Monday, 04 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

Folha de S. Paulo


INTERNET
Carlos Heitor Cony


Asfalto selvagem


‘RIO DE JANEIRO – Um filme de John Houston, creio que dos anos 50, tinha no original o título de `Selva do Asfalto´. No Brasil, virou `O Segredo das Jóias´ e foi, se não me engano, o primeiro filme em que Marilyn Monroe apareceu nos créditos.


Era um policial. No final, um inspetor mostra o rádio que recebe as mensagens das radiopatrulhas que rondam a cidade. No painel central, as luzes piscam, as vozes se sucedem, atropelamento na rua 18, homem espanca mulher na 22, um cadáver boiando no rio, briga numa boate de travestis, mulher pedindo socorro na ponte, assalto a mão armada na loja Macy´s. E por aí vai.


De repente, o inspetor desliga o painel e as luzes não piscam mais, as vozes emudecem. O silêncio é total. Ele diz: `Se desligarmos essa joça, resta o silêncio. A selva de asfalto não faz nenhum ruído. Há assassinatos, roubos, estupros, suicidas, a vida humana em seu limite de dor, mas tudo está em silêncio, a selva emudeceu, mas continua viva´.


A internet tem alguma coisa a ver com essa imagem de selva emudecida. Nós entramos nela e ficamos sabendo que fulano está traindo sicrano, que Andréia nos manda um beijo e o PT acusa alguém de alguma coisa. Um sindicato reclama da taxa de água em Florianópolis e uma jovem acusa o patrão de assédio sexual. Antônio quer saber por que não fiz isso ou aquilo, e João me envia o seu exame de sangue, está com Aids.


Desligo o computador. A tela escurece. Não emite nenhum ruído, nenhuma imagem. Mas tudo continua acontecendo, encontros e desencontros, traições e dedicações, deslumbramentos e decepções.


A tela continua apagada, escura, não há notícia da selva misteriosa onde a humanidade, por isso ou aquilo, geme, goza, palpita e sofre, mas tudo parece morto, tudo está parado.’



CÍRCULO DE LEITORES
Folha de S. Paulo


Folha inicia amanhã projeto que reúne editores e leitores do jornal


‘A Folha inicia amanhã o projeto `Círculo de Leitores´, que promoverá encontros mensais dos editores do jornal com os leitores. Informais, as reuniões buscarão avaliar as edições, recolher críticas e levantar idéias para melhorar o jornal.


Cada círculo contará com dez leitores e um grupo de editores. `É mais um instrumento que a Folha utilizará para aprimorar e estreitar a sua relação com seus leitores, ajudando a aprofundar o conhecimento de suas necessidades´, afirma Eleonora de Lucena, 50, editora-executiva da Folha.


O Datafolha convidará os participantes a partir de uma análise do universo de leitores assíduos do jornal. De acordo com o diretor-geral do Datafolha, Mauro Paulino, 45, `essa é uma oportunidade que o jornal abre para que o leitor possa ajudar a fazer o jornal a participar de sua elaboração´.


O instituto já realiza, periodicamente, pesquisas quantitativas e qualitativas sobre o perfil do leitor e hábitos de mídia, para que o jornal possa conhecer `e atender melhor´ as demandas de um público em constante transformação. O novo projeto visa complementar as informações fornecidas por esses levantamentos.


O Folhateen, por exemplo, já realiza encontros desse tipo há quatro anos. O editor do caderno, Ivan Finotti, 37, se reúne quinzenalmente com adolescentes: `São teens que se reúnem conosco para falar do caderno, fazer críticas, falar do que gostaram. Eles também sugerem pautas ao jornal. É dessas conversas que surgem muitas capas do caderno´.


Para Finotti, `estender essa experiên´ cia para todo o jornal pode tra´ zer grandes benefícios´.


Para a diretora de revistas da Folha, Cleusa Turra, 49, a iniciativa permitirá ampliar o envolvimento dos leitores na produção do jornal: Os leitores da Folha já vêm ampliando sua participação nas atividades do jornal, como nas sabatinas no Teatro Folha e nos debates sobre filmes.


O Círculo de Leitores servirá para estreitar esse relacionamento. Será uma oportunidade inédita para os jornalistas submeterem seus trabalhos à avaliação do seu público e ouvir suas demandas´.


Tanto Finotti como Cleusa `responsável pela Revista e pelo Guia da Folha´ participarão do encontro de amanhã, que reunirá também os editores da Ilustrada e de Ciência.’



ELEIÇÕES NOS EUA
Sérgio Dávila


Biografia peculiar traz armadilhas para campanha de Obama


‘Na noite da Superterça, no dia 5 de fevereiro último, estava claro ao comando da campanha de Barack Obama que o senador havia provado ao seu Partido Democrata que tinha uma qualidade que todos achavam que lhe faltava: elegibilidade. Afinal, ganhara da rival Hillary Clinton em 13 dos 23 Estados que realizaram primárias partidárias para escolher os candidatos à eleição presidencial de novembro.


Estava cumprida a última etapa do chamado `Plano Estratégico´, ou simplesmente `O Plano´. Este norteia a vida política de Obama desde que ele assumiu seu posto no Senado, em 2005, conforme conta o jornalista David Mendell na biografia `From Promise to Power´ (da promessa ao poder).


Criado pelo chamado Grupo de Chicago, formado por nomes conhecidos nos bastidores políticos, como David Axelrod e Robert Gibbs, O Plano é seguido à risca pelo senador de 46 anos. Previa, por exemplo, que ele passasse seu primeiro ano em Washington `abaixo da linha do radar´, evitando se envolver em legislação polêmica.


´Então, no ano seguinte, ele faria um grande evento midiático, que acabou sendo sua viagem ao Quênia, que seria seguido pelo lançamento da segunda parte de sua biografia, `A Audácia da Esperança´, que seria seguido de um tour e culminaria no lançamento da candidatura à Presidência´, disse Mendell à Folha, por telefone.


De estrategista a alvo


O objetivo do político era chegar às primárias com o nome forte o suficiente para fazer campanha para o escolhido de seu partido e até pleitear o cargo de vice-presidente. Mas a corrida dera mais certo do que o previsto, e Obama poderia ser o candidato. Agora, O Plano precisava de uma revisão.


´O senador precisa de tempo´, disse David Axelrod a jornalistas que estavam em Chicago na Superterça. `Tempo para ser conhecido no resto do país.´ É o que Barack Obama vem fazendo desde então. No dia 6 de fevereiro, ele perdia de Hillary nas pesquisas de intenção de voto no Texas e em Ohio por cerca de 20 pontos percentuais. Hoje, a dois dias das primárias naqueles Estados, está em empate técnico no primeiro e encostado no segundo.


