LUTO
Morre jornalista Fernando Barbosa Lima, aos 74
‘Morreu na noite de ontem, aos 74, o jornalista e produtor de TV Fernando
Barbosa Lima, vítima de falência múltipla de órgãos. Estava internado no
hospital Pró-Cardíaco, em Botafogo (Rio), com pneumonia que evoluiu para
infecção generalizada. Filho do jornalista Barbosa Lima Sobrinho (1897-2000),
iniciou sua vida profissional no jornal ‘O Tempo’, nos anos 50, mas logo se
tornou homem de TV. Era presidente do conselho deliberativo da Associação
Brasileira de Imprensa.’
***
Morre o escritor Fausto Wolff, aos 68, no Rio
‘Morreu ontem no Rio, aos 68 anos, o jornalista e escritor Fausto Wolff. Ele
sofria há um ano seqüelas de tromboembolia pulmonar e foi internado no último
domingo, na clínica São Lucas, em Copacabana (zona sul do Rio), com hemorragia
intestinal. Insuficiência respiratória aguda foi a causa da morte.
Nascido em Santo Ângelo, no interior do Rio Grande do Sul, Faustin von
Wolffenbüttel já trabalhava aos 14 anos na Redação do jornal ‘Diário de Porto
Alegre’.
No final dos anos 60, no Rio, integrou a Redação de ‘O Pasquim’ no período
mais importante do jornal. Nessa época escreveu ‘O Acrobata Pede Desculpas e
Cai’ (1966), que marcou sua estréia literária. Dentre outros livros seus estão
‘O Lobo Atrás do Espelho (O Romance do Século)’ (2000) e ‘Gaiteiro Velho’
(2003). Sua erudição e seu estilo peculiar eram admirados pelos colegas.
De temperamento forte, referia-se ao jornalismo atual com desdém. Mantinha
uma revista eletrônica na internet (‘O Lobo’) e uma coluna no Caderno B do
‘Jornal do Brasil’. Deixa mulher e dois filhos.’
CULTURA
O ritmo da cultura
‘O NOVO ministro da Cultura, Juca Ferreira, havia anunciado como primeira
medida de sua gestão o envio de um projeto de lei para reformar o principal
mecanismo de fomento à cultura no país, a chamada Lei Rouanet. Assim que tomou
posse, no último dia 28, recuou, dizendo que abriria discussões sobre o projeto.
Melhor assim.
Desde o início da primeira gestão do presidente Lula, paira a ameaça de uma
reformulação radical no sistema. A opção pela derrubada do modelo, felizmente
até agora evitada, comprometeria um instrumento que, com os seus defeitos e a
sua necessidade de aperfeiçoamento, tem o grande mérito de dificultar o
aparelhamento na cultura.
Os desembolsos pela Lei Rouanet já suplantam o orçamento do ministério, que
foi de R$ 836 milhões, em 2007. No mesmo ano, a lei injetou em produções
artísticas R$ 960 milhões, oriundos de renúncia fiscal. Na gestão do ex-ministro
Gilberto Gil, o montante aplicado na lei cresceu, mais que dobrando o valor
inicial de R$ 430 milhões, de 2003.
Não resta dúvida de que um debate aberto sobre o tema vai apontar defeitos a
ser corrigidos. É preciso, por exemplo, aumentar os recursos para atividades
formadoras nas diversas modalidades artísticas. Além disso, é necessário evitar
que o dinheiro flua para projetos que têm ampla capacidade de se financiar no
mercado.
Uma das idéias na esfera oficial, no entanto, é criar como alternativa à Lei
Rouanet um fundo no valor de R$ 1 bilhão que seria administrado pelo ministério
da Cultura. Seria um retrocesso.
Em vez de ameaçar a Lei Rouanet, seria mais produtivo que as autoridades
federais reconhecessem a sua efetividade e promovessem os aprimoramentos
necessários -por exemplo propiciando transparência, a fim de melhorar a
fiscalização sobre o uso do dinheiro.’
