Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Folha de S. Paulo

OPINIÃO
Emílio Odebrecht

Com o foco nas oportunidades

‘A PARTIR de hoje, caros leitores, nos encontraremos neste espaço três vezes por mês, sempre aos domingos.

O convite que recebi para revezá-lo com Antônio Ermírio de Moraes, que escreve também aos domingos, uma vez por mês, me honrou profundamente. Primeiro, porque Antônio Ermírio é um empresário cuja liderança inspiradora o transformou em referência para todos nós brasileiros.

Segundo, porque me permitirá ampliar o alcance de meu propósito de estar sempre compartilhando os aprendizados que venho recolhendo ao longo de uma vida empresarial desafiadora. Há uma idéia-força que me orienta e guia: não existe empresa forte em país fraco, nem países fortes com empresas fracas.

Infelizmente, ao longo de nossa história, nos acostumamos a tratar com complacência uma constatação desanimadora: há um Brasil que dá certo e há um Brasil que não dá certo.

A tese vem sempre acompanhada de uma lista de exemplos de homens, mulheres e empresas que fizeram sucesso aqui e obtiveram reconhecimento mundo afora -lista que tem seu contraponto na recorrente lembrança de mazelas, ineficiências e decisões frouxas que justificam nossos fracassos históricos, reforçada pelo hábito de nos escudarmos na impunidade dos males importados.

Na busca de espaços para atuar fora do Brasil, principalmente em países em desenvolvimento, nossa organização sempre teve como norte a visão de longo prazo, de forma que nossas oportunidades de crescimento estivessem casadas com o desenvolvimento socioeconômico local.

Por isso, quero assumir com os leitores desta Folha o compromisso de tentar extrair das circunstâncias idéias que provoquem reflexões úteis para a construção do amanhã.

Meu propósito é que estas idéias e algumas sugestões possam fazer parte das agendas de quem tem a responsabilidade de, com o foco nas oportunidades, definir o nosso futuro.

Nos momentos de crise, como este que o mundo vive, há coisas indispensáveis a fazer.

Fiquemos no essencial: priorizar sempre os investimentos, com redução simultânea de despesas, mas sem perda da qualidade dos serviços e produtos; buscar soluções empresariais inovadoras e novos instrumentos econômicos; sustentá-los em estruturas regulatórias saudáveis.

São medidas que dependem do poder público e da iniciativa privada e que servem ao sonho comum de fazermos do Brasil um país senhor de seu próprio destino.

EMÍLIO ODEBRECHT , 63, presidente do Conselho de Administração da Odebrecht S.A., passa a escrever nesta coluna três vezes por mês.’

 

 

VAZAMENTO
Catia Seabra

Corregedor da PF diz ignorar inquérito sobre Protógenes

‘O corregedor-geral da Polícia Federal em Brasília, José Ivan Lobato, afirmou à Folha que ignora detalhes do inquérito aberto pela própria corregedoria para investigar a conduta do delegado Protógenes Queiroz, suspeito de vazar informações durante a Operação Satiagraha. ‘Não saberia informar nada sobre o processo apuratório, se está sendo conduzido de forma regular, se não está. Espero e peço a Deus que esteja.’

Ainda que negue problemas políticos dentro da PF, Lobato admite que não foi consultado sobre a escolha do delegado que preside o inquérito, Amaro Vieira Ferreira. ‘Estava de férias. Mas quero acreditar que não houve imposição.’

Designado pela direção da PF, Amaro tem, segundo Lobato, autonomia para conduzir o inquérito. A corregedoria, diz, instaura procedimentos administrativos. Mas ele afirma que o órgão acabará sendo acionado se forem constatados excessos de Amaro. Hoje, como o processo corre em segredo de Justiça, ele não seria capaz de confirmar se Amaro é o autor do pedido de busca e apreensão na casa de Protógenes.

Prestes a concluir o mandato -no próximo dia 5-, Lobato não esconde queixas à estrutura do órgão que comandou por três anos. Segundo ele, a corregedoria -que é responsável pela fiscalização da conduta de cerca de 12 mil policiais- conta com menos de 80 servidores.

