OLIMPÍADAS DE PEQUIM
Não vou ver as competições…
‘ENSINOU NO Departamento de Educação Física da Unicamp um professor português que tinha uma tese curiosíssima sobre o atletismo. Ele dizia que o atletismo faz mal à saúde. Para provar seu ponto, perguntava: ‘Você conhece um atleta longevo? Quem vive muito são aquelas velhinhas sedentárias que tomam chá com bolo no fim da tarde’. Florence Griffith Joyner, corpo fantástico, só músculos, a mulher mais rápida do mundo, deteve por dez anos os recordes mundiais dos 100 m dos 200 m. Dedicou toda a sua vida ao atletismo. Era o símbolo máximo da beleza olímpica. Um infarto a matou. Os animais não competem. Não têm interesse em saber qual é o melhor. Se eles pulam e correm, o fazem pelo puro prazer de pular e correr. Minha cachorra Luna, é só soltá-la num campo aberto para que se transforme numa flecha. E eu fico a contemplá-la, assombrado pela performance do seu corpo que nunca fez atletismo. Por que ela corre? Não é para pegar um coelho. Se corresse para pegar um coelho, sua corrida teria um objetivo prático, racional. Nem corre para provar que é mais rápida que outro cachorro. Se fosse esse o caso, estaria sendo movida pela mais pura motivação olímpica. Numa Olimpíada, nenhum atleta executa sua atividade pelo prazer de executá-la. Cada atleta executa a sua coisa para provar-se o melhor de todos. O prêmio que o atleta recebe por sua performance não é algo que acontece com o seu corpo, como é o caso da minha cadela que corre pelo prazer de correr. O seu prêmio é algo abstrato, fora do corpo, medido por números. O atleta só fica feliz quando a fita métrica ou o relógio dizem que a sua marca foi a melhor. Observe os corpos das nadadoras. São máquinas especializadas numa só função, treinadas por anos para derrotar a água. Pois não é isso que são as provas de natação? Numa competição de natação, a nadadora luta contra a água. A água, sua inimiga, resiste. Ganha a atleta que ficar menos tempo dentro da água. O prazer da nadadora não está na água; está no cronômetro. O sentido original da palavra ‘estresse’ pertence à física, no campo da mecânica aplicada. Para determinar a resistência de um material, é preciso submetê-lo a ‘estresse’, isto é, a forças, até o ponto de ele se partir. O ponto em que ele se parte é seu limite. A competição é essencial ao atletismo porque é só por meio dela que se podem fazer comparações. Comparo vários materiais para determinar sua resistência. Comparo vários atletas para ver qual tem o melhor desempenho quando submetido ao estresse máximo. O corpo de Florence Griffith Joyner não agüentou. Arrebentou como um fio arrebenta se seu limite é ultrapassado. Se o atletismo é isso, a tese do professor de educação física a que me referi acima está justificada. A competição é uma violência a que o corpo é submetido. A imagem mais terrível que tenho dessa violência é a da corredora suíça, ao final de uma maratona, algumas Olimpíadas atrás [Los Angeles, 1984]. Chegando ao estádio, o corpo dela não agüentou. Os ácidos e o cansaço o transformaram numa massa amorfa assombrosamente feia. Ele não queria continuar; desejava parar, cair. Mas isso lhe era proibido: uma ordem interna lhe dizia: obedeça, continue até o fim. Ninguém podia ajudá-la. Se alguém o fizesse, ela seria desclassificada. O locutor, comovido, louvava o extraordinário espírito olímpico daquela mulher. Ele não compreendia o horror daquilo que ele considerava sublime. A competição, representada no seu ponto máximo pelas Olimpíadas, é o oposto do brinquedo. O brinquedo é uma atividade feliz. Por sua vontade, o corpo não competiria. Ele brincaria. O corpo não gosta de competições e Olimpíadas porque elas existem sobre o estresse. E o estresse faz sofrer. Os atletas sofrem. Basta observar a máscara de dor nos seus rostos. O corpo vai contra a vontade, empurrado por um tipo que mora dentro da sua alma e que é dominado por uma obsessão narcísica. Todo pódio é uma celebração do narcisismo. O que o espírito olímpico deseja é levar o corpo aos limites do estresse. E o limite do estresse é a morte. Não vou ver as competições. Mas vi o espetáculo maravilhoso da abertura. E verei o vôlei das meninas. E a ginástica. Porque é bonito…
RUBEM ALVES, 74, psicanalista e escritor, é professor emérito da Unicamp e colunista da Folha. É autor, entre outras obras, de ‘Por uma Educação Romântica’.’
