Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Folha de S. Paulo

MÍDIA & POLÍTICA
Frederico Vasconcelos

‘Supremo está no jornal’, afirma cientista política

‘‘O Supremo está nos jornais, para o bem ou para o mal’, diz a cientista política Maria Tereza Sadek. Autora de várias pesquisas sobre o Judiciário, ela entende que a ‘nova pauta’ do Supremo Tribunal Federal corresponde a uma tendência prevista na Constituição de 1988. Mas as votações mais recentes não revelam, para Sadek, as divisões internas da Corte.

FOLHA – Como a sra. analisa a atuação do Supremo Tribunal Federal?

MARIA TEREZA SADEK – No nível doutrinário, há um embate.

De um lado, os que têm uma percepção mais garantista do Judiciário, com ênfase na presunção de inocência e no direito de defesa. De outro, há uma linha mais voltada para o ativismo judicial.

FOLHA – As últimas decisões do STF evidenciam essa divisão?

SADEK – As votações sobre as ‘fichas sujas’ e as algemas não são suficientes para mostrar as divisões no STF.

FOLHA – Como a sra. vê as manifestações do presidente do STF?

SADEK – O ministro Gilmar Mendes está conduzindo o tribunal em uma linha que sempre defendeu. Mostra uma liderança muito forte.

Do ponto de vista político, ele bate muito de frente onde não deveria bater. Então, ele é obrigado a voltar atrás.

FOLHA – Isso ficou evidente na tentativa de ‘disciplinar’ o juiz federal Fausto De Sanctis…

SADEK – Sim. Também em discordâncias com o ministro Tarso Genro, da Justiça.

Mas, doutrinariamente, tudo isso já era esperado.

FOLHA – Como a sra. vê a diversidade de temas no STF? Isso mostra um perfil mais ‘proativo’ do Supremo?

SADEK – É uma tendência iniciada com a Constituição de 1988. Ao adotar a repercussão geral, o STF não só desafoga a pauta, como se concentra nas decisões mais importantes. O Supremo está nos jornais, para o bem ou para o mal.

FOLHA – Essa ‘exposição’ do STF também era prevista?

SADEK – Todo o Judiciário passa por uma mudança forte. Antes, a entidade tinha uma atuação muito corporativa. Esse processo também alcança o Ministério Público.

O procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, está marcando uma presença que o Ministério Público Federal não tinha. A imagem de ‘engavetador’ é coisa do passado’.’

 

 

Andréa Michael

STF amplia participação no debate público

‘O STF (Supremo Tribunal Federal) vem mudando seu perfil e adota posição mais ativa na apreciação de questões políticas de ampla repercussão, antes rechaçadas sob o argumento de interferência na autonomia entre os Poderes. Lacunas da legislação não resolvidas pelo Congresso vêm sendo assumidas pela Corte suprema.

Seis dos 11 ministros que compõem o Supremo e que concederam entrevista à Folha sobre as mudanças no STF na última década também são unânimes em dizer que hoje existe um Supremo mais sintonizado com os temas que mobilizam a opinião pública. Eles chegam à Corte principalmente via Adin (Ação Direta de Inconstitucionalidade) e ADPF (Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental).

Antes da Constituição de 1988, apenas o procurador-geral da República podia submeter esse tipo de apreciação à Corte. Depois dela, partidos políticos, Congresso e organizações da sociedade civil ganharam esse poder. Foi por esse caminho que a Corte entendeu, por 6 votos a 5, que é constitucional a lei que permite experiências com células-tronco.

Além disso, mudanças introduzidas na Constituição em 2004 criaram a súmula vinculante, instrumento que desafoga a Justiça com base nas decisões do STF. As decisões pacificadas pela Corte são consideradas como julgadas nas demais instâncias.

Hoje o STF recebe cerca de 1.200 processos por ano -volume que, para ser apreciado por 11 ministros, praticamente inviabiliza o aprofundamento nas questões de interesse público. O julgamento das células-tronco levou à primeira convocação de uma audiência pública na história do STF para discutir um tema. A segunda foi em 27 de junho, sobre a importação de pneus usados.

‘Acho que teremos espaço para lidar com os processos de uma maneira diferenciada. A tendência agora é assumirmos uma postura de humildade e buscarmos mais subsídios das audiências públicas, dos peritos’, disse o presidente da Corte, ministro Gilmar Mendes.

‘A maior participação social não é restrita ao STF. É um movimento mundial, uma tendência do nosso tempo. São as Cortes Supremas participando das soluções de questões que dividem a sociedade, nas quais os parlamentos têm dificuldade natural de tratar’, disse o ministro Joaquim Barbosa.

Entre os marcos da mudança está o momento em que o STF determinou ao Congresso que fossem nomeados, contra a vontade da base aliada, que compunha a maioria na ocasião, os membros para integrar a CPI dos Bingos, em 2005.

Na última semana, a Corte acolheu pedido das companhias telefônicas, que lhes reconheceu o direito de não fornecer à CPI dos Grampos informações sobre quem são seus clientes alvos de escutas telefônicas. Os ministros vêem neste tipo de questionamento uma judicialização da política, fato que os têm levado a atuar de maneira mais intensa nas querelas entre as esferas de poder da República.

‘Hoje o Supremo Tribunal Federal se transformou em um protagonista relevante de grandes questões que compõem a agenda pública. Um dos exemplos claros dessa mudança decorre da judicialização das relações políticas, como ocorreu no caso da CPI dos Bingos.

A Corte cumpriu sua missão, nos limites da competência constitucional, de garantir os direitos da minoria, até porque a maioria não investiga a si mesma’, afirmou o decano do tribunal, Celso de Mello.

Outro ponto a se considerar foi a apreciação do STF de um pedido de autorização do funcionalismo público para fazer greve. Pediam o aval do STF, diante da inexistência de uma lei para regulamentar a situação que deveria ter sido elaborada e votada pelo Congresso, mas não foi.