A legislação que rege a corregedoria é outro alvo de crítica de Lobato, que a considera ‘defasada’. Em vigor desde 1965, ela exige, por exemplo, a criação de uma comissão permanente -com três servidores- para a instauração de um procedimento disciplinar. ‘Isso nos engessa bastante. Nem todas as nossas unidades regionais dispõem de servidores estáveis para compor essa comissão permanente’, diz o delegado, há 32 anos na PF.

Sob uma legislação obsoleta e sem pessoal, os processos podem consumir bem mais do que os 120 dias fixados como prazo. O corregedor afirma ter enviado ao governo uma proposta de modernização das regras. O texto está no Congresso. ‘Tínhamos a esperança de que caísse nesse ano legislativo. Não foi possível.’

Lobato será substituído pelo superintendente da PF do Rio, Valdinho Caetano. Questionado se pôde fazer o que pretendia, admitiu: ‘Em razão das dificuldades, não vou dizer que alcancei a plenitude. Dentro dos meios disponíveis, conseguimos dar uma certa tranqüilidade ao órgão’.

Segundo rumores, o esvaziamento da corregedoria se agravou na gestão do atual diretor-geral, Luiz Fernando Corrêa. Indicado pelo ex-diretor Paulo Lacerda, Lobato se nega a fazer comparações. Já o presidente do Sindicato dos Delegados de São Paulo, Amaury Portugal, atribui o problema ‘principalmente à atual gestão’.

Segundo ele, há processos ‘há quatro anos na prateleira’. Portugal conta que delegados de três Estados foram destacados há dois meses para apurar suposto vazamento na Operação Toque de Midas, no Amapá. ‘Um desperdício’, disse, acrescentando: ‘Necessitamos de uma legislação ágil. E a administração está preocupada com a lei orgânica’.

Procurado, Corrêa afirmou, via assessoria, que ‘em todos os setores da PF o efetivo está aquém do ideal’. Disse que busca uma solução para o problema por meio de concursos. Segundo ele, hoje a prioridade é ocupação das regiões amazônica e de fronteira e, com novos concursos, todas as áreas, inclusive a corregedoria, serão beneficiadas. De acordo com a PF, a modernização da legislação é meta da atual gestão.’

 

 

HISTÓRIA
Sabrina Tavernise, do ‘New York Times’

Turquia tenta rediscutir ‘pai’ da nação

‘Mustafá Kemal Ataturk, que modernizou país no começo do século 20, é deificado, mas traços humanos começam a surgir

Em novo documentário que retrata fraquezas do ‘pai dos turcos’, história oficial é revista, e temas como o islã e minoria curda voltam à pauta

Após quase um século aparentando seriedade, Mustafá Kemal Ataturk, o fundador da Turquia moderna, começou a sorrir. Ataturk -um estadista herói de guerra que defendeu a Turquia durante a divisão do Império Otomano- é objeto do que talvez seja o mais longo culto à personalidade do mundo.

O seu retrato está em cada loja de chá, escritório de governo e sala de aula. Insultar sua memória é um crime. E, em todo 10 de novembro, a Turquia faz um minuto de silêncio para lembrar a sua morte, em 1938.

Mas a sisuda versão oficial pode estar se flexibilizando. Em outubro, estreou na Turquia um documentário que aborda o lado humano de Ataturk. Pode não parecer muito, mas em um país onde a história oficial é mantida a sete chaves, o filme ‘Mustafá’ é uma tentativa corajosa.

O filme não é um esforço para denegrir o líder. É um retrato em boa medida simpático. Mas só o fato de o seu diretor, Can Dundar, mostrá-lo menos como uma estátua de bronze e mais como um homem com um péssimo hábito de beber que por vezes entediava-se diz bastante sobre o quão longe a Turquia chegou nos últimos anos.

