Friday, 27 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Folha de S. Paulo


ELEIÇÕES NOS EUA
Sérgio Dávila


Eleição alavanca canais de notícia


‘Um fato novo nas eleições presidenciais norte-americanas, o sucesso das
emissoras fechadas noticiosas -que pela primeira vez bateram as redes abertas na
transmissão das convenções partidárias-, vem obrigando essas empresas a se
posicionarem ou reposicionarem ideologicamente. Mais do que convicção política,
o motivo é fatia de mercado.


A liderança empurrou a CNN de volta ao centro, abrindo espaço para que a
MSNBC investisse no público de esquerda, chamado nos EUA de ‘liberal’, e
consolidou a Fox News em seu nicho ‘conservador’ -ou de direita. A estratégia dá
certo: as três cresceram entre 85% e 88% em audiência entre a eleição de 2004 e
a atual.


O rearranjo é embalado por sucessivos recordes quebrados durante as
convenções dos dois partidos majoritários, que terminaram na quinta. Esses
recordes, por sua vez, são fruto da atenção que essa eleição desperta no público
norte-americano, pelo caráter inédito dos dois principais concorrentes e, agora,
também pela escolha inusitada da vice republicana.


O discurso em que o democrata Barack Obama aceitou a indicação de sua
agremiação, transmitido na quinta-feira retrasada, e o do republicano John
McCain, há três dias, levaram mais gente à frente das TVs do que a abertura dos
Jogos Olímpicos de Pequim.


Foram mais de 38 milhões de pessoas, entre TV aberta e paga, o maior público
para esse tipo de evento desde que o Nielsen começou a fazer a aferição, em
1960. Logo atrás dos dois vem o discurso de quarta-feira, quando a governadora
do Alasca, Sarah Palin, aceitou sua indicação a vice. A maioria viu os três numa
emissora paga.


Hoje, segundo levantamento de agosto do The Pew Research Center for The
People and The Press, 39% dos norte-americanos que assistem TV dizem se informar
pelas emissoras noticiosas fechadas, ante 29% que o fazem pelas abertas. Essa
diferença é a maior desde que a entidade passou a publicar a medição, em
2002.


‘Não só a audiência do noticiário da TV paga é maior do que a da TV aberta
como também mais nova, mais instruída e com mais conhecimento sobre os eventos
atuais’, afirma o relatório bienal, divulgado no último dia 17 -o público alvo
preferencial dos anunciantes nessa categoria são pessoas entre 24 anos e 55
anos.


O motivo é simples, disse à Folha Jack Shafer, analista de mídia da revista
eletrônica ‘Slate’: ‘É que essas emissoras põem no ar muito mais horas de
cobertura’. Fica cada vez mais claro que o telespectador médio não quer mais
esperar o horário tradicional do telejornal aberto e prefere o fluxo constante
de informações que a TV paga provê.


Viés mais claro


Diferentemente das emissoras abertas, também, o viés político é mais
explícito nas noticiosas fechadas. Criada em 1980 pelo empresário Ted Turner e
hoje propriedade da Time Warner, a CNN se viu obrigada a guinar à esquerda com a
consolidação da era Bush, principalmente a partir do segundo mandato, em
2004.


Foi a época da ascensão da Fox News, alimentada pela prioridade das
informações exclusivas dada pela administração Bush, aliada ao clima reinante no
país logo após o 11 de Setembro. Em 2007, pela primeira vez, bateu a CNN em
publicidade -US$ 460 milhões a US$ 434 milhões.


Fundada em 1996 por Roger Ailes, ex-assessor de Richard Nixon, Ronald Reagan
e George Bush pai, e de propriedade do empresário de mídia australiano Rupert
Murdoch, a Fox News começou por atrair os descontentes com os desvios éticos do
presidente democrata Bill Clinton (1993-2001) e com o que os conservadores
chamavam de ‘viés liberal da mídia’.


Os sucessivos reveses de Bush, no entanto, marcadamente a Guerra do Iraque e
a perda do controle do Congresso para os democratas em 2006, fizeram com que a
CNN voltasse a liderar em audiência, posição que ocupa hoje em dia entre as
noticiosas pagas, com 24% dos espectadores, ante 23% da Fox e 15% da MSNBC.


Fizeram também com que, nos últimos meses, a emissora iniciasse sua caminhada
de volta ao centro. Até um novo slogan foi adotado: ‘No bull, no bias’ (sem
besteira nem parcialidade, em tradução livre), que se contrapõe ao ‘fair and
balanced’ (justo e equilibrado), da Fox News.


A MSNBC é o caso mais interessante e bem-sucedido, com um crescimento de 88%
de audiência entre as duas eleições presidenciais. De propriedade da NBC (por
sua vez da General Electric), no ar há 12 anos, a eterna terceira colocada
resolveu investir no filão deixado aberto pela CNN e tenta virar a Fox News da
esquerda.


O momento de ‘conversão’ pode ser considerado o dia 3 de julho de 2007,
quando um de seus âncoras, Keith Olbermann, fez um editorial de oito minutos em
que criticava o governo Bush. Desde então, o jornalista virou o maior opositor
da administração atualmente no ar, e a cada programa dedica um segmento para
criticar um aspecto desse governo.