‘Em certos temas, a inapetência legislativa do Congresso beirava a anorexia, e o STF ficava inerte também. Nós nos limitávamos a dizer que o Congresso estava em mora legislativa. Pela primeira vez dissemos: não é por falta de lei que vamos deixar de decidir’, disse o ministro Carlos Ayres Britto.

Nomeações de Lula

Os ministros entrevistados -Gilmar Mendes, Joaquim Barbosa, Ayres Britto, Celso de Mello, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio Mello- negam veementemente que o fato de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ter nomeado 7 dos 11 ministros tenha aparelhado a Corte. Em conjunto, tecem elogios à qualidade dos escolhidos.

No limite, como Ayres Britto, admitem que a nomeação de um maior número de ministros voltados para o direito público possa ter pesado na mudança do perfil do Supremo.

‘Não vejo impacto político, não, porque não se agradece com a toga. Temos aí o exemplo do mensalão, que demonstrou votos contrários a figuras importantes da política governamental em curso. O ideal é que não haja uma concentração tão grande. Mas foi uma circunstância’, afirma o ministro Marco Aurélio Mello. Todos os entrevistados dizem que o STF não vota em blocos. No máximo, admitem tendências, como a progressista, segundo o presidente da Corte, que tende a dar a liberdade a presos sempre que haja respaldo nos termos da legislação processual penal.

Mendes procedeu dessa forma na Operação Satiagraha, quando concedeu, quase simultaneamente, dois habeas corpus que livraram da cadeia o banqueiro investigado Daniel Dantas, do Opportunity.

‘Isso corresponde um pouco à tradição do STF, que tem se mostrado garantista, apesar de muito contestado. O tribunal é inequívoco na linha de evitar abusos. Se fosse para agradar a opinião pública, estariam aqui parlamentares, e não juízes’, declarou Mendes.

Colaborou FELIPE SELIGMAN, da Sucursal de Brasília’

 

 

Elio Gaspari

Silêncio dos Tolos

‘A máquina de informações do governador José Serra criou uma variante da lei de Goebbels (‘uma mentira repetida mil vezes vira verdade’).

Ela diz assim: ‘Um problema ignorado mil vezes acaba desaparecendo’.

O Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes, Enade, mostrou que São Paulo ficou em 18º lugar na lista de Estados com universidades bem-avaliadas, atrás do Rio Grande do Norte, do Acre e do Piauí. O secretário de Ensino Superior, doutor Carlos Vogt, não comentou a desgraça. Estava ocupado com outras coisas. Tratar do assunto na página da secretaria, nem pensar. (A USP e a Unicamp não aderiram ao Enade.)

Uma delegada que investigou ladroeiras na polícia paulista foi defenestrada. Explicação? Nenhuma, mesmo que haja.

Um mapa da criminalidade de São Paulo mostrou em que bairros ocorrem mais crimes. A Secretaria de Segurança condenou a divulgação dos números, porque fazem mal à alma dos moradores e ao bolso do mercado imobiliário. Afinal, a maneira correta de análise demanda ‘procedimentos geoestatísticos de estimação de risco e co-krigeangem binomial’. (Madame Natasha reconheceu o idioma de Tarzan, mas não conseguiu traduzir os doutores. Ela sabe apenas que ‘krig-ha, nur tar-mangani’, significa ‘cuidado, mentira de grande macaco branco’).

JOHN BAIXARIA

John McCain baixou o nível da campanha eleitoral americana e ela deverá baixar mais. A comparação de Barack Obama com Britney Spears e Paris Hilton carrega um tempero de vulgaridade que nada tem a ver com a condição de celebridade. Se a piada fosse essa, McCain poderia ter associado Obama à apresentadora Oprah Winfrey ou à atriz Charlize Theron. Nenhuma das duas passou pelo YouTube sem a roupa de baixo ou com o namorado em cima.

McCain é do ramo. Divertiu-se propagando em reuniões públicas a piada segundo a qual Chelsea Clinton é feia porque vem a ser filha de Hillary com a ex-procuradora-geral Janet Reno. O doutor deve boa parte da carreira política ao dinheiro da mulher, Cindy, mas já a insultou, na frente dos outros, dizendo-lhe que se maquila como ‘uma rameira’.’

 

 

Folha de S. Paulo

Serra não comenta falta de divulgação de dados da polícia

‘O governador de São Paulo, José Serra (PSDB), evitou ontem comentar a recusa da Secretaria da Segurança Pública em divulgar dados de criminalidade por distritos policiais.

Ele foi questionado três vezes pela Folha. Inicialmente, afirmou que ‘esse assunto já foi respondido, não dá para mais’.

Depois, disse: ‘O assunto não vai para muito. O importante é que a criminalidade e os homicídios em São Paulo estão caindo aceleradamente. Essa é a coisa mais fundamental’.

Diante do terceiro questionamento da reportagem sobre esse tema, Serra silenciou e encerrou a entrevista à imprensa, concedida após a abertura da campanha de vacinação contra rubéola e poliomielite, no Shopping Eldorado, por volta das 11h.’

 

 

MÍDIA & PROPAGANDA
Folha de S. Paulo

Regra da publicidade não traz diferenças por tipo de cerveja

‘Ainda que tenha teor alcoólico zero, o que depende da marca -algumas contêm um grau mínimo-, a cerveja sem álcool precisa respeitar as normas do Conar (Conselho de Auto-Regulamentação Publicitária), que regulam a propaganda do produto na mídia.

Ou seja, os comerciais de cerveja sem álcool só podem ser inseridos em programação destinada a maiores de idade, não podem conter apelo ao público infantil e adolescente, não podem relacionar o consumo da bebida ao sucesso profissional ou pessoal e tampouco podem explorar o erotismo e a sensualidade, entre outras regras.

No caso de se tratar de cerveja com grau zero de álcool, o produto fica dispensado apenas da chamada cláusula de advertência -em geral, frases como ‘beba com moderação’-, o que não se aplica a produtos com teor residual de álcool.

As restrições são válidas mesmo que a marca da cerveja sem álcool não seja diretamente associada a uma marca de cerveja comum, informa a assessoria do Conar.