Moacyr Scliar
A Olimpíada é a vida – melhorada
‘VOU, SIM , assistir à Olimpíada (pela tevê, naturalmente). Vou torcer por nossos atletas. Vou vibrar e sei que, em alguns momentos, vou me emocionar. Por quê? De onde tiro essa certeza, que é a de milhões de pessoas em todo o mundo?
No meu caso, a resposta está num nome, hoje pouco lembrado: Abebe Bikila. Etíope, ex-pastor de ovelhas e depois militar, foi o primeiro atleta a vencer duas maratonas olímpicas e é considerado por muitos o maior maratonista de todos os tempos.
Bom, vocês dirão, grandes atletas existem, isso não chega a ser novidade. Mas Bikila era diferente. Esse homenzinho pequeno, magro, franzino, nascido em um dos países mais pobres do mundo, assombrou o público na maratona de 1960, em Roma, porque correu pelas ruas da cidade eterna descalço. Isso mesmo, descalço. E, descalço, ele chegou quatro minutos antes do segundo colocado; descalço, declarou que poderia correr mais dez quilômetros sem problemas.
Na maratona seguinte, em Tóquio, ele convalescia de uma cirurgia de apêndice realizada cinco semanas antes. Mas correu, e novamente venceu.
Dessa vez teve de usar tênis por imposição dos juízes. E só não venceu a terceira maratona, na Cidade do México, porque, depois de correr 17 quilômetros, fraturou a perna esquerda e teve de desistir.
Uma outra e irônica tragédia o aguardava. Em 1969, dirigindo o carro que ganhara do governo, teve um acidente que o deixou paralisado do pescoço para baixo. Os pés o consagraram, um automóvel foi a sua nêmese, o instrumento de sua desgraça.
Olimpíadas são eventos mundiais.
Conotações sociais, políticas, ideológicas são inevitáveis; boicotes e até atentados (Munique, 1972: 11 atletas israelenses mortos por terroristas) podem ocorrer. Já em 1936, Hitler tentara transformar a Olimpíada de Berlim num vasto espetáculo de propaganda nazista. Mas algo estragou, ainda que parcialmente, o deleite dos arianos: o fato de o atleta americano Jesse Owens ter ganho quatro medalhas de ouro nas provas de corrida.
Como Abebe Bikila, Jesse Owens era negro; neto de escravos, filho de um humilde trabalhador agrícola.
Bikila e Owens não foram, e não são, casos isolados. Para milhares de jovens, inclusive e principalmente no Brasil, o esporte, e sobretudo o esporte olímpico, é o caminho da auto-afirmação, da restauração da dignidade pessoal. E o instrumento para isso é aquilo que o ser humano possui de mais autêntico: o próprio corpo.
É o corpo que tem de responder ao desafio. Na verdade, o atleta não está só competindo com outros; está competindo consigo próprio. Está pedindo a seu tronco, seus braços, suas pernas, seus músculos, seus nervos que o ajudem a mostrar aos outros o que ele vale. Quando o peito do corredor rompe a fita na chegada da prova, não se trata apenas de uma vitória mensurável em minutos e segundos. Trata-se de libertação. É o momento em que a pessoa se liberta da carga pesada representada por um passado de pobreza, de privações, de humilhação.
Vocês dirão que o esporte não corrige as distorções, não redistribui a renda. Mas corrige distorções emocionais e sociais, representadas pelo preconceito; e redistribui auto-estima. É pouco? Talvez seja, mas é um primeiro passo.
E nós? Nós, os espectadores, sentados em nossas poltronas, diante da tevê? Para nós, a Olimpíada é igualmente importante. Não só porque representa um puxão de orelhas no sedentário (‘Puxa vida, está na hora de eu começar a caminhar pelo parque’), coisa que ajuda a saúde pública, mas também porque, de algum modo, participamos no que ocorre nos estádios.
