AI-5
Médici queria revogar AI-5, diz ex-presidente da Arena
‘O general Emílio Garrastazu Médici assumiu a Presidência do Brasil em outubro de 1969 disposto a revogar o AI-5, sigla que entrou para a história como o ato institucional que escancarou a ditadura no país. Médici desistiu da idéia e assumiu uma posição linha-dura tão logo constatou, em consultas informais, que não teria o apoio de importantes aliados.
A cúpula das Forças Armadas achava cedo demais para extinguir o texto que abriu a possibilidade de fechar o Congresso, permitiu intervenção do governo federal nos Estados, institucionalizou a censura e suspendeu o habeas corpus em casos de crimes políticos.
A primeira versão do AI-5, contudo, era muito mais radical. Extinguia o Legislativo em todo país e fechava o Supremo Tribunal Federal. Essa versão foi rechaçada pelo então presidente Arthur da Costa e Silva (1967-1969), que exigiu um texto que não fosse ‘dose para cavalo’ e só aceitou assiná-lo porque temia ser deposto.
O autor dessas revelações, até hoje compartilhadas em detalhes somente com poucos confidentes, é Rondon Pacheco, ex-chefe da Casa Civil do governo Costa e Silva. Aos 89 anos, ele é a única testemunha viva que participou de todo o processo de confecção do AI-5, no dia 13 de dezembro de 1968.
Com as credenciais de quem redigiu o texto final do ato, ajudou a fazer uma Constituição que facilitaria a revogação do ato em 1969 -mas não foi outorgada porque Costa e Silva adoeceu- e participou da escolha da segunda chapa presidencial depois do movimento de 1964, Pacheco revelou à Folha bastidores daquele capítulo da história da ditadura brasileira.
‘O presidente Costa e Silva me disse isso várias vezes em seus despachos, que ele às vezes não dormia pensando nos problemas do outro dia’, recorda Rondon Pacheco, dizendo que Costa e Silva assumiu o governo gerenciando problemas. Havia, segundo Pacheco, uma conspiração sendo tramada pelo ex-governador Carlos Lacerda no Hotel Glória (RJ).
‘Não foi um governo tranqüilo, apesar de estar perfeitamente constitucionalizado’, diz. Mas afirma que a Constituição de 1967 assustou o autodenominado ‘governo revolucionário’. Para o ex-chefe da Casa Civil, foi a falta de habilidade política que transformou dois curtos discursos do deputado Márcio Moreira Alves -que criticou militares no plenário da Câmara- na maior crise do governo. ‘Coisa do Márcio, demagogo’, avalia Pacheco. Ofendidos, os militares exigiram a cassação do deputado. Pacheco conta que Costa e Silva acordou uma solução intermediária para aprovar uma licença para o deputado.
‘Se tivesse havido a punição conforme já estava combinado, não teria havido nada [o AI-5]’, sustenta. Mas o ministro Gama e Silva (Justiça) decidiu, à revelia, trocar os integrantes da comissão que analisava o caso para aprovar a cassação. O ministro só não foi demitido porque era amigo do presidente, segundo Pacheco.
A cassação, contudo, foi rejeitada pelo plenário da Câmara por 216 votos a 141, conforme ata da sessão de 12 de dezembro de 1968. Diante da derrota no Congresso, as condições para um golpe dentro do golpe estavam postas, na visão do governo. O presidente tomou a decisão de ‘nada decidir’ naquela noite de quinta-feira. Nem sequer recebeu companheiros de farda, que já tramavam uma proposta para reforçar o poder das Forças. Convocou reunião para as 11h.
Na manhã daquela sexta-feira 13, começava a fase mais dura da ditadura brasileira. ‘Tudo foi decidido pela manhã. Quando foi para o Conselho [Nacional] de Segurança, o problema já tinha sofrido um despacho saneador do presidente’, recorda o ex-ministro.
Foi convocado para a reunião um seleto grupo que ouviu do presidente a intenção de fechar o Congresso e editar um ato semelhante ao AI-1, que permitiu a cassação e suspensão dos direitos políticos de quem era contra o sistema.
‘Gama e Silva estava muito agitado. Isso eu notei. Ele chegou, sentou na cadeirinha do ministro da Justiça e disse: ‘O ato, presidente, está pronto’. Ele estava certo que ia fazer o presidente engolir o ato’, revela Pacheco. A primeira versão do AI-5 proposta ‘era um ato terrível’, nas palavras de Pacheco. Demitia todos os ministros do Supremo, dissolvia o Congresso e todas as Assembléias Legislativas. A intervenção federal seria no país inteiro, inclusive com a indicação de todos os prefeitos.
Rondon Pacheco guarda na memória detalhes daquela primeira reunião do dia no Palácio das Laranjeiras, mas revela ojeriza à versão ultra-radical do AI-5 lida por Gama e Silva. Diz que não quer nem saber que fim levou aqueles papéis.
Antes de vetada pelo presidente, a primeira versão dividiu os seis integrantes da reunião (veja quadro). A nova proposta foi apresentada no início daquela tarde. Caberia a Rondon Pacheco elaborar o texto final. ‘O Gama e Silva levou um projeto e eu fui expurgando’.
