Thursday, 19 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Folha de S. Paulo

CAMPANHA
Sergio Costa

Cortina de fumaça

‘RIO DE JANEIRO – Difícil encontrar quem nunca tenha escorregado diante de uma pergunta bem colocada, como um toque de craque no cantinho do gol. E, se o autor da questão for o repórter Mário Magalhães, a sagacidade em forma de bom moço, fica ainda mais difícil fazer a defesa.

Eduardo Paes, o bom moço em forma de político, não segurou a língua diante da pergunta e até riu: ‘Fumei, traguei e não gostei’. Já respondeu sabendo que teria de buscar a bola na rede. Ela foi parar no YouTube.

Fumou sim, e daí? Nada demais, noves fora a hipocrisia dominante no meio político, onde parece reinar a máxima do ‘tudo pode, desde que ninguém saiba’. Em busca do poder, são construídas imagens de homens irreais, todos tão dedicados à família, ao povo, aos bons costumes… Era aí que estava o ponto. Na imagem imaculável que Paes queria projetar. Por isso a sensação do ‘frango’ tomado e o desconsolo, na platéia do debate da Folha, de seus assessores e aliados ao ouvir a confissão. Baixaram cabeças, balançaram-nas, evidenciaram tiques nervosos.

Tudo bem também. Estavam no papel deles. O papelão foi no fim da tarde daquele dia, quando as redações receberam nota assinada pelo candidato que buscava minimizar a declaração, ensinar aos jornais como editar a informação e jogar a brasa do baseado no colo do rival, batendo numa tecla mais velha do que andar para a frente.

Gabeira e a maconha não dão mais lide, este santo graal que os jornalistas tanto procuram para abrir seus textos e fisgar o leitor pela novidade ou impacto. A nota, que era para consertar o estrago, acabou publicada com a confissão. Um mico. Mas duro mesmo, agora, vai ser Paes explicar lá na Catedral da Fé do novo irmão Marcelo Crivella que só um ‘tapinha’ não dói.’

 

 

Melchiades Filho

Falso negativo

‘A DESASTRADA peça de propaganda de Marta Suplicy merece repúdio, mas não a tática do PT de desconstruir Kassab, fustigá-lo, forçá-lo a confrontar e explicar seu passado.

Uma das notícias destas eleições é o alto número de candidatos desconhecidos, com pouco ou nenhum retrospecto eleitoral, que os caciques partidários escolhem em cima da hora para ampliar ou no mínimo preservar suas zonas de influência.

O próximo prefeito de Belo Horizonte será um deles. Marcio Lacerda ‘milita’ há apenas um ano no PSB -o governador Aécio Neves necessitava de um preposto em um partido intermediário para concretizar a ponte do PSDB com o PT. E Leonardo Quintão (PMDB), seu adversário no segundo turno, marcou a curta carreira de deputado com projetos para outra cidade -Ipatinga, o reduto político do pai.

É natural que a vida e a obra desses e outros ‘postes’ despertem curiosidade e sejam abordadas durante a campanha. Acostumado a votar em pessoas, e não em partidos, o brasileiro tem direito a informações sobre elas. Quintão exagera o ‘erre’ para soar mais mineiro? Lacerda atuou no valerioduto?

Depois da ‘injúria indireta’ de Marta, porém, virou moda rejeitar todo candidato que bate, dizer que a propaganda inquisitiva é influência maldita dos EUA e exigir que os políticos baixem a temperatura e só discutam planos de governo.

Uma seqüência de reportagens na Folha, contudo, revelou o que é essa ‘agenda positiva’: os candidatos invariavelmente copiam programas uns dos outros, reciclam campanhas anteriores e/ou recortam-e-colam idéias implementadas em cidades vizinhas. Há pouca diferença entre as propostas. Todos apelam a platitudes: priorizar a saúde, investir na educação, melhorar o transporte…

Há, ainda, algo de hipócrita no discurso que pede moderação. Em 2010, Dilma Rousseff poderá fazer o papel de Kassab e, com o catálogo do PAC nas mãos, desafiar a oposição a comparar obras. Qual atitude terão os serristas, hoje indignados com o acirramento da campanha? Vão topar um debate ‘técnico’?

Ora, assim como será legítimo vasculhar e questionar a trajetória e as convicções do ‘poste’ de Lula daqui a dois anos, é legítimo hoje acuar o prefeito que assumiu São Paulo sem receber um único voto.

Eleição é escolha. Precisa de contrastes, não de consensos. Por isso, desde que mantenha a civilidade, a propaganda negativa presta um serviço a quem vota. E não é verdade que ela seja sempre ruim para o desconstruído. Bombardeado pela oposição, João da Costa firmou-se como ator político e garantiu, em Recife, a mais expressiva vitória petista no primeiro turno. Quanto a Kassab, ele resiste na liderança. O eleitor observa, avalia e julga também quem desconstrói.’

 

 

Ranier Bragon e Nancy Dutra

‘Vou criar o dia da hipocrisia’, diz Lula em evento pró-Marta

‘No último evento em São Paulo de apoio a Marta Suplicy (PT), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou ontem que a petista sobre preconceito ‘raivoso e rançoso’ por parte da elite paulistana, e a defendeu em relação à polêmica propaganda que questionava a vida privada do prefeito Gilberto Kassab (DEM).