Ele termina as apresentações de seu ‘Countdown’ dizendo quantos dias se
passaram desde que Bush declarou o fim dos combates principais no Iraque, em 1º
de maio de 2003, a bordo de um porta-aviões, diante de uma faixa com os dizeres
‘Missão Cumprida’. Sua audiência dobrou em um ano.


Amanhã, a emissora estréia um novo programa, comandado por Rachel Maddow, que
fez carreira como comentarista política na rede de emissoras de rádio de
esquerda Air America. A jornalista de 34 anos, especialista em assuntos
militares e lésbica assumida, vai concorrer com Larry King, na CNN, e ‘Hannity
& Colmes’, um dos sucessos da Fox, co-apresentado pelo ultraconservador Sean
Hannity.’


 


 


***


Público espelha tendência de cada emissora


‘Se as emissoras pagas de notícia buscam cada qual adotar uma linha
ideológica, o telespectador parece se identificar com a divisão. Segundo o Pew
Research Center for The People and The Press, dos que assistem à CNN, 51% se
declaram democratas, e 18%, republicanos; dos que vêem a Fox News, 39% se dizem
republicanos e 33% democratas; na MSNBC, a proporção é de 45% de democratas para
18% de republicanos.


Nos últimos dias, John McCain se desentendeu com a CNN pelo que julgou ser
cobertura injusta da indicação da governadora Sarah Palin. Chegou a cancelar uma
entrevista previamente marcada com Larry King.


Em 2007, todos os então pré-candidatos democratas decidiram boicotar a Fox
News, ao se recusar a fazer um debate mediado pela emissora. Só há três meses
Obama ensaiou uma trégua, em encontro com Rupert Murdoch e Roger Ailes. O
primeiro fruto foi uma entrevista a Bill O’Reilly, que tem a segunda parte
exibida amanhã.


Mesmo com todo o barulho, os anunciantes não parecem preocupados. ‘Não
estamos procurando orientação política, mas audiência’, disse Peter Knobloch, da
agência de publicidade RJ Palmer. ‘Não nos interessa se quem assiste é democrata
ou republicano, mas sua idade, sexo e estilo de vida.’’


 


 


TELEVISÃO
Benjamin Barthe, do Monde, em Ramallah


Novela da Turquia encanta mundo árabe


‘Um toque de recolher de gênero inédito está em vigor nos territórios
palestinos ocupados. Todos os dias, quando o relógio se aproxima das 22h,
milhares de palestinas se apressam para voltar a suas casas. A causa desse
movimento de massas é a transmissão da telenovela ‘Nour’. Produzida na Turquia,
dublada em dialeto árabe sírio e transmitida pela rede de TV saudita via
satélite MBC, essa saga familiar em poucos meses se converteu na nova série cult
das mulheres árabes. Do Marrocos ao Iraque, milhares acompanham fascinadas as
vicissitudes de Nour e Mohannad, o casal dessa novela cujo roteiro açucarado
exibe ao mesmo tempo luxo e poder. ‘Ontem minha irmã me mandou embora de sua
casa porque ia começar a novela’, conta Najwa, funcionária da Autoridade
Nacional Palestina (ANP). ‘Todas as noites, não posso colocar minha filha de
nove anos na cama antes do final da novela. As pessoas trocam imagens da novela
pelo celular. Hoje já se vendem roupas e até álbuns de férias com os retratos de
Nour e Mohannad.’ A bela morena e seu amado loiro e alto, que provoca suspiros,
fascinam as telespectadoras mais ainda pelo fato de seu idílio acontecer em um
contexto cultural que lhes é familiar. O fenômeno é tão avassalador que, apesar
dos cortes feitos pela MBC na versão original, o mufti (autoridade religiosa) da
Arábia Saudita lançou uma fatwa (decreto religioso) contra a novela,
considerando-a ‘aviltante’. Em Nablus, na Cisjordânia, um xeque ligado ao grupo
islâmico Hamas também criticou as audácias da telenovela. Mas, em Ramallah,
Beirute ou Argel, as reprimendas não têm efeito sobre a ‘nourmania’. ‘Essa
novela é genial porque ela mostra as tradições que são nossas, como o respeito
pela família, e ao mesmo tempo nos expõem a um modo de vida mais ocidental’,
disse a estudante Nowar, de 19 anos, que se derrete pelo belo Mohannad. A novela
mostrou uma mulher que abortou sem que seu marido soubesse e outra que decidiu
criar seu filho fora do casamento. O roteiro também inclui cenas de intimidade
amorosa entre personagens mais velhos, como o avô e sua segunda esposa. ‘O que
agrada às mulheres é o romantismo demonstrado pelos homens nessa novela’,
observa Hanan, uma mãe de família. ‘Isso é uma coisa que faz muita falta no
mundo árabe, onde os homens acham que, para serem viris, não podem exprimir seus
sentimentos.’


Tradução de CLARA ALLAIN’


 


 


Daniel Castro


Record vai adaptar contos de Machado e de Guimarães Rosa


‘A Record vai investir no filão de adaptações para a TV de obras de grandes
autores da literatura nacional -algo que a Globo, que tenta imitar, já faz.