Enquanto fechavam o texto, chegaram os membros do Conselho Nacional de Segurança para a reunião das 17h, que sacramentou o AI-5. O vice-presidente Pedro Aleixo, segundo Pacheco, trouxe uma proposta para decretar o estado de sítio e uma carta de renúncia, se Costa e Silva desistisse.
Costa e Silva permaneceu no poder, mas elaborou um plano: a outorga de uma nova Constituição permitiria acabar com o AI-5 no dia 7 de setembro de 1969. Mas adoeceu e foi afastado do cargo dez dias antes de executar o cronograma.
O presidente que sucedeu Costa e Silva também pensou em pôr fim ao ato, afirma Pacheco: ‘O Médici quis revogar o ato e não teve apoio. O Exército achava cedo’. Escalado por Médici para presidir a Arena e depois governar Minas, Pacheco conta que o presidente recém-empossado fez consultas sobre o assunto. ‘Médici achou que talvez fosse melhor fazer o teste: revogar o AI-5 para ver se eles paravam com a agitação.’ Mas o teste nunca foi feito.’
***
Com pressão a 22, Costa e Silva pôs médico na ante-sala da ‘missa negra’
‘Momentos antes da reunião do Conselho Nacional de Segurança que sacramentou o AI-5, a pressão do presidente Arthur da Costa e Silva estava nas alturas. Um médico ficou de prontidão na ante-sala, para qualquer emergência. Mas o presidente parecia querer mais motivos para preocupar os médicos, revela Rondon Pacheco, então chefe da Casa Civil do governo.
‘Quando entrou na reunião, ele [Costa e Silva] ainda falou para mim: ‘Dr. Rondon, estou precisando da minha pressão a 21’, recorda Pacheco, que, naquele momento, acabara de informar o presidente que o ato ainda estava viciado.
Com a pressão a 22 por 13, Costa e Silva iniciou a reunião pedindo que cada um dos 23 integrantes do conselho dissesse ‘o que pensa e o que sente’. Às 17h do dia 13 de dezembro de 1968 celebrou-se, ao som de sirenes, a ‘missa negra’, como o jornalista Elio Gaspari, no livro ‘A Ditadura Envergonhada’, definiu aquela reunião. Tudo para manter Costa e Silva no poder, segundo Pacheco.
O fim da cerimônia fora traçado pelo presidente, que bateu na mesa e disse que ‘a decisão estava tomada’ antes de ouvir os ministros. Segundo Pacheco, não houve clima para debates ou troca de impressões: ‘Nós estávamos tão tensos’.
Restava aos signatários do ato deixar a própria marca. Chama a atenção os votos dos três mineiros integrantes do Conselho de Segurança: quem não foi contra, foi moderado, ao contrário de ministros como Jarbas Passarinho (Trabalho), que mandou ‘às favas todos os escrúpulos de consciência’ ao se posicionar a favor do AI-5.
O primeiro voto daquela reunião das 17h foi um ‘não’. O vice-presidente Pedro Aleixo defendeu o estado de sítio em vez da aplicação do ato. Ele argumentou que dessa forma era possível prevenir, com uma medida constitucional, as ‘perturbações’ que tiravam o sono do presidente e do ministro Gama e Silva (Justiça). Foi o único ‘não’ daquela tarde.
Outros dois mineiros integrantes do conselho acompanharam a moderação do vice-presidente. O tradicional jeito mineiro de fazer política, dissimulado para uns, conciliador para outros, deu o tom de 3 dos 23 votos naquela sexta-feira 13.
Pacheco disse estar diante de uma encruzilhada. Não concordava com o ato, mas sabia que o governo não conseguiria dois terços do Congresso para votar o estado de sítio.
‘Os mineiros foram os mais moderados’, disse ele, que propôs também a vigência de um ano para o ato, sugestão descartada por Orlando Geisel, então chefe do Estado-Maior.
Outro mineiro, ministro Magalhães Pinto (Relações Exteriores) fez jus à fama. No fim de seu voto, disse que se sentiu mais constrangido assinando o AI-5 do que quando ajudou a deflagrar o golpe de 1964.
O ministro Gama e Silva (Justiça) foi o último a falar. O autor da primeira e mais radical versão do ato deveria ter falado, de acordo com o protocolo, antes de Magalhães Pinto. O presidente quebrou o cerimonial, deixando-o por último.
Segundo Pacheco, todos sabiam das idéias radicais de Gama e Silva. ‘A rescisão do habeas corpus foi idéia dele. O Pedro Aleixo se pôs contra. O Gama queria demitir todos os ministros do Supremo. É muito além do habeas corpus.’’
CRISE
Prefiro o Lula
‘SÃO PAULO – Não são nada razoáveis as críticas de analistas ouvidos por esta Folha a propósito do otimismo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Primeiro, porque faz parte do instinto básico de Lula. Quando ele ainda era oposicionista, queixou-se mais de uma vez a amigo comum do que ele considerava pessimismo meu (não é pessimismo, é realismo, mas não interessa).
Se lamentava o pessimismo quando estava na oposição e não ganhava eleição, agora que ganha e bate recordes de popularidade, só pode ser superotimista.
Em segundo lugar, se o presidente diz ‘nosfu’, o país infarta, claro. Discutir se ‘sifu’ é expressão adequada ou não à ‘majestade do cargo’ é irrelevante. Em terceiro lugar, governantes -e não apenas o do Brasil- têm hoje mais a função de animadores de auditório do que de administradores, quando resolvem seguir o modelo quase único pró-mercado.