ELEIÇÕES
Folha de S. Paulo
Depois de estréia, ‘Sofá da Lu’ vai para geladeira da campanha
‘A ‘carreira’ de apresentadora de Lu Alckmin está ameaçada pelas mudanças de
rumo da propaganda de Geraldo Alckmin (PSDB). Após ‘estrear’ no comando de um
programa feminino no horário eleitoral do marido, a ex-primeira-dama já foi
colocada na ‘geladeira’ da campanha. Sentada em um sofá, Lu estrelou o quadro
‘Na Direção do Coração’, na quarta retrasada, e ‘entrevistou’ mulheres para
falar de saúde. Ao final, disse: ‘Semana que vem a gente volta com outro tema’.
A promessa não foi cumprida. Lucas Pacheco, marqueteiro de Alckmin, nega que
isso denote falta de rumo e diz que ela ‘pode voltar’. ‘A campanha é
dinâmica.’’
GUERRA
Livro acusa Casa Branca de espionar premiê iraquiano
‘Os Estados Unidos montaram uma ampla rede de escuta para espionar a cúpula
do governo iraquiano, incluindo o premiê Nuri al Maliki, segundo afirma o novo
livro do jornalista americano Bob Woodward, que será lançado na
segunda-feira.
‘Sabemos tudo o que ele [Maliki] diz’, afirma uma fonte do governo americano
citada no livro ‘The War Within: A Secret White House History 2006-2008’ (A
guerra interna: uma história secreta da Casa Branca entre 2006 e 2008).
De acordo com o ‘Washington Post’, que ontem antecipou trechos da obra, o
serviço secreto americano teria grampeado os telefones nos escritórios do
governo iraquiano.
O livro diz ainda que a principal razão da queda da violência registrada no
Iraque é a multiplicação das operações secretas que permitiram localizar e
assassinar insurgentes -os EUA sustentam que o envio de soldados extras e a
parceria com milícias sunitas foram os fatores decisivos.
Bagdá reagiu com irritação e exigiu explicações da Casa Branca, que deu
resposta evasiva sobre a acusação de espionagem. ‘Temos cooperação extensa com o
premiê Maliki. Nosso embaixador o vê quase diariamente’, disse uma porta-voz dos
EUA.
A revelação deve dificultar as negociações sobre a permanência de tropas
americanas no Iraque após o fim deste ano, quando expira o mandato atribuído
pela ONU. O Iraque quer a retirada completa dos 144 mil até o fim de 2011, mas a
Casa Branca rejeita a idéia de um cronograma. O presidente George W. Bush se
pronunciará sobre o caso na próxima semana.’
ITÁLIA
Berlusconi perde contra ‘Economist’
‘O premiê italiano, Silvio Berlusconi, perdeu ontem um processo por difamação
contra a revista britânica ‘The Economist’, que, em reportagem de capa em 2001,
antes das eleições legislativas daquele ano, qualificou-o de ‘incapacitado para
governar a Itália’. Um tribunal de Milão ainda determinou que ele pagasse à
revista US$ 37,7 mil por custas judiciais. A reportagem analisava a extensão do
império empresarial do político conservador e os processos contra ele e apontava
conflitos de interesse.’
ECO
Filme premiado em Cannes vai compensar emissões de carbono
‘Antes de chegar a Cannes e arrebatar o prêmio de melhor atriz para Sandra
Corveloni, em maio, o filme ‘Linha de Passe’, de Walter Salles, liberou na
atmosfera pelo menos 118.164 toneladas de CO2 equivalente, unidade de medida
padrão para os gases do efeito estufa. A produtora do filme, que estreou ontem
em todo o país, pretende agora compensar essas emissões com o plantio de três
hectares de floresta e a conservação de outros dois.
A lógica da compensação é que as árvores, ao crescerem, fixam carbono
retirado da atmosfera em forma de biomassa (tronco, folhas e raízes, por
exemplo). O gás carbônico é o principal responsável pelo aquecimento global, e
compensações desse tipo têm virado uma febre entre as empresas.