O Estatuto da Criança e do Adolescente proíbe expressamente a venda de bebidas alcoólicas para crianças e adolescentes. No que tange à cerveja sem álcool, no entanto, existe uma ausência de norma legal, já que não há, no texto, menção a esse tipo de produto, diz o advogado Paulo Gomes de Oliveira Filho, especializado em Direito da Comunicação.

A Folha questionou os ministérios da Justiça e da Saúde, a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas e o Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) sobre a existência de legislação que restrinja a comercialização da cerveja sem álcool para menores de 18 anos. Nenhum desses órgãos, porém, soube esclarecer se a venda do produto é proibida para menores de idade.

‘Ocorre que nem todas as cervejas sem álcool são absolutamente livres da substância. Nesses casos, entendemos que essas marcas não podem ser vendidas para menores de idade. Quanto às cervejas sem nenhum teor de álcool, não há norma específica’, diz Oliveira.’

 

MERCADO EDITORIAL
Folha de S. Paulo

Circulação de jornais no país cresce 8% no 1º semestre

‘A circulação de jornais no Brasil cresceu 8,1% no primeiro semestre deste ano em comparação com igual período do ano passado, segundo levantamento do IVC (Instituto Verificador de Circulação).

Em média, 4,39 milhões de exemplares circularam diariamente no país nos primeiros seis meses deste ano. Em igual período do ano passado, foram 4,06 milhões de exemplares.

A Folha é a primeira colocada em vendas no primeiro semestre deste ano, com 7,2% de participação de mercado, com venda diária média de 317,3 mil exemplares.

A segunda posição é ocupada pelo ‘Extra’, do Rio de Janeiro, com 7,1% de participação (315,2 mil exemplares). Depois seguem o mineiro ‘Super Notícia’, com 6,8% de participação (301,3 mil exemplares), ‘O Globo’, do Rio de Janeiro, com 6,3% (281,8 mil exemplares) e ‘O Estado de S. Paulo’, com 5,8% de participação (257,8 mil exemplares).

Ricardo Costa, diretor-geral do IVC, diz que os números do primeiro semestre mostram o bom momento do meio jornal no Brasil, que cresce de forma contínua há quatro anos.

Em junho deste ano, a venda média diária de jornais no país foi de 4,30 milhões de exemplares, segundo o IVC. Esse número foi 5,3% maior do que o de igual período do ano passado e 0,4% menor do que o de maio.

A Folha, líder na média diária de vendas desde 1986, manteve a primeira posição também em junho, com a venda média diária de 312,8 mil exemplares.

‘Super Notícia’ ficou em segundo lugar, com venda de 294,8 mil exemplares. ‘O Globo’ ficou em terceiro lugar (272,9 mil exemplares), e ‘O Estado de S. Paulo’, em quarto lugar (256,8 mil exemplares).

Bom momento

Para Murilo Bussab, diretor de Circulação da Folha, o crescimento dos jornais tem basicamente dois motivos: o bom momento econômico do país, que resulta na expansão do mercado consumidor de informações, e a melhor saúde financeira das empresas de mídia, que permite maiores investimentos em marketing, produtos e distribuição.

Na avaliação de Bussab, ‘é inegável que os jornais populares são os maiores beneficiados pelo crescimento, mas a Folha teve um excelente desempenho [crescimento de 5,9% no 1º semestre de 2008 em relação ao mesmo período de 2007] quando comparada ao crescimento de 3,2% do segmento de jornais ‘premium’.

Pedro Martins da Silva, presidente do IVC, afirma que a tendência é a de que o mercado de jornais brasileiro cresça no ritmo atual nos próximos 18 meses.

‘Não vejo mudança na atividade econômica ou na renda da população capaz de indicar qualquer inversão dessa tendência de crescimento do mercado de jornais’, afirma o executivo.

Segundo Martins da Silva, o mercado de jornais está dinâmico, já que há investimentos em novos títulos, promoções e campanhas.

‘O desempenho do mercado de jornais contraria previsões negativas feitas no início da década. A expectativa era a de que o fornecimento de conteúdo pela internet resultaria numa redução do consumo de jornais. Isso não aconteceu e não deve acontecer devido à credibilidade do conteúdo dos jornais, como mostram os números do setor.’’

 

 

MEMÓRIA / ALEXANDER SOLJENITSIN
Christian Neef e Mattias Schepp

A fé e o gulag

‘Rebelde, prisioneiro, poeta e herói: meio século depois de publicados, os arrasadores relatos de Alexander Soljenitsin sobre os campos de trabalho forçado de Stálin permanecem entre as obras mais profundas da literatura moderna.

No verão europeu do ano passado, quando sua saúde começava a falhar, o escritor relembrou sua vida extraordinária na entrevista abaixo. Leia os principais trechos.

PERGUNTA – Alexander Issaievitch, quando chegamos, nós o encontramos trabalhando. Parece que, aos 88 anos, o sr. ainda sente essa necessidade de trabalhar, embora sua saúde já não lhe permita andar pela casa. De onde o sr. tira sua força?

ALEXANDER SOLJENITSIN – Sempre tive essa motivação interior para o trabalho, desde que nasci.

E sempre me dediquei com alegria ao trabalho e à luta.

PERGUNTA – Em seu livro ‘Meus Anos Americanos’, o sr. recorda que costumava escrever até mesmo quando caminhava pela floresta.

SOLJENITSIN – Quando eu estava no gulag, às vezes escrevia até sobre muros de pedra. Eu escrevia sobre pedacinhos de papel, memorizava o que tinha escrito e então destruía os papéis.

PERGUNTA – E sua força não o abandonou, mesmo em momentos de desespero?

SOLJENITSIN – Sim. Eu pensava freqüentemente: ‘Seja o que for que aconteça, que assim seja’. E então as coisas davam certo. Parece que algo de bom resultou de tudo isso.

PERGUNTA – Não sei se o sr. teve essa opinião quando, em 1945, foi preso pelo serviço secreto militar na Prússia. Em suas cartas escritas do front, o sr. fez menções pouco elogiosas a Stálin, e o castigo foi uma sentença de oito anos nos campos de prisioneiros.