A emissora exibirá no final do ano um especial com dois contos, um de Machado
de Assis (1839-1908) e outro de João Guimarães Rosa (1908-1967). O primeiro
servirá para lembrar os cem anos da morte do autor carioca; o segundo, para
comemorar os cem anos do nascimento do escritor mineiro. O especial se chamará
‘200 Anos de História’.


De Machado, a Record encenará ‘Os Óculos de Pedro Antão’, em que um rapaz
visita pela primeira vez o misterioso casarão que herdou de um tio.


De Guimarães Rosa, será adaptado ‘A Hora e Vez de Augusto Matraga’, sobre um
fazendeiro que, dado como morto, perde a mulher e a filha e duela com um
jagunço, ‘uma mistura de epopéia e faroeste passada no sertão de Minas’, na
definição do roteirista Sérgio Augusto de Andrade, diretor-geral do projeto da
Record ao lado de José Amâncio (mais conhecido por comandar o reality show ‘O
Aprendiz’).


Os dois contos serão realizados por produtoras independentes (Contém Conteúdo
e Bossa Nova) e gravados em locações (o de Machado no Rio e o de Guimarães Rosa,
em MG). Os diretores serão Adolfo Rosenthal e Willy Biondani (este um
requisitado diretor de filmes publicitários). ‘Eles têm uma cultura de cinema
excepcional’, vende Andrade.


O elenco ainda não foi definido, mas a idéia da Record é escalar alguns dos
principais nomes de suas novelas.


MERA COINCIDÊNCIA


Em ‘Caminho das Índias’, próxima novela das oito da Globo, Juliana Paes
viverá um amor impossível pelo intocável Márcio Garcia. Entre eles, haverá
Rodrigo Lombardi. Em ‘O Clone’ (2001), Giovanna Antonelli era apaixonada por
Murilo Benício, mas fora forçada a casar com Dalton Vigh. Seria ‘Caminho das
Índias’ um clone de ‘O Clone’? A autora Glória Perez (foto) discorda. ‘Toda
novela conta a história de um amor impossível. O que variam são as
impossibilidades. No caso de Jade [Giovanna] e Lucas [Benício], eram personagens
de culturas diferentes. No caso de Maya [Juliana] e Bahuan [Garcia], os
personagens pertencem à mesma cultura, e o impedimento está em algo que ainda
não foi mostrado na TV: o sistema de castas.’


HOMEM-MOVIMENTO


Intérprete de um professor de kung fu em ‘Negócio da China’, o paranaense
Elder Gatelli, 28, ainda está se iniciando na arte marcial, mas já se considera
especialista em movimento de corpo. ‘Meu trabalho sempre foi de corpo. É uma
pesquisa que faço no teatro’, conta. Como assim? ‘Sempre fiz dança, mímica,
vitrine viva, dança de rua, balé moderno. Na peça ‘A Metamorfose’, de Kafka, meu
trabalho era fazer o público ver uma barata.’ ‘Negócio’ será a primeira novela
de Gatelli, que já trabalha na Globo como ensaiador de ‘Toma Lá, Dá Cá’. Jasão,
seu personagem, sonha ter um filho, mas sua mulher não quer.


PESQUISA


O autor Manoel Carlos pediu a seus colaboradores que lhe enviem tudo o que
encontrarem de notícia sobre pesquisa científica no Brasil e no exterior. Ele
pensa em fazer merchandising social com o tema em sua próxima novela, que
substituirá ‘Caminho das Índias’. ‘É como eu sempre começo’, revela.


TV DEMOCRÁTICA


A Sky fará nos próximos dias ‘ajustes’ no seu recém-lançado modelo de TV
pré-paga, em que o assinante compra cartões em lotéricas para ver TV de uma
semana a um mês. Para atingir a classe C, a operadora vai baratear a antena e o
decodificador. Hoje a R$ 300, essas peças passarão a ser vendidas a R$ 150, em
suaves prestações e sem custo de instalação. Segundo Luiz Eduardo Baptista da
Rocha, presidente da Sky, a operadora irá subsidiar os equipamentos. O executivo
acredita que a iniciativa poderá duplicar o número de assinantes no país.


PERGUNTA INDISCRETA


FOLHA – Você está com o sotaque um pouco mais neutro, menos caipira. O que
aconteceu? Está tendo aulas com a Maria do Céu (Deborah Secco)?


VERA HOLTZ (atriz) – Ela perdeu o sotaque rápido, né (risos)? Eu tento tirar
[o sotaque caipira] da Violeta [personagem que interpretará na próxima novela
das sete da Globo, ‘Três Irmãs’]. Faço exercícios para isso. A Violeta não pode
ter sotaque. Ela é rica, tem dinheiro, foi muito mimada.’


 


 


Bia Abramo


‘CQC’ decola com jornalismo irônico


‘FAZIA TEMPO que um programa de humor não ‘pegava’ tanto como o ‘CQC’. O
humorístico estreou muito bem, tanto em termos do formato como de audiência.


Mas nas últimas semanas não se fala em outra coisa em blogs e em rodas de
amigos e conhecidos.