Mas há efeitos negativos. `Com isso, ele passou de excentricidade a alvo´, disse Mendell. E a arma de preferência de ataque tem sido a desinformação. Na semana passada, o site conservador Drudge Report publicou uma foto em que Obama aparece de roupas e turbante tradicionais somalis, que ganhou durante a tal viagem de 2006 ao Quênia.


No dia seguinte, durante comício do republicano John McCain, um radialista o chamou várias vezes de Barack Hussein Obama, seu nome de batismo, o mesmo de seu pai. A MSNBC o identificou recentemente usando foto do terrorista saudita Osama bin Laden -foi engano, e o funcionário foi advertido, disse a emissora. Na blogosfera conservadora, dá-se como certo que o candidato é de uma `célula muçulmana adormecida´. E ainda faltam nove meses para as eleições


Biografia ajuda


O fato é que sua biografia peculiar ajuda. Nascido no Havaí, é filho único de um estudante negro do Quênia que, em Honolulu, se apaixonou e casou-se com uma branca nascida no Kansas, ainda hoje um dos Estados menos miscigenados do país, com 91% de brancos.


Seu nome, Barack, é uma derivação em suaíli para `abençoado´ em árabe. Hussein, o segundo nome, é o do segundo neto de Maomé, mártir do ramo xiita do islã. O senador define os pais ora como ateus, ora agnósticos. `Num curso de russo, Barack Hussein Obama [o pai] conheceu uma garota americana estranha e tímida, de apenas 18 anos, e eles se apaixonaram´, escreve na autobiografia `Dreams From My Father´ (sonhos vindos de meu pai).


Ela era Stanley Ann Dunham, que tinha o primeiro nome masculino por obra do pai, que queria um filho homem. `Era uma progressista ao extremo, e ele herdou em grande parte a maneira dela de pensar´, disse ao biógrafo Mendell a avó materna de Obama, Madelyn Dunham, hoje com 84 anos. Depois de se divorciar duas vezes, Ann viajaria pelo mundo `estudando outras culturas´, segundo a mãe, e restaria à avô a educação de Obama.


Já Barack Hussein Obama pai ganhou o nome do avô paterno do candidato, um médico cristão que se converteu tardiamente ao islamismo e teve três mulheres (é a terceira delas, Sarah, que Obama chama de avó, embora não seja a mãe de seu pai). O casamento de Ann e Obama pai acabou quando o menino tinha dois anos.


No ano seguinte, ela se casou com o indonésio Lolo Soetoro, que levou a família para Jacarta. Ali, de 1966 a 1970, o futuro senador freqüentaria uma escola pública laica que ensinava também os preceitos do islã. A passagem viraria o rumor mais persistente da biografia de Obama, a de que ele foi alfabetizado numa `madrassa´ (escola religiosa muçulmana).


Sobre o padrasto, o afilhado diz que era um muçulmano não-praticante que o introduziu `à carne de cachorro (dura), cobra (mais dura ainda) e grilo assado (crocante)´. `Como muitos indonésios, Lolo seguia uma facção do islã que dava lugar a fés animistas antigas e ao hinduísmo´, escreveu. `Ele me explicou que o homem tira poder do que come: um dia, me prometeu, comeríamos carne de tigre.´


Relação com Jesus


Sobre sua própria fé, Barack Obama já afirmou ter `uma relação pessoal com Jesus´. Na segunda autobiografia, o senador descreve o dia em que foi batizado por Jeremiah Wright, da Igreja Unida da Trindade de Cristo, protestante, que virou afrocentrista e, para alguns críticos, radical demais depois que o polêmico reverendo assumiu o comando, em 1972.


´Foi por conta desses novos entendimentos -de que o compromisso religioso não requeria de mim a suspensão do pensamento crítico nem o afastamento da luta pela justiça econômica e social- que me senti apto a finalmente atravessar o corredor da igreja um dia e me batizar´, escreveu em `A Audácia da Esperança´, título de um dos sermões do pastor.


As desinformações tendem a piorar, segundo o biógrafo de Obama. `Até agora, ele se beneficiou mais ou menos da regra não escrita de que, entre democratas, nunca se ataca o pré-candidato negro, sob pena de perder votos´, disse Mendell. De fato, ao fazer isso em janeiro, o ex-presidente Bill Clinton pode ter tirado a vitória na Carolina do Sul de sua mulher. `O mesmo não valerá para os republicanos, que já não contam mesmo com esses votos.´’



PUBLICIDADE
Cristiane Barbieri


Novas mídias mudam grandes agências


‘Na fogueira das vaidades do mundo da propaganda, dividir quartos, hospedar-se num hotel relativamente simples e passar o fim de semana ensolarado num auditório ouvindo gurus e economistas seria impensável, até poucos anos atrás. Pois foi exatamente o que aconteceu com um grupo de 210 dos mais renomados publicitários do país, na semana passada.


Na 1ª Convenção Executiva do grupo ABC, presidentes e criativos de 12 agências ficaram de quinta-feira a domingo ouvindo palestras. Entre elas, do empresário Beto Sicupira, do ex-ministro e acionista da Sadia Luiz Fernando Furlan e do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.


Na pauta, nada de campanhas criativas e engraçadinhas, prêmios e genialidades da raça, mas, sim, orçamento, macroeconomia, gestão de pessoas e empreendedorismo. `Estamos nos atualizando para acompanhar o mundo´, diz Nizan Guanaes, presidente do grupo ABC.


Isso porque a realidade à qual os publicitários estavam acostumados mudou. Saíram de cena verbas polpudas, gastas principalmente numa gigantesca campanha de TV, e entrou no ar a pulverização da comunicação. `O consumidor se pulverizou, e as verbas se pulverizaram atrás dele.´


Com as novas tecnologias, a propaganda passou a abranger áreas como `advergames´ (anúncios em jogos eletrônicos), marketing viral (boatos na internet), as de guerrilha (ações de impacto), promocional, de ações no ponto-de-venda, entre dezenas de opções.


Apesar de dizerem que oferecem e estão habituadas a todas essas alternativas, as agências tentam descobrir maneiras de garantir para si fatias maiores das verbas agora picotadas.


´Mais do que canibalização, está havendo uma complementaridade entre as diferentes formas de comunicação´, diz Fabio Fernandes, sócio da F/Nazca Saatchi&Saatchi. `Nenhuma delas está morrendo, mas se unindo umas às outras e multiplicando negócios.´


Para aproveitar a tendência, Fernandes e três sócios criaram, na semana passada, a holding Qu4tro. Sob ela, estarão empresas de promoções, eventos, marketing direto, `buzz marketing´, `mobile marketing´, conteúdo e novas mídias.