Fundada em 1923, a Turquia moderna nos seus primeiros anos era monocromática, com suas autoridades forçando um país de diferenças a criar uma identidade nacional. Mas, à medida que a prosperidade e a democracia fortaleceram-se, esforços para reavaliar o passado foram feitos, trazendo algumas das diferenças étnicas e religiosas de volta ao foco.

Ataturk, cujo nome significa ‘pai dos turcos’, foi uma das figuras mais importantes do século 20. Mas sua história não é tão conhecida no Ocidente, em parte porque o status de Deus na Turquia a tornou politicamente espinhosa para contar.

‘A Turquia nunca ia querer ver o seu pai fundador, o qual vê como uma pessoa sagrada, sendo retratado como uma pessoa com fraquezas humanas’, escreveu o diário ‘Turkish Daily News’, de língua inglesa, que relatou esforços vãos de Antonio Banderas, Kevin Costner e Yul Brynner para interpretá-lo.

Identidade nacional

Essa característica está na origem de muitos dos problemas do país. A Turquia tem uma enorme capacidade de negação, o que inclui o genocídio de armênios no começo do século 20 e uma grande minoria curda cuja existência o Estado só agora começa a reconhecer.

‘Ataturk é usado como escudo por aqueles que interrompem o debate sobre muitas das deficiências do país’, escreveu Ahmet Altan, um dos mais importantes intelectuais do país e colunista do diário liberal ‘Taraf’. ‘Eles atribuem um status de Deus a Ataturk, e então escondem-se atrás dele.’

Dundar baseou-se em uma longa seleção de diários e cartas de Ataturk que estiveram fechados por décadas em arquivos militares. O homem que emerge é ainda mais radical nas suas crenças do que aquele que os turcos conhecem, diz ele.

Ataturk estava determinado, por exemplo, a subordinar o islã e a forçar os turcos a aparentar e a se comportar como ocidentais. Dundar disse que só pôde usar uma pequena fração do material a que teve acesso que revelava algo do que Ataturk pensava sobre o islã. O resto era muito explosivo, disse.

Houve algumas divergências profundas em relação à história oficial, embora o filme se aproxime dela. Em uma cena, Ataturk diz crer que as áreas habitadas predominantemente por curdos deveriam ter status especial. O tema é extremamente controverso no país, que teme a secessão do sudeste curdo.

O filme estreou em 29 de outubro, Dia da República, a data nacional do país, e está em cartaz em mais de 200 salas. Dundar, ciente da delicadeza do tema, apesar de seu fluente inglês preferiu dar a entrevista em turco, para a máxima precisão.’

 

 

MODA
Gustavo Fioratti

Jovens incorporam estilo ‘Betty, a Feia’ como pop

‘Depois dos Beatles e da Madonna, pop mesmo é uma menina desengonçada, que usa aparelho nos dentes e óculos fundo de garrafa. A popularidade de ‘Betty, a Feia’ -a novela colombiana- hoje é medida em 76 países.

O fenômeno Betty contaminou de vez a indústria do entretenimento e da moda, assim como as artes. Em São Paulo, os sinais de que os feios foram coroados reis do pop está na multiplicação do visual nerd de Betty pelas baladas afora.

Um empurrão erudito para a aceitação foi dado pelo escritor italiano Umberto Eco, que lançou, em 2007, ‘História da Feiúra’. Em um ano, foram vendidas 10 mil cópias no Brasil. É o dobro do que vendeu no primeiro ano a obra ‘História da Beleza’, do mesmo autor.

Ir na contracorrente do culto à beleza é uma onda internacional. Para Marc French, diretor da agência inglesa Ugly Models -que, como diz o nome, aposta no nicho dos que ‘fogem do padrão’-, a inclusão de pessoas feias na indústria do entretenimento, da moda e da publicidade é uma ‘tendência mundial’.

Um bom exemplo é a escolha do inglês Del, 30, para protagonizar anúncios da Calvin Klein. No lugar dos modelos de corpos e rostos perfeitos, brilha uma estrela da Ugly Models. Del é magro, tem os dentes tortos e uma expressão caipira.