SOLJENITSIN – Tínhamos acabado de escapar de um cerco alemão e marchávamos para Königsberg [atual Kaliningrado, Rússia], onde fui preso. Sempre fui otimista.

PERGUNTA – Em toda a sua vida o sr. pediu às autoridades que expressassem arrependimento pelos milhões de vítimas do gulag e do terror comunista. Esse apelo foi ouvido?

SOLJENITSIN – Já me acostumei ao fato de que o arrependimento público é inaceitável para o político moderno.

PERGUNTA – O premiê Vladimir Putin diz que a queda da União Soviética foi o maior desastre geopolítico do século 20 e que é mais que chegada a hora de parar com essa reflexão sombria e masoquista sobre o passado, especialmente porque há tentativas ‘de fora’, como ele diz, de provocar remorso não justificado entre os russos. Isso não ajuda aqueles que querem que as pessoas esqueçam tudo o que aconteceu no passado soviético do país?

SOLJENITSIN – Bem, há uma preocupação crescente em saber como os EUA vão lidar com seu novo papel de única superpotência, adquirido graças a mudanças geopolíticas.

Quanto à ‘reflexão sombria sobre o passado’, infelizmente aquela confusão entre ‘soviético’ e ‘russo’, contra a qual me manifestei tantas vezes nos anos 1970, ainda não desapareceu no Ocidente.

Não devemos atribuir os malfeitos de líderes ou regimes políticos individuais a um defeito inato do povo russo ou de seu país. Não devemos atribuir isso à ‘psicologia doentia’ dos russos, como freqüentemente é feito no Ocidente.

Todos esses regimes na Rússia só puderam sobreviver graças à imposição de um terror sangrento. Precisamos entender claramente que uma nação só pode se curar quando seu povo reconhece sua culpa de maneira voluntária e consciente.

Críticas implacáveis feitas de fora são contraproducentes.

PERGUNTA – Após sete anos de governo de Putin, o poder está concentrado nas mãos do presidente, tudo é orientado em direção a ele.

SOLJENITSIN – Sim, sempre insisti na necessidade de autogoverno local para a Rússia, mas nunca opus esse modelo à democracia ocidental.

Pelo contrário, venho procurando convencer meus concidadãos, citando os exemplos de sistemas altamente eficazes de autogoverno local na Suíça e Nova Inglaterra.

Ainda vejo com extrema preocupação a lentidão do desenvolvimento do autogoverno local. Mas esse processo já começou. Na época de Ieltsin, o autogoverno local era proibido, enquanto a ‘linha vertical do poder’ do Estado (ou seja, a administração de cima para baixo de Putin) vem delegando cada vez mais decisões às populações locais. Infelizmente, esse processo ainda não ganhou caráter sistemático.

PERGUNTA – Qual é a situação da literatura russa hoje?

SOLJENITSIN – Períodos de transformações aceleradas e fundamentais nunca foram favoráveis à literatura. As obras significativas quase sempre, e em todo lugar, foram criadas em períodos de estabilidade, seja ela boa ou ruim. A literatura russa moderna não é exceção.

O leitor educado se interessa muito mais pela não-ficção.

Acredito, porém, que a justiça e a consciência não serão atiradas aos quatro ventos, mas continuarão presentes nos fundamentos da literatura russa, de modo que ela possa servir para iluminar nosso espírito e aumentar nossa compreensão.

PERGUNTA – O sr. já disse que lhe é difícil falar sobre religião em público. O que a fé significa para o sr.?

SOLJENITSIN – Para mim, é o alicerce e o apoio de nossas vidas.

PERGUNTA – O sr. teme a morte?

SOLJENITSIN – Não. Quando eu era jovem, a morte precoce de meu pai lançou uma sombra sobre mim, e eu tinha medo de morrer antes de meus planos literários se concretizarem.

Mas, entre os 30 e 40 anos de idade, minha atitude em relação à morte ficou calma e equilibrada. Sinto que ela é um marco natural de nossa existência, mas de modo nenhum o último.

PERGUNTA – Ainda assim, lhe desejamos muitos anos de vida criativa.

SOLJENITSIN – Não, não. Não façam isso. Já vivi o bastante.

A íntegra desta entrevista foi publicada no jornal ‘The Independent’.

Tradução de Clara Allain.’

 

 

ELEIÇÕES / EUA
Naomi Klein

O mercador de sonhos

‘Barack Obama esperou apenas três dias depois que Hillary Clinton se retirou da disputa para declarar, na rede de TV CNBC: ‘Eu sou um homem pró-crescimento, defensor do livre mercado. Adoro o mercado’.

Para demonstrar que não estava apenas flertando com essa idéia, apontou Jason Furman, 37, como chefe de sua equipe de política econômica.

Furman é um dos mais proeminentes defensores da Wal-Mart e classificou a empresa como ‘uma história progressista de sucesso’. Durante a campanha, Obama detonou Hillary por ser parte do conselho da Wal-Mart e prometeu que não faria compras lá.

Mas seu amor pelo mercado e seu desejo de ‘mudança’ não são inerentemente incompatíveis. ‘O mercado está desequilibrado’, diz, e isso certamente é verdade.

Muita gente vê como origem desse profundo desequilíbrio as idéias do economista Milton Friedman, que lançou uma contra-revolução para reverter a legislação social e a regulamentação do New Deal [plano de recuperação da economia lançado pelo governo dos EUA, democrata, em 1933] de seu palanque no departamento de economia da Universidade de Chicago.

E aqui temos mais problemas, porque Obama -que lecionou direito na Universidade de Chicago por uma década- é um adepto fervoroso do ideário conhecido como ‘Escola de Chicago’.

Ele escolheu como seu principal assessor econômico o economista Austan Goolsbee, professor da Universidade de Chicago e visto como pensador de esquerda na instituição. O único problema é que, nos termos definidos pela Universidade de Chicago, ‘esquerda’ quer dizer o que ‘centro-direita’ quer dizer no mundo real.