A temperatura jornalística -essa febre do ‘CQC’ coincide com a Olimpíada, com
a proximidade das eleições e com os grandes shows de comemoração dos 50 anos da
bossa nova- foi decisiva para que o programa caísse nas graças dos espectadores.
Uma das grandes sacadas do ‘CQC’ está no fato de seus apresentadores e
repórteres-humoristas pensarem o programa a partir de um olhar atento ao que
está se passando -e, claro, argúcia para descobrir motivos para rir de tudo
isso.


A entrada do oitavo homem, o ‘repórter experiente’ Warley Santana, espécie de
espelho invertido de seu colega ‘inexperiente’ Danilo Gentili, também
contribuiu. O quadro é excelente; Warley apresenta-se como uma espécie de
marqueteiro -cujo objetivo é ‘mostrar o lado humano dos políticos’- e,
impiedosamente, vai fazendo os entrevistados distorcerem suas próprias palavras
e se desdizerem na frente das câmeras. Lisonjeiro e insidioso, o
repórter-marqueteiro lança mão de todo tipo de armação para compor uma matéria
‘a favor’ -e o resultado, para o entrevistado, é mais ou menos desastroso.


Mesmo que o efeito pegadinha do quadro se esgote mais ou menos rapidamente, o
estrago já está feito. Além das novidades, o programa tem se beneficiado da
experiência e do entrosamento maior entre apresentadores e
repórteres-humoristas. A verve de Marcelo Tas anda afiadíssima, e seus colegas
de bancada, Rafinha Bastos e Marco Luque, acompanham à altura.


O tempo, que pode ser carrasco de qualquer programa de humor, por enquanto
ainda está a favor do ‘CQC’. Se a repetição da piada em geral faz com que ela
perca a força, também é verdade que há uma espécie de aprendizado na apreciação
do humor irônico.


Claro, há problemas. A câmera ‘torta’ que se convencionou ser adequada para
programas jovens é um sestro irritante, que deveria ser banido para sempre da
televisão. A ‘invasão’ de patrocinadores nas vinhetas e a aparição dos homens de
preto como garotos-propaganda empana um pouco a independência do programa -a
reverência à grana daqueles que financiam o ‘CQC’ não combina com a acidez com
que eles tratam políticos e celebridades.


Mesmo assim, continua sendo o programa mais legal das noites modorrentas da
TV aberta.’


 


 


ERA DA INCERTEZA
Clóvis Rossi


Acabaram-se as certezas


‘SÃO PAULO – Era uma vez o tempo em que um certo grupo de economistas tinha
tantas certezas absolutas e definitivas que passavam a impressão de que seriam
capazes de dizer, sem pestanejar, quantos milímetros de chuva cairiam no dia 29
de abril de 2011. Pior: os jornalistas acreditávamos neles. A crise financeira
iniciada em agosto do ano passado teve ao menos essa formidável qualidade: os
economistas já não têm certezas, só dúvidas (e, os jornalistas, idem, idem,
salvo um outro que acha que fala com Deus todos os dias). Ah, minto, ainda há
uma categoria de economistas, os profetas do apocalipse, que continuam tendo
certezas. Dia após dia, prevêem uma catástrofe na primeira curva da esquina. Um
dia, acertam e reafirmam-se em suas certezas.


Tome-se, para citar só um dos muitos termos que os economistas inventam para
embasbacar platéias, o ‘decoupling’ (descasamento entre os ricos, em crise, e os
emergentes, bombando). Houve momentos de certeza do ‘decoupling’ e, agora, o
noticiário está salpicado, aqui e ali, de certeza de ‘coupling’. Na vida real,
só houve ‘casamento’ nas Bolsas: nos ricos, como nos emergentes, caíram
estrepitosamente. Assim mesmo, a coisa não é linear: se se tomar agosto de 2007
como início da crise, a Bolsa brasileira ainda navegava em águas positivas até
agosto de 2008, ao contrário de todas as demais, no mundo rico ou emergente. Só
nas últimas semanas é que entrou no vermelho.


A nova moda é falar de ‘desalavancamento’ (pagar dívidas). O ‘Financial
Times’ vê até o ‘grande desalavancamento’, que ‘continua sem pausa globalmente’.
Significa que não haverá dinheiro disponível na praça, certo? Errado, se a praça
for o Brasil, onde o crédito continua se expandindo.


Não dá para entender? Não se preocupe, a era das certezas acabou ou está
hibernando.’


 


 


GRAMPOLANDIA
Valdo Cruz


Sem final


‘BRASÍLIA – A grampolândia deu pane no governo Lula. Fosse nos velhos tempos,
diria que ele se enrolou nos fios das escutas telefônicas. Mas isso é coisa do
passado. As novas tecnologias banalizaram a bisbilhotagem da vida alheia e uma
delas fez a equipe presidencial bater cabeça nos últimos dias.


Se fosse para resumir, diria que Nelson Jobim denunciou, Lula se assustou,
Paulo Lacerda dançou e Jorge Felix se esquivou. Tudo por causa de uma maletinha,
tipo 007, recheada de mecanismos de escuta telefônica e ambiental.