O reflorestamento ocorrerá no parque estadual da Pedra Branca, na zona oeste
do Rio -apesar de o filme ter sido rodado na periferia paulistana. ‘A
preservação de uma área no Rio, em São Paulo ou na Amazônia é uma ação que acaba
afetando positivamente o país como um todo’, justifica Salles.
O diretor ressalta ainda que, com a iniciativa, não está apenas neutralizando
as emissões de ‘Linha de Passe’, mas também de projetos futuros da Videofilmes.
É que cada hectare será capaz de seqüestrar em média 380 toneladas de carbono
por ano, bem acima do total emitido durante as filmagens.
Responsabilidade
O cálculo é da Secretaria de Estado do Ambiente do Rio. O órgão está por trás
da parceria firmada com o cineasta, que inaugura o chamado Parque do Carbono. O
projeto prevê a recuperação de áreas degradadas pela iniciativa privada. Segundo
a secretária Marilene Ramos, une o interesse estatal de resgatar a cobertura
vegetal nativa à estratégia privada de compensar sua parcela de culpa no
aquecimento global.
Culpa que Salles parece já ter reconhecido. ‘O fato de o cinema ser uma
atividade cultural não o isenta de responsabilidades em outras áreas. Poluímos
como qualquer outra atividade, porque utilizamos meios de transporte para levar
os equipamentos e buscar atores, utilizamos eletricidade e química para revelar
o negativo etc.’, explica. ‘Para parafrasear [o filósofo Jean-Paul] Sartre, a
gente sempre tende a achar que o inferno é o outro. Na verdade, nós somos parte
do problema.’
O plantio está previsto para começar em 21 de setembro, Dia da Árvore. Será
conduzido pela Fundação de Apoio à Pesquisa Científica e Tecnológica da
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, sob orientação e supervisão do
Instituto Estadual de Florestas, ligado à secretaria. Segundo Ramos, serão
plantadas cerca de 9.000 mudas de árvores nativas.
Valor
A recuperação e a conservação da área custará a Videofilmes R$ 150 mil. O
valor, que não foi incluído no orçamento do ‘Linha de Passe’, representa menos
de 3,5% do custo total do longa, de R$ 4,5 milhões, e será desembolsado ao longo
dos próximos quatro anos. Nesse período, explica Ramos, a empresa contratada
pela produtora terá que zelar pelo crescimento das mudas, substituindo as que
não vingarem.
‘A compensação das emissões só ocorre depois de muitos anos’, justifica a
secretária. ‘É preciso garantir que as árvores cresçam sem problemas.’’
FILOSOFIA
Habemus Bento
‘‘Parece mentira, mas ainda há filósofos tímidos no Brasil. Bento Prado Jr. é
o mais eminente deles.’
A definição do filósofo Paulo Arantes, no livro em que traça a ‘formação da
cultura filosófica uspiana’ (‘Um Departamento Francês de Ultramar’, Paz e
Terra), se refere à hesitação, à aparente indiferença de seu amigo em ver suas
obras mais importantes publicadas.
Admirado já pelos colegas de graduação no final dos anos 50, Bento Prado Jr.
(1937-2007) veio a publicar seu primeiro livro em 1985. Sua tese de
livre-docência sobre Henri Bergson (1859-1941), escrita em meados dos anos 60,
só apareceu editada 25 anos depois.
Mesmo assim, Arantes se refere a ele como ‘um mestre, para muitos
incomparável’, além de qualificá-lo como ‘o melhor de todos nós’.
O ‘desfalque’ considerável para a cultura brasileira, ainda segundo Arantes,
produzido por essa ‘timidez’ será em parte reparado no final deste mês, quando a
editora Cosac Naify lança, organizada pelo professor de filosofia da USP
Franklin de Mattos, ‘A Retórica de Rousseau e Outros Ensaios’ -obra que esperou
mais de três décadas na ‘gaveta’.’
