traz uma libertação para os roteiristas. Qualquer entidade mística, personagem esquisito, trama mágica, passa a valer desde que tenha consistência dramatúrgica’, diz o autor, que vê um aspecto ‘pedagógico’ na série. ‘Ela pode nos ensinar uma nova forma de contar histórias.’

Há quem veja riscos nessa tal ‘revolução’. ‘Pode ser bom para o mercado que os roteiristas tenham mais liberdade e sejam mais valorizados. Mas é preciso não esquecer que uma obra tem de ser algo acabado, com começo, meio e fim’, diz o roteirista Di Moretti (‘Latidude Zero’). Para ele, o desgaste de ‘Lost’ é fato consumado. ‘Já desisti de assistir; a idéia original vai se descaracterizar, e a tendência é que os personagens passem a ser pouco críveis.’

Aquino acha que a liberdade dos roteiristas tem um limite, o da audiência. ‘Lost’ é o coroamento de um processo que já se vê na TV em que o público determina o destino da trama e o autor anda a reboque.’

Estratégias

O diretor-geral do ‘Big Brother Brasil’, Boninho, acha que ‘Lost’ ‘segura’ até 2010, mas não acredita que vá criar tendências. ‘Trata-se de um formato único, desenvolvido durante a sua exibição. Dificilmente veremos outro seriado tão cheio de supostos rumos e mudanças radicais, sem um determinado fim. É uma grande brincadeira entre autores e telespectadores que deu certo.’

Para Cao Hamburger, diretor da série ‘Filhos do Carnaval’, ‘Lost’ não é ‘tão inovadora’. ‘A narrativa guarda semelhança com alguns jogos de videogame ou talvez RPG. É mais um truque ilusionista bem aplicado, e às vezes me parece uma grande farsa, no bom sentido.’

Para o novelista da Record Marcílio Moraes (‘Vidas Opostas’), o que está segurando o público não é a solução, mas o problema. ‘Arrisco dizer que, enquanto eles conseguirem propor novos mistérios, a narrativa se sustenta.’

Para Moraes, ‘Lost’ joga com o público de forma semelhante às novelas. ‘Você trabalha com mistérios. Soluciona alguns enquanto propõe outros. O segredo do sucesso, numa narrativa assim, é esconder mais do que mostrar. A solução do mistério pouco importa.’

O crítico de cinema da Folha Cássio Starling Carlos, autor de ‘Em Tempo Real’, sobre séries americanas, acredita que seja grande o risco de os telespectadores se cansarem até 2010. ‘Uma série de enigma, como ‘Lost’, tende a ter longevidade menor do que a de histórias focadas em personagens, que pode ser mais desenvolvido em tramas e subtramas’, diz.

Já para a escritora Fernanda Young, tudo não passa de oportunismo de mercado. ‘É claro que dá para enganar o público até 2010. Dá para enganar o tempo que se quiser. A alternativa de uma solução mágica faz com que tudo seja possível. Essa seqüência de invenções para alimentar mistérios não passa de uma grande bobajada.’’

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‘American Idol’ Supera Final De ‘Lost 3’ Nos Eua

‘O último episódio da terceira temporada de ‘Lost’, exibido na quarta nos EUA, foi visto por 13,7 milhões de pessoas, contra 17,8 mi do fim da segunda e 20,7 mi da primeira. O fim de ‘Lost 3’ perdeu para o de ‘American Idol’, no ar na mesma noite (29,5 mi de espectadores).’

Bia Abramo

‘A Grande Família’ mantém a forma

‘NÃO É pouco para uma sitcom atravessar sete temporadas e não perder a graça. Mesmo nos EUA, a pátria dos seriados cômicos, são poucas as que sobrevivem tanto. ‘A Grande Família’ até já balançou, mas não caiu. Qual será o segredo?

Pensando em uma outra série famosa, como ‘Friends’, que che- gou a dez temporadas, parece simples: um grupo de bons atores e um trabalho de roteiro que ao mesmo tempo garanta uma estrutura semelhante a cada episódio e a evolução dos personagens ao longo do tempo.

Mas, a julgar tanto pelas escassas experiências brasileiras como pela quantidade de tentativas e erros cometidos na televisão norte-americana, achar esses dois ele- mentos essenciais e fazê-los trabalhar juntos é mais complexo do que parece.

Não bastam os talentos individuais deste ou daquele intérprete; é preciso que o conjunto todo se harmonize nas diferenças. Não basta uma situação boa de início; é preciso que ela se estique no tempo do episódio e que tenha fôlego para suportar muitos desdobramentos.

‘A Grande Família’ tem tudo isso.

É quase escusado destacar a qualidade dos atores que constituem seu núcleo central, mas também não se pode deixar de notar como os coadjuvantes, mais ou menos veteranos, conseguem entrar rapidamente no espírito.

É também um grupo extremamente carismático, característica muito importante em sitcoms tão longevas.

A série também tem conseguido, à base de uma criatividade bem sintonizada, conciliar o ‘de sempre’ com ‘o que vai acontecer a seguir’, até mesmo recorrendo a situações ousadas, como a recente separação de Lineu e Nenê.

Mas há algo em ‘A Grande Família’ para além disso, que é uma a- posta arriscada numa espécie de estilização do folclore a respeito da classe média.

É como se a série almejasse estar num tempo e numa geografia algo míticos, em que pudessem se encontrar Nelson Rodrigues, Pedro Almodóvar, ‘I Love Lucy’ e as telenovelas dos anos 70.

Esse referencial da cafonice ‘pop’ subsidia muitas produções cômi- cas de televisão, com resultados incertos. Muitas vezes, resvala numa caricatura antipática, distanciada e artificiosa.

Em ‘A Grande Família’, entretanto, consegue dar as voltas necessárias para fazer crítica com um olhar generoso e, claro, engraçado.’

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Folha de S. Paulo – 1

Folha de S. Paulo – 2

O Estado de S. Paulo – 1

O Estado de S. Paulo – 2

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