‘Usar os feios é algo fora do comum, o que pode tornar uma campanha bem mais excitante’, explica Marc, que, depois de abrir, em 2007, uma filial em Nova York, anuncia para o ano que vem a sua vinda a São Paulo em busca de ‘novos talentos’.

As agências tradicionais de modelos também se aventuram no novo nicho. Fizeram descobertas como a gaúcha Daiane Conterato,17, dona de uma carreira sólida no exterior por sua beleza não-convencional.

Com seu rosto assimétrico, no estilo das atrizes preferidas do cineasta espanhol Pedro Almodóvar, Daiane caiu nas graças da rainha da moda Miuccia Prada. Hoje, vive em Nova York e está entre as 35 modelos mais bem-sucedidas da atualidade.

Exagero na devoção

Todos esses exemplos são brechas em uma cultura que exagerou na devoção à beleza. ‘Não é coincidência que isso tudo esteja acontecendo justamente agora’, diz a psicóloga Joana Novaes, autora do livro ‘O Intolerável Peso da Feiúra’. ‘É como se [as pessoas] dissessem: ‘Do que é que temos tanto medo? Que horror é esse em relação aos feios?’

O cantor e poeta Felipe Flip, 28, diz que já enxergou ‘tal brecha’. ‘Fico feliz de ver que há mais gente feia aparecendo na mídia. Os feios, como eu, gostam disso, se identificam e se sentem menos excluídos.’

Para a psicóloga, o impacto da falta de beleza na mulher é maior porque há o discurso de que a feia é menos feminina. ‘Se um homem é feio, ele não é menos homem’, afirma ela.

Felipe chega a defender a própria feiúra como arma de sedução. ‘Por algum motivo, as mulheres gostam mais dos feios’, afirma ele. Questionado se já ficou com alguma menina desprovida de beleza, no estilo ‘Betty, a Feia’, Flip se defende. ‘Eu já sou feio demais, ficaria poeticamente ruim.’’

 

 

TELEVISÃO
Daniel Castro

Para Tony Ramos, crise das novelas é muito passageira

‘Um dos maiores nomes da teledramaturgia brasileira, Tony Ramos, 60, acredita que a crise pela qual passam as novelas vai acabar logo. As novelas das oito da Globo perderam 20% de público em dois anos.

‘Isso é muito, muito, muito passageiro’, diz o ator, que em dezembro volta a gravar como Opash, seu personagem em ‘Caminho das Índias’, próximo título das 21h da Globo.

‘Acho que sempre estaremos discutindo se uma novela vai bem ou mal. Essa é uma discussão que às vezes o público não participa. Se você colocar um belíssimo filme, terá uma belíssima audiência. Se for um filme bom, mas mais articulado, mais cabeça, vai ter menos audiência. Essa é uma lógica imutável. Nós lidamos com a reação popular, que vai sempre ser medida por uma boa história’, diz.

Ramos confessa que é noveleiro, que está empolgado ‘com as reviravoltas de ‘A Favorita’ e que se diverte com os vilões cômicos de ‘Três Irmãs’. Para o ator, a novela é mais do que um grande produto cultural brasileiro. ‘É a identidade nacional. O que motiva a identidade nacional é a emoção contida no produto, a emoção de contar uma boa história’, explica.

‘Caminho das Índias’ será a primeira novela de Glória Perez no extenso currículo de Ramos. Ele diz que está fascinado pela história. ‘Opash é um rico comerciante indiano, casado, com quatro filhos. Ele é conservador na essência, preserva a família, defende questões filosófico-religiosas’, conta. O personagem será um quase-vilão. Ou seja, não será desta vez que Tony Ramos se entregará completamente ao mal.