Tanto é assim que a ministra Dilma Rousseff teve o seu momento-verdade anteontem ao dizer: ‘O governo não pode legislar sobre empregos. Não podemos baixar uma medida provisória dizendo: ‘Fique o emprego como está’.
Pois é, se não pode manter o emprego, tampouco pode manter o poder aquisitivo dos salários, que é afinal o que de fato conta. Resta, pois, animar o público, no que está tendo o mais absoluto êxito, a ponto de 78% dos brasileiros acreditarem que sua vida vai melhorar no ano que vem, o que contraria as previsões de 11 de cada 10 economistas.
Vai ver que esses 78% sabem de uma frase cáustica do também economista Roberto Campos (1917-2001), que me foi enviada pelo leitor Arnaldo Risemberg: ‘Há três maneiras de o homem conhecer a ruína: a mais rápida é pelo jogo; a mais agradável é com as mulheres; a mais segura é seguindo os conselhos de um economista’.’
Julio Wiziack
Companhias de tecnologia faturam mais com a crise
‘A crise passa longe do horizonte das companhias de tecnologia que vendem serviços de armazenamento de dados. Conhecidas genericamente como data center, elas também oferecem serviços mais sofisticados, que podem praticamente substituir todo o departamento de TI (tecnologia da informação) das empresas.
Em tempos de escassez de financiamento, essas companhias estão atraindo mais clientes, fechando novos contratos, investindo na construção de novos prédios e na contratação de funcionários e prevendo crescimento que varia de 15% a 25% neste ano.
A Locaweb é uma delas. Com menos dinheiro na praça, muitas empresas decidiram terceirizar sua área de TI como forma de cortar custos. Em vez de retirarem dinheiro do caixa e imobilizá-lo em máquinas e equipamentos, além de funcionários, elas preferiram pagar um aluguel à Locaweb. Na prática, ela arca com esses investimentos e cobra pela prestação dos serviços de tecnologia que vão desde o simples armazenamento de dados até a manutenção de um site de venda.
O coração da Locaweb e de suas concorrentes é o data center, um local com milhares de servidores interconectados. Esses equipamentos são computadores ultrapotentes, cuja memória é fracionada para alojar os clientes que passam a acessá-los a partir de um link exclusivo de internet protegido por códigos de segurança.
Segundo Fernando Zangrande, gerente de desenvolvimento da divisão de data center da Locaweb, há dois anos, eles operavam com apenas 600 servidores. ‘Hoje já temos 3.000 máquinas e estamos investindo na construção de outro data center oito vezes maior,’ diz.
A maior parte dessa expansão é resultado do interesse de pequenas e médias empresas que, em geral, não têm recursos para manter uma estrutura própria de TI. Com a crise, grandes empresas também se tornaram clientes.
Na Telefônica, que atende grandes corporações, a demanda cresce tanto que haverá expansão de 30% do data center nos próximos meses. Os números de servidores não foram revelados porque a empresa considera a informação sigilosa.
‘Nenhum contrato foi cancelado’, diz Vladimir Barbieri, vice-presidente do segmento Empresas da Telefônica. Até setembro deste ano, o faturamento da Telefônica foi de cerca de R$ 1,2 bilhão. Barbieri acredita que fechará o ano com um crescimento de, no mínimo, 15%. Esse índice é superior aos 10% do ano anterior.
Motivos
A expansão desse setor também se explica pela dependência das empresas por tecnologia. Afinal, hoje todos os sistemas estão interconectados e muitas operações entre comerciantes e fornecedores ocorrem por meio da internet.
Na Pizza Hut da Grande São Paulo, por exemplo, as 17 lojas têm de ficar conectadas praticamente em tempo integral. A contratação da Picture Soluções em TI gerou economia, já que o grupo não precisou desembolsar com servidores, softwares e mais funcionários.
Segundo Roque Abdo, diretor de negócios da Picture, situações como essas estão trazendo mais clientes. Com a crise, a procura aumentou mais. ‘Estamos batendo recordes mensais. Em novembro desse ano, o nosso desempenho foi 60% maior que o do mesmo mês do ano passado,’ diz.
Abdo afirma que nenhum contrato foi cancelado e que as propostas encaminhadas há três meses foram fechadas. ‘É difícil não ser otimista. Não sinto a crise até porque eu sou parte da solução.’’
CULTURA
Juca Ferreira
Para a cultura pautar nosso dia-a-dia
‘CONCLUI-SE NESTA semana o processo de participação social na construção do Plano Nacional de Cultura (PNC), um instrumento que dará base legal para o Estado realizar ações que valorizem a nossa diversidade, garantam o direito de todos os brasileiros à cultura e concretizem o potencial desse setor para a economia do país. Governo federal, Congresso Nacional e sociedade civil trabalharam unidos, desde junho, na etapa de consolidação do texto. O processo envolveu um ciclo de seminários em todas as unidades da Federação, encerrado na última semana em São Paulo.
Em cada uma das 27 capitais, uma média de 200 representantes do setor público e privado, artistas, produtores, grupos culturais e cidadãos puderam debater e propor aprimoramentos para as propostas reunidas no caderno de diretrizes do PNC. Em paralelo aos seminários, vários cidadãos tiveram também a oportunidade de se informar e enviar sugestões pelo site www.cultura.gov.br/pnc, canal que se encontra aberto até o próximo dia 10.