***
Bento Prado lança luz nova sobre Rousseau
‘Na leitura original que faz de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), Bento
Prado Jr. encontra uma unidade antes questionada na obra e no pensamento do
filósofo iluminista, e transforma um pensador quase secundário para o cânone da
história da filosofia -muitas vezes restrito ao escaninho da política- em um
renovador capital dos problemas da ontologia, epistemologia e ética. O pensador
suíço aparece, para Bento Prado, diz Franklin de Mattos, como uma espécie de
precursor de Friedrich Nietzsche (1844-1900), ao afirmar a política como
anterior à ‘vontade de verdade’ na determinação das ações e do pensamento
humanos. Essas ‘descobertas’ do filósofo brasileiro só foram possíveis graças a
sua afinidade com autores franceses contemporâneos a ele. A idéia que move a
pesquisa de Bento Prado aparece, no início dos anos 60, num texto do antropólogo
Claude Lévi-Strauss. O desenvolvimento que dá a ela se parece, no método, com o
trabalho que Michel Foucault (1926-1984), um dos mais importantes filósofos do
século 20, desenvolvia na mesma época. Não à toa, a parte principal da obra
sobre Rousseau foi escrita por Bento Prado na França, entre 1969 e 1974, sob a
supervisão de Foucault, e sua publicação foi desde então constantemente adiada
pelo autor. Mais tarde, ele passaria a usar trechos do texto, acrescidos de
parágrafos iniciais especialmente redigidos na ocasião, como ensaios
independentes a serem apresentados em congressos ou publicados em revistas. São
esses e outros ensaios e artigos, talvez a forma de expressão preferida por
Bento Prado, que permitem que Mattos questione a pequena edição de livros como
fator relevante para a compreensão da personalidade de seu colega.
Apreço pelo texto
‘Há quem diga que Bento não dava importância ao texto escrito, preferindo as
formas orais de comunicação, mas isso não é verdade. Tanto que ele escrevia até
mesmo as aulas que dava. Aliás, consta no volume uma extensa e exaustiva
bibliografia de seus artigos e ensaios, em revistas especializadas e na
imprensa, o que mostra justamente o contrário de um desapreço pelo texto
escrito.’ Próximo à morte, já doente (sofria de câncer na laringe), Bento Prado
permitiu que Mattos cuidasse da publicação integral desse trabalho. ‘Desconheço
por que um livro desse porte ficou inédito tantos anos’, diz o organizador. O
‘porte’ da obra começa a aparecer na seguinte idéia. Segundo Bento Prado,
Rousseau desenvolve uma idéia de linguagem absolutamente original, e em tudo
estranha àquilo que seus pares iluministas e outros filósofos até então haviam
pensado. A ‘força’ da linguagem, segundo o suíço, não está na sua capacidade de
‘reproduzir’ com fidelidade idéias, sentimentos, coisas, mas nos seus efeitos
sobre quem ouve. A melhor ‘imitação’ que a linguagem alcança do mundo está em
produzir, no público, sensações semelhantes àquelas que ele teria ao se deparar
com as coisas elas mesmas. Em vez de um modelo ‘visual’, em que as coisas são
reapresentadas nas palavras, o modelo de Rousseau é ‘musical’, indireto, já que
as coisas elas mesmas não são, não podem ser reapresentadas, mas seus efeitos
sobre os indivíduos podem ser alcançados pelo discurso. Se a linguagem é uma
‘máquina’ de efeitos, de relações interpessoais, a relação entre quem fala e
quem ouve passa a ser central para a sua compreensão, e os textos não podem
existir independentemente de suas circunstâncias. Para Bento Prado, Rousseau
recoloca a política no cerne da linguagem, e isso é uma resposta interessante a
um problema específico do século 20. ‘A grande originalidade de seu livro
consiste em juntar os dois grandes paradigmas da cultura nos anos 60, a
lingüística e a política, que em geral, na época, eram domínios rivais’, afirma
Mattos. É na retórica -na teoria da linguagem de Rousseau- que Bento Prado
encontrará o princípio unificador de toda a obra do filósofo iluminista, tanto a
teórica como aquela de ‘ficção’, literária.
A RETÓRICA DE ROUSSEAU E OUTROS ENSAIOS
Autor: Bento Prado Jr.
Editora: Cosac Naify
Quanto: R$ 69 (456 págs.)’