‘Ainda vou criar o dia da hipocrisia nesse país’, disse Lula para uma platéia de cerca de 2.000 pessoas na Casa de Portugal, centro de São Paulo.

Em toda a campanha, Lula esteve no palanque de Marta quatro vezes. Apesar disso, pesquisa Datafolha mostra que é de 16 pontos percentuais a diferença que separa Marta (37%) de Kassab (53%).

‘Temos que ter claro que essa mulher tem sido nesses últimos anos vítima de um preconceito raivoso e rançoso aqui na cidade de São Paulo’, discursou Lula, para quem a elite considera ‘imperdoável’ que ela tenha construído CEUs (Centro Educacional Unificado) na periferia e não em bairros ricos.

‘Tem um bando de gente, uma minoria, mas influente, que não aceita que pelo teus próprios méritos você tenha as mesmas coisas que ela.’

Sobre a propaganda da campanha petista que pergunta se Kassab é casado ou tem filhos, Lula saiu em defesa de Marta.

‘Tentaram passar a idéia de que essa mulher tem preconceito contra homossexualismo. Exatamente essa mulher que quando todos nós tínhamos preconceito ela já estava na TV Mulher [na TV Globo, nos anos 80] defendendo as minorias.’

Ele ironizou a repercussão do caso. ‘Ah, meu Deus do céu, se a imprensa me defendesse cada vez que fazem uma pergunta difamatória para mim. Ah, se ela me defendesse cada vez que alguém me pergunta: ‘Ô Lula, sabes falar inglês? Então não podes governar o Brasil’. Ou ‘És casado, tens filho?’ Ora, quem é que já não recebeu essa pergunta? Ainda vou criar o ‘dia da hipocrisia’ neste país’.

Ele conclamou os militantes a saírem às ruas em busca de voto, mas fez crítica indireta ao programa eleitoral da aliada, considerado pelos eleitores ouvidos pelo Datafolha como o mais agressivo. ‘Não precisa falar mal do outro. Falem bem dela. Só se fala mal quando não tem algo melhor a apresentar.’

Marta discursou antes de Lula e voltou a falar em divisão da cidade, afirmando que Kassab representa o lado do ‘atraso’.

Vários integrantes da campanha atacaram Kassab e o governador José Serra (PSDB). O prefeito foi chamado de ‘autoritário’ e ‘laranja de Serra’. O deputado Jilmar Tatto citou o episódio em que Kassab se insurgiu contra um manifestante, aos gritos de ‘vagabundo’.’

 

 

CIÊNCIA
David Robson, New Scientist

TV influencia a cor dos sonhos, mostra pesquisa britânica

‘O momento em que Dorothy desmaiou no Kansas monocromático e acordou no mundo Technicolor do Mágico de Oz pode ter sido mais importante do que jamais imaginamos. Um novo estudo revela que crianças expostas a filmes e TV em preto-e-branco são mais propensas a sonhar em tons de cinza no decorrer de suas vidas.

O debate sobre a cor dos sonhos já tem quase um século. Estudos de 1915 a 1950 sugeriam que a maioria dos sonhos era em preto-e-branco, mas a tendência mudou nos anos 1960, com alguns trabalhos sugerindo que 83% deles têm cor.

Como esse período também marcou a transição das TVs em preto-e-branco para as coloridas, uma explicação seria que a mídia estava pautando os sonhos das pessoas. As diferenças entre os estudos, porém, não permitiam conclusões sólidas.

Enquanto estudos mais recentes pediram a voluntários para preencher diários de sonhos assim que tivessem acordado, as pesquisas iniciais aplicavam questionários no meio do dia. A essa hora eles poderiam já ter se esquecido dos elementos cromáticos dos sonhos, e assumido então que eles teriam sido em escala de cinza.

Para pôr fim ao debate, a psicóloga Eva Murzyn, da Universidade de Dundee (Reino Unido), incorporou os dois métodos em um único estudo.

Primeiro, ela pediu a 60 voluntários -metade com menos de 25 anos e metade com mais de 55- para responder a questões sobre as cores de seus sonhos e sobre como era a TV em suas infâncias. Depois, eles anotaram seus sonhos num diário todas as manhãs.

Murzyn viu que não havia grandes diferenças entre os resultados extraídos dos questionários vespertinos e dos diários de sonhos matutinos. Os dois tipos de estudo eram compatíveis. Ela analisou então seus dados para descobrir se a exposição à TV em preto-e-branco na infância poderia ter efeito duradouro nos sonhos de seus voluntários, 40 anos depois.

Só 4,4% dos sonhos das pessoas menores de 25 anos eram em preto-e-branco. Os maiores de 55 anos que tinham tido acesso a TV e cinema coloridos na infância também tiveram proporção pequena de sonhos monocromáticos (7,3%). A geração antiga que tinha ficado restrita à TV em preto-e-branco na infância relatou 25% de sonhos monocromáticos.

Mesmo com apenas poucas horas por dia assistindo à TV ou a filmes, o envolvimento e a atenção emocional deles estariam elevados durante esses momentos, marcando suas mentes de forma profunda.