Hora da Maldade

Apesar de ter só 29 anos, Fernanda Rodrigues já é uma veterana. Está há 17 na Globo. ‘Negócio da China’ será a 14ª novela de sua carreira. Mas a primeira em que interpreta uma vilã. ‘Já fiz rebelde, revoltada, fofoqueira, mas uma pessoa má como a Estelinha, não. Ela vai aparecer para causar muita confusão, destruir relações’, adianta. Filha de cozinheiros que já tiveram muito dinheiro, Estelinha cresceu em um colégio interno, porém fugiu para Portugal. Na Europa, se envolveu com a máfia chinesa e se tornou uma exímia lutadora de kung fu. ‘Estou aprendendo a lutar. Fico toda dolorida, mas estou me sentindo a Uma Thurman em ‘Kill Bill’, afirma.

O ANO DE WEBER

Depois de emplacar duas boas atuações (em ‘Queridos Amigos’ e em ‘Ciranda de Pedra’), Guilherme Weber (foto) fecha 2008 com participações especiais em ‘Casos e Acasos’, no próximo dia 27, e em ‘O Natal do Menino Imperador’, especial de fim de ano da Globo inspirado na infância de dom Pedro 2º. Em ‘Casos e Acasos’, o ator interpretará um homem ciumento que desconfia da mulher e quebra a cara ao segui-la, pensando que daria um flagrante daqueles. No especial infanto-juvenil, ele será o marquês de Itanhaém.

PÂNTANO

Novela de estréia de Íris Abravanel, ‘Revelação’ será exibida após ‘Pantanal’, que por sua vez só começa quando termina ‘A Favorita’. Isso quer dizer que a história da mulher de Silvio Santos só entrará no ar depois das 23h, o que exigirá algum sacrifício dos noveleiros que acordam cedo. Esse panorama, no entanto, mudará no final de janeiro. Quando o SBT transmitir o último capítulo de ‘Pantanal’, ‘Revelação’ tomará seu lugar.

CAPRICHO DIGITAL

‘Os Óculos de Pedro Antão’, especial da Record que dramatizará conto de Machado de Assis, está sendo gravado com uma câmera F23, da última geração de alta definição da Sony. Segundo a Contém Conteúdo, produtora que realiza a obra, é a primeira vez que a câmera roda no Brasil. O equipamento, diz, propicia ‘maior amostragem de cor’. No cinema, foi usada em ‘Speed Racer’. O investimento visa o mercado externo.’

 

 

Bia Abramo

Republicanos de queixo-duro

‘BARACK OBAMA , democrata e negro, é o presidente eleito dos Estados Unidos há quase duas semanas e, enquanto isso, no mundo encantado dos seriados americanos, um simpático republicano clássico, daqueles autoritários de queixo-duro, ainda é candidato à Presidência. O queixo-duro é de Rob Lowe, um ex-galã adolescente que fazia as meninas dos anos 80 suspirarem em filmes como ‘O Primeiro Ano do Resto de Nossas Vidas’ e ‘Vidas Sem Rumo’ e que agora interpreta o senador candidato em ‘Brothers and Sisters’.

De uma maneira nada sutil, a série ‘Brothers and Sisters’ tenta ser uma espécie de cartilha para ensinar os EUA liberal a sucumbir à ordem republicana da era Bush sem perder a graça pop e a ternura jamais. A série tinha um apelo esperto, muito adequado à vaga conservadora dos tempos que correm -’Vejam, os anos Bush não são assim tão desprovidos de charme, e é possível ser reacionário, a favor da guerra do Iraque e das barreiras à imigração sem deixar de ser cool’. Depois da vitória democrata nas eleições de 2008, entretanto, passou a soar estranhamente anacrônica. Os irmãos e irmãs do título são os cinco (!) filhos de Nora Walker, uma ‘baby boomer’ interpretada pela Regina Duarte americana, Sally Field. Em vez de se ligar, sintonizar e cair fora, ela se casa com um republicano rico, que a enche de filhos e mantém uma amante por anos.