A primeira do grupo é a 360º BTL, que faturou R$ 25 milhões no ano passado com eventos, promoções e incentivo. A expectativa é a de que sejam feitas mais duas ou três aquisições neste ano.


´Amplificamos nossos horizontes para outras disciplinas´, diz Fernandes, que admite que estava perdendo negócios por não atuar mais fortemente em outras áreas.


Para abrir o leque de ofertas, Fernandes teve de flexibilizar o contrato de exclusividade que tinha com o grupo britânico Saatchi&Saatchi. Assim, a Qu4tro abrigará negócios que não forem de interesse da Saatchi, apesar de, no mundo, a agência ter coligadas em áreas de fora da mídia tradicional.


´Futuramente a Saatchi poderá fazer aquisições conosco´, diz Fernandes.


Ter agências de diferentes áreas coligadas ou abrigá-las sob a mesma companhia, aliás, é uma das principais discussões sobre os rumos futuros do setor. O grupo Interpublic, um dos gigantes no mundo, adotou modelos diferentes nas agências que abriga.


Na Giovanni+Draftfcb, por exemplo, a estratégia foi juntar todas as áreas sob o mesmo teto, literalmente. Cerca de 350 funcionários de áreas completamente distintas passaram a conviver e foram treinados exaustivamente para entender o que os agora novos colegas de trabalho fazem. Objetivo: otimizar a oferta de serviços e gerar negócios.


Entre outras iniciativas, foi implantado o Projeto Evolução, reunião mensal na qual funcionários de determinadas áreas explicam para os de outras o que fazem e como operam. `Nesse tipo de atendimento, não há conflitos de áreas, não há sócios diferentes, e a recomendação do serviço para o cliente é isenta´, afirma Aurélio Lopes, presidente da Giovanni+Draftfcb.


Segundo ele, ao reunir serviços e facilitar sua oferta, a agência conseguiu aumentar a relação financeira com os clientes em torno de 25%. Num dos casos, por exemplo, foi criada uma propaganda para o Habib´s que tinha uma campanha para eleição do melhor quibe em filmes feitos para televisão, urnas e material de ponto-de-venda e ações pela internet.


´Por sete anos nossas empresas trabalharam como coligadas´, diz Lopes. `Eram duas empresas diferentes, com visões diferentes, e os resultados não eram os mesmos.´


O método de trabalho, entretanto, está longe de ser unanimidade. `Não é possível entender de parto de onça e atracação de navio´, diz Guanaes. `Respeito quem adota, mas não acredito em comunicação 360º. Cada um tem sua especialidade e é o que os grandes grupos do mundo estão fazendo.´


Numa área que muda com velocidade, a discussão deve ir longe, dizem os especialistas. Os publicitários acreditam, no entanto, que os dois formatos conviverão entre si, como opções múltiplas à comunicação também cada vez mais variada.’



TELEVISÃO
Daniel Castro


Atriz faz `universidade´ para viver Maysa em minissérie da Globo


‘Escolhida entre dezenas para interpretar a cantora e compositora Maysa (1936-1977), a atriz gaúcha Larissa Maciel, 30, mergulhou há 20 dias em um processo que a Globo está chamando de `universidade Maysa´. Só sai de lá em 10 de julho, quando começam as gravações da próxima minissérie da rede, prevista para estrear em 6 de janeiro de 2009, com nove capítulos escritos por Manoel Carlos e dirigidos por Jayme Monjardim, 52, único filho da musa da `música de fossa´.


´Larissa passa de oito a dez horas por dia na `universidade´ Maysa, fazendo trabalho de corpo, de voz e psicológico. Ela assiste a filmes, vídeos, tem aulas de violão e canto. À medida que vai evoluindo, faz novos trabalhos´, conta Monjardim, dono de um acervo gigantesco (de fotos e reportagens às mais íntimas páginas de diários) sobre Maysa, que ele mesmo catalogou ao longo de dez anos.


A idéia é que Larissa, após se `diplomar´, fale, cante, respire e segure o cigarro como Maysa fazia. Parecida ela já é.


Monjardim, no entanto, diz que não está preocupado em recriar Maysa, mas em capturar a `alma de uma pessoa que estava à frente de seu tempo´. O diretor afirma que os vários meses de preparação para as gravações podem parecer muito para TV, mas não são. `Se eu não fosse parente da Maysa, esse tempo seria excepcional. Mas para mim não é tanto.´


O diretor conta que precisou amadurecer para realizar o projeto. `Eu me preparei durante anos para esse trabalho. Há dez anos, não conseguiria fazê-lo. Na hora de dirigir, vou saber separar o diretor do filho, mas sou humano, as emoções podem aflorar´, afirma. Para Monjardim, será `novidade´ dirigir atores que o interpretarão. `Não pensei nisso ainda.´


A minissérie é um projeto antigo, revela: `Meu primeiro filme e programa de TV [na Band] foram sobre Maysa. Descobri que queria ser diretor fazendo homenagem a ela´.


A SÓSIA DO BRASIL


Durante anos, a atriz Fernanda de Freitas, 28, foi chamada de `a sósia da Deborah Secco´. Seu mais novo trabalho, um especial sobre a banda Mamonas Assassinas que a Globo exibe no final de março, poderá lhe render o apelido de `sósia de Valéria Zopello´, a namorada do vocalista Dinho, que ela interpretará. `A gente é bem parecida, tem a mesma estatura. Só foi estranho fazer uma personagem que existe e está viva´, diz. Ela assume que era fã dos Mamonas: `Tenho CD até hoje´.


DUBLÊ


Muita gente que viu um anúncio da L´Oréal durante as transmissões do Oscar, domingo passado, pensou que a apresentadora Angélica foi dublada por uma outra mulher. Não foi. A voz é da própria Angélica, que teve, sim, que dublar a si mesma, por uma exigência da indústria de cosméticos.


VIAGEM


O diretor Ignácio Coqueiro embarcará para a Itália para levantar locações para as gravações de `Vendetta´, substituta de `Caminhos do Coração´, na Record. As primeiras seqüências da trama se passam em Palermo. Lá, a mulher e as filhas de um mafioso morrem em atentado.


Pergunta indiscreta


FOLHA – Em um teste de conhecimentos gerais, um `brother´ disse que Boa Vista é a capital do Acre. Na semana passada, uma `sister´ se complicou toda tentando conjugar o verbo trazer. Existe um limite de Q.I. para poder participar de `Big Brother Brasil´? Qual?


J.B. DE OLIVEIRA, O BONINHO (diretor-geral de `BBB´)- Tem sim. Um participante tem que ter pelo menos o Tico e o Teco. Ou seja, nada muito difícil. Até porque, estando preso na casa, ele não precisa saber onde fica Boa Vista. E, como não pode pedir nada, o verbo trazer é insignificante.’