O ministro da Defesa chegou a ser celebrado dentro do Planalto como o
salvador da pátria. Aquele que deu xeque-mate na turma da inteligência e levou
Lula a colocar na geladeira o diretor-geral da Abin, Paulo Lacerda. Até parecia
que a crise estava solucionada ali, depois que Jobim contou ao presidente que a
Abin tinha a engenhoca tão desejada pelos arapongas. Que nada. A confusão só
estava no início.


Depois o Exército, teoricamente subordinado a Jobim, disse que não, o
ministro insistiu que sim, fizeram um laudo meio assim, e até agora ninguém sabe
se a Abin tem mesmo a tal maletinha.


A barafunda embaralhou a cabeça dos palacianos. Enquanto uns garantiam que o
general Felix, chefe da Abin, estava na berlinda, outros diziam que Jobim falou
demais, sem conhecimento de causa, e pode ter levado o presidente a cometer uma
injustiça com Lacerda.


Enquanto a balbúrdia reinava por aqui, o presidente Lula se mandou por aí.
Foi se lambuzar no pré-sal e subir em palanques país afora. Diríamos que foi
fazer o que mais gosta. E deixou de lado aquilo que odeia, gerenciar crises.


Só que a do grampo ainda circula por aí, espalhando fantasmas de novas
gravações. Por mais que Lula prefira se deliciar com as benesses de sua alta
popularidade, bem que poderia dedicar algumas horinhas para que essa novela não
tenha o mesmo fim de outras em seu governo: ficar sem final.’


 


 


Sergio Costa


Tem macumba no grampo


‘RIO DE JANEIRO – O pessoal que trabalha com grampos -digamos-
não-autorizados está impressionado como a turma do andar de cima no Rio é
chegada à macumba. Nas horas e mais horas de abobrinhas colaterais captadas em
campanas auditivas, o assunto mais recorrente são ‘trabalhos’ feitos e desfeitos
contra desafetos ou para trazer de volta a pessoa amada. Rico sofre.


Quando os arapongas vigiam os telefones de um -digamos de novo- banqueiro em
endereço chique da zona sul, todo o prédio acaba grampeado. E aí o que mais se
ouve, em vez de tenebrosas transações, são inquietações com ‘despachos’ e
‘mau-olhado’. Os bacanas freqüentam mais terreiros do que calcula o IBGE. Alguns
têm até ‘personal’ pai-de-santo. A arapongagem se diverte nas horas vagas
ouvindo as gravações indiscretas da elite. Viraram uma espécie de paparazzi das
linhas cruzadas.


Joga-se para a torcida com essa discussão ‘oficial’ sobre grampos.


Pura hipocrisia. Há anos as polícias de todos os níveis grampeiam Deus e todo
o mundo -legal e ilegalmente. Há fartura de escutas privadas.


Não faltam no mercado aparelhos de espionagem para qualquer fim.


Paredes têm ouvidos, sim.


Privacidade acabou. Quanto mais tecnologia, menos possibilidades de se
guardar um segredo -seja pessoal [como as macumbas de amor da burguesia de
Ipanema], profissional, político ou criminoso.


Os recursos que fascinam os consumidores voltam-se contra eles mesmos.
Teleconferências, ‘siga-me’, chamadas em espera abrem janelas para abelhudos em
algum ponto da linha. Ouvem-se coisas.


Nada resiste a um grampo: casamentos, sociedades, negócios ou alianças
políticas. Portanto, cuidado: tudo o que disser ao telefone poderá ser usado
contra você. E depois não vai adiantar se explicar.’


 


 


Janio de Freitas


Fios enrolados


‘Dois aspectos semelhantes à primeira vista, mas de fato muito distintos,
estão se confundindo e influenciando negativamente no problema das escutas
telefônicas e ambientais.


Um deles é a disposição, nas instâncias mais altas do Judiciário e no
governo, de reverter a proliferação das escutas autorizadas por juízes da
primeira instância e instalar um controle para contê-las. Os fatos justificam o
propósito, mas a solução proposta provoca reações fortes, em princípio também
justificadas, da Associação dos Magistrados Brasileiros e da Associação dos
Juízes Federais do Brasil.


Criar no Conselho Nacional de Justiça uma centralização das autorizações de
escuta, para exame das razões em que foram baseadas (e eventual contenção da
quantidade), implica dar ao CNJ o poder de uma decisão judicial que não consta
das suas atribuições legais. Além disso, tende a expor os usuários dos telefones
sob escuta à identificação excessiva e contrária à investigação.


As discussões sobre autoria, equipamentos e impropriedade das escutas
recentes incitam o desejo de respostas imediatas. Pode-se supor até que menos
para a opinião pública, mais divertida do que preocupada com os acontecimentos,
do que para tranqüilidade dos passíveis de escuta nos altos níveis dos Poderes.
Formular a solução adequada parece difícil, mas uma resposta aflita pode ser
pior do que a espera. Ignorar, por exemplo, que o excesso de grampos também se
deve à prioridade desse método investigativo na Polícia Federal, levaria a
provável aumento de escutas ilegais, mesmo que com uso já ocorrente de
terceirizados.