Goolsbee, ao contrário de seus colegas mais fiéis às posições de Friedman, vê a desigualdade como problema. Mas sua solução primária para isso é reforçar a educação -a mesma linha que costumava defender Alan Greenspan [ex-presidente do Federal Reserve, o Banco Central dos EUA].

Outro dos fãs de Obama em Chicago é Kenneth Griffin, 39, o bilionário presidente-executivo do fundo de hedge Citadel Investment Group. Griffin, que ofereceu a máxima doação possível à campanha de Obama, representa uma espécie de garoto-propaganda do desequilíbrio econômico.

Ele é um dos mais ferrenhos oponentes de qualquer medida que elimine as lacunas que beneficiam os fundos de hedge no código tributário.

Enquanto Obama fala em endurecer as regras no comércio com a China, Griffin vem contornando as poucas barreiras existentes.

A despeito de sanções que proíbem a venda de equipamento policial à China, o Citadel vem despejando dinheiro em controvertidas empresas chinesas do ramo de segurança, que estão exercendo níveis sem precedentes de vigilância sobre a população do país.

Guinada à direita

Agora chegou a hora de nos preocuparmos com os Chicago Boys de Obama e seu compromisso de evitar qualquer tentativa séria de regulamentação.

Foi nos dois meses e meio que transcorreram entre sua vitória na eleição de 1992 e a posse que Bill Clinton reverteu completamente sua posição econômica.

Ele havia conduzido a campanha prometendo que revisaria o Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta), acrescentando cláusulas ambientais e trabalhistas, e que investiria em programas sociais.

Mas, duas semanas antes da posse, reuniu-se com Robert Rubin, então presidente-executivo do Goldman Sachs, que o convenceu de que o mais urgente era adotar a austeridade, e liberalização ainda maior.

A ironia é que não existe nenhuma razão para um recuo. O movimento lançado por Friedman, introduzido por Ronald Reagan e cristalizado na era Clinton enfrenta uma profunda crise de legitimidade em todo o mundo.

Em nenhum outro lugar isso está mais visível do que na própria Universidade de Chicago. Em maio, quando o reitor Robert Zimmer anunciou a criação do Instituto Milton Friedman, um projeto de US$ 200 milhões [R$ 318 milhões] que resultará em um centro de pesquisa econômica para manter e expandir o legado de Friedman, explodiu uma controvérsia. Mais de cem professores assinaram uma carta de protesto.

‘Os efeitos da ordem mundial neoliberal que foi implementada nas últimas décadas, fortemente baseada na Escola de Chicago de pensamento econômico, de maneira nenhuma podem ser definidos como inequivocamente positivos’, afirma a carta. ‘Muitos afirmariam que foram negativos para boa parte da população mundial’.

Estilo Chicago retrô

Quando Friedman morreu, em 2006, não vimos muitas críticas audazes ao seu legado. Os artigos sobre o fato só mencionavam suas grandes realizações -e um dos mais elogiosos, publicado pelo ‘New York Times’, tinha Austan Goolsbee como autor.

Mas agora, apenas dois anos mais tarde, o nome de Friedman é visto como maculado até mesmo na instituição em que sempre lecionou. Assim, por que Obama escolheria um momento como o atual, quando todas as ilusões de consenso desapareceram, para adotar um estilo Chicago retrô?

Nossa ‘crise econômica atual’, disse Obama recentemente, não veio do nada. ‘Ela é a conclusão lógica de uma filosofia esgotada e mal orientada que dominou Washington por tempo temais.’

Completamente verdade.

Mas, antes que Obama possa livrar Washington do flagelo que as idéias de Friedman representam, precisa primeiro limpar sua própria casa, em termos de ideologia.

NAOMI KLEIN é jornalista canadense, autora de ‘Sem Logo’ (ed. Record) e ‘A Doutrina do Choque’ (ed. Nova Fronteira). A íntegra deste texto foi publicada na revista ‘The Nation’.

Tradução de Paulo Migliacci.’

 

 

OLIMPÍADAS DE PEQUIM
Folha de S. Paulo

Pergunta ‘política’ a coreanos é censurada pela organização

‘Responsável pela tradução da entrevista coletiva dos ganhadores da prova de carabina de ar 10 m no tiro, um funcionário do Bocog (comitê organizador) censurou uma pergunta dirigida ao sul-coreano Jin Jong-oh (prata) e ao norte-coreano Kim Jong-su (bronze). O ouro ficou com o chinês Wei Pang.

‘Vocês se cumprimentaram ou conversaram no pódio?’, perguntou um repórter. A questão foi imediatamente rechaçada pelo funcionário do Bocog. ‘Essa pergunta não poderá ser respondida porque não tem relação com o esporte.’ A reação provocou protestos entre os jornalistas estrangeiros.

A tensão entre as Coréias, separadas desde a década de 50, recrudesceu nos últimos meses a ponto de os países desistirem de desfilar juntos na cerimônia de abertura.’

 

TELEVISÃO
Daniel Castro

Juliana Paes ‘vai estar sendo’ operadora de telemarketing

‘Os operadores de telemarketing _tão discriminados pelo gerundismo, pela cara-de-pau e, muitas vezes, pela incompetência para solucionar nossos problemas_ foram promovidos a protagonistas de novela.

Maya, personagem de Juliana Paes em ‘Caminho das Índias’, próxima novela das oito da Globo, trabalhará como operadora de telemarketing de um call center localizado na Índia, mas que atende a consumidores americanos. A indiana Maya será a mocinha da trama.

‘Hoje, [operador de telemarketing] é um emprego muito comum entre os jovens indianos: eles não precisam mais ir para os Estados Unidos para conseguir emprego numa grande empresa americana’, conta Glória Perez, autora da novela.

Há duas semanas, Juliana visitou um call center brasileiro para ter contato com o universo de sua personagem. A atriz acompanhou uma operadora atendendo a clientes e quis saber até das cantadas que as profissionais recebem.