LITERATURA
Inéditos expõem buscas literárias de Cortázar
‘‘Muito do que escrevi se classifica sob o signo da excentricidade, porque
nunca admiti uma clara diferença entre viver e escrever’, afirma Julio Cortázar
no texto ‘Do Sentimento de Não Estar Totalmente’. Neste pequeno ensaio
confessional, o escritor argentino (1914-1984) explica a ‘constante lúdica’ a
que permaneceu vinculado, e que o permitiu ver o mundo ao mesmo tempo do modo
ingênuo de uma criança e da maneira irônica e oblíqua de um poeta. ‘Cortázar
enxerga o seu redor como uma realidade degradada, mas que pode ser observada a
partir de frestas criadas pela literatura. Daí o ‘não-estar totalmente’. A busca
por esse olhar, tanto por meio de temas como de procedimentos no uso da língua,
é o grande tema de sua obra’, diz Davi Arrigucci, professor aposentado de teoria
da literatura da USP. O autor de ‘O Escorpião Encalacrado’ (Companhia das
Letras), em que analisa o trabalho do argentino, considera que, hoje, avalia-se
mal sua herança, ou pelo fato de ele ter sido demasiado radical, ou pela
cristalização de uma equivocada definição de seu legado como um esforço de
vanguarda datado. A leitura de ‘A Volta ao Dia em 80 Mundos’ (1967) e ‘Último
Round’ (1969), lançados agora pela editora Civilização Brasileira, ajuda a jogar
luz às diferentes facetas do autor, pois reúnem ensaios, contos, poesias e jogos
de experimentação, cheios de ironia e crítica. No ensaio mencionado no começo
deste texto, por exemplo, Cortázar expõe o sentimento de ‘estranhamento’ que o
acompanhava. ‘Foi essa força que o fez construir pontes, galerias e passagens em
que se fazia possível escapar para um outro espaço e tempo e depois voltar’, diz
Arrigucci. Ambos os livros são inéditos e chegam em edições que recuperam o modo
original como o autor os concebeu, com imagens que compõem o sentido dos textos.
Trata-se de desenhos, obras de arte, fotos de autores, músicos e boxeadores.
Reminiscências
Nascido na Bélgica, Cortázar passou a infância em Banfield, próximo a Buenos
Aires. Frágil e freqüentemente doente, não podia sair muito e passava dias em
casa lendo. Dessa época, ficou a paixão por Julio Verne -reverenciado no título
que brinca com ‘A Volta ao Mundo em 80 Dias’, do autor francês. Nas duas obras
que agora saem, reminiscências dessas leituras mesclam-se com o que passou a ler
e vivenciar em Paris, onde se radicou a partir dos anos 50. O surrealismo passa
a ser uma de suas principais referências então, especificamente a figura do
poeta e dramaturgo Antonin Artaud (1896-1948). Para Arrigucci, o fato de
Cortázar ter se ancorado mais aos acontecimentos de seu presente, envolvendo-se
com os dramas da política latino-americana, ao contrário de Jorge Luis Borges,
considerado mais universal e atemporal, não diminui a força de seu legado. ‘O
fato de afirmar que a literatura tem o papel de olhar de fora, de observar a
partir da periferia é algo que permaneceu na produção latino-americana que o
sucedeu. E isso não é importante apenas no sentido literário, mas tem um
desdobramento político, ao propor uma reflexão sobre o papel da América Latina
no planeta’, diz.