Contudo, Murzyn reconhece que ainda é impossível verificar se os sonhos são mesmo em preto-e-branco ou se a exposição à mídia altera de algum modo a maneira com que a mente reconstrói os sonhos assim que acordamos. Seu estudo está na revista científica ‘Consciousness and Cognition’.’

 

 

JORNAL
Folha Online

Hoje colunista estréia blog sobre economia

‘Em meio a uma das maiores crises globais, o jornalista Vinicius Torres Freire, colunista da Folha, estréia hoje blog sobre economia. O endereço é blogdovinicius.folha.blog.uol.com.br.

O blog do Vinicius é uma extensão da coluna diária publicada no caderno Dinheiro.

Segundo definição do próprio jornalista, a página na internet vai abordar ‘a política da economia e negócios da política’, publicar análises sobre notícias econômicas da hora, reunir artigos sobre economia e política da economia, sugerir livros da área, comentar ‘mentiras, mentiras malditas e estatísticas econômicas’.

Nos finais de semana, o blog vai tratar de cozinha e comida.

Na Folha desde 1991, Vinicius Torres Freire foi secretário de Redação do jornal, editor de Dinheiro, editor de Opinião, correspondente em Paris, editor de Ciência e editor de Educação.’

 

 

TELEVISÃO
Daniel Castro

Bombom balanço

‘A ex-paquita Adriana Bombom, 33, será Ana Balanço, a ‘gostosa burra’ de ‘Uma Escolhinha Muito Louca’, a versão da Band para a ‘Escolinha do Professor Raimundo’, no ar em novembro. ‘Ela é uma mulata de corpo escultural, sexy, está sempre de bom humor. Toda vez que o professor [Sidney Magal] faz pergunta pra ela, ele dá uma ajudinha, porque ela retribui com uma reboladinha’, revela. ‘Acharam que eu era a pessoa ideal para o papel. Eu nem fiz teste’, admite Bombom, já de dieta (batata e clara de ovo) para o Carnaval.

Band investe US$ 1 mi para bancar Grammy ‘brasileiro’

A Band investirá mais de US $ 1 milhão nas transmissões do Grammy Latino deste ano. Mas não será uma transmissão qualquer, só com apresentador, comentarista e tradutor.

‘A gente finalmente conseguiu do Grammy autori z ação para fa z er uma premiação brasileira, separada dos latinos. Será a primeira vez que uma cerimônia ocorrerá fora dos Estados Unidos’, festeja Rogério Gallo, diretor do evento. A festa acontecerá no Auditório Ibirapuera, em 13 de novembro, simultaneamente à cerimônia de Houston (EUA). A Band pretende repeti-la pelo menos nos próximos cinco anos.

A premiação será apresentada por Daniella Cicarelli e Marcelo Tas. Patr í cia Maldonado entrará ao vivo de Houston.

O produtor e jornalista Nelson Motta será curador musical do espetáculo brasileiro. ‘A gente quer colocar os competidores para tocar juntos. Vamos promover encontros inesperados, números musicais inéditos’, promete Gallo.

A coreógrafa Deborah Colker promoverá ‘intervenç õ es totalmente inesperadas’, assim como os humoristas do ‘CQ C’.

‘O Grammy é a refer ê ncia dos pr ê mios de música. Não quero entrar em linha moderninha. Vamos fa z er uma festa clássica, mainstream, mas com tempero nosso’, di z Gallo.

Serão nove categorias de música brasileira em competição (como pop, rock, samba e até cristã). Gil, Djavan, Bethânia, Caetano, Chico e Maria Rita estão na disputa.

Joãozinho vira Maria

Daniela Récco vai aparecer assim, de lentes de contato e cabelos claros e mais curtos, no capítulo de ‘Três Irmãs’ que a Globo exibe em 1º de novembro. Sua Duda desiste do disfarce de Carlinhos que usa atualmente e se transforma na prima dele, Laila. E parte para cima de Eros (Paulinho Vilhena) e Paulinho (Kayky Brito), por quem está apaixonada. Para quem não assiste à novela do incompreendido Antonio Calmon: Duda se veste de menino porque é perseguida pelos vilões vividos por Luís Gustavo, Otávio Augusto e Graziella Moretto.

PERGUNTA INDISCRETA

FOLHA – O seriado de Marcilio Moraes vai se chamar ‘A Lei e o Crime’, o que remete a ‘Law & Order’. O nome da novela de Lauro Cesar Muniz sairá de uma concurso entre funcionários. A Record não tem gente especializada para fazer isso?

HIRAN SILVEIRA – (diretor de teledramaturgia) – ‘A Lei e o Crime’ foi escolhido pela sua perfeita adequação ao conteúdo. Quanto à novela do Lauro, fizemos um concurso interno para envolver nossos funcionários. O envolvimento foi tão grande que gerou mais de 3.500 sugestões. Nossos títulos são escolhidos por consenso entre autores e diretores.’

 

 

Sylvia Colombo

Série histórica expõe EUA hoje

‘Em momento de tanta turbulência política e econômica, é no mínimo curioso reparar no fato de que as séries mais celebradas nos Estados Unidos hoje oferecem, justamente, uma reflexão sobre a história do país.