Caminhamos, então, para o final de um esforço coletivo, em curso desde 2003, que incluiu a 1ª Conferência Nacional de Cultura e as audiências públicas conduzidas pelo ministério e pela Câmara dos Deputados, com destaque para a Comissão de Educação e Cultura. E que, desde março, recebe a assistência do Conselho Nacional de Política Cultural.
Esse histórico fundamenta as quase 300 diretrizes pensadas para o plano, organizadas nos seguintes eixos: 1) fortalecer a ação do Estado no planejamento e na execução das políticas culturais; 2) incentivar, proteger e valorizar a diversidade artística e cultural; 3) universalizar o acesso à fruição e à produção cultural; 4) ampliar a participação da cultura no desenvolvimento socioeconômico sustentável; e 5) consolidar os sistemas de participação social na gestão das políticas culturais. O projeto que transforma o plano em lei dotará o Brasil de um roteiro para o desenvolvimento de suas políticas culturais, de forma compartilhada e descentralizada, num horizonte de dez anos. Sua implementação e a do Sistema Nacional de Cultura caminharão lado a lado e darão origem a um novo e amplo marco legal.
A cultura nos traduz e nos diferencia. É por meio dela que nos revelamos uma sociedade original, plural e tolerante. Além disso, gera renda, trabalho e cidadania. Sua cadeia produtiva responde por 8% do PIB, segundo estimativa do Ipea. Gastos com bens culturais estão entre as principais despesas das famílias. A diversidade cultural é considerada, ao lado da biodiversidade, uma das fontes para um novo modelo de desenvolvimento.
No entanto, as carências a superar são grandes, de acordo com dados do Ipea, do IBGE e do MinC. Só 4,2% das prefeituras brasileiras têm estruturas específicas para gerir a cultura. Mais de 75% dos municípios não contam com centros culturais, museus, teatros, cinemas. E boa parte da população nunca entrou na internet.
O país vem enfrentando essa realidade com iniciativas como o Mais Cultura, um reforço de R$ 4,7 bilhões até 2010 para regiões sem equipamentos de acesso ou em situação de vulnerabilidade. Os pontos de cultura já têm amplificado manifestações locais bem-sucedidas, criando uma rede interligada. A atenção às culturas populares dá voz a segmentos historicamente ignorados. Editais expandem o acesso aos recursos e o fomento às artes consolidadas. Temos trabalhado juntos, governo e Congresso, para fortalecer as instituições e ações do campo cultural. A presença de mais de 400 deputados e senadores na Frente Parlamentar em Defesa da Cultura evidencia que o retrato da área como algo acessório tende a se apagar de vez.
Estão na ordem do dia do Congresso a proposta de emenda constitucional 150, que estabelece percentuais obrigatórios de investimento público na cultura, e o projeto de lei que amplia a estrutura do ministério, deixando-o à altura de seus desafios.
Chegarão àquela Casa, ainda, a reforma da Lei de Incentivo à Cultura, cujo texto irá a discussão pública, e a da Lei do Direito Autoral, que já é objeto de um fórum nacional. A aprovação do plano, por sua vez, é prevista para o início de 2009.
Chegou a hora de a cultura receber um tratamento à sua altura. Um setor tão presente na vida cotidiana, tão transversal no conjunto das dimensões humanas, tão transformador para os indivíduos, tão vital para a economia do país e para sua relação com o mundo merece políticas contínuas que contemplem sua grandeza.
JUCA FERREIRA , 59, sociólogo, é ministro da Cultura.’
TELEVISÃO
Vai, Lacraia
‘Depois de vários papéis de empregada na Globo, Aline Borges, 33, finalmente fará um personagem de ‘responsabilidade’. No seriado ‘A Lei e o Crime’, que a Record estréia em janeiro, viverá a bandidona Lacraia, braço-direito do traficante Nando (Ângelo Paes Leme), por quem é apaixonada. ‘A Lacraia não é machona nem feminina. Vive o tempo todo entre homens, segurando um fuzil. Ela está sempre na atividade, não curte a vida’, descreve a atriz, que já trabalhou como palhaça. Agora, Aline é a aposta da Record. Nem fez teste para o papel. Foi convidada.
Em sigilo, TV Globo prepara seriado policial para 2009
A Globo contratou no final do mês passado os escritores Marçal Aquino e Fernando Bonassi. Eles estão escrevendo os primeiros episódios de um novo seriado policial, mantido em sigilo pela emissora.
O projeto foi apresentado no meio deste ano por José Alvarenga, diretor, entre outros programas, de ‘Os Normais’. Ainda não está totalmente aprovado pela cúpula da Globo, mas a contratação dos escritores indica que há grandes chances de vir a ser produzido em 2009. Aquino e Bonassi assinaram contrato de um ano.
O seriado será ambientado no Rio de Janeiro e tratará de temas atuais. Não terá delegacia. Alvarenga diz apenas que será um ‘seriado policial investigativo’ de vários tipos de crimes, não apenas homicídios. Segundo o diretor, o programa será uma novidade na TV aberta brasileira.