Música
Entre as muitos temas de obsessão pessoal do escritor que estão nos dois
livros, figura o jazz. Este o agradava especialmente por oferecer diversas
maneiras de desenvolver uma idéia. ‘As idéias de improvisação e de
experimentação o fascinavam e isso era muito claro no jazz, em que se fazem
muitas tentativas e só uma é registrada num disco, as outras ficam soltas por
aí’, afirma o estudioso. Outro gênero de que gostava era o tango. O tradutor Ari
Roitman destaca o uso inovador que Cortázar faz do ‘lunfardo’, gíria usada nas
letras dos tangos argentinos. Ao contrário de Borges, Cortázar admirava Carlos
Gardel. ‘Quando Gardel canta um tango, seu estilo expressa o estilo do povo que
o amou. A dor ou a cólera diante do abandono da mulher são dor e cólera
concretas’, disse, em texto que saiu originalmente na revista ‘Sur’, de Buenos
Aires, em 1953. Essa maneira de interpretar o tango como um sistema de
comunicação que pode inventar algo verdadeiro corresponde à busca que ele mesmo
promovia. ‘Cortázar queria levar a linguagem a seu extremo, queria que ela fosse
não só capaz de nomear, mas também de criar algo’, resume Arrigucci.
A VOLTA AO DIA EM 80 MUNDOS e ÚLTIMO ROUND
Autor: Julio Cortázar
Tradução: Ari Roitman e Paulina Wacht
Lançamento: Civilização Brasileira
Preço: R$ 30 cada tomo (‘Último Round’, tomo 1, 296 págs., tomo 2, 288 págs.;
‘A Volta…’, tomo 1, 184 págs., tomo 2, 184 págs.)’
Manuel da Costa Pinto
O retorno do trágico
‘O LUGAR-COMUM segundo o qual a crítica universitária não faz leituras no
calor da hora, que não enfrenta a literatura atual, certamente não é válido para
uma ensaísta como Beatriz Resende -autora de ‘Contemporâneos – Expressões da
Literatura Brasileira no Século 21’.
A bem da verdade, essa idéia feita se deve ao fato de que jornalistas são
instados a acompanhar o dia-a-dia da produção editorial (com risco de um
julgamento imediato), enquanto a pesquisa acadêmica permite insistir sobre
certas obsessões teóricas -que, nos melhores casos, geram iluminações críticas.
Em Beatriz Resende, a obsessão por autores e temas redundou num diagnóstico: a
literatura brasileira contemporânea assiste àquilo que define como ‘retorno do
trágico’. Coordenadora do Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ, a autora vem
escrevendo sistematicamente sobre prosadores como Sérgio Sant’Anna, Rubens
Figueiredo e Paulo Lins. Como boa parte da crítica, ela identifica traços
recorrentes na literatura contemporânea: multiplicidade de vozes, ‘apropriação
irônica (…) de ícones de consumo’, representação da violência e de
experiências traumáticas, ‘irreverência diante do politicamente correto’ e
intelectualismo. Extraídos dos livros de Marcelo Mirisola, André Sant’Anna,
Adriana Lisboa e Michel Laub, esses elementos poderiam sugerir homogeneidade
-não fossem duas outras características destacadas no ensaio de abertura.
O primeiro é a ‘presentificação radical, preocupação obsessiva com o presente
que contrasta com um momento anterior, de valorização da história e do passado’.
Ou seja, por mais que a globalização seja pasteurizadora, a prosa pós-moderna
admite variedade maior de formas de representação do que uma literatura herdeira
do modernismo, catalisada pelos ‘momentos de construção da identidade nacional’.
O segundo elemento é o ‘trágico radical’, que ela identifica em Luiz Ruffato
(‘Eles Eram Muitos Cavalos’) e, sobretudo, Bernardo Carvalho. Analisando ‘Nove
Noites’, por exemplo, sublinha o paralelo entre o suicídio que deflagra a
narrativa e a concepção de romance que perpassa a obra: ‘O que há de libertário,
surpreendente e imensamente doloroso no suicídio é que para este, como para a
literatura, não é preciso haver nenhuma razão’.
Daí o fato de, no autor de ‘Mongólia’, as identidades instáveis serem vistas
não de maneira eufórica -como talvez o sejam em livros de Joca Terron, Cecília
Giannetti e Santiago Nazarian, vistos em outros ensaios do livro-, mas como
artifício imprescindível para expressar nossa trágica gratuidade.
CONTEMPORÂNEOS
Autora: Beatriz Resende
Editora: Casa da Palavra
Quanto: R$ 32 (176 págs.)