Laura Mattos


Ator se destaca como gay de minissérie


‘Desta vez, não é uma senhora gorda do interior, com as pernas cheias de varizes, que está sentada à frente da televisão.


É um telespectador `mais jovem, sofisticado e antenado´ que prestigia Guilherme Weber, o homossexual Benny na minissérie `Queridos Amigos´ (Globo), de Maria Adelaide Amaral. Premiado no teatro, o ator está em seu segundo papel televisivo de destaque. No primeiro, como vilão da novela das sete `Da Cor do Pecado´ (2004), teve `reconhecimento de um público mais popular´.


´Quando entrei na TV, a [atriz] Maria Padilha me deu um conselho ótimo: `Novela a gente não faz para os amigos, faz para o público´´, diz Weber, que completa o raciocínio com sua teoria da senhora gorda:


´Lembrei-me de um livro que adoro, `Franny and Zooey´, de J. D. Salinger, sobre dois radialistas que, ao entrar no estúdio, pensavam naquela senhora gorda do interior, com a perna cheia de varizes, escutando rádio. Imaginavam que aquele era um momento libertário para ela. Quando entro no estúdio para gravar, penso nessa representante do Brasil que está esperando para assistir à novela -que, nesse sentido, vira um trabalho humanista´.


Para Weber, 33, o sofá agora aconchega seu público do teatro. `Sempre tive um reconhecimento grande de um nicho bastante alternativo, que acompanha meu trabalho na companhia [de teatro Sutil]. Com o vilão de `Da Cor do Pecado´, me tornei popular para gente que nunca tinha me visto na vida. Agora, a minissérie equilibrou essas duas vertentes da minha carreira. Seria um nicho teatral dentro da televisão, o filé mignon da programação.´


A reflexão sobre o `momento libertário das senhoras gordas´, garante Weber, não tem a ver com a compulsão que alguns atores têm por se desculpar pelo `pecado´ de fazer TV.


´Há uma tendência de querer justificar o trabalho na televisão, como se ele fosse menor. Mas isso nunca está na boca de atores que realmente têm carreira paralela em teatro, cinema. Está, sim, na mente fantasiosa do ator que acha que esse discurso vai intelectualizá-lo. Quem se intelectualiza por suas ações não precisa se intelectualizar pelo discurso.´


O trabalho na TV `não é menor, é menos pessoal´. `Projetos pessoais toco no teatro. Em novela, não dá para ter uma composição tão rígida do personagem porque são nove meses de situações imprevisíveis.´


Já Benny, de `Queridos Amigos´, é diferente. `A minissérie é uma obra fechada, recebemos todo o texto antes de gravar. E ele, como os outros personagens dessa obra, é mais humano, complexo como qualquer pessoa interessante. Não tem tintas tão carregadas como os de novela, que podem ser um pouco maniqueístas´, afirma.


Beijo gay


Benny é um dos mais interessantes personagens de `Queridos Amigos´, que retrata o reencontro, no final dos anos 80, de uma turma de intelectuais de esquerda militante à época da ditadura militar.


´Ferino, provocador, amargo e, ao mesmo tempo, humano´, Benny, em um dos episódios da semana passada, foi empurrado pelo amigo Pedro (Bruno Garcia) ao tentar lhe roubar um beijo. Forte, a cena repercutiu em jornais populares, que apelaram ao tentar marcá-la como a do `primeiro beijo gay da teledramaturgia brasileira´.


Uma das características mais marcantes de Benny é o humor ácido. `A comunidade gay tem um humor elaborado, profundo e ferino, muito crítico e irônico, que vem de uma cultura de minoria. Soma-se a isso o fato de ele ser judeu, que tem o humor de autoparódia.´


Weber buscou referências em Caio Fernando Abreu, escritor perseguido pelos militares, morto em decorrência da Aids. É uma das personalidades que inspiraram Maria Adelaide Amaral na criação de Benny, além do poeta Roberto Piva e do editor Pedro Paulo de Sena Madureira. `Já o [artista pop] Andy Warhol me ajudou a conceituar Benny visualmente, com jaquetas de couro pretas, óculos escuros, cabelo grisalho escovado com franjão.´


Silvio de Abreu


Weber chegou à televisão em razão do sucesso da companhia de teatro Sutil, fundada em 1993 por ele e pelo amigo Felipe Hirsch, um dos principais diretores da nova geração.


Curitibanos, eles ganharam projeção nacional com a peça `A Vida É Cheia de Som e Fúria´, de 2000. Já em São Paulo, encenava `A Morte do Caixeiro Viajante´, com Marco Nanini, quando foi visto por Silvio de Abreu. O novelista o indicou para o papel de vilão de `Da Cor do Pecado´ (Globo). Foi no mesmo ano, 2004, que teve o primeiro papel de destaque em sua carreira, ao protagonizar o elogiado `Árido Movie´.


Apesar de ter se tornado `global´, com contrato de longo prazo, Weber acha `totalmente possível, até fácil´ não se contaminar pelo mundo de celebridades. `É o ator quem define isso. Ninguém é perseguido sem querer. Essa é uma cultura um pouco cafona. No Brasil, os atores passam muito rápido da marginalidade para a celebridade, e pouca gente pára no lugar que temos que ficar, a classe média. Nos anos 60, 70, éramos marginais, a escória, ninguém queria que o filho fosse ator. Agora, as mães levam os filhos para fazer testes de elenco.´


E se tivesse uma proposta de receber R$ 15 mil só para dançar com uma debutante? `Adoraria, ia achar engraçadíssimo.´


Pausa. `Estou brincando, claro. Porque, dependendo da debutante, pode ser um dinheiro difícil. E, se o bufê não for bom, eu ainda volto com uma salmonela.´ Aí está Benny.’



Cristina Fibe


Clima de pastelão e sátira a Bush dominam nova faixa de séries


‘Para as noites de terça-feira, o Sony propõe quatro novas comédias na faixa `PI, Politicamente Incorreto´. Duas delas debocham do presidente norte-americano, outras só se encaixam no título pelas coisas sem noção que saem das bocas dos personagens.


Pela ordem: às 20h30, `10 Items or Less´, que está na segunda temporada nos EUA, abre o `PI´ acompanhando Leslie Pool (John Lehr), um atrapalhado gerente de mercearia que luta contra um supermercado. Faz parte da `graça´, aqui, filmar em uma loja de verdade, com figurantes reais e o risco de interagir com eles.


A partir das 21h, entram, em seqüência, duas séries produzidas pelo Comedy Central (de `Daily Show´ e `South Park´) que se dedicam a zombar do presidente norte-americano.