Há anos a cúpula da Globo estuda lançar uma série policial, mas sempre esbarra nos altos custos das cenas de ação. Em toda esta década, optou apenas por seriados de humor, mais baratos. A queda de audiência nos dois últimos anos fez a emissora repensar.
Ex-colunista da Folha, Fernando Bonassi, além de escritor, é roteirista de cinema e já colaborou com a Globo. Participou do texto da série ‘Carandiru – Outras Histórias’ (2005), dirigida por Hector Babenco. Marçal Aquino, também jornalista e roteirista de cinema (‘Os Matadores’, ‘Nina’), é estreante na TV.
ERA UMA VEZ
‘Era uma Vez’, segundo filme de Breno Silveira (mesmo diretor de ‘2 Filhos de Francisco’), não foi tão bem nas bilheterias dos cinemas, mas serviu de passaporte para a Globo à protagonista, Vitória Frate (foto). Em ‘Caminho das Índias’, próxima novela das oito, Vitória será amiga das personagens de Ísis Valverde e Júlia Almeida. E contracenará com Alexandre Borges (seu pai), Deborah Bloch (mãe), Elias Gleizer (avô), Humberto Martins (tio) e Letícia Sabatella (amiga da mãe).
FORÇA ESTRANHA
Terá um quê de política o especial deste ano de Roberto Carlos, que a Globo exibe no dia 25. Em gravação de bate-papo mediado por Nelson Motta, na última segunda, Roberto e Caetano Veloso lembraram dos tempos da ditadura e, acompanhados por violão, violoncelo e piano, cantaram canções da época -’Debaixo dos Caracóis dos Seus Cabelos’, ‘Força Estranha’ e ‘Como Dois e Dois’. Nesta quinta, será gravado show com participações de Rita Lee, Zezé Di Camargo e Luciano e Neguinho da Beija-Flor.
MUTAÇÃO
Lembra de Jonas Torres, o Bacana de ‘Armação Ilimitada’? Ele reaparecerá nas próximas semanas na novela ‘Mutantes – Caminhos do Coração’, da Record. Viverá um mutante do mal, Electron. A novela de Tiago Santiago acaba de ganhar o reforço de Nina Morena, filha de Marília Pêra. Ela interpreta Zaíra, a Mulher-Zumbi, a feia que ficará linda.
REPLAY
‘Mutantes’, que já se chamou apenas ‘Caminhos do Coração’, emplacará uma terceira temporada. Começará em abril de 2009.
ESPÍRITO
O produtor Luís Eduardo Girão trabalha atualmente em um projeto de minissérie baseado no filme ‘Bezerra de Menezes – O Diário de um Espírito’, protagonizado por Carlos Vereza, já visto por mais de 400 mil espectadores em todo o país. Girão irá oferecer o projeto, primeiramente, à Globo. O longa conta a história de um médico cearense espírita.
NATAL DO SBT
O SBT exibirá dia 20 show que padre Marcelo Rossi (quase exclusivo da Globo) ancorou em abril, em Interlagos, com Xuxa e Sangalo.’
Lucas Neves
noites de mistério
‘Não faz mais do que 15ºC em Monte Alegre do Sul, no interior de São Paulo, na noite em que as câmeras da minissérie ‘Além do Horizonte’ enquadram Pandora, 19.
A cena pede que ela cruze a praça Bom Jesus com leveza e desenvoltura. Na primeira tomada, parece um tanto desconcentrada. Na segunda, desgostosa, abandona o set. A galope, para desespero da equipe.
Pandora é a égua de Esperantino, o protagonista desta co-produção entre TV Cultura e Sesc -uma de seis atualmente em elaboração, na terceira fase do projeto ‘Direções’. Filho de um padre com a dona do bordel da fictícia Pérola do Norte, ele volta do exílio para vingar a morte do pai, linchado ao ser pego com a prostituta. Seu ‘troco’ será despertar a libido recalcada dos conterrâneos.
Até a semana do Natal, Monte Alegre do Sul, com seus 6.000 habitantes distantes 145 km da capital e orgulhosos de seus morangos e cachaças, fará as vezes de Pérola do Norte.
O roteiro é do ator Ivam Cabral, da trupe paulistana Os Satyros, que diz ter se inspirado no realismo fantástico de García Márquez e Dias Gomes; os nomes de personagens e a aura de mistério também aludem ao Aguinaldo Silva kitsch de ‘Fera Ferida’ e ‘A Indomada’.
Na direção, o encenador d’Os Satyros Rodolfo García Vázquez diz que a idéia é ‘trazer nosso jeito de fazer teatro para o modus operandis da TV’.
O que às vezes significa ‘apanhar’ dos equipamentos (‘no começo, não conseguia olhar as cenas pelo monitor; ficava observando os atores diretamente’) e levar puxões de orelha do diretor do núcleo de teledramaturgia da Cultura, Pedro Vieira, que segue as gravações:
‘A gente vai ter de abrir mão do áudio! Silêncio absoluto para gravar pata de cavalo não dá!’, diz ele, em reação ao preciosismo de Vázquez. Mais adiante, chama atenção para a segurança da atriz Lavínia Pannunzio, que monta Pandora: ‘Não pode vir rápido aí [em ladeira com paralelepípedo], não, Rodolfo! Rápido aí é f***! Se quiser, acelera na edição’.