No início da série, os filhos estão adultos e o pai, morto. Os dramas dos irmãos e irmãs são aqueles previsíveis: divórcio, desencontros amorosos e conjugais, vícios vários etc. A nota dissonante é Kitty, a única filha republicana, também de queixo-duro, e permanentemente em conflito com a mãe e os irmãos ‘liberais’, que se apaixona pelo candidato republicano a ser o próximo presidente dos EUA. O papel de Kitty é de Calista Flockhart, atriz que encarnou como ninguém a mulher americana ultraneurótica dos anos 90 em ‘Ally McBeal’.

A família, à exemplo, vive às turras e discute como poucas, mas, é claro, no fim todos se reconciliam, ora sob a batuta ‘racional’ da personagem de Calista, ora sob comando amoroso de Nora. A mensagem da convivência conciliatória entre conservadores e liberais, entretanto, não deixa de revelar uma não muito disfarçada preferência pelas saídas reacionárias de Kitty, como a sugerir que a diferença entre democratas e republicanos, no fundo, é pouca -e que se não o for, a superioridade republicana vai prevalecer, de algum modo.’

 

 

Mônica Bergamo

Sapatinho de Cristal

‘‘Assisto a ‘Mulheres Apaixonadas’ [de 2003, exibida em ‘Vale a Pena Ver de Novo’], em que trabalhei, e vejo o quanto amadureci internamente. Não digo esteticamente, porque ninguém ganha um monte de rugas em cinco anos, mas vejo que foi justamente naquele momento em que meu castelo cor-de-rosa estava desabando. Meu casamento [com o ator Marcos Frota], que pensei que fosse durar para sempre, estava chegando ao fim. Comecei a amadurecer de verdade.’

O desabafo da atriz Carolina Dieckmann acontece durante rápida parada entre uma cena e outra da novela ‘Três Irmãs’. Sentada num sofá do estúdio três do Projac, no Rio, ela dá entrevista e tira fotos apenas com pó no rosto e rímel marrom. Enquanto ela conversa, José Wilker anda de um lado para o outro com textos da novela nas mãos. ‘Oi, tudo bem?’ ‘Não’, responde ele, seco.

A mãe de Davi e de José continua a falar sobre seu lado esposa. No episódio da vida real em que a atriz Luana Piovani denuncia o ex-noivo, Dado Dolabella, depois de ser agredida por ele e de vê-lo agredir uma idosa, Carolina diz: ‘No meu caso, isso não teria acontecido. Eu não provocaria meu namorado bêbado em uma boate. Também não brigaria em um local público. Simplesmente iria embora’. Preocupada com o impacto da frase, ela volta atrás para esclarecer. ‘Olha, não estou tomando partido. Só estou dizendo que minha atitude seria diferente.’

Entre a Carolina de 25 anos e a de 30 anos está o casamento com Tiago Worcman, o segundo filho, José, e a felicidade ‘em descobrir que o mundo não é cor-de-rosa’. ‘Assim você tem menos expectativas e, com isso, se frustra muito menos.’ Apesar de seu castelo estar hoje pintado de outra cor, a atriz ainda se diz ‘romântica’. ‘Ah, sou superchorona, ouço música romântica, gosto de flores, coloco um vestido e penso se meu marido vai gostar. Acho também que ser romântica é acreditar que o Obama [presidente eleito dos EUA] vai mudar o mundo pra melhor.’

A atriz Maitê Proença, sua colega de elenco, aparece na salinha de entrevista vestindo uma saia branca, sandálias altas e rosto ao natural. ‘Maitê, Maitê, me ajuda aqui. O que é ser romântica para você?’ ‘Ah, pra mim é chorar, é se emocionar com as coisas. Aquele choro que vem de dentro pra fora’, responde.

Maitê estranha o fato de Carolina estar cercada por três jornalistas. ‘Carol, mas você tem tanto assim para falar? Pra que tanta gente?’ Na verdade, há apenas a reportagem da Folha. As outras duas profissionais são assessoras de imprensa da TV Globo que acompanham a conversa. Uma delas anota no bloquinho todas as respostas da atriz. Argumentam que é para não haver discordância entre as aspas publicadas e as ditas.