Primeiro, `Lil´ Bush´ (2007), escrita por Donick Cary (´Os Simpsons´), uma animação que trata George W. Bush como uma criança bizarra, que inventa brincadeiras desastrosas junto com sua `gangue´, que inclui Lil´ Cheney e Lil´ Condi.


Adultos, só Barbara e Bush-pai, então presidente -que, no primeiro episódio, leva o filho para a Casa Branca e tem como compromisso comer donuts. Na escola, o `pequeno Bush´ conhecerá ainda Lil´ Hillary, Lil´ Barack Obama etc.


Em `That´s My Bush´, às 21h30, um presidente já adulto também se comporta como criança -a comédia pastelão, de 2001, `entra´ na Casa Branca para debochar da relação de Laura Bush com o marido e das decisões políticas dele, com humor pouco sofisticado. A série é de Trey Parker e Matt Stone, criadores de `South Park´.


Por último, às 22h, `Sarah Silverman Program´ traz a chata personagem criando situações constrangedoras (e piadas mais ainda) no `retrato ficcional´ de sua própria rotina -Sarah Silverman é atriz e co-criadora da série.’



***


Prisioneiras conduzem série mexicana


‘Aparentemente determinada a diferenciar séries latinas de norte-americanas, o HBO lança hoje, às 22h, a megaprodução mexicana `Capadócia´, sobre um presídio feminino (ao menos na ficção, as mulheres ficam em celas sem homens) privatizado, feito para o lucro.


Elementos comuns a diversas séries estão aqui: violência, mulheres sem blusa, sexo, traição, romance. Mas o presídio, com seus motins, líderes e injustiças, é carregado de peculiaridades latinas e traz histórias baseadas em fatos reais.


Roteiristas, produtores e diretores estudaram prisões e casos de encarceradas -como o da freira que recheava rosários de cocaína- nos três anos de preparação da série, que o HBO classifica como `o projeto mais ambicioso´ de seu braço latino -com quatro produções, o grupo faz sua estréia no México.


Entre os diretores envolvidos, destaca-se Carlos Carrera, de `O Crime do Padre Amaro´, que dividiu os 13 episódios com Pedro Pablo Ybarra e Javier Patrón. `Fizemos certos acordos, mas cada um conservou a sua linguagem e absoluta liberdade narrativa´, afirma Ybarra.


Combinaram, por exemplo, como retratar as locações mais comuns, caso do presídio Capadócia -construído sob uma arena de touros, 30 metros abaixo da terra- e da casa de Teresa Lagos (Dolores Heredia), líder humanitária das prisioneiras. De resto, as personagens nas quais a série é focada variam a cada episódio.


Quanto às inúmeras cenas de sexo e às belas prisioneiras, Ybarra nega tratar-se de apelo proposital à audiência masculina. `Capadócia´ não foi escrita nem filmada com esse objetivo. Há sexo porque na vida há sexo, nas prisões de mulheres há lesbianismo. Não é gratuito.´


CAPADÓCIA


Quando: estréia hoje, às 22h


Onde: HBO’



CINEMA
Jorge Coli


O monstro episódico


‘Desde `King Kong´, em 1933, desde o início do cinema falado Nova York é alvo de destruições catastróficas nos filmes. São profecias, frutos do medo. Metrópole por excelência, ativa, moderna, alvo simbólico de fascínios e ódios, ela terminou sendo atingida de fato no tremendo 11 de Setembro.


A visão do ataque se repetiu no mundo inteiro em imagens límpidas: o brilho das torres, o azul do céu, perfeição cristalina. Depois, a bela forma do avião que se chocava contra o edifício retilíneo e, enfim, o desmoronamento.


Essas imagens claras ocultam, no entanto, as ramificações das causas. Ao invés de uma revelação, o episódio agudo desencadeia, estarrecida, a incapacidade de compreender. Ele concentra a desagregação dos sinais e dos sentidos. Põe em evidência a história para melhor mostrá-la como incógnita. Assinala a fragilidade de cada um, à mercê de forças que ultrapassam a todos.


Baudrillard disse que o 11 de Setembro significava um `retorno do real´, mas retorno sobre o quê? Sobre as ilusões de que é possível compreender e agir. O real que retorna admite apenas uma navegação intuitiva, uma navegação de cabotagem, sem mapa, sem bússola, descobrindo, aqui e ali, fragmentos de sinais, soltos, que se recusam à coerência.


Os processos da representação cinematográfica reagiram antes dos filósofos e substituíram o entendimento pela inquietação. É quando o medo se torna uma forma silenciosa, intuitiva e profunda de conhecimento. Instaura a fragilidade e a orfandade provocadas pelo não-saber e pelo não-poder.


Lagartixa


Nova York é arrasada em `Cloverfield´, filme de Matt Reeves. Para tanto, ele ressuscita e atualiza Godzilla, o velho dinossauro atômico japonês, responsável por um apocalipse urbano.


Da mesma maneira que em `A Bruxa de Blair´, a ficção é construída como a verdade de um documentário amador, testemunha dos acontecimentos. Esse procedimento faz viver a catástrofe pelos olhos das vítimas (e também reduz os custos de produção: Cloverfield é um blockbuster econômico).


Mergulha-se em meio ao simpático grupo de jovens que se diverte numa festa e que será surpreendido em seguida pela incursão do monstro. Um deles, encarregado de filmar o encontro feliz, seguirá captando as imagens do caos. A fita continha um registro anterior que irrompe de vez em quando, em curtos trechos, trazendo momentos de um dia idílico em Coney Island, praia popular que fica no Brooklyn.


Essa teimosia do filme anterior em reaparecer por pequenas porções é melancólica: o registro antigo vai se apagando e fazendo sumir a paz e a felicidade que ele contém. De algum modo, porém, como restam fragmentos acidentais, ele permanece para falar da perda: perda do registro gravado, perda também da felicidade e da paz.


Fantasma


A imagem filmada é uma espécie de sobrevida. Alguns personagens de `Cloverfield´ sentem isso, e deixam mensagens gravadas, caso venham a ser mortos.


Numa delas, a moça conclui: `Eu não sei por que isso está acontecendo… Mas vamos esperar até que isso passe´.


Par


´O Hospedeiro´, dirigido por Bong Joon-ho, jovem diretor coreano, lançado em 2006, também tem um monstro reptiliano. Maravilhoso filme em que se equilibram o cômico, o pesadelo e o sentimento épico.


Mas `O Hospedeiro´ é uma crítica ecológica. `Cloverfield´ expõe a irracionalidade mais obscura: é menos uma crítica que um abscesso angustiado.’