Ainda radicais
O ‘jeito de fazer teatro’ dos Satyros pressupõe uma abordagem aberta da sexualidade. Nudez e sugestão de relação sexual são comuns em suas peças:
‘Não abrimos mão da nossa radicalidade. Só a estamos levando a um público mais amplo’, afirma Vázquez. ‘O cara que vai à praça Roosevelt [onde está a sede do grupo, no centro de São Paulo] ver um espetáculo radical sabe que está lá para isso. Na TV, pode haver um senhor ou uma criança vendo. A minissérie aborda temas caros ao nosso projeto estético, como o desejo e a hipocrisia, numa linguagem que não vai ofender o velhinho que mora na fronteira com Mato Grosso do Sul.’
Para Cabral, a negociação das concessões artísticas foi mais penosa. ‘Esse jogo com a Fundação Padre Anchieta [mantenedora da TV Cultura] foi difícil. Não pode ter seio de fora. Cortamos bastante.’
O coordenador de conteúdo e qualidade da Fundação, Gabriel Priolli, afirma que ‘a posição é de obediência à classificação indicativa’: ‘É possível mostrar tudo, desde que em adequação à faixa de exibição. Se contextualizada, a nudez pode existir. Não temos medo de ousar, mas não somos irresponsáveis: sabemos que estamos pilotando um veículo de massa’. O programa deve ir ao ar às 22h, horário em que o conteúdo não é recomendado a menores de 16 anos.
O que todos concordam é que ‘a teledramaturgia precisa ser renovada, dinamizada’, nas palavras de Priolli. ‘Será que nunca superaremos a novela ‘Pantanal’, duas mulheres brigando por um homem, melodrama enlatado?’, indaga Vázquez.
A busca de novas veredas para a teledramaturgia não tira o sono de Monte Alegre do Sul. Na praça quase deserta, o grupo de canto litúrgico sai da aula na igreja e passa batido pela parafernália da produção. Lá no canto, escondidinhas, três senhoras observam de soslaio: a primeira-dama da cidade, sua irmã gêmea e a vereadora reeleita. É Dias Gomes que veio espiar os Satyros.’
Sylvia Colombo
Vocalista de banda de rock vira Capitu na TV
‘Para encarnar a Capitu de ‘Dom Casmurro’ (1899), a atriz Letícia Persiles preferiu buscar sua principal referência não em livros sobre a sociedade carioca do século 19, onde o romance é situado, mas sim em uma obra sobre a França pré-revolucionária. ‘Capitu’ é o título da adaptação para a TV do clássico de Machado de Assis. A minissérie, em cinco episódios, estréia na próxima terça, na Globo.
O texto a que a atriz se refere é ‘O Grande Massacre de Gatos’, do historiador norte-americano Robert Darnton, que trata das mudanças culturais e de comportamento dos franceses às vésperas da Revolução. Entre outras coisas, seu estudo aborda uma tradição popular que relaciona a sexualidade feminina com os felinos.
‘Há uma relação entre os dois estereótipos que está no imaginário popular há tempos. Mulher e gatos são vistos como algo que inspira admiração e mistério. Geram dúvidas e, por isso, estão sempre sujeitos a serem julgados’, disse à Folha. Persiles tem 25 anos. Nasceu e cresceu na Ilha do Governador, no Rio de Janeiro, onde também aprendeu a fazer teatro e circo. ‘Capitu’ será seu primeiro papel televisivo.
Nos últimos dois anos, tem se dedicado principalmente à música. Ela é vocalista da banda Manacá, que mistura folclore brasileiro com o pop. ‘Sou fã das congadas e de outros gêneros, tanto do Nordeste como do interior de Minas e aqui do Rio’, diz.
Uma das inspirações da banda é o Movimento Armorial -do qual o paraibano Ariano Suassuna é o principal nome. Foi por aí que teve início o diálogo entre Persiles e Luiz Fernando Carvalho. O diretor estava fazendo a adaptação de uma das obras do autor, ‘A Pedra do Reino’, quando leu sobre o Manacá num jornal. Contatou a moça e, depois, convidou-a a viver a Capitu menina na minissérie.
Na fase adulta, a personagem é interpretada por Maria Fernanda Cândido.
CAPITU
Quando: de 9 a 13 de dezembro, após 22h55
Onde: Globo
Classificação: não informada’
Bia Abramo
Brinquedos de lá e de cá
‘É QUASE a mesma expectativa, aquela que cerca o desenho favorito ou os intervalos comerciais. As crianças gostam de propaganda; claro, nelas os brinquedos parecem maiores que a vida.
As bonecas-bebê falam, comem, arrotam, atendem pelo nome. Os dinossauros ameaçam, rugem, mordem, destróem em cenários incríveis, com plantas carnívoras e vulcões em erupção. As bonecas-moças têm festas à beira da piscina, uma infinidade de roupas, limusines que as apanham sei lá em que atividade social das inúmeras que perfazem ‘um dia perfeito’ (sic). O herói musculoso tem uma arma com velocidade turbo e derrota os inimigos mais estrambóticos com facilidade.
Crianças satisfeitas, lindas e bem-vestidas no padrão publicitário aparecem ‘brincando’ com esses artefatos. Nascidos das fantasias adultas ou, pior, das fantasias adultas de como atender as fantasias infantis, esses brinquedos brincam sozinhos, as crianças são meras coadjuvantes. A elas compete ter a sensação esperada: meiguice, agressividade, faceirice, destrutividade (e, claro, isso muito bem dividido por gênero). Corta.