‘Depois de uma entrevista eu invariavelmente tomo um pito dos assessores. Me dizem: ‘Ah, você não pode falar sobre prisão de ventre’. Gente, eu sempre falei sobre cocô. Falo sobre cocô com meus filhos e acho uma coisa perfeitamente natural.’ A declaração de que passou fome para perder os 29 quilos que ganhou em sua última gravidez despertou reações diversas no público, sob argumento de que ela estaria dando mal exemplo com esse tipo de afirmação. ‘Cara, sou assim. Não vou dizer que comi um bifinho com salada para as pessoas imitarem. Não sou médica. Fiz a escolha de sempre, falar a verdade a ter de dizer o que as pessoas querem ouvir.’

O jeitão direto e certa timidez levaram a atriz a ter relativa fama de chata -pecha difundida sobretudo pelo programa ‘Pânico na TV’, da RedeTV!, que perseguiu a atriz para que ela calçasse as ‘sandálias da humildade’, há três anos. ‘Gata, eu sou julgada o tempo todo. Se eu for à manicure, ela me tirar um bife e eu gritar, pronto! Todo mundo já vai dizer que eu sou louca, histérica, que maltratei a manicure.’

Séria, continua argumentando, enquanto abraça as pernas colocando os pés sobre o sofá de couro bege. ‘Eu, particularmente, não acredito nas pessoas que riem demais. O mundo não é uma maravilha, o mundo tá puxado, as pessoas têm problemas. Desconfio dessa gente que está no supermercado e, de repente, tá sorrindo [ela imita cliques de fotos com sorrisão]. Não é possível, gente, o feijão subiu e a pessoa tá lá sorrindo. Desculpe, mas não tem do que rir no mercado, a não ser que ela tenha um problema na boca. Sou tímida, pouca gente freqüenta minha casa, não abro a guarda, não. No trânsito, se uma pessoa me reconhece pelo vidro do carro, eu penso: ‘Será que o cara me reconheceu? Ou será que fiz alguma merda [no trânsito]?’. Tem gente que não liga, tá todo mundo olhando e ela tá lá, ‘cagando’, nem aí.’

É hora de gravar mais uma cena e ela entra no camarim. Troca a calça Diesel e a camisetinha por um saião até o pé e um top de biquíni. Começa uma argumentação com a figurinista. A atriz diz que não tem cabimento a personagem dela, uma professora, ir dar aula com aquele traje. Todos concordam. Carolina volta para o camarim e reaparece com uma blusinha por cima.

Antes de entrar na trama de Antônio Calmon, ela diz ter consumido ‘uns dez livros’ sobre Oriente Médio – entre eles, ‘O Caçador de Pipas’. Leu também a biografia do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Diz que não votou em Lula, mas que ao vê-lo subindo a rampa do Planalto pela primeira vez, chorou, estava ‘cheia de esperança’.

‘Infelizmente Lula se elegeu, mas o país não melhorou. Algumas coisas por erro dele, outras por problemas que já haviam quando ele chegou, em outros casos por omissão. O país está um … [e solta um palavrão tipo infração média].’ Como um disparo em que a bala mal chega ao destino, ela volta atrás. Até que a garota que fala tudo o que pensa parece aterrorizada e tenta se censurar. ‘Ai, por favor, não bota o palavrão!’ E não é por causa de nenhum assessor. ‘Gente, não quero que meu filho me veja falando palavrão, por favor!’’

 

 

CINEMA
Inácio Araujo

A arte mal-nascida

‘Já em seu título, este pequeno livro de Jacques Aumont (‘Moderno? -Por Que o Cinema Se Tornou a Mais Singular das Artes’) abriga uma interrogação angustiante, espécie de variação daquela outra: o que é o cinema? Seu interesse vem, em parte, dessa interrogação, já que o cinema surge no fim do século 19 como atividade intrinsecamente moderna: a luz, o movimento, a mecânica, a percepção do provisório do mundo estão, por assim dizer, em sua natureza.