FRAUDE
Robert Fisk


O estranho caso da biografia inventada


‘Eu o recebi em Beirute num embrulho simples, um envelope pardo contendo uma pequena brochura em árabe, acompanhada de um bilhete de uma amiga egípcia. `Robert!´, dizia. `Você realmente escreveu isto?´


A capa trazia uma foto do ditador iraquiano Saddam Hussein sendo julgado em Bagdá, o lado esquerdo de sua cabeça em cores, o direito desbotado, vestindo um paletó esporte preto, mas sem gravata, segurando um Corão na mão direita. `Saddam Hussein´, dizia a capa em grandes letras. `Do nascimento ao martírio.´ E depois vinha o nome do autor -em um belo tipo caligráfico dourado, no canto superior direito. `Por Robert Fisk.´


Então lá estavam, 272 páginas de brochura sobre a vida e os tempos do Hitler de Bagdá -e vendendo bem na capital egípcia. `Todos suspeitamos de um homem muito conhecido aqui´, ela acrescentava. `Chama-se Magdi Chukri.´


É desnecessário dizer que notei um ou dois problemas nesse livro. Ele adotava uma visão muito condescendente com a brutalidade de Saddam, não parecia se importar muito com os civis mortos a gás em Halabja -e era cheio de passagens enfeitadas, do tipo que eu detesto. `Depois da rejeição americana do relatório de armas iraquianas à ONU´, escreveu `Robert Fisk´, `o rufar dos tambores de guerra tornou-se uma cacofonia´.


Pois eu não escrevi esse livro. Não se tratava de plágio -uma prática comum no Cairo, e por isso faço questão de que todos os meus verdadeiros livros sejam publicados legalmente em árabe no Líbano. Não, não era plágio. Era fraude.


E era claramente o momento para o detetive Fisk investigar `O Mistério do Falsário Egípcio´. Elementar, meu caro leitor, por isso embarquei no vôo ME304, da Middle East Airlines, de Beirute para minha capital menos favorita, o burocrático, congestionado, falido, maravilhoso, bárbaro, irredutível, espetacular Cairo.


Eu havia chamado um amigo jornalista egípcio, Saef Nasrawi, para ser meu Dr. Watson, e, a poucos metros da porta do Marriott Gezira Hotel, encontramos nosso fiel motorista, Yasser Hassan. `Não esqueça de colocar meu sobrenome no seu jornal´, ele anunciou.


Ele disparou para o que todos esperávamos que fosse o escritório da editora. `Ibda´, chamava-se a empresa, supostamente, e a telefonista egípcia havia rastreado o nome até um endereço no Cairo Antigo.


Casa da criatividade


O nº 953 da Corniche el-Nil era um prédio alto residencial no qual Saef e eu não poderíamos entrar sem a autorização de uma senhora coberta de preto, cujo filho brincava na rua empoeirada.


Ela escutou enquanto chamávamos escada acima. Sim, disse uma voz de mulher, podíamos pegar o elevador. Na parede havia uma placa: `Ibda, a casa da criatividade para jornalismo, publicação e distribuição´. A parte da `criatividade´ era bem real.


Mas a polida mulher de véu no 11º andar era de uma total ignorância. `Nunca publicamos esse livro´, disse, e ligou para sua chefe, que estava na Feira do Livro do Cairo. Esta telefonou para nosso celular e insistiu -com veracidade- que `Saddam Hussein´ não era obra sua.


Saef e Yasser discutiram nosso problema. Os detalhes editoriais na capa do livro estavam claramente errados. Mas o frontispício anunciava que o livro tinha sido registrado no governo egípcio para circulação -em outras palavras, sua venda tinha sido autorizada pela censura oficial.


Então, decidi que nosso próximo destino seria uma visita ao Dar al-Kutb -a `Casa dos Livros´, do Ministério da Cultura. O fraudador, o tal Magdi Chukri, teria sido tão esperto a ponto de legalizar seu livro, produzido ilegalmente, no não-tão-legalista governo do presidente Hosni Mubarak? Chegamos ao Ministério da Cultura, um árido prédio stalinista ao lado do qual encontramos a `Casa dos Livros´.


No primeiro andar havia um empório de livros -hesito em chamá-lo de escritório-, um vasto átrio de volumes e manuscritos. Eles se empilhavam metros acima das mesas e das prateleiras e -ao que parecia- a quilômetros do chão.


Centenas, não, milhares de livros estavam amontoados em fileiras dickensianas, do piso ao teto: novelas eróticas, ficção árabe, tratados de jurisprudência islâmica e manuais de física.


Duas mulheres de véu e dois homens de barba estavam sentados junto de uma mesa no meio dessa floresta de literatura, um deles -sempre há um milagre no Cairo- na frente de um computador sujo, amarelo-desbotado.


Mesquita subterrânea


Perguntei se meu volume favorito tinha sido aprovado para venda pelo governo egípcio. `De Robert Fisk?´, o homem perguntou. `Ele mesmo!´, gritei. `Sim, foi registrado aqui em 30 de maio de 2007.´ `Há o nome do homem que quis registrá-lo?´ `Não, só o endereço: rua Hassan Ramadan, 13, em Dokki.´


Segundos depois o detetive Fisk descia a escada correndo, com seu fiel Dr. Saef Watson nos calcanhares. `Para Dokki!´, pedimos ao deliciado Yasser. Agora, sem dúvida, estávamos na pista do Impostor do Cairo. Pelo menos havia uma chance de confrontar o sr. Magdi.


O problema -nós três percebemos- é que o nome Magdi Chukri é quase tão comum no Cairo quanto John Smith no Reino Unido. Deve haver centenas de milhares de Magdi Chukris no Egito -um dos quais é um ex-ministro das Relações Exteriores, um homem de grande probidade que jamais forjaria um livro, e provavelmente por isso o autor escolheu esse nome.


Viramos à esquerda em um beco de odor terrível -a rua Hassan Ramadan- e paramos diante do nº 13. Era uma mesquita subterrânea. Não apenas era subterrânea como, quando Saef e eu tentamos entrar no prédio, as orações chorosas de um funeral se ergueram do porão.


Um `bo´ab´ prestativo -todos os edifícios egípcios têm porteiro- apareceu e insistiu em que nenhum editor vivia no prédio inclinado, de tijolos de barro, que ficava atrás da mesquita. `Eu conheço todo mundo´, ele disse, apontando para os varais cheios de roupa. `Esses são os Wassis, esses são os Salman…´


Nessa altura, uma senhora idosa de óculos surgiu de uma escada. Não, ela disse a Saef, não havia editores aqui. `Mas houve um simpático senhor Magdi Chukri.´


´Magdi Chukri?!´ `Sim, mas se mudou um ano atrás [antes de registrar seu falso endereço no governo, elaborou o cérebro informático do detetive-inspetor] e hoje trabalha na filial da livraria Mgboulli, ali na esquina.´


Nem Holmes nem Watson jamais se moveram tão depressa. Saef, Yasser e eu saímos gritando pelo lado errado da rua Hassan Ramadan, deixando os condutores de burros com os olhos apertados de ódio porque nossos gritos os afastavam da rua. Só uma coisa importava agora. O nº 45 da rua Al-Batal Ahmed Abdul-Aziz, a livraria Mgboulli local.