Glória vai revelar o ‘outro lado’ da profissão. ‘Vamos mostrar a quantidade de informações com as quais eles têm de lidar ao mesmo tempo em que devem atender à impaciência do cliente. São treinados para demonstrar que estão ali só para nós, quando têm diante de si um quadro enlouquecedor de chamadas a atender e problemas diferentes a resolver’, diz. ‘Estamos arrependidos das vezes que falamos mal deles!’

Diferentemente do que induz o título deste texto, os operadores de ‘Caminho das Índias’ não falarão no gerúndio.

BELEZA SOBRE RODAS

Atriz há cinco anos, Tabata Contri, 27, foi descoberta pela Band no blog de Jairo Marques, na Folha Online. Em breve, ela entrará na novela ‘Água na Boca’. Paraplégica desde que sofreu um acidente de carro, Tabata usa cadeira de rodas. Em suas primeiras cenas, no entanto, ela aparecerá sem o acessório. Atuará na cama, no sonho de um outro personagem. Ao todo, fará dez capítulos. ‘Sei que papel para cadeirante é bem restrito, mas hoje os cadeirantes e cegos estão inseridos no mercado de trabalho. Seria coerente aparecerem nas novelas’, diz.

CHINÊS VOADOR

Anderson Lau (foto) é curitibano, mas interpretará um chinês em ‘Negócio da China’, próxima novela das seis da Globo. Para viver Liu, um bandido que rouba US$ 1 milhão de um burocrata chinês e passa a ser perseguido pela máfia, o que desencadeia a trama principal da novela, Lau teve aulas de kung-fu e passou a semana passada ensaiando a coreografia de uma luta em que seu personagem enfrenta 50 praticantes de artes marciais. Acha muito? Pois saiba que Lau está de malas prontas para Macau, China, onde gravará lutas iguais às do filme ‘Matrix’ (1999).

PERGUNTA INDISCRETA

FOLHA – Cadê aquela reportagem do ‘Domingo Espetacular’, anunciada em chamadas, em que a Record contaria os bastidores da prisão de Roberto Cabrini, em abril, sob acusação de tráfico de drogas?

DOUGLAS TAVOLARO (diretor de jornalismo da Record) – Continua em apuração, em estágio bem avançado. O fato é que tudo está sob sigilo de Justiça, o que nos impede de colocá-la no ar.

MANDARIM

Todo-poderoso da Record, o bispo da Igreja Universal Honorilton Gonçalves está em Pequim. Foi acompanhar os Jogos Olímpicos de perto. Em 2012, a Record transmitirá a Olimpíada de Londres sozinha no Brasil.

SEMELHANÇA

O personagem de Marcos Palmeira na próxima novela das sete, um surfista, será parecido com o ator. Viverá em uma casa com tratamento de dejetos, horta orgânica e energia solar. Em seu sítio, Palmeira tem tudo isso.

SINCERIDADE

O quadro ‘Supersincero’, estrelado por Luiz Fernando Guimarães e escrito por Alexandre Machado, vai voltar ao ar. No final do mês, a Globo começa a gravar mais quatro episódios, a serem exibidos no ‘Fantástico’.’

 

 

Laura Mattos

Polícia Federal ‘estrela’ nova novela da Record

‘Protógenes Queiroz, o delegado da Polícia Federal que prendeu Daniel Dantas, Naji Nahas e Celso Pitta, será galã de novela. Calma lá, essa foi só uma frase de impacto ao estilo das operações da PF. Mas ele e seus holofotes mudaram os rumos de ‘Vendetta’ (título provisório), a próxima novela de Lauro César Muniz na Record.

O autor de sucessos como ‘O Salvador da Pátria’ e ‘Roda de Fogo’ conta ter recebido do bispo Honorilton Gonçalves, vice-presidente da emissora, sugestão para ampliar o espaço de um delegado da PF em sua história, sobre a máfia. Muniz, 70, vê no pedido uma ‘intuição dramatúrgica’ e não um possível interesse político da Record ou da Igreja Universal, proprietária da rede. À Folha, o autor traça relação entre Protógenes, ‘sujeito sério e esperto’, e seu personagem, analisa o sucesso da reprise de ‘Pantanal’, critica a nova geração de autores, mas elogia ‘A Favorita’.

FOLHA – Como avalia a entrada da reprise de ‘Pantanal’, do SBT, na disputa por audiência, antes polarizada entre Globo e Record?

LAURO CÉSAR MUNIZ – Esse momento é rico, de competição forte entre as três redes. A Record está realmente crescendo, apesar de momentos de hesitação, e não deve recuar. Seu crescimento está provocando reação, como a do SBT, que deu a sorte de comprar ‘Pantanal’.

FOLHA – O sucesso dessa reprise pode dar recados a autores de hoje?

MUNIZ – Ele prova a eficiência das novelas antigas. Mostra que aquela nossa estrutura continua presente, envolvendo sem os maniqueísmos das tramas de hoje. Quem é o herói de ‘Pantanal’? E o vilão? É difícil dizer porque ali há pessoas interessantes. É bom para desmistificar a idéia de que é preciso ter estrutura rígida, maniqueísta. ‘Pantanal’ veio discutir essa estrutura aberta, realista, de personagens contraditórios. Sou de outra geração, e a atual está escrevendo de maneira muito esquemática. Busca-se a fórmula facilitadora, que está vulgarizando a novela. ‘Pantanal’ mostra que nossa geração, minha e a do [Benedito] Ruy [Barbosa, autor da novela], estava certa.

FOLHA – Por que agora se escreve de forma esquemática, como diz?

MUNIZ – Minha teoria é que o mundo virou um processo mercadológico, sem discussão ideológica, essa globalização… É tudo um hipermercado onde só vale o ganho imediato. O cinema norte-americano passou a ser barulhento e engoliu o europeu, que foi nocauteado por anos e só agora está se levantando. O público foi envolvido por uma coisa mais fácil. Isso também impôs à telenovela a maneira simplista, na qual prevalece o maniqueísmo, o herói nítido contra o vilão nítido. E isso gerou queda de qualidade.

FOLHA – O sr. vê ‘A Favorita’?

MUNIZ – Sim, é uma novela de qualidade, a melhor dos últimos três, quatro anos na Globo. Quero ver o que novos autores estão fazendo, e a que nível os velhos cederam a essa estética facilitadora. Isso me incomoda.

