Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Folha de S. Paulo

GLAUCO
Editorial

Glauco

‘NAQUELA que viria a ser a sua última charge política nesta página, publicada na terça-feira, o cartunista Glauco Vilas Boas desenhava, contra um fundo lilás, uma grande caixa-forte. Numa tabuleta, os dizeres: ‘cofres públicos’. Abre-se a porta do cofre, na metade inferior da imagem, e dele saem, em fila, os irmãos Metralha.

O leitor habituado aos padrões de corrosividade que sempre marcaram a caricatura política nos jornais brasileiros não podia deixar de notar, com um sorriso, o que havia de singelo, de quase infantil nos desenhos de Glauco. Expressavam, sobretudo, uma viva pureza de sentimentos e de estilo -que, ao longo de mais de três décadas de trabalho, o artista nunca perdeu.

Tanto quanto as misérias da vida política, também os aspectos mais degradados do cotidiano -o inferno conjugal, a solidão afetiva, a dependência química, a violência urbana- recebiam nas tiras de Glauco para a Ilustrada um tratamento ao mesmo tempo extremado e doce.

O crime, a neurose, a dependência e o desespero encarnavam-se -ou melhor, descarnavam-se- numa série de personagens antológicos, que o desenho febril depurava a um mínimo denominador comum de humanidade, para melhor captá-los na angústia e na pressa de existir.

A notícia do brutal assassinato de Glauco Vilas Boas, aos 53 anos, e de seu filho Raoni, aos 25, eclode com toda aquela realidade que o artista, de um modo terno, desesperado e mágico, quis sempre exorcizar.

Mas a realidade urbana do Brasil de hoje -com o que traz de crime, de demência e de absurdo- não haverá de manter-se indefinidamente assim. Que permaneça, apenas, a maneira com que Glauco a retratou: com um olhar de espanto e horror, mas também impregnado de graça e compaixão.’

 

Fernando de Barros e Silva

Doce e bárbaro

‘SÃO PAULO – ‘E aí, Panguinha?’ -era assim, com um misto de carinho e ironia característicos, que Glauco costumava saudar algumas pessoas na Redação do jornal. ‘Panga’ ou ‘panguinha’ são corruptelas de pangaré. No início dos anos 90, tive a felicidade de me tornar um dos ‘pangas’. Éramos mais jovens e mais engravatados. E Glauco não perdia a chance: ‘E aí, Panguinha, bonita gravatinha’. Mais tarde, quando as gravatas escassearam na Redação, ele não desistiu: ‘E aí, panguinha, cadê a gravatinha?’.

Nada disso soava impertinente ou agressivo. Pelo contrário, Glauco era um doce. Divertido, atrapalhado, ‘meio tímido, meio brincalhão’, na definição simples e precisa que Otavio Frias Filho fez dele no ensaio ‘Viagem ao Mapiá’, no seu livro ‘Queda Livre’ (2003).

Segundo vários relatos, Glauco exercia particular fascínio sobre as crianças. Coincidência ou não, há um núcleo infantil evidente na sua criação. A começar pelo traço, quase primitivo, dos personagens.

Eles são um feixe de ansiedades. No mais famoso, o eterno Geraldão, movimentos frenéticos e imobilismo se engalfinham. Cigarros, copos, garrafas, injeções, sanduíches, pernas, braços -tudo se confunde e se consome num frenesi estéril.

Satisfação e impotência, desejo e frustração, excessos e carências são inseparáveis na economia interna deste filhão da mamãe. O tipo genial de Glauco captou, como poucos, a fisionomia, as aflições, a tragicomédia da geração que cresceu e ‘espocou a cilibina’ nos anos 80.

Não sei se cabe aqui a aproximação, mas o romance ‘Pornopopéia’, lançado pelo escritor Reinaldo Moraes no ano passado, talvez seja o retrato mais agudo já feito da geração de Glauco e da que veio a seguir. Zé Carlos, o protagonista desajustado e compulsivo, é uma espécie de primo literário de Geraldão.

O eixo do humor de Glauco é comportamental. A política está lá, mas sua força reside em mostrar ‘como é ridícula essa coisa chamada ser humano’, conforme escreveu Angeli. Hoje estamos mais burros, mais ridículos e mais tristes.’

 

BIOGRAFIA
Ruy Castro

Tarde de conspiração

‘RIO DE JANEIRO – Do outro lado do pátio, eu podia ver Carlos Lacerda, com um prato na mão, deslocando-se de grupinho em grupinho, de empresários, escritores, jornalistas, e dizendo algo que, à distância, não era possível ouvir. Estávamos numa quinta perto de Lisboa, e o ano, 1973, vinha sendo sacudido por uma série de sismos internos no governo de Marcelo Caetano, o homem que sucedera o ditador Salazar, morto três anos antes.