Sabemos que a vida é dura, cheia de problemas. Mas então pensamos no Abebe Bikila correndo de pés descalços sobre as pedras de Roma. Pensamos no que são as solas daqueles pés, enrijecidas por anos de caminhada e corrida sobre pedregulhos, sobre áspera areia, sobre espinhos. São um símbolo de resistência, esses pés. São pés que, transportando gente humilde, levam-nas longe no caminho da esperança, fazem-nas subir ao pódio de onde se pode, ao menos por um momento, divisar novos horizontes.
MOACYR SCLIAR, 71, médico e escritor, é membro da Academia Brasileira de Letras e colunista da Folha. É autor, entre outras obras, de ‘O Texto, ou: A Vida’.’
César Benjamin
Tomara que seja linda
‘É DEVERAS impressionante o lixo ideológico que a imprensa tem produzido ao cobrir a Olimpíada. Em geral, os repórteres buscam sempre os ângulos mais negativos, mesmo à custa de adentrar o ridículo. Vi coisas incríveis.
O locutor ressalta o caráter repressivo do regime chinês, enquanto as imagens mostram, como prova disso, um grupo de guardas de trânsito e câmeras de televisão que monitoram avenidas. O locutor fala do controle do Partido Comunista sobre as pessoas, enquanto na tela aparecem torcedores que preparam uma coreografia. Manifestações com menos de cinco indivíduos são tratadas como acontecimentos épicos. Se houver um pouco maiores, é a prova de que o povo está contra o governo. Se não houver, é a prova de que a repressão é terrível.
Ideologias não se subordinam a fatos. Elas criam fatos e se realimentam de suas criações. Formam sistemas fechados. Por isso, a China não tem saída: aconteça o que acontecer, faça o que fizer, é culpada. Se fizer o bem, é por dissimulação. Ela é má.
Atletas americanos desembarcaram em Pequim usando máscaras contra a poluição, mas tiveram azar.
Nesse dia, excepcionalmente, o ar na capital chinesa estava mais limpo que o de Nova York, de onde haviam partido. Apoiamos essas grosserias como se fossem gestos nobres.
George W. Bush, que praticamente não havia saído do Texas até se tornar presidente dos Estados Unidos, acredita que os chineses só não praticam maciçamente o cristianismo porque o governo deles não deixa. Ignora uma civilização que tem 7.000 anos de história. Ela construiu uma sofisticada visão do homem, do mundo e do cosmo, nem melhor nem pior do que a nossa, mas diferente, e sem a qual a existência humana seria muito mais pobre.
Repórteres monotemáticos escrevem todos os dias sobre falta de liberdade de expressão, carregando nas tintas, para cumprir a pauta que receberam dos chefes. Se não a cumprirem, serão demitidos. Defendem, pois, uma liberdade que eles mesmos não têm. ‘Os chineses estão perplexos com tantas manifestações contra o seu regime em todo o mundo’, escreveu um deles, sem se importar com o fato de que em nenhum lugar tem havido nenhuma manifestação relevante.
Perplexos estamos nós, pois a China não nos obedece mais. Sua economia será maior que a dos Estados Unidos em 15 anos. Dos 200 milhões de pessoas que deixaram a pobreza na última década, no mundo, 150 milhões são chinesas. O Estado é forte, mas isso não quer dizer que seja ilegítimo. Se ainda fosse fraco, como já foi, lá continuaria a ser o lugar dos negócios da China.
Tamanhas mutações e tão complexo processo de desenvolvimento, em curto período, em uma sociedade que há pouco era paupérrima, com 1,3 bilhão de pessoas, não se fazem sem grandes contradições e problemas, que ninguém desconhece, muito menos os próprios chineses. Onde não foi assim?
As civilizações ocidentais, como se sabe, só usam a violência em benefício das vítimas. Reduzimos os índios do Novo Mundo à servidão, mas foi para cristianizá-los. Escravizamos os africanos, mas foi para discipliná-los pelo trabalho. Estamos massacrando os iraquianos, mas é para ensiná-los a ser livres. Nossa próxima missão, pelo que vejo, será libertar os chineses de si mesmos.
O problema é que eles são muitos.
Estão cada vez mais fortes. E não desejam deixar de ser o que são. Isso nos assusta. O resto é empulhação.
Agora que os Jogos começaram, torço para que o lixo ideológico se retraia, para que finalmente possamos prestar atenção nos atletas de todo o mundo. A festa lhes pertence.
Tomara que seja linda.