FOLHA – João Emanuel Carneiro, autor de ‘A Favorita’, é da nova geração, inclusive era colega de Tiago Santiago, de ‘Os Mutantes’ [que defendeu na Record que Muniz deixasse claros os heróis e vilões de sua próxima novela]. Ele lançou ‘A Favorita’ com a proposta de fazer um jogo de dualidade ao não revelar quem era a mocinha e a vilã. Ele é ou não dessa geração maniqueísta?

MUNIZ – Ele está até desfazendo isso, ao brincar com a dualidade. É claro que ele tem um pé nessa estética facilitadora, se formou dentro dessa visão. Mas está com uma visão crítica sobre isso.

FOLHA – O sucesso de ‘Pantanal’ não mostra também que nem sempre é preciso imprimir ritmo acelerado à trama, como é comum hoje?

MUNIZ – É outro mérito de ‘Pantanal’ desfazer o conceito de que é preciso que tudo seja avassalador, de ritmo frenético. Não acho que a gente tenha que voltar a essa fórmula, mas achar uma síntese entre ela e o que se faz hoje. Por outro lado, é impressionante como o público se liga em cenas fortes. A tendência do autor é fazer cenas de impacto, barulho. E ‘Os Mutantes’ [com muitas cenas de ação] tem o mérito de estar segurando a audiência de ‘A Favorita’, fazendo um dique. Se não, a novela da Globo estaria dando o ibope mais alto dos últimos tempos. O Tiago tem o mérito de ter descoberto essa coisa lúdica que atinge a classe C/D/E e o público infanto-juvenil. Ele é esperto para evitar que ‘A Favorita’ deslanche. Discordo de sua cartilha de telenovela, acho que não serve de modelo, mas ele sabe fazer e segurar a audiência. A Record deve muito a ele, aceitou essa estética e de certa forma a estabeleceu como padrão da casa. É um momento em que a Record usa essa estética para se afirmar e depois poder sonhar mais alto. Espero que ‘Vendetta’ possa contribuir, porque é uma novela mais ambiciosa.

FOLHA – Como surgiu ‘Vendetta’?

MUNIZ – Era um projeto de minissérie que apresentei em 1998 para a Globo, que não deu a menor bola. É inspirado no romance [‘Hora ou Vendetta’] do Sílvio Lancellotti sobre a máfia. É o que a Record está fazendo agora: ações fortes, conflitos, tiro, violência, pancadaria. Nada melhor do que a máfia. A cúpula aceitou a idéia e fez algumas sugestões para ampliar a Polícia Federal na história. O delegado da PF já estava na história do Sílvio, o Telônio Meira, mas eu o ampliei.

FOLHA – Essa sugestão em plena época de operação Satiagraha…

MUNIZ – Olha os nomes: Protógenes, Telônio. Foi uma premonição do Sílvio, pelo menos no nome [risos]. Tem tudo a ver esse Protógenes com o Telônio, é ampliar e dar credibilidade à Polícia Federal, que, pelo noticiário, está acertando mais do que errando, apesar de ter exagerado em algumas coisas. Esse Protógenes Queiroz é interessante, um sujeito sério. A PF começa a ter simpatia da opinião pública. Pensei: ‘Isso vai dar certo’. A sugestão de ampliá-la veio do Honorilton Gonçalves [bispo, vice-presidente da Record]. Ele está certo.

FOLHA – Esse pedido não pode representar um apoio da emissora da Universal, igreja ligada a Lula, à PF?

MUNIZ – Não me passou isso pela cabeça. Vi como uma contribuição dramatúrgica, uma boa intuição que ele teve. Ele intuiu que seria bom valorizar o antagonista ao mafioso.

FOLHA – Apesar da quebra do monopólio da Globo, o sr. costuma refletir sobre o significado do ganho de poder da Record, ligada à igreja?

MUNIZ – Claro, penso muito nisso. Mas também penso na origem da Globo. Na década de 60, quando a Globo apareceu, se falavam as coisas mais conspiratórias: a Time Life [empresa norte-americana que investiu na Globo], ligação com a ditadura. E a emissora cresceu, fez um trabalho excelente e hoje é genuinamente nacional. Acho que a Record também pode contribuir com qualidade.’

 

 

***

Muniz faz as pazes com o autor de ‘Os Mutantes’

‘‘A divergência foi séria’, nas palavras do próprio Lauro César Muniz. Tudo começou quando Tiago Santiago, 45, autor de ‘Os Mutantes’ e consultor de teledramaturgia da Record, sugeriu no início do ano que ‘Vendetta’, a nova novela do colega, tivesse heróis e vilões mais claros.

Pragmático, Santiago acreditava ser preciso simplificar os personagens para atrair audiência. Para Muniz, isso era ‘simplista e maniqueísta’. A discórdia chegou aos jornais.

Agora, conta o novelista veterano, eles estão ‘em paz’.

Os dois se encontraram recentemente nos estúdios da Record, no Rio, e ‘passaram a relação a limpo’. ‘Temos uma divergência séria em termos de dramaturgia, a estética dele é o oposto da minha. Mas, nesse momento, precisamos ter união, não faz sentido criar desarmonia. A Record está crescendo, vamos brigar juntos’, afirma Muniz.

Segundo ele, Santiago ‘teve que entender que é difícil para um autor ouvir o outro’. ‘Disse para ele a dificuldade que tinha em aceitar a cartilha dele, e ele, a minha. Fomos nos afinando, cada um tem o seu papel hoje. Passamos a limpo nossa relação. Ele foi um dos que batalharam minha ida para a Record. Isso nos ajudou a dialogar e chegar a um entendimento de que deve haver respeito mútuo e não interferência.’

‘Vendetta’ começa a ser gravada em outubro, com cenas em Palermo, na Itália, e tem estréia prevista para março. O autor nunca esteve na região e, para escrever as seqüências que lá se passam, realizou uma viagem virtual, através do computador de sua casa.