Final de tarde, escola de educação infantil e fundamental, bairro de classe média em São Paulo. Crianças entre 2 e 11 anos saem de suas classes. O pátio não é muito grande, mas tem escorregador, árvore, casinha de brinquedo, pneus. E areia. Professores, funcionários e pais circulam por lá. As crianças esperando os pais ou com os pais já presentes querem ‘brincar mais um pouquinho’. Do quê? De nada e de tudo. De derrapar na areia, de subir na árvore, de pega-pega. De circular com as amigas e os amigos. De ficar lá.
As mesmas crianças que estão diante da TV, embasbacadas com o último lançamento X ou Y, também estão nesse pátio, e em outros, e em praças e em ruas não asfaltadas e nos quintais e nos ‘plays’ de prédios, brincando. Estariam também, se o poder aquisitivo ou a vontade de se endividar dos pais assim as permitirem, dentro de suas casas e apartamentos brincando com os incríveis bonecos e bonecas, pistas de carros, games, computadores etc.
A diferença entre um e outro mundo não está na qualidade da brincadeira ou na quantidade de diversão. Está na autonomia das crianças em um e outro caso. A brincadeira do brinquedo incrível já está codificada e prescinde da criança. A brincadeira do brinquedo mínimo exige invenção, portanto, a presença da criança. A primeira precisa da propaganda para se impor: captura o desejo das crianças e lhe dá um nome e, sobretudo, um valor. A segunda só tem como condição que às crianças se garanta o direito de desejar.’
LIVRO
Sem censura
‘Entre os estrangeiros idealistas, os aventureiros e os adeptos do turismo de tragédias que se despejaram na Espanha durante a Guerra Civil (1936-39), cerca de mil tinham credenciais como correspondentes de guerra.
Em ‘We Saw Spain Die’ [Nós Vimos a Espanha Morrer, ed. Constable & Robinson, 416 págs., 20, R$ 77], Paul Preston, historiador do período, explora as muitas ambigüidades que a profissão deles suscitava.
Em que ponto o jornalismo passional se torna propaganda? De que maneira a atitude de reportagem é influenciada pela posição política dos proprietários de jornais, anunciantes e lobistas? E qual é a diferença entre um correspondente internacional e um espião?
Existem circunstâncias em que suprimir a verdade é melhor do que relatá-la? E, diante do partidarismo escancarado da guerra, a que exatamente servia a verdade, de qualquer maneira?
Jay Allen, um amigo idealista e gregário do escritor Ernest Hemingway que assumiu o posto do colega como correspondente europeu do ‘Chicago Daily Tribune’ na metade dos anos 1920, teve de enfrentar a maioria dessas questões.
Allen reportou uma das primeiras atrocidades cometidas pelos partidários de Franco em seu golpe contra o governo republicano eleito, quando centenas de simpatizantes do socialismo foram mortos a tiros de metralhadora na arena de touradas de Badajoz.
O artigo irado e preciso de Allen encontrou ampla distribuição e exerceu grande impacto sobre a opinião de esquerda em todo o mundo. Allen era um jornalista bem relacionado em quase todos os níveis da sociedade espanhola. Mas, depois de publicar o artigo de Allen, o ‘Chicago Daily Tribune’ o demitiu.
Entre Franco e Stálin
A postura favorável aos republicanos assumida por ele era desconfortável em uma época em que as partes do Ocidente que não estavam sob o domínio de ditadores de direita faziam o possível para apaziguá-los.
Pouco importa que acreditassem ou não no que Allen escreveu, as pessoas que estavam no poder basicamente preferiam a idéia de Franco àquilo que viam como a única alternativa: Stálin. Porque suas palavras não tiveram efeito, Allen depois optou pela ação, trabalhando com a Resistência francesa a fim de ajudar soldados britânicos que não haviam conseguido embarcar na retirada de Dunquerque [França]. Parte da história que Preston narra, portanto, envolve as limitações do jornalismo, não apenas seus sucessos.
Contá-la requer a presença de um grande elenco, que inclui algumas mulheres bravas e glamourosas como [a escritora norte-americana] Martha Gellhorn, bem como alguns homens excepcionalmente desagradáveis, entre os quais o abjeto William Carney, cujas reportagens em larga medida fictícias lhe eram transmitidas pelo serviço de imprensa de Franco e publicadas pelo ‘New York Times’ em nome do equilíbrio.
Preston não tem a competência narrativa para iluminar algumas passagens biográficas dessas figuras, como o livro de Caroline Moorehead sobre Gellhorn [‘Gellhorn’] ou o de Nicholas Rankin sobre Steer [‘Telegram from Guernica’]. Mas seus conhecimentos factuais são imensos, e ele defende que o que importa são os fatos.
No longo prazo
E isso explica a importância de estudiosos estrangeiros que trabalhavam sem censura, entre os quais os historiadores que precederam Preston -Hugh Thomas, Raymond Carr e o extraordinário autodidata Herbert Southworth, a quem o livro é dedicado e cuja carreira ele vividamente relata. O jornalismo pode fornecer matéria-prima à história, mas no longo prazo, diz Preston, o que importa é a história.