Outra sobreposição muito atual é uma espécie de condenação antecipada do
diretor-geral (em afastamento provisório) da Abin, Paulo Lacerda, com sobras de
mesmo sentido contra o seu superior, general Jorge Felix, ministro de Segurança
Institucional.


Uma figura de bastidores, François René, levado da PF para a Abin por Lacerda
para a ligação com a reportagem diária, emerge no centro da carga contra seu
chefe. A ele é atribuída a origem das denúncias de imprensa contra dois
integrantes do Supremo Tribunal Federal: Sepúlveda Pertence (hoje aposentado),
por improbidades não comprovadas; e Gilmar Mendes, apresentado, nesse primeiro
incidente, como autor dos feitos de um homônimo colhido pela PF.


Entendido que François René é assessor de plena confiança de Lacerda, desde
ambos na PF, a dedução é que cumpriu ordens pessoais do diretor contra os dois
ministros do STF. Daí a presumir que Paulo Lacerda é o responsável também pela
recente gravação de Gilmar Mendes, logo, deve ser demitido, nem cautela
telefônica foi necessária. Com extensão ao general Felix, pessoa de bons
propósitos e seriedade funcional, agora acusado de falta de controle em uma área
onde jamais alguém teve ou terá controle integral: agentes de espionagem são,
por definição, criadores de confiança falsa.


Nada, porém, isentou ainda qualquer das possíveis origens da escuta
telefônica de Gilmar Mendes/Demóstenes Torres -Abin, PF, empresa de espionagem e
ordinarice avulsa.’


 


 


CINEMA
Silvana Arantes


Diretor estréia em longas com façanha técnica


‘No verso de sua mão esquerda, o diretor gaúcho Gustavo Spolidoro anotou um
lembrete para si mesmo, ao desembarcar em São Paulo, na última terça-feira:
‘Comprar um terno’.


Aos 36 anos, ele decidiu incluir o traje no guarda-roupas, já que tem ‘muitas
formaturas’ para ir, agora que é professor de cinema na PUC-RS.


‘E também porque eu me senti mal no Festival de Roterdã [em janeiro passado],
onde todo mundo estava de terno e eu, com minhas roupas coloridas e tênis
rasgados’, conta.


O ar jovial de Spolidoro é característica também de seu primeiro longa,
‘Ainda Orangotangos’, cuja estréia internacional ocorreu no festival holandês e
que está em cartaz em São Paulo desde a última sexta.


Pequena façanha técnica, ‘Ainda Orangotangos’ é um plano-seqüência de 81
minutos. Isso quer dizer que a história foi filmada de um golpe só, sem
interrupção da ação dos atores e do funcionamento da câmera.


São, na verdade, várias histórias que se interpenetram em Porto Alegre,
adaptadas do livro homônimo de Paulo Scott. A produção custou R$ 1 milhão,
obtidos em prêmio do MinC.


Spolidoro estreou em 1999, com o curta ‘Velinhas’, exibido no Festival de
Berlim, que fez dele uma promessa na direção. O diretor, no entanto, começava a
carreira incerto de seu lugar no cinema.


De início, a atividade de crítico era a que mais o atraía. Cinéfilo
praticante, foi estudar publicidade porque não havia cursos de cinema em Porto
Alegre, no início dos anos 90.


A experiência como publicitário, no entanto, foi ‘traumática’ e durou apenas
um ano, no qual ele desobedeceu diversas vezes o conselho de ‘não arrumar briga
com os clientes’. Em geral, os atritos surgiam porque o diretor se recusava a
acatar decisões das quais discordava.


‘Classe média-média’


‘Venho da classe média-média. Nunca tive regalias, mas aprendi a lutar pelo
que quero’, afirma. Hoje, vivendo dos filmes que faz e das aulas na PUC, há três
coisas que Spolidoro não admite fazer: publicidade; campanha política para um
partido de centro-direita (já trabalhou para o PT); ou um filme para o
Grêmio.


Com o também torcedor colorado Giba Assis Brasil, ele rodou o documentário
‘Gigante -Como o Inter Conquistou o Mundo’ (2007), sem pretensões de marcar um
tento em linguagem cinematográfica. ‘Fiz o filme que eu, como colorado, gostaria
de ver e chorar.’


Em ‘Ainda Orangotangos’, ele também tempera seu gosto por ‘experimentações,
porque se for fácil não tem graça’ com a atenção ao repertório do público comum
de cinema. Acha que essa é uma forma de respeitar sua origem familiar, de traço
‘popular, não-intelectual’.


Repressão sexual


Em Cotiporã (4.000 habitantes), cidade do interior gaúcho onde vive sua avó e
que um dia se chamou Monte Vêneto, ele pretende fazer neste ano dois filmes, um
ficcional (‘Monte Vêneto – A História Real’) e outro documental (‘Monte Vêneto –
A História Inventada’). Com eles, quer investigar como ‘adolescentes do
interior, que vivem sob repressão religiosa e sexual’, enfrentam a passagem para
a vida adulta. O que pretende encontrar é ‘a liberdade dos jovens, não a
doença’.