Grandes vencedoras do último Emmy, em setembro, ‘Mad Men’ retrata as transformações sociais dos anos 60, por meio do mundo da publicidade, enquanto ‘John Adams’ conta a história do personagem homônimo, um dos mais importantes ‘founding fathers’ (pais fundadores) da nação.

Baseado em livro de David McCullough que venceu um Prêmio Pulitzer, ‘John Adams’ começa a ser exibido no Brasil na próxima terça-feira (21). A série, em sete capítulos, vê o nascimento do país aos olhos de um dos protagonistas do processo de Independência.

Paul Giamatti encarna o papel principal. A crítica do ‘New York Times’ disse que o ator, usando roupas de época -calças justas no tornozelo e peruca- ficou parecido com Shrek. Não deixa de ser verdade, mas o chiste não compromete sua boa atuação num papel difícil.

Adams (1735-1826), duas vezes vice-presidente (de George Washington) e segundo presidente dos EUA, tinha uma personalidade complexa. O herói nacional foi também um inseguro homem provinciano e um vaidoso intelectual. Ficou para a história como um dos responsáveis pelo nascimento dos EUA e pelos caminhos que o país tomou nos seus primeiros 50 anos de vida.

A série começa em 1770, quando Adams, advogado de Massachusetts, toma a iniciativa de defender oficiais britânicos acusados de assassinar cinco civis, no que ficou conhecido como Massacre de Boston. O clima em sua Província era de confronto contra os ingleses.

E a absolvição dos soldados por ele lograda foi mal recebida entre seus compatriotas. É então que somos apresentados às principais características do personagem. Fundar a pátria, sim; afrontar a lei, jamais.

Ao julgamento, seguem-se a participação do político no processo que resulta na Independência dos EUA, seu período como enviado a países estrangeiros para obter o respaldo à jovem nação, o tempo de vice-presidente, depois presidente, até 1826, o ano de sua morte. Seriados históricos são condenados a ter de obedecer, mesmo que apenas em linhas gerais, à própria história.

E, já que não se pode inventar suspense ou ação onde estes não existem, a série, como a vida real, tem altos e baixos. Por conta disso, os primeiros capítulos, quando a tensão pré-Independência é latente e a figura de Adams começa a crescer diante do próprio destino, são infinitamente mais interessantes que os seguintes.

Do quarto episódio em diante, os EUA são uma jovem nação, e o personagem dialoga com companheiros e a influente esposa, Abigail (Laura Linney), sobre o que fazer para consolidar a nação. Em termos de espetáculo, então, a série perde força. Mas, de todo modo, propõe questões com as quais os EUA se debatem até hoje.

Especialmente sobre como lidar com sua imagem junto ao resto do mundo.

JOHN ADAMS

Quando: estréia hoje, às 19h45; exibida às terças, no mesmo horário

Onde: na HBO

Classificação indicativa: não informada

Avaliação: bom’

 

 

Bia Abramo

O melhor programa de domingo

‘DESDE O o início do mês, a Warner está prestando uma espécie de serviço para quem gosta de teledramaturgia de qualidade – e tem TV por assinatura. ‘Família Soprano’ vem sendo reprisada desde o primeiro episódio da primeira temporada aos domingos.

Já foram os primeiros cinco, mas ainda não é tarde para ver (ou rever) a série, uma das melhores de todos os tempos. Parece exagero, mas ‘Soprano’ concentra e amplifica as melhores qualidades dos seriados norte-americanos. Justamente aquelas que, para alguns espectadores brasileiros, sumiram das telenovelas e não têm dado mostras de voltar.

Em primeiro lugar, os episódios mostram uma enorme competência técnica. Empenhar tempo e gente altamente qualificada nas séries é um traço da produção televisiva norte-americana, capaz de fazer mesmo as piores séries parecerem boas. ‘Soprano’ vai além do padrão e trata cada episódio com um cuidado de ourives. Nenhum detalhe escapa.

Em segundo, há o roteiro. Vocês sabem qual é o mote e já o viram uma versão cinematográfica. Tony Soprano, um homem de meia-idade casado e com filhos, procura terapia depois de algumas crises de ansiedade. Tony é um executivo estressado do subúrbio -só que, em vez de administrar uma companhia qualquer, seu negócio é a máfia de New Jersey.

David Chase, o roteirista, em vez de explorar simplesmente o inusitado da situação, passou as seis temporadas da série no fio da navalha transitando entre a normalidade e a humanidade do personagem e o fato de ele estar ‘do outro lado’ da lei. Homem ordinário e comum, Tony vive os dramas ordinários e comuns da vida contemporânea; ao mesmo tempo, ele está na margem -ou será que o crime tornou-se o centro?

Junte a isso a situação de fazer terapia com uma mulher, ou seja, além da ação falar por si, o personagem tem de falar sobre si, o tempo todo, e ouvir sobre si, mas agora a partir de um outro (ou uma outra, neste caso), com ponto de vista diverso. Poderia ser um festival de platitudes e tiradas moralizantes; em vez disso, há um embate entre mundos que se estranham e se reconhecem ao mesmo tempo, conduzido por dois seres inteligentes.

E, por fim, há aquela qualidade meio imponderável dos seriados. É uma espécie de charme, algo que está no elenco, nas piadas e jogos verbais, na ambientação e na incrível capacidade que os norte-americanos têm de levar para a ficção a crônica dos hábitos, das falas e das modas da vida americana. No caso de ‘Soprano’, vista de cabeça para baixo – e, talvez por isso, mais real.’