JEREMY TREGLOWN é professor de inglês na Universidade de Warwick (Reino Unido). A íntegra deste texto saiu no ‘Financial Times’.
Tradução de Paulo Migliacci.’
Vinicius Mota
Intelectuais em desfile
‘O periódico ‘Política Externa’ começou a circular numa época trepidante.
Era 1992, e o colapso da União Soviética ainda se contava em meses. No Brasil, o ano marcou o impeachment do primeiro presidente eleito nas urnas após a restauração democrática.
A revista surgiu da iniciativa de um grupo de intelectuais concentrado em São Paulo, alguns com conexões político-partidárias -no PSDB ou no PT-, que se reuniu em torno do editor Fernando Gasparian, da Paz e Terra, morto em 2006.
Os artigos editados na coletânea ‘A Nova Configuração Mundial do Poder’, publicados ao longo dos últimos 16 anos na revista, refletem essa dupla transformação.
Muda o mundo, e muda a maneira tradicional de pensá-lo no Brasil. Alteram-se também os intelectuais com peso de influenciar os destinos da política externa brasileira.
Dispostos em ordem cronológica de publicação, os artigos compõem um panorama das sucessivas preocupações que ocuparam a agenda da macropolítica internacional.
Desfilam temas como os limites do poderio americano logo após a derrocada socialista; o avanço do livre comércio e o advento da Organização Mundial do Comércio; a mundialização das empresas e das finanças e seu impacto sobre a soberania nacional; as conseqüências do 11 de Setembro, da Doutrina Bush e da invasão do Iraque; a ascensão da China e dos Brics; e as tentativas de firmar um pacto contra o aquecimento global.
A edição também envereda pelos temas e pelas questões que demandam atenção mais imediata da política externa brasileira. Nesse flanco estão suas contribuições mais significativas.
‘Conflitos de interesse’
O livro não permite traçar um quadro balanceado das mudanças por que passaram a doutrina e a prática da diplomacia nacional no período abrangido. Faltam, para tanto, uma análise e/ou uma defesa sistemática das opções tomadas pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva.
O artigo assinado pelo próprio Lula, como candidato à Presidência em 1994, é curto e circunstancial. O texto de Celso Amorim, mais de oito anos depois, trata das afrontas ao multilateralismo e ao sistema da ONU contidas na doutrina dos ataques preventivos.
Já alguns artigos de autores associados ao governo de Fernando Henrique Cardoso são bem mais elucidativos a respeito dos padrões e dos conceitos que foram sendo adotados na política externa.
Celso Lafer, em texto publicado em 1998, dá o tom. O que restou em matéria econômica no mundo de hoje -diluídos os embates entre concepções ideológicas- são ‘conflitos de interesse’, argumenta Lafer, que foi chanceler de Fernando Henrique Cardoso. Cabe aos Estados o papel da ‘intermediação interna e externa desses conflitos de interesse’.
Acordos amplos firmados por consenso, baseados na confiança entre os países, amparados na transparência e em mecanismos formais de solução de controvérsias seriam o caminho virtuoso dessa globalização. Daí a importância, em especial para o Brasil, de instituições como a Organização Mundial do Comércio.
Interesse, comércio, negócios; credibilidade, respeito a contratos e a instituições; aceitação e valorização das regras de mercado. Esse feixe de conceitos norteou a reconfiguração por que passou a política externa -e a política pública de modo geral- brasileira nos anos 1990.
O fim da Guerra Fria e a democratização do país concorreram para destronar as forças, à direita e à esquerda, que resistiam à abertura, em nome de um modelo autárquico, nacionalista, de desenvolvimento.
Pessimismo
Soçobrou, nessa reviravolta, o pessimismo da Cepal -o órgão da ONU para a América Latina que abrigou a esquerda perseguida pelas ditaduras do continente.
‘A visão pessimista para induzir à ação’, escreve no livro Albert Hirschman, professor da Universidade Princeton e decano dos estudos sobre desenvolvimento comparado, ‘havia conseguido difundir o pessimismo mais do que incitar à ação’.
Porque disfarçava, acrescento, num palavrório dito estruturalista, pedante às raias do insuportável, seu inconformismo com o mercado e a esperança distante, quase religiosa, numa transformação profunda da sociedade.
O próprio Fernando Henrique Cardoso escreve um dos últimos -e mais recentes, portanto- artigos publicados na coleção.
O propósito é mostrar como seu influente estudo cepalino de 1967 -’Dependência e Desenvolvimento na América Latina’, escrito em parceria com o sociólogo chileno Enzo Faletto- discrepava da vulgata das teorias do imperialismo.
A ênfase do texto de 40 anos atrás, escreve FHC, não foi na ‘dependência’ -embora a palavra tenha sido escolhida para dar título ao livro.
O foco real teria sido ‘a variabilidade das formas de integração ao mercado mundial’, daí sua capacidade de explicar os desdobramentos da história regional e os diversos caminhos trilhados pelos países, até os dias de hoje.
De fato, uma das características do estruturalismo é sua capacidade de explicar tudo -inclusive o seu contrário.
A NOVA CONFIGURAÇÃO DO PODER
Organizadores: Gilberto Dupas, Celso Lafer e Carlos Eduardo Lins da Silva
Editora: Paz e Terra (tel. 0/xx/11/3337-8399)
Quanto: R$ 52 (424 págs.)’
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