Eram abalos políticos quase imperceptíveis para nós, brasileiros residentes em Portugal, e para 99% dos portugueses. Mas Lacerda estava vindo a Lisboa com uma frequência suspeita, quase todo mês. Eu sabia disso porque ele era amigo de pessoas na revista em que eu trabalhava e ia sempre à redação. E, quando Lacerda se mexia muito, algo estava para acontecer. Com seus direitos políticos cassados no Brasil pelos militares que ele ajudara a pôr no poder, dizia-se que pensava usar Portugal como trampolim para voltar à política.

Alguém dera um almoço em sua homenagem na tal quinta, e lá estava eu, de xereta. O homem não sossegava ao redor do pátio. A cada parada, era aquele bzzz bzzz bzzz no ouvido das pessoas -no mínimo, tramava uma alta conspiração. E começou a se aproximar do grupinho onde eu estava.

Por que estou me lembrando disso? Porque alguém me perguntou qual político eu gostaria de biografar e respondi na lata: Carlos Lacerda. Mas avisei logo que não iria fazer isso. Acho impossível escrever uma biografia de Lacerda em menos de cinco anos, e não pretendo mais passar tanto tempo casado com um biografado.

Lacerda se aproxima do meu grupo. Traz o prato na mão e os olhos meio de louco. Oba, vem aí uma fofoca das brabas! -pensei. Chega-se a nós e sussurra, com ar triunfante: ‘Essa dobradinha está genial!’.’

 

PESQUISA
Luciana Coelho

Leitor dedica mais tempo a jornal do que a notícia on-line

‘Leitores americanos gastam cerca de 20 vezes mais tempo lendo jornais em papel do que o noticiário na internet, mostram pesquisas. Enquanto o tempo médio gasto com o noticiário on-line é de 75 segundos por dia, aos jornais impressos os americanos reservam 26 minutos diários. Além disso, apenas 3% das notícias nos EUA são lidas em websites.

As conclusões são do economista-chefe do Google, Hal Varian, e foram expostas em workshop nesta semana em Washington sobre o futuro do jornalismo. São amparadas por pesquisas feitas em 2009 por institutos renomados como o Pew Research Center e o Laboratório de Jornalismo da Fundação Nieman.

‘Há uma razão para o pouco tempo que os leitores gastam com notícias on-line: a maior parte dessa leitura se dá durante o trabalho’, disse Varian, segundo discurso postado no blog do Google.

Por isso, lembrou ele, em 2008 (o último dado disponível), jornais e revistas americanos receberam o quádruplo da verba para anúncios destinada aos websites, perdendo apenas para a TV.

Com a circulação dos jornais caindo e os leitores na internet aumentando, editores nos dois meios buscam formas de explorar melhor a integração das duas plataformas (pelos números da Nieman citados pelo executivo, os jornais impressos tiveram em média 117 milhões de leitores ao mês nos EUA em 2008, ante 70 milhões on-line em junho último).

E o Google, com seu Google News agregando conteúdo muitas vezes exclusivo de outros veículos, viu-se na berlinda recentemente. Mas Varian diz que a empresa quer trabalhar com os jornais e vê nichos.

Neste mês, a mega-agência de notícias Associated Press somou-se a um grupo de jornais que vai do ‘Financial Times’ ao ‘Wall Street Journal’ e o ‘Le Figaro’ e passará a cobrar pelo acesso a parte de seu conteúdo on-line fornecido no novo iPad.’

 

TECNOLOGIA
Miguel Helft, NYT

Google melhora ferramenta de tradução e avança no setor

‘Em uma reunião no Google em 2004, a discussão girava em torno de um e-mail recebido pela empresa de um fã da Coreia do Sul. Sergey Brin, um dos criadores da companhia, usou um serviço automatizado de tradução para tentar decifrar a mensagem. O resultado foi: ‘O peixe cru fatiado sapatos deseja. Google coisa cebola verde!’.

Brin argumentava que o Google tinha a obrigação de fazer melhor. Seis anos depois, o serviço gratuito Google Translate (translate.google.com) trabalha com 52 idiomas, mais que qualquer rival, e as pessoas o empregam centenas de milhões de vezes por semana.

‘O que você vê no Google Translate é o que há de mais avançado’ na tradução computadorizada, ao menos nas