 

 

CRISE
Renato Janine Ribeiro

O cidadão incomum

‘Que implicações morais terá, para o cidadão incomum -o que pertence à classe média ou à rica-, a atual crise financeira?

Essa parte está chocada, porque se vê diante do que muitos chamam de a pior crise dos últimos 79 anos, ou seja, desde o crack da Bolsa de Nova York, em 1929. Aquela crise comandou a ascensão do nazismo na Alemanha e outros fenômenos que culminariam na Segunda Guerra Mundial. Por isso, o quadro assusta.

Nesse desenho geral, pode ser questão secundária tratar da expectativa dos mais endinheirados ante o seu dinheiro talvez virando pó. Mas esse tema ronda a consciência de muita gente.

Quando foi instituída a nova moeda brasileira, em 1994, muitos correntistas começaram a sentir perdas nos seus investimentos em fundos. Isso não foi freqüente, mas aconteceu. Antes, com a inflação, sempre havia um rendimento nominalmente positivo -mesmo que fosse inferior à depreciação da moeda e, na verdade, implicasse uma perda de dinheiro.

Impressão da perda

Mas uma coisa é, psicologicamente, você ver sua aplicação subir de 100 cruzeiros para 101, quando a inflação foi de 2% e, portanto, você perdeu um cruzeiro; outra é a sua aplicação passar de R$ 100 para R$ 99,50, caso em que fica evidente a perda de valor. O que choca, então, não é a realidade de ganhar ou perder: é a impressão de ganhar ou perder.

Isso é curioso. Uma das qualidades dos mercados, nos dizem seus defensores, é o elemento de racionalidade que introduzem na vida econômica. Não há dúvida de que eles funcionam bem, por exemplo, para evitar absurdos soviéticos, como o de produzir cigarros que não podiam ser segurados na posição vertical -porque o fumo caía no chão. Permitem uma articulação entre vendedor e comprador -ou entre fornecedor e usuário- mais espontânea e melhor do que faria uma burocracia fechada sobre si própria.

Mas, ao mesmo tempo, os próprios defensores da racionalidade dos mercados usam termos como ‘eles estão nervosos’, ‘é preciso acalmá-los’ e outros, de forte sentido antropomórfico -como se os mercados fossem gente dotada de psique, como eu e você. Pior ainda, como se fosse gente particularmente nervosa, que somente se acalma com injeções enormemente caras -uma delas foi de US$ 700 bilhões.

Ora, como esperar que gente nervosíssima tome decisões racionais? Parece um desatino. Daríamos o controle das armas nucleares a gente que precisa drogar-se para ficar calma? Prefiro que não.

‘Sempre mais’

Será que a atual crise nos ajudará a questionar a ilusão de mercados que enriquecem quem neles aplica e que, ademais, introduzem um elemento de racionalidade na vida social? Será um enorme ganho se assim for. Afinal, ilusões nunca trazem muita felicidade. Mas não acredito nesse desenlace otimista, iluminista.

Na verdade, está em jogo o modelo do ‘sempre mais’. Ele perpassa toda a nossa vida. Os computadores, os celulares, os aparelhos digitais aumentam sempre em recursos. Nós os usamos? Muito poucos. E muito pouco. Mas eles continuam se intensificando, à medida que equipamentos que ainda nos servem se tornam obsoletos e não podem mais ser consertados. O único exercício da ‘hybris’, da desmedida, que encontrou um limite em nosso tempo foi o do jato supersônico. Deu errado, parou, voamos subsonicamente, ponto final.

Mas corremos atrás de megapixels e de memória RAM, para não falar de carros e cigarros. Seria bom aproveitar esta crise para questionar a idéia, vitoriosa na política e na mídia, de que só a resolveremos mediante medidas que a médio prazo -creio eu- a agravam.

Estamos num mundo com mais liberdade de expressão, de crítica, de organização e eleição do que em qualquer época do passado. Mas não decidimos nada sobre a economia. Ela é governada pelo próprio capital.

Fomos ‘nós, o povo’, que geramos a crise? Claro que não. Mas quem pagará a conta? Nós, o povo. Surpreende, nesse contexto, que haja quem acuse a esquerda -mesmo a esquerda que passou pela construção do Muro de Berlim e por sua queda sem esquecer ou aprender nada, a esquerda que se nutre de vento ideológico- de irresponsável. Se há quem não teve culpa alguma nessa crise toda, foi a esquerda.

O capital e seus representantes se mostraram irresponsáveis numa escala talvez sem par nos últimos quase 80 anos.

Liberdade pouco fecunda

Dizem-nos que o único jeito de não piorar a crise é dar mais pão-de-ló ao dragão faminto, é nutrir a serpente que causou essa crise para que ela continue nos envenenando.

É a mesma coisa que aceitamos quando nossas cidades são destruídas pelo uso do carro individual: em vez de limitá-lo, em vez de adesivar os veículos (como fazemos com os cigarros) com os dizeres ‘O ministério adverte: carros matam, aleijam e poluem’, multiplicamos o seu uso.