E lá estava ela, com a vitrine lotada de brochuras, sem o `G´ e o `U´ do nome, caídos há muito tempo.


´Eu não escrevi este livro´


Um egípcio magro, fumando um cigarro, de paletó de smoking amarelo com lapelas de veludo preto, bloqueava a entrada. `Quero comprar um livro´, eu disse suavemente, com o sorriso conquistador -temo- de um policial à paisana invadindo meu rosto.


Lá dentro havia dois homens musculosos, balconistas como nunca se viram. Perguntei sobre um livro muito conhecido, a vida de Saddam Hussein. `De Robert Fisk?´ `Ah, sim, esse mesmo!´


Acompanhei um dos fortões escada acima até a seção de `biografia de Saddam Hussein´. Nesse momento ele voltou correndo para baixo e pegou o livro de uma pilha secreta sob o balcão. `Trinta libras egípcias´, ele disse. Eu paguei. Sim, paguei o equivalente a 2,86 [cerca de R$ 9,50] por um livro com meu nome na capa, o qual não escrevi.


O homem de paletó amarelo -agora ele se apresentou como `Mahmoud´- me perguntou por que eu queria comprar aquele livro especialmente. `Porque ele tem meu nome na capa´, eu disse. `E aqui está meu cartão de visita. Eu não escrevi esse livro.´ `Mahmoud´ e os dois musculosos caíram na gargalhada. Saef também. E eu também. Pois era um momento cômico.


´Mahmoud´ conhecia `Magdi Chukri´?, perguntei. `Sim, ele é meu amigo. Mas nos deixou há algum tempo e hoje mora na Cidade 6 de Outubro. Este é o telefone dele.´ Liguei. Não atendeu. Havia outro número. Uma mulher atendeu, se recusou a dar seu nome ou endereço e desligou. `Mahmoud´ encolheu os ombros. `Quantos exemplares deste livro você já vendeu?´


´Mahmoud´ deu uma tragada no cigarro. `Pelo menos uns cem até agora.´ `Então você me deve 3 mil libras egípcias!´ Eu estava gostando dessa parte. `Mas não, sr. Robert, não lhe devemos esse dinheiro´, disse `Mahmoud´ com um sorriso fingido. `Porque o senhor acaba de me dizer que não escreveu o livro. Como podemos lhe pagar por um livro que não escreveu?´


Por que eu gostava de `Mahmoud´? Por que estava gostando daquele momento? Seria possível encontrar o sr. Chukri na Cidade 6 de Outubro, caçá-lo rua a rua? Saef inclinou-se sobre meu ombro.


´Sr. Robert, cerca de 9 milhões de pessoas vivem na Cidade 6 de Outubro.´ Entendi a mensagem. Agarrando meu segundo exemplar da biografia de Saddam Hussein por Robert Fisk -Yasser adorou recebê-lo de presente- , deixei a Mgboulli e voltei para o Marriott. Naquela noite, fiquei sentado no balcão do hotel e olhei além dos minaretes escurecidos e as águas pretas do Nilo para as luzes tremulantes da Cidade 6 de Outubro.


Lá longe, no escuro, `Magdi Chukri´ devia estar trabalhando em outro livro histórico. Qual será seu título?, me perguntei. E que nome de autor enfeitará sua capa dourada?


A íntegra deste texto saiu no `Independent´. Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves .’



***


Fisk vive no Oriente Médio desde 1976


‘O britânico Robert Fisk é correspondente internacional no Oriente Médio desde 1976. Trabalhou para o `Times´ até 1998, quando foi para o `Independent´, onde está até hoje. Cobriu, entre outros combates, a guerra civil do Líbano, iniciada em 1975, a invasão soviética ao Afeganistão, em 1979, a guerra Irã-Iraque (1980-1988) e as duas invasões norte-americanas ao Iraque, em 1991 e 2003.


É defensor da criação de um Estado palestino e opositor da política internacional dos EUA.’



RÚSSIA
João Pequeno


Ele tem a força


‘Primeiro historiador brasileiro a basear uma tese sobre a União Soviética em arquivos disponibilizados com sua redemocratização, Angelo Segrillo chegou a Moscou pela primeira vez no auge da perestroika, em 1989. Já então graduado em filosofia nos EUA, se especializou em língua e literatura russa pelo Instituto Pushkin, em 1992.


Nos anos 90, voltou à Rússia várias vezes, pesquisando os arquivos que serviriam de material para seu doutorado em história pela Universidade Federal Fluminense, concluído em 1999 e lançado no ano seguinte como `O Declínio da URSS -Um Estudo de Causas´ (ed. Record). Depois, lançaria mais três livros (um como co-autor), sempre tendo a Rússia como tema.


Nesse período, viu as transformações que a abertura para o Ocidente e o capitalismo levaram às idéias russas. Do entusiasmo com a liberdade intelectual e de consumo do início da década os russos passaram à desilusão causada pela crise econômica, que, segundo ele, fez crescer o movimento `eslavófilo´, defendendo uma sociedade russa `única´ e dissociada da Europa.


Para Segrillo, que leciona no departamento de história da USP, à exceção dos intelectuais clássicos, menos envolvidos com política, o debate em torno das eleições e do governo da Rússia se reparte em dois campos principais.


Os eslavófilos, simpáticos ao `homem forte´ Putin -que, segundo as pesquisas, deve eleger hoje seu candidato à sucessão presidencial, Dmitri Medvedev, de quem pretende se tornar primeiro-ministro- e os `ocidentalistas´, que rejeitam seu autoritarismo.


Segrillo fala também sobre o que os russos leram ou estão lendo, como Jorge Amado.


FOLHA – Como se coloca a intelectualidade russa diante do poder que Putin trabalha para manter, seja como presidente ou como primeiro-ministro? Há reação ou ela é, de certa forma, conivente?


SEGRILLO – Ela está dividida. É difícil falar em termos de estatística porque não existem estatísticas para isso. Grande parte apóia Putin, assim como boa parte da população.


Se tivesse que pôr em porcentagem, eu diria que uns 40% a 50% da intelectualidade apóiam, 20% a 25% são contra e outros estão numa posição intermediária. O apoio entre os intelectuais é menor do que na população. Apesar da repressão aos opositores, se fosse candidato, Putin ganharia a eleição.


FOLHA – Qual é o motivo dessa diferença de níveis de apoio entre população geral e intelectuais? Economia versus liberdade?