Mas não será o cinema, ao mesmo tempo, uma arte mal-nascida, mero registro mecânico da realidade, sem valor estético, invenção sem futuro -para retomar o que disseram os próprios irmãos Lumière? Ou seja, na concepção clássica da própria história do cinema, enquanto outras artes viviam o apogeu do modernismo, no começo do século 20, o cinema vivia sua infância, sua ‘era primitiva’ e, depois do experimentalismo da década de 20, encontraria finalmente um chão ‘clássico’ com o surgimento do sonoro, no fim dos anos 1920.

Se havia encontrado sólida resistência do mundo artístico em sua era muda, devido à natureza ‘bastarda’ (isto é, de mero reprodutor de realidade), os próprios adeptos haveriam de condenar essa submissão, no período sonoro.

A crer nessa evolução, no mais, o cinema chegaria à sua modernidade entre 1940 e 1945, com Rossellini na Europa (libertando-se do roteiro, dos estúdios, da técnica) e Welles nos EUA (impondo o autor ao estúdio, criando relações som/ imagem não meramente miméticas).

Seja na teoria concebida ainda no cinema mudo (com Rudolf Arnheim em ‘A Arte do Cinema’, por exemplo), seja na do pós-guerra (com exceção de André Bazin), existe um aspecto defensivo quase permanente: o cinema precisa se justificar, demonstrar sua pertinência estética, provar que não está em atraso em relação às demais artes. É esse trajeto que o autor refaz. Em linhas gerais, Aumont discute o moderno até chegar ao seu ponto de esgotamento, o contemporâneo, em que o cinema se mostraria capaz de encarnar ‘a virtude contemporânea’ por seu caráter múltiplo: arte do tempo, do espaço, das imagens em movimento, da narrativa, mas também arte de massa, de tecnologia.

Nessa medida, o cinema que chega ao século 21 ‘já não é o cinema: é um conjunto de idéias, de forças, de potências, de propriedades, de mitos, de histórias, [conjunto] que obviamente atravessa os filmes produzidos pela indústria ao longo de um século, mas que atravessa também (…) todo o século, até fora dos filmes’. Arte, enfim, que segue como tal no ano 2000, ora apoiando-se em sua natureza realista, ora inspirando-se em outras artes, ou, ainda, fundindo-se com elas.

No entanto (e aqui vemos em Aumont um legítimo herdeiro do pensamento dos ‘Cahiers du Cinéma’ da chamada ‘fase amarela’), ao comparar, ao final de seu trajeto, o destino do cinema com o de outras artes, e sustentar como que o triunfo do ‘eterno contemporâneo’ cinematográfico, diante de uma música dividida entre a moda e a herança das elites, ou à pintura, onde as exposições de público de massa esgotaram-se em meados do século 20: ‘Essa, aliás, talvez só seja outra maneira de fazer a mesma observação: o cinema não muda, posso ver na mesma noite um Ford ou um Hitchcock e um John Woo ou um Kiarostami. Terei menos o sentimento de ter viajado no tempo do que nos estilos.’

O que distingue o cinema das outras artes, conclui Aumont, é que o cinema permanece hoje igual a si mesmo. Ao longo do século 20, as artes plásticas, a música, a dança afastaram-se ‘do público de amadores para só se dirigir a conhecedores sérios. Outras práticas simbólicas tomaram o lugar delas na difusão de massa (…), sem contar a televisão, que substitui tudo’.

O cinema, ao contrário, continuaria estruturado sobre uma divisão que data dos anos 20, entre cinema de arte (ou de autor ou de ensaio) e cinema comercial (ou de massa ou industrial). Desde então, sustenta Aumont, eles se mostram inconciliáveis. Desde então, continua a existir, ao menos, a hipótese de aproximá-los.

MODERNO?

Autor: Jacques Aumont

Tradução: Eloisa Araújo Ribeiro

Editora: Papirus (tel. 0/ xx/19/3272-4500)

Quanto: R$ 29,90 (96 págs.)’

 

 

 

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