Com sorte, adiamos o Juízo Final. Mas também o tornamos mais inevitável e implacável. Isso teria de mudar. Temos de sair do nervosismo dos mercados e procurar algo mais racional, sensato, sustentável. Mas conseguiremos? Com toda a inegável liberdade de nosso tempo, e inclusive a minha de dizer isso, essa liberdade se mostra pouco fecunda. O que temos de democrático encontra aí seu buraco negro, a caverna que o engole. Podemos continuar votando, sim, e eu o farei com o orgulho de quem só votou para presidente, pela primeira vez, aos 40 anos. Mas gostaria muito que nossas liberdades políticas gerassem resultados de verdade.

RENATO JANINE RIBEIRO é professor de ética e filosofia política na USP e autor de, entre outros livros, ‘Ao Leitor sem Medo’ (ed. UFMG).’

 

 

AMÉRICA LATINA
Sylvia Colombo

O laboratório da democracia

‘O jornalista Michael Reid estava com receio de lançar seu livro, ‘O Continente Esquecido – A Batalha pela Alma Latino-Americana’ (ed. Campus, trad. Marcello Lino, 424 págs., R$ 85), no Brasil. Tendo vivido em diferentes países do continente desde 1982 e sido o responsável por abrir o escritório da revista britânica ‘The Economist’ em SP, em 1996, ele desconfiava do estranhamento que o título poderia causar por aqui.

‘Muitos brasileiros não acham que seu país faz parte da América Latina. Estou preocupado com que pensem que o livro trata de um assunto totalmente diferente, que não lhes diz respeito, quando, em boa parte dele, o que tento é mostrar ao mundo que o Brasil é uma parte muito importante dessa região’, disse à Folha. Na entrevista abaixo, afirma que o continente vive um momento único no que diz respeito à experiência democrática e que é um ‘laboratório’ de política a que o planeta deveria prestar mais atenção.

FOLHA – Qual é a principal diferença entre a sua opinião sobre a América Latina e a da ‘Economist’?

MICHAEL REID – Antes de mais nada, é preciso dizer que a revista tem uma visão sobre a região muito diferente do resto da mídia britânica. Tem correspondentes no México e no Brasil e uma seção dedicada à América Latina. O resto [da mídia] ainda tem uma visão folclórica do continente e carrega os estereótipos criados durante a Guerra Fria. Contudo creio que minhas opiniões diferem das de meus colegas da revista, pois vejo com muito mais ceticismo o que se convencionou chamar de ‘neoliberalismo’. Eu não gosto desse termo, não o considero útil. Não acredito que, no caso latino-americano, o livre mercado e o livre comércio, sozinhos, trarão desenvolvimento.

FOLHA – O que o sr. considera mais novo na discussão política atual sobre o continente?

REID – Na maioria desses países, nos últimos 30 anos, estamos vendo o estabelecimento inédito de democracias duráveis, baseadas no sufrágio universal e que dão oportunidade, na prática, para que qualquer um seja eleito. Golpes militares são algo do passado.

FOLHA – Ou seja, o sr. é um otimista quanto ao futuro do continente?

REID – Sim, mas com precauções. A emergência dessas democracias importa porque estamos falando de uma região com uma imensa desigualdade social e de distribuição de renda. O que os governos estão tentando fazer é usar a democracia para criar sociedades mais justas e prósperas. Esse processo é de relevância global. A América Latina está tendo uma experiência com a democracia que deveria ser mais bem observada internacionalmente. Ela se tornou um laboratório importante para avaliar a democracia capitalista, e o resultado dessa experiência tem significado global.

FOLHA – Como o sr. vê o Brasil?

REID – O que está ocorrendo no Brasil é o fenômeno de desenvolvimento mais considerável deste século no continente. EUA e Europa perceberam que o país mais importante é o Brasil e é com ele que as relações têm de ser fortalecidas, não com o Mercosul. Temo que o governo argentino, nos últimos anos, tenha contribuído para esvaziar a idéia de integração.

FOLHA – O sr. buscou autores do século 19 e do início do 20 para entender o continente. O que o impressionou mais entre aqueles que cita?

REID – Apesar de o objeto do livro ser a América Latina dos últimos 30 anos, pareceu-me importante voltar ao período logo após as independências, em 1810, para encontrar as principais linhas que compõem o quadro político atual.

Achei fascinante perceber tantos aspectos da modernidade naquele tempo, e que estão refletidos no pensamento e na produção desses intelectuais.

O curioso é que, mesmo com esses sinais, grande parte do século 20 foi de frustração e de desapontamento. Isso porque, por um lado, foi difícil sustentar o desenvolvimento econômico. Por outro, mostrou-se duríssimo transformar sistemas de governo oligárquico-civis em democracias de massa.

Sérgio Buarque de Holanda me ajudou a entender por que o Brasil é diferente do resto do continente.

Já Sarmiento foi interessante pelo modo como se empenhou em promover a educação pública. Alberdi foi um fantástico intelectual liberal que percebeu as dificuldades de implementar o liberalismo na América do Sul naquele momento.

Por fim, Mariátegui introduziu, ainda que de forma equivocada, a importância de pensar o elemento indígena na política.

Todos refletem elementos essenciais das sociedades daquele tempo que trazem lições para os dias de hoje.’