CESAR BENJAMIN , 53, editor da Editora Contraponto e doutor honoris causa da Universidade Bicentenária de Aragua (Venezuela), é autor de ‘Bom Combate’ (Contraponto, 2006). Escreve aos sábados, a cada 15 dias, nesta coluna.’
Laura Mattos
Com gafes, festa dobra audiência
‘A transmissão da abertura dos Jogos Olímpicos dobrou a audiência da Globo, em um horário no qual enfrenta forte concorrência e chega a ficar em segundo lugar. Foram 19 pontos no Ibope da Grande São Paulo (dados prévios), ou mais de 1 milhão de domicílios. Nas últimas quatro sextas-feiras, havia registrado média de oito pontos na mesma faixa, das 8h50 às 13h10. No ano todo, marcou 11 pontos. A Band, o outro canal aberto com direito à transmissão, subiu de seus dois pontos habituais para 3,5.
A cerimônia fez subir o número total de televisores ligados no horário na região, de 31% para 45%.
Foram mais de quatro horas de Galvão Bueno, com as gafes comuns a qualquer transmissão ao vivo de tanto fôlego. Um dos problemas foi o fato de Galvão e os comentarias (Marcos Uchôa, Sônia Bridi e Pedro Bassan) em vários momentos falarem ao mesmo tempo. Segundo a Globo, apesar de todos estarem em uma mesma cabine no estádio em Pequim, eles permaneceram em pontos diferentes (não estavam juntos em uma mesma bancada), e houve problemas com o retorno do áudio. ‘Peraí’, não se agüentou Galvão numa das vezes em que Sônia e Bassan se atropelavam.
O embate entre quem sabia mais começou logo no início. ‘Os anéis representam os cinco continentes do planeta’, disse Uchôa. Galvão rebate: ‘O barão Pierre de Coubertin, quando os fez, não pensava nisso. Não é que cada um deles represente um continente, as cores, pelo menos uma delas representa…’ Uchôa corta: ‘Todas as bandeiras’.
Quando a delegação brasileira entrou, houve confusão entre a câmera exclusiva da Globo e a oficial. Galvão disse ‘e aí o presidente Lula’ 40 segundos antes de a imagem chegar ao espectador. Esse foi só o começo. Não perdemos por esperar as incríveis crônicas de Pedro Bial.’
Sérgio Dávila
A cerimônia censurada
‘HOUVE CENSURA na cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos da China. Não, não é ideológica nem veio do Partido Comunista chinês: foi econômica, e veio do comando das agências de publicidade norte-americanas.
No momento em que estimados 4 bilhões de telespectadores do mundo inteiro assistiam ao espetáculo ao vivo pela TV, 300 milhões de norte-americanos viam um chef de cozinha ensinar culinária chinesa na NBC, a emissora detentora dos direitos de transmissão.
O motivo? Não há apenas um, mas 894 milhões. Foi essa a quantia em dólares que a empresa pagou pela exclusividade de exibir os Jogos nos EUA. Só em venda de publicidade a NBC já faturou US$ 1 bilhão (mais de R$ 1,6 bilhão). Mas os anunciantes pagaram por um produto inédito e em horário nobre. Daí a decisão de atrasar a transmissão para as 20h locais de ontem (21h de Brasília), quase 12 horas depois do fato.
E danem-se os telespectadores matinais dos EUA, como este colunista. Aos poucos, porém, uma comunidade de milhares passou a se comunicar em fóruns virtuais públicos e dar dicas de onde assistir ao evento ao vivo pela internet.
O site da CBC canadense está exibindo! (Era verdade, mas com qualidade baixa.) O da alemã pública Das Erste -’a primeira’- tem uma tela maior! (Tinha mesmo, e eu acabei assistindo nessa, interrompido por dezenas de ‘wunderbar’, ‘maravilhoso’, dos âncoras.)
E não é que foi ‘wunderbar’ mesmo? Especialmente o veterano ginasta olímpico Li Ning suspenso no ar, ‘correndo’ com a tocha sobre uma tela gigantesca que se desenrolava no topo das arquibancadas, até acender a pira gigante.
Foi um momento mais Steven Spielberg -que ia dirigir a cerimônia, mas desistiu por motivos de consciência- que Zhang Yimou, o cineasta chinês que comandou a festa de abertura. Ainda assim, ‘wunderbar’. Será isso a globalização?’