Tráfico e Farc

Na história, Toni, que pertence à máfia siciliana, tem a família morta por um adversário e jura vingança. Descobre que a ordem para o atentado partiu do Brasil e viaja atrás de seu inimigo. A maior parte da ação se passa em São Paulo, conta o autor, mas também haverá cenas no Rio, em razão de personagens bicheiros, ligados a escolas de samba.

Por aqui, a máfia se liga ao tráfico de drogas e também chegará às Farc, na Colômbia.

Entre os roteiristas da novela, estará Newton Cannito, da série ‘9MM’, da Fox, sobre a polícia de São Paulo.’

 

 

Bruno Porto

Com Glenn Close, série vê lado podre da vida

‘Um dos pilares do maior seriado de todos os tempos, ‘Família Soprano’, era a noção de que o ser humano não tem salvação. À medida que as temporadas avançavam, os personagens iam sendo tragados por suas personalidades atormentadas.

‘The Shield’, cuja quarta temporada acaba de ser lançada aqui em DVD (foi exibida nos EUA, em 2005, e no Brasil, pelo canal AXN, que não transmite mais a série), se vale de uma dinâmica parecida e, em função disso, foi saudada diversas vezes por jornalistas americanos como a nova ‘Soprano’. Tendo como pano de fundo uma delegacia responsável por uma das regiões mais violentas de Los Angeles, a série é centrada em Vic Mackey (Michael Chiklis, de ‘Quarteto Fantástico’), um policial que só cumpre a lei quando ela está a seu favor.

No início do seriado, Mackey parecia mais interessado em enriquecer à custa do submundo do que em acabar com ele. Na segunda e terceira temporadas, porém, ele começou a perceber que sua ambição poderia destruir não só o seu futuro como o de sua família.

A quarta temporada é um desdobramento dessa pausa para reflexão. Ela começa meses depois do final da temporada anterior, com o personagem de Chiklis tentando recomeçar sua vida. Dois dos homens que integravam uma espécie de tropa de elite que ele liderava foram transferidos para outras delegacias, deixando-o isolado.

Além disso, as missões arriscadas que comandava foram substituídas por uma investigação longa e burocrática. Esse quadro muda quando a delegacia ganha uma nova capitã, Monica Rawling (Glenn Close), uma mulher honesta que chega disposta a desferir um duro golpe nas gangues da área.

Mackey compra a briga de Monica e esboça ter reencontrado o gosto pela profissão de policial. O envolvimento de um amigo com um criminoso, porém, faz com que ele volte a recorrer aos métodos do passado. Não é só o caráter de Mackey que apresenta sinais de deterioração. Dois outros personagens importantes da série, o ex-capitão e agora vereador David Aceveda (Benito Martinez) e o detetive Dutch (Jay Karnes), dão sinais de estarem perto de perder o controle sobre seus demônios interiores.

A escalação de Glenn Close para o papel de Monica deixou fãs de Chiklis em estado de alerta: eles temiam que a atriz de ‘Ligações Perigosas’ acabasse tirando os holofotes de cima do ator. Um temor que acabou não se confirmando: contida, Close brilha, mas Chiklis não fica atrás.

Regada a violência e a temas polêmicos, ‘Shield’ tem pouco ou nada a ver com a maioria das séries atuais. Ela quer entreter, sim, mas faz isso percorrendo algumas das vielas mais escuras e fétidas da alma humana.

THE SHIELD

Distribuidora: Sony

Quanto: R$ 79,90 (4 DVDs)

Classificação indicativa: não recomendado para menores de 18 anos

Avaliação: ótimo’

 

 

Bia Abramo

A previsibilidade da viravolta

‘ENTÃO , é Flora, a loura, doce e vitimada Flora, a assassina, e não Donatela, a morena, ambiciosa e bem-sucedida Donatela. A viravolta em ‘A Favorita’ estava mais ou menos sugerida desde o início e francamente divulgada há já um certo tempo; deu-se no capítulo da última terça-feira, em cenas francamente desleixadas.

Laura Mattos já apontou os erros -gente que ‘volta’ anos e não envelhece nem muda de roupa; criança de olhos castanhos que vira moça de enormes e redondos olhos azulíssimos-, em reportagem na quinta-feira, aqui mesmo, na Ilustrada.

São detalhes, mas não tão pequenos assim e tão evidentes que deixam uma pulga atrás da orelha: será que é de propósito, para depois acusar os observadores que apontam os furos de falta de imaginação?

A hipótese é divertida, mas só isso. Fazem-se as coisas dessa maneira porque se tem a certeza de que tanto faz despender mais dinheiro ou tempo nisso, porque o resultado de audiência está garantido pela antecipação.

As viravoltas anunciadas e previsíveis são esteróides de audiência.

Também as igualmente antecipadas exibições de cenas ditas polêmicas -o beijo gay, a surra nas mulheres malvadas e nas garotas impertinentes, a nudez da gostosa da vez- funcionam da mesma forma: bombam a audiência.

O problema da viravolta é que ela exige mais fôlego do roteirista -é preciso manter o pique da novidade por um tempo mais longo e usar mais habilidade para mudar, de fato, os rumos da narrativa.

Não que a viravolta seja estranha às novelas. Fazem parte da matriz melodramática, bem como da história das telenovelas, as inflexões abruptas na narrativa, de maneira a criar suspense sobre o que acontece em seguida e ajeitar as soluções românticas esperadas.

Janete Clair, por exemplo, estreou na Globo, em 1967, ‘arrumando’ a trama de ‘Anastácia, a Mulher sem Destino’ com um terremoto que só deixou quatro personagens vivos.

Mas algo mudou na maneira de ver novela: estar diante da televisão no horário em que ela é exibida não é a única maneira de acompanhá-la. Pode-se saber a respeito do que vai acontecer no jornal, na internet e mesmo na própria TV. Boa parte da audiência, hoje, monitora aquilo que vai acontecer, pelos mais diversos recursos -e decide se vale a pena ver cada capítulo da novela.

O inesperado torna-se, assim, previsível, e tem o impacto de um fogo de artifício.’

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