 

 

NUDEZ
Silvana Arantes

‘Fui mal compreendido’, afirma Pedro Cardoso

‘O ator Pedro Cardoso diz que foi ‘mal compreendido’ ao atacar o que chama de uso pornográfico da nudez no cinema e na TV. Ele leu manifesto sobre o tema há duas semanas, no Rio, antes da sessão de ‘Todo Mundo Tem Problemas Sexuais’, que produz e no qual atua -sem cenas de nudez.

Críticos do manifesto apontaram moralismo do ator. ‘Estou querendo falar da construção do Brasil e de como a pornografia, nos meios de comunicação de massa, atrapalha o país a se identificar’, afirma ele.

Para Cardoso, 46, ‘o Brasil não é um país de pornógrafos’, mas ‘a pornografia está se tornando uma expressão oficial do país’. Ele diz que, ao se opor à pornografia, faz um ‘apelo para que os meios de comunicação de massa mostrem um país mais parecido com ele mesmo’.

FOLHA – Você é contrário à pornografia?

PEDRO CARDOSO – Minha batalha é contra o disfarce da pornografia em obra de arte e em entretenimento. Quem quiser fazer pornografia ou usufruir da pornografia no seu mundo privado não é assunto meu. É assunto meu que a pornografia esteja, disfarçada, na novela das seis, no programa de auditório, na quase totalidade dos filmes, porque atingiu meu mercado de trabalho. É disso que estou falando. Não fui compreendido. As críticas não foram feitas ao que penso, mas ao parágrafo em que disse que a nudez inviabiliza a arte de representar. É uma questão tão acesa que roubou o foco principal do que eu estava querendo dizer.

FOLHA – O que quis dizer ao afirmar que é sempre o ator quem está nu em cena, nunca o personagem?

CARDOSO – A questão do nu para o ator é muito complexa. Para representar nu, um ator terá que vestir a nudez do personagem. Se algo de verdadeiramente fundamental acontece na história no caminho da nudez, o ator é capaz de representar o personagem nu e, numa habilidade muito grande da sua arte, iludir a visão do espectador, de modo que ele veja a nudez do personagem sobre a nudez do ator. Ou seja, o ator tem que vestir algo inefável. É possível. Não tenho nada contra a nudez em si, como uma possibilidade de momento da arte. Tenho contra a nudez sem história, onde o ator fica nu na hora em que tira o figurino. Convenhamos, um homem ou uma mulher tomando banho, como é freqüente ver na TV aberta, é algo prosaico. Essa nudez é mera exibição do corpo da atriz. Não é dramaturgia. Uma relação sexual entre dois personagens em que nada acontece além da própria relação não é dramaturgia.

FOLHA – Você diz que, por ‘ingenuidade’, aceitou convite de Ivan Cardoso para um filme em torno da descoberta sexual de jovens que, de fato, era a pornochanchada ‘Os Bons Tempos Voltaram: Vamos Gozar Outra Vez’ (1984). Você não havia lido o roteiro antes de filmar?

CARDOSO – Meu personagem teria uma cena de sexo, sumariamente descrita no roteiro. O roteiro não indicava que as cenas de sexo seriam explícitas. Ele disfarçava a pornochanchada em um filme de aventura adolescente. É sempre assim. Ninguém te convida para o ato pornográfico nomeando-o como ato pornográfico.

FOLHA – Ao perceber o que era, você abandonou o set e um dublê fez a cena. Com tal atitude, no início de sua carreira, você não provou que é possível dizer ‘não’ a uma cena da qual discorda sem que isso inviabilize sua ascensão profissional?

CARDOSO – Isso, que aconteceu comigo há quase 30 anos [o filme foi rodado em 1983], intensificou-se muito. Hoje, 98% dos convites feitos a uma atriz incluem uma cena de nudez. Se a cena é pornográfica, não sei, mas incluem cena de nudez. Então, é muito difícil para o ator entrar no mercado de trabalho se ele disser esse ‘não’. Essa opressão, muitas vezes, empurra atores e atrizes a dizer um ‘sim’ muito contrariado.

FOLHA – Que reação seu manifesto gerou na Globo?

CARDOSO – Está faltando comparecer à discussão a figura dos empresários que investem em comunicação de massa. Eles deveriam dizer o que pensam sobre o que está em discussão. A questão não se resolverá entre artistas. A Rede Globo não me procurou, nem acho que o fará. Em meu texto, não especifico nenhuma empresa. Falo de uma coisa geral. Minha questão não é particularizada com empresas nem com pessoas.

FOLHA – Mas seu manifesto não está relacionado ao seu namoro?

CARDOSO – Não respondo perguntas sobre minha vida particular, porque considero que a totalidade da imprensa que cobre os fatos culturais não tem parâmetros éticos confiáveis. Mencionei o fato de namorar uma atriz por honestidade intelectual, quando percebi que a temperatura com que eu lidava com esse assunto era causada pelo fato de ver minha namorada ter de enfrentar os ataques da pornografia diariamente.

FOLHA – Supõe-se que seu manifesto contenha referência à atriz Graziella Moretto, apontada como sua namorada, e ao filme ‘Feliz Natal’, de Selton Mello. Se essa percepção for equivocada, não lhe incomoda que pessoas alheias à questão estejam sendo associadas a ela?

CARDOSO – Sobre esse assunto, já disse o que queria dizer. Aqueles que fizeram o que descrevi sabem quem são. [Cardoso afirmou ser ‘freqüente que esses cineastas de primeiro filme exibam para seus amigos, em sessões privê, as cenas ousadas que conseguiram arrancar de determinada atriz’.]

Não os nomeio, porque fatos como esses são impossíveis de serem provados, porque são tremendamente subjetivos.’

 

 

MARKETING
Alain Beuve-Méry

Armação secreta

‘Até aqui, tudo bem. Sim, a exclusividade que a editora Flammarion deu à revista ‘Nouvel Observateur’ -que publicou, em sua edição de 2/10, trechos de ‘Ennemis Publics’, um diálogo travado por correio eletrônico entre os escritores Michel Houellebecq e Bernard-Henri Lévy, de janeiro a julho de 2008- foi grilada pelo jornal ‘Libération’.

O jornal obteve na quarta-feira, 1º/10, um exemplar da obra mais misteriosa do ano. Mas, afinal, isso oferece uma dupla exposição na mídia. E depois de ter ocultado durante meses o nome dos autores, hoje é essencial que todo mundo fale a respeito.

Na quarta, 8 de outubro, cerca de 120 mil exemplares foram distribuídos em território francês, nas grandes lojas e livrarias -de 100 mil, a tiragem inicial subiu para mais de 150 mil exemplares.

Mais do que nunca, a comunicação surge como força principal da guerra no mundo editorial. Criar o acontecimento, espicaçar a curiosidade dos leitores: Teresa Cremisi, a editora da Flammarion, endossou os hábitos de Bernard Grasset, que nos anos 1920 soube utilizar a publicidade para inventar o marketing literário.

Em um mercado deprimido -que os editores se lembrem, raramente o volume de vendas atingiu um nível tão baixo em um mês de setembro [retorno das férias de verão na França] -, todos os golpes (ou quase) passam a ser permitidos para despertar os leitores e provocar o ato da compra.

Aposta financeira

A aposta em torno do lançamento de ‘Ennemis Publics’ [Inimigos Públicos, 336 págs., 20, R$ 59) não é apenas literária, embora Teresa Cremisi garanta ‘a qualidade do texto’, que ela publica em co-edição com a Grasset.

O golpe literário se reveste de uma aposta econômica e financeira. ‘Sou uma comerciante na alma’, ela confessa, antes de acrescentar: ‘Hoje mais vale se exasperar do que não existir’. Geralmente são os documentos quentes da atualidade que se preparam em segredo.

Caso esconda o nome do autor ou o tema tratado, um editor deve sopesar com cuidado e usar a confiança que ele inspira para impor o anonimato. É preciso vencer a resistência de seus representantes, que ficam sem um argumento antecipado para ‘trabalhar’ o livro. E, principalmente, vencer a resistência dos livreiros, que detestam essa prática que assimilam à venda forçada, pois eles são obrigados a fazer encomendas às cegas.

‘Os livros anônimos, assim como os sob pseudônimos, tiveram sua era dourada nos anos 1990’, nota Marc Grinsztajn, editor da Panama. Desde então, esse procedimento comercial foi muito usado, pois funcionou, mas os resultados nem sempre estão à altura das esperanças. Na Fnac, conta-se ao menos um livro secreto lançado por mês. A maioria passa despercebida. Entre os motivos citados para justificar essa prática, além da paranóia própria do meio editorial, figuram a urgência ditada pelo calendário eleitoral para os livros políticos e a vontade de evitar uma interdição ou uma apreensão pela Justiça, no caso de documentos ultradelicados.

Orquestração

O anonimato também permite que um autor trabalhe tranqüilamente, livre de pressões. Mas no caso atual, para justificar seu mutismo, Teresa Cremisi se protegeu atrás de razões jurídicas.

De fato, ‘Inimigos Públicos’ não poderia ter sido publicado sem um acordo comercial com a Grasset, da qual Bernard-Henri Lévy é autor e editor. Mas as duas casas só se entenderam em setembro, quando a Flammarion conseguiu a distribuição e a divulgação da obra. A orquestração do segredo, por sua vez, aparece como a chave da estratégia editorial implementada pela chefe da Flammarion. Sem a intermediação da mídia, o livro correria o risco de fracassar.

Portanto, é preciso manter o folhetim. Ao dissimular o nome dos autores até o fim de setembro, a editora também limitou a colisão entre as duas funções de Michel Houellebecq, escritor e cineasta. Lançado em 10/9, o filme ‘La Possibilité d’une Île’ [A Possibilidade de uma Ilha], que ele dirigiu, foi um fracasso doloroso, com menos de 15 mil ingressos vendidos.

Do lado de seus confrades editores, a recepção é mais simpática. Na editora Albin Michel, denuncia-se ‘a dimensão pega-trouxa’ da operação, que não encontraria eco ‘sem a cumplicidade dos jornalistas’. A diretora da Flammarion experimenta o documento literário ‘quente’. Resta saber se os leitores irão atrás.

A íntegra deste texto saiu no ‘Le Monde’.

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves.’

 

 

 

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