Avaliação: bom’
CINEMA
Michael Moore libera novo filme de graça na web
‘‘Slacker Uprising’, novo filme do documentarista ganhador do Oscar Michael
Moore, ficará disponível para downloads gratuitos por três semanas, a partir do
dia 23, para residentes da América do Norte. O trabalho mais recente do diretor
de ‘Tiros em Columbine’ (2002) e ‘Sicko’ (2007) cobre a viagem de Moore por mais
de 60 cidades dos Estados Unidos, durante a campanha presidencial de 2004.
‘Slacker Uprising’, algo como ‘a revolta do preguiçoso’, tem 97 minutos de
duração e foi feito com orçamento de US$ 2 milhões. O lançamento será em Nova
York, no dia 22.’
TELEVISÃO
Record acusa ‘Oscar da TV’ de favorecer a Globo
‘A Record distribuiu nota oficial ontem em que questiona a ‘parcialidade’ do
Emmy Internacional, o ‘Oscar da TV mundial’ (sem contar a dos EUA), cuja festa
premiação, em Nova York, em novembro, é patrocinada pela Globo há três anos.
A Record inscreveu duas novelas, três atores, três jornalísticos e um
humorístico, mas não apareceu entre os semifinalistas do prêmio, conforme
revelou a Folha. A Globo já tem o ‘Jornal Nacional’ e o ‘Linha Direta’ na final
de jornalismo e cinco programas e três atores como semifinalistas.
No comunicado, a Record ameaça boicotar o Emmy nos próximos anos. ‘É no
mínimo uma atitude parcial da organização do International Emmy Awards aceitar o
patrocínio ou parceria da TV Globo, que concorre em distintas categorias. Além
disso, a Globo possui dois representantes de sua diretoria como membros da
organização, Flávio da Rocha e Ricardo Pereira. Nenhuma outra emissora
brasileira está representada’, afirmou a nota da Record. ‘A Record teria
vergonha de ganhar um Emmy patrocinado por ela própria’, conclui.
Também em nota oficial, a Globo respondeu que reafirma ‘sua total confiança
na independência e isenção da academia’ e que continuará ‘competindo duramente,
todo ano, com as melhores emissoras do mundo em busca do reconhecimento’ de sua
produção.
A Globo esclareceu que, pelo regulamento do Emmy, os representantes de
emissoras não votam nas categorias em que elas concorrem. ‘A academia não
participa do julgamento. Quem avalia os programas inscritos são cerca de 600
profissionais de televisão, de 40 países. Todo o processo é auditado pela Ernst
& Young’, disse.
A Globo argumentou ainda que não ganhou nenhum prêmio no período em que
patrocinou o evento.’
Janaina Fidalgo
Jamie Oliver pede vida ‘feliz’ para frangos
‘Há três anos, o alvo foi a merenda escolar de baixa qualidade do Reino
Unido. E a mudança que Jamie Oliver tanto queria veio: um aumento de quase 300
milhões de libras no orçamento reservado para a alimentação das crianças. O novo
desafio é convencer os britânicos a optar pelo consumo de frangos ‘felizes’ e
ovos de galinhas ‘felizes’, criadas livres, batendo asas e ciscando. No
documentário inédito levado ao ar hoje pelo canal pago GNT, o chef recorre a
toda sorte de artifícios para denunciar a crueldade sofrida pelas aves, do
nascimento à morte. Um exemplo: num jantar para pessoas elegantemente vestidas,
leva à mesa uma bandeja com pintinhos. Depois de acarinharem os filhotes, os
convidados são encarregados de separá-los por sexo. Se só as fêmeas são
poedeiras, imaginem que destino têm os machos numa ‘indústria’ de ovos… Ver um
animal confinado por toda a vida (às vezes isso significa apenas 39 dias), sem
espaço nem para bater as asas, está longe de ser agradável. Ok, a intenção de
Oliver não é o deleite. Optou pelo carnivorismo? Cuide, ao menos, de garantir
que eles tenham vida e morte minimamente dignas.
O JANTAR PENOSO DE JAMIE
Quando: hoje, às 20h
Onde: no GNT
Classificação indicativa: não informada’
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