Raul Juste Lores
Reciclagem do passado
‘A PARAFERNÁLIA foi ‘high-tech’, mas o conteúdo da cerimônia de abertura da Olimpíada de Pequim foi absolutamente retrô.
Em plena emergência econômica da superpotência, a China quis se reafirmar por meio de seu passado. Depois dos excessos da Revolução Cultural, que tentou exterminar qualquer vestígio da China pré-comunista, a festa de abertura mostrou que o atual regime se orgulha da China antiga.
O currículo criativo do país é extenso: os chineses criaram a pólvora, a pipa, os fogos de artifício, o papel, a tipografia e o aparelho que depois se tornou a bússola – todos lembrados durante a cerimônia de ontem.
Teve tai chi, Muralha da China, soldados de terracota, Ópera de Pequim.
Mas, sem exceção, tudo isso tem mais de 500 anos de idade. Tirando os deslocados astronautas e a citação ao próprio estádio ‘ninho de passarinho’ (desenhado por arquitetos suíços ignorados na festa), o que há de realmente novo na China, além dos adereços?
A China atual, apesar do nacionalismo crescente, pegou emprestados modelo econômico, urbanismo e estilos de vida calcados no Ocidente. Parecer e viver como um ocidental é considerado aqui sinal de progresso. O país amargou decadência enquanto se isolou, sorte dela ter se aberto para o mundo em um momento oportuno.
Mas a abertura econômica não foi levada aos campos político e cultural – aí, a China continua o país fechado de sempre. E isso se notou ontem com as formações tipicamente militares, a torcida ensaiada até o último grito, a música monótona e antiquada, a ausência de vários artistas estrangeiros.
Em um país em que a censura reprime a ousadia, em que o governo controla tudo e todos, em que ter amizades no governo é bem mais importante que talento, não sei se daria para ser diferente. Na superfície, a festa foi moderna, mas a substância foi de passado reciclado.’
MÍDIA & POLÍTICA
PREFEITO TERÁ O MAIOR TEMPO NA TV E NO RÁDIO
‘Gilberto Kassab (DEM) terá 8min44s73 por bloco. Ele será seguido por Marta Suplicy (PT), 6min40s75, e Geraldo Alckmin (PSDB), 4min27s42. A divisão do tempo, definida ontem pelo TRE-SP, é proporcional ao tamanho das bancadas eleitas para a Câmara dos Deputados em 2006. A propaganda gratuita começa no dia 19, com os candidatos a vereador. No dia 20, é a vez dos candidatos a prefeito, que aparecerão sempre às segundas, quartas e sextas.
São dois blocos por dia. No primeiro turno, o horário eleitoral será veiculado até o dia 2 de outubro.’
MEMÓRIA / ALEXANDER SOLJENITSIN
Obra de Soljenítsin denuncia injustiças da história soviética
‘Alexander Soljenítsin, morto no domingo, aos 89, surgiu no mundo literário russo em 1962 com a publicação, pela revista ‘Novi Mir’, da novela ‘Um Dia na Vida de Ivan Dieníssovitch’, crônica da vida num campo de trabalhos forçados, onde os prisioneiros vegetam em condições subumanas, trabalham sem remuneração, comem comida estragada, e o dinheiro que porventura seus familiares enviam é retido para cobrir as despesas do prisioneiro. Além do relato das condições em que são mantidos os prisioneiros, muitos sem qualquer culpa formal, a novela já registra um aspecto nefasto da vida soviética, só bem mais tarde percebido e denunciado por estudiosos: o trabalho dos prisioneiros é parte de um sistema de produção que integra o próprio sistema econômico, até entra no planejamento, e é tão arraigado que só será abolido na gestão de Gorbatchov, portanto no fim da União Soviética. A novela teve um sucesso estrondoso entre leitores, escritores, críticos. A Redação da revista e o próprio Soljenítsin receberam uma enxurrada de cartas de ex-prisioneiros, e esse material se constituiria numa das fontes da gigantesca crônica de 38 anos de história soviética e alimenta a narrativa dos três livros que compõem ‘O Arquipélago Gulag’, já iniciada às escondidas em 1958. Em seguida, a ‘Novi Mir’ ainda publicou quatro contos de Soljenítsin, e só. Começa aí a via-crúcis do autor. O romance ‘O Pavilhão dos Cancerosos’, relato da própria experiência de Soljenítsin na luta contra o câncer num hospital de Tashkende, e também das degradantes condições de funcionamento daquele hospital, recebeu de todas as instâncias legais, inclusive do sindicato dos escritores, o aval para publicação, que acabou vetada pelas autoridades. Só depois de esgotar todos os trâmites legais para publicação do livro, Soljenítsin permitiu que ele fosse lançado pela Samizdat, editora clandestina dos dissidentes. A publicação de ‘Um Dia na Vida…’ foi favorecida pelo clima de relativo abrandamento da censura soviética no período de Khruschov; já a proibição para publicar ‘O Pavilhão…’ coincidiu com o ocaso e a queda de Khruschov, seguida da volta do neostalinismo ao poder.
Trabalhos forçados
O escritor enfrentou a mesma via-crúcis com o romance ‘O Primeiro Círculo’. Concebido sob a forma de círculos em analogia com os círculos do inferno de Dante, esse romance é um relato da própria experiência do autor em um campo de trabalhos forçados, onde cumpriu pena de oito anos por ter criticado Stálin numa carta a um amigo. Também neste caso, ele só permitiu sua publicação pela Samizdat e, posteriormente, no exterior depois de esgotar todas as tentativas para publicá-lo por via legal. Até ‘O Arquipélago Gulag’ ele tentou publicar por via legal. Depois de expulso da URSS, em 1974, Soljenítsin finalmente consegue reunir e publicar toda a sua obra, cujo carro-chefe é ‘O Arquipélago Gulag’. Obra composta por três volumosos livros, traça um amplo painel de 38 anos de história soviética, reunindo um número impressionante de testemunhos que engloba de cartas de ex-prisioneiros e outras vítimas de perseguição a testemunhos das pessoas mais simples até de cientistas, escritores, artistas, numa gama humana tão vasta que, por si só, já nos dá a dimensão da tragédia que se abateu sobre um povo ao longo de décadas. Deparamos um painel de sonhos tragicamente frustrados, vidas ceifadas ainda em seu florescer, carreiras científicas abruptamente interrompidas, projetos literários abortados pela truculência, inteligências confinadas, famílias desfeitas ou destruídas, enfim, tamanho diapasão de tragédias pessoais que o leitor tem a impressão de estar de fato no inferno. E tudo isso sob um fundo sinistro: uma revolução que começara como o início da realização de um sonho de milhões, degenera num pesadelo fantasmático. A última obra de vulto de Soljenítsin -’Duzentos Anos Juntos’- trata de dois séculos de história dos judeus na Rússia e se estende de 1795 a 1995. Ele já foi acusado de anti-semitismo por essa obra, mas, nas primeiras 50 páginas que li, não encontrei nenhum vestígio de anti-semitismo.
Obstinado
Soljenítsin foi um grande escritor, um homem de um valor ético extraordinário, obstinado em denunciar, com notórios riscos para sua vida, todos os crimes e injustiças cometidas pelos sucessivos governos soviéticos. Muitos traços de sua obra permitem associá-lo a Tolstói e Dostoiévski, mas ele jamais atingiu as profundezas filosóficas e psicológicas ou a maestria estética dos dois. Ultimamente Soljenítsin vinha criticando duramente a situação econômica e moral da Rússia, sobretudo a privataria de Ieltsin, que da noite para o dia transformou numerosos pés-rapados em milionários. Estes eram alvos de duras críticas do escritor. Ele também vinha defendendo a volta da pena de morte para combater o terrorismo no país, sob o argumento de que, em certos momentos, o Estado e a sociedade precisam se defender. Muitos ex-prisioneiros soviéticos devem a Soljenítsin sua libertação e reabilitação civil.
PAULO BEZERRA é professor de teoria literária na Universidade Federal Fluminense e tradutor, entre outras, de obras de Soljenítsin’
TELEVISÃO
REDETV! ESTRÉIA REALITY SHOW COM BANDAS DE ROCK
‘A partir de amanhã, 50 bandas de rock competem no reality ‘Gas Sound’, que a RedeTV! exibe às 20h, com apresentação de Toni Garrido e tendo como jurados George Israel, Japinha, Supla e Márvio Lúcio, o Carioca.’
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