Na forma cinematográfica, a experimentação que planeja desta vez é a de
executar sozinho todas as funções técnicas do filme. Mas não quer, com isso,
abandonar o método de fazer cinema em equipe. ‘Nunca acreditei em carreira
solo.’’


 


 


ESCRITA
Terry Eagleton


História do anonimato


‘Todas as obras literárias são anônimas, mas algumas são mais anônimas que
outras.


Faz parte da natureza de um texto escrito o fato de conseguir se manter
sozinho, livre de seu progenitor, podendo dispensar a presença física deste (ou
desta).


Nesse sentido, o texto escrito se assemelha mais a um adolescente que a um
bebê.


Diferentemente da fala, a escrita é significado que se libertou de sua fonte.
Alguns tipos de escrita -por exemplo, ingressos para o teatro ou bilhetes
deixados para o leiteiro- estão mais intimamente vinculados a seus contextos
originais do que ‘O Paraíso Perdido’ [de John Milton] ou ‘Guerra e Paz’ [de Leon
Tolstói].


Pelo fato de ser imaginária, a ficção não possui nenhum contexto original na
vida real e, hermeneuticamente falando, pode, portanto, circular muito mais
livremente que uma lista de compras ou uma passagem de ônibus.


Não podemos simplesmente tirar Auschwitz de nossas cabeças quando assistimos
a ‘O Mercador de Veneza’ [de Shakespeare]. O significado pretendido pelo autor
nem sempre passa por cima do significado atribuído pelo leitor.


Walter Benjamin acreditava que as obras literárias secretam certos
significados que podem ser liberados apenas em sua pós-vida, quando elas passam
a ser lidas em situações até então imprevisíveis. Ele pensava algo semelhante em
relação à história em geral.


As possibilidades futuras de ‘Hamlet’ são parte do significado da peça,
embora seja possível que nunca cheguem a se realizar. Um dos maiores romances
ingleses, a obra-prima do século 18 ‘Clarissa’, de Samuel Richardson, voltou a
ser legível à luz do movimento feminista do século 20.


Expulsa de sua ‘casa’ de origem, sem-teto e órfã, a escrita literária é
obrigada a sobreviver de um dia para outro e, desse modo, possui uma semelhança
curiosa com o pícaro ou o vagabundo errante que protagonizam tantos
romances.


Um texto pode carregar a assinatura de um escritor específico sem realmente
fazer parte da obra dele.


Por exemplo, nem todo texto que ostenta a assinatura de Karl Marx é
necessariamente ‘marxista’. As intenções literárias que importam são embutidas
na própria obra, um pouco como a estrutura de uma cadeira ‘pretende’ que nos
sentemos nela.


O eu remete a raízes insondavelmente anônimas. Homens e mulheres emergem como
seres únicos por meio de um meio (quer o chamemos ‘geist’, história, linguagem,
cultura ou o inconsciente) que é implacavelmente impessoal.


No próprio núcleo da personalidade, nos diz a era moderna, estão em ação
processos anônimos. Apenas por meio de uma salutar repressão ou do ignorar
dessas forças é que podemos conquistar a ilusão da autonomia. O anonimato é a
condição da identidade.


É essa doutrina intransigente que o modernismo vai herdar, à medida que a
impessoalidade assume o lugar do ego romântico, que já vai tarde.


Para uma vertente do modernismo, o eu é deslocado pelas próprias forças que o
constituem -ele é desalojado, retirado de sua casca, descentrado e
despossuído.


Não somos nada mais que os portadores anônimos do mito, da tradição, da
linguagem ou da história literária. O único modo por meio do qual o eu pode
deixar sua impressão digital distintiva, desde Flaubert até Joyce, é no estilo
meticulosamente distanciador no qual ele se mascara.


A linguagem, propriamente dita, pode ser destituída de autor, mas o estilo,
como afirma Roland Barthes em ‘O Grau Zero da Escrita’ [Martins Fontes],
mergulha diretamente nas profundezas viscerais do eu.


Outra vertente do modernismo retorna à própria subjetividade, como se a
título de refúgio. O eu pode ser inconstante e fragmentário, mas existe algo em
que podemos confiar: no imediatismo de suas sensações.


E, embora a essência do eu como condição hoje seja impalpável, existem certos
momentos raros em que ela pode ser momentaneamente recapturada. Já o
pós-modernismo, em contraste, ensaia o conto modernista do eu desalojado e
descentrado, mas sem as consolações de um eu essencial.


‘Anonymity – A Secret History of English Literature’ [Anonimato – Uma
História Secreta da Literatura Inglesa, ed. Faber and Faber, 224 págs., 17,99,
R$ 57], de John Mullan, está longe de tecer tais reflexões grandiosas.


Trata-se de uma história do anonimato literário do século 19 até o presente
e, sabiamente, se recusa a fazer uma grande narrativa de seu tema, com o
argumento de que os motivos de tal anonimato são demasiado diversos.


Alguns autores são tímidos demais para enfrentar a publicidade, alguns são
demasiado chulos, alguns exploram seu status de anonimato pela simples
brincadeira, enquanto outros usam o anonimato como maneira perversa de provocar
curiosidade.