SEGRILLO – Para os intelectuais a questão da liberdade individual, da liberdade de expressão, é sempre mais forte do que na população em geral. Principalmente na Rússia, mas aqui também, a população às vezes troca as liberdades abstratas pela estabilidade e pela boa situação econômica, que na Rússia é a principal causa da popularidade de Putin.


Nos anos 90, no governo de Boris Ieltsin [1931-2007], a situação estava catastrófica, era uma crise muito forte. Além disso, os russos têm uma tradição de governo forte. Então, de certa maneira, essa centralização que o Putin está fazendo, até autoritária, bate bem em uma parte da população.


Nos anos 90, havia uma série de tendências `centrífugas´ na Rússia, com a Tchetchênia querendo se separar e Ieltsin dando muita liberdade aos governadores em troca de apoio. Então, Putin botou ordem na casa.


FOLHA – O fato de ter sido agente da KGB, além de todo o know-how de repressão, o coloca como um homem forte que os russos gostam de ver no poder, tal qual um czar ou um dirigente do Partido Comunista?


SEGRILLO – Exatamente. Putin passou idéia de um homem forte desde o início.


FOLHA – Quais são as alas intelectuais mais contrárias e mais favoráveis a ele hoje?


SEGRILLO – Na Rússia, há um debate muito forte entre os chamados eslavófilos e os ocidentalistas. A questão foi iniciada com o czar Pedro, o Grande [1672-1725], que fez reformas muito grandes no sentido ocidentalista.


Depois que ele morreu, a Rússia se dividiu. Os ocidentalistas achavam a Rússia atrasada em relação ao Ocidente, tendo que incorporar elementos mais modernos, para poder alcançá-lo. E os eslavófilos diziam que não, que a Rússia era uma sociedade única, que não era européia nem asiática.


Esse tipo de discussão vem até hoje, entre aqueles que querem uma abertura maior para o ocidente, como era visto Ieltsin, e Putin, que, apesar de não ser abertamente um eslavófilo, é mais bem visto por estes.


Então, a parte da intelectualidade que tende a apoiar mais Putin são os eslavófilos, mas existem também correntes pragmáticas e fisiológicas.


FOLHA – E quem as compõe?


SEGRILLO – Entre os eslavófilos, que costumam apoiar Putin, tem o Nikita Mikhalkov, que é bem dessa corrente. Ele é, inclusive, monarquista e acha que, nos anos 90, pisaram na Rússia, que havia muitas tendências anárquicas e que a forma liberal ocidental não é a única possível e a que melhor se ajusta à Rússia.


Defende um sistema com características russas próprias, não a democracia liberal, onde o cara faz uma caricatura pornográfica do presidente e pode publicar e o presidente não pode fazer nada.


FOLHA – Isso não pode na Rússia?


SEGRILLO – Não, há vários tipos de controles. Essas idéias, que já estavam no ar, foram resumidas por um auxiliar de Putin, Vladislav Surkov, vice-chefe da Administração Presidencial, sob o termo `democracia soberana´, que não é criar uma ditadura, mas uma democracia com controles maiores -o que os críticos chamam de `democracia dirigida´.


FOLHA – As manifestações públicas seguem reprimidas?


SEGRILLO – Não são proibidas e existe, de acordo com a Constituição, liberdade de expressão. Mas elas têm que ser registradas na polícia e ter a permissão das autoridades municipais.


FOLHA – Qual é o principal foco de resistência a Putin?


SEGRILLO – O grupo mais organizado são os comunistas, na verdade o único grupo de oposição relativamente grande. Os outros seriam os liberais, mas estes não conseguiram nem os 7% de votos para entrar na Duma [o Parlamento russo].


FOLHA – E no meio intelectual?


SEGRILLO – Entre os intelectuais, a porção de liberais é maior que na população, mas não há muitos. Um bem representativo é o Yurii Korguniuk [leia texto ao lado]. Ele acha que simplesmente não existe mais democracia sob Putin.


FOLHA – O que os russos lêem atualmente, em produção nacional e internacional?


SEGRILLO – Eles vêm da tradição clássica, que é a base de todos. Há o intelectual clássico, que não é tão politizado e fica no meio, entre os eslavófilos e os ocidentalistas.


Vêm depois os eslavófilos, que são uma minoria, assim como os liberais ocidentalistas, que têm ainda menos representantes, e os comunistas. Todos eles têm uma formação clássica forte em comum.


Os eslavófilos tendem a ler mais coisas sobre a Rússia e a Ásia, enquanto os liberais lêem mais coisas da Europa; da Rússia, tendem a enfatizar mais a produção da porção européia.


Os comunistas têm a base clássicas, mas enfatizam muito a produção de esquerda, da Rússia e de fora também. Por exemplo, Jorge Amado [1912-2001] era muito lido no período soviético.


FOLHA – Até que ponto a literatura ocidental se popularizou na Rússia com o fim da União Soviética?


SEGRILLO – Ela entrava já no período soviético pelo viés de escritores esquerdistas. Além de Jorge Amado, escritores norte-americanos de crítica social de esquerda, como Sinclair Lewis [1885-1951] e John Steinbeck [1912-1968]. Não entravam os direitistas, vamos dizer assim.


Com a perestroika e o fim da União Soviética, houve um boom ocidentalista tanto para produtos culturais `lixo´ -como o filme `Rocky´, programas de TV como seria, por exemplo, um BBB [Big Brother Brasil], e literatura leve, como livros policiais e de auto-ajuda- quanto para boa literatura.


Passaram a dispor de Jorge Luis Borges [1899-1986] e Octavio Paz [1914-1986], que não eram necessariamente de esquerda. E, também, a partir dos anos 90, autores anticomunistas entraram fortemente: Robert Conquest, François Furet [1927-1997], ex-comunista que virou anticomunista ferrenho. Hoje, lêem praticamente o que a gente lê aqui.


FOLHA – Esses autores influenciaram a literatura e a intelectualidade russas de modo determinante?


SEGRILLO – Essa literatura anticomunista foi muito influente entre o período da perestroika e o final dos anos 90, sobretudo porque eram lidos pela primeira vez. Os russos são como os brasileiros, um povo maximalista. Ou se é o melhor do mundo ou isso aqui é uma droga, onde nada do que se faz dá certo.


Não há muito meio-termo. Passaram da União Soviética, que se dizia a melhor, para, no final da perestroika e no início dos anos 90, achar que tudo era melhor no Ocidente.


Depois, à medida que a crise econômica aumentou, houve a desilusão com o Ocidente e o fenômeno Putin, que não é uma volta ao comunismo, mas resgata alguns aspectos do Estado russo forte, presentes tanto no czarismo quanto na União Soviética.’




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