Anthony Trollope recorria ao anonimato porque escrevia demasiado rápido e era
sensível a acusações de produção excessiva. Anthony Burgess publicou
anonimamente pela mesma razão, ou quase.


Ele também foi o resenhista não declarado de um de seus próprios romances, no
‘Yorkshire Post’. ‘Elegy’ [Elegia], de Thomas Gray, o poema mais freqüentemente
reimpresso da Inglaterra do século 18, foi publicado anonimamente.


Com modéstia decorosa, ‘Razão e Sensibilidade’ foi assinado ‘por uma dama’,
uma descrição bastante comum na época. Durante a vida da autora, nenhum dos
outros romances de Austen foi publicado com seu nome.


Disfarces


Walter Scott publicou seus romances ‘Waverley’ (os mais populares já vistos
na Grã-Bretanha) sem, durante muitos anos, admitir sua autoria.


Os editores dos séculos 17 e 18 amiúde publicavam livros cuja autoria real
era desconhecida até mesmo deles. Manuscritos freqüentemente eram deixados nas
editoras no meio da noite, por intermediários disfarçados.


Havia também o ‘cross-dressing’ autoral, mais normalmente de mulheres para
homens que vice-versa. ‘Exemplos de mulheres que escolheram pseudônimos
masculinos são múltiplos’, observa Mullan, ‘mas é muito mais raro encontrar
homens se assinando com nomes de mulheres’.


Duas exceções notáveis foram Daniel Defoe e Samuel Richardson, que se
refugiaram por trás de suas protagonistas mulheres.


As irmãs Brontë são um exemplo evidente de escritoras fazendo-se passar por
escritores ou, pelo menos, ocultando-se atrás dos pseudônimos cuidadosamente
andróginos de Currer, Ellis e Acton Bell.


Houve épocas em que o Estado precisava saber quem era o autor ou o impressor
de uma obra para saber a quem processar por heresia ou sedição.


Em 1579, John Stubbs teve a mão direita decepada por escrever um texto
opondo-se ao casamento de Elizabeth 1ª com um aristocrata francês. A própria
Elizabeth recomendou que os impressores dos libelos anti-anglicanos ‘Marprelate’
fossem submetidos à tortura.


Em 1663, um gráfico de Londres que publicou um folheto argumentando que o
monarca deveria ter que responder a seus súditos e justificando o direito da
população à rebelião foi sentenciado à forca e ao esquartejamento.


Mesmo assim, recusou-se a revelar o nome do autor do panfleto, embora a
revelação pudesse ter salvo sua vida.


Entre os séculos 16 e 18, gráficos foram multados, encarcerados e colocados
no pelourinho por publicar obras supostamente traiçoeiras cujos autores
permaneciam ocultos. Ser o impressor de Jonathan Swift não era trabalho para
covardes.


Destemido, John Locke inscreveu seu nome na página-título de seu ‘Ensaio
Sobre o Entendimento Humano’, mas deu-se a enorme trabalho para preservar o
anonimato de suas obras mais políticas.


Espancamentos


Outros atos de violência eram menos oficiais.


John Dryden foi espancado após deixar uma taberna devido a um poema anônimo
atribuído a sua pena. William Blackwood, proprietário da ‘Blackwood’s Magazine’,
foi açoitado em pelo menos duas ocasiões pelas vítimas de resenhas belicosas, e
não assinadas, de seus colaboradores. O anonimato proporcionava não só perigo,
mas também benefícios. Tobias Smollett foi quase certamente o autor de uma
resenha elogiosa, não assinada, de seu próprio ‘Complete History of England’
[História Completa da Inglaterra]. John Wilson escreveu uma carta anônima ao
‘Blackwood’s Magazine’ defendendo Wordsworth de críticas não assinadas
publicadas numa edição anterior do periódico e escritas por ele próprio.


Mesmo George Eliot, conhecida por pautar-se por seus altos princípios,
escreveu resenhas anônimas da biografia de Goethe escrita por seu companheiro
G.H. Lewes -a quem ela ajudara a escrever a obra.


Nem todos desaprovavam tais práticas. Stanley Morrison, que editou o ‘Times
Litterary Supplement’ nos anos 1940, declarava que a auto-resenha era o exemplo
ideal do gênero.


Vindo de quem comandava um periódico inteiramente dedicado a colaborações
anônimas, o comentário era perigoso.


Mullan encontrou um tema fascinante que ele trata com erudição e lucidez.


Mas falta ao livro o brilho instigante de suas melhores resenhas, e topamos
com ocasionais trechos repetitivos ou cansativos. Há um epílogo absurdamente
breve sobre os autores anônimos na era moderna, quando eles ou elas foram
demasiado eclipsados pelos departamentos de publicidade de suas editoras.


Mesmo assim, há muito a ser apreciado. O livro parece ser voltado a um
público amplo e com certeza representa uma tentativa louvável de fazer uma ponte
entre a erudição literária e o leitor comum.


TERRY EAGLETON é professor de literatura inglesa na Universidade de
Manchester e é autor de ‘Depois da Teoria’ (Civilização Brasileira), entre
outros livros. A íntegra deste texto foi publicada no ‘London Review of Books’.
Tradução de Clara Allain.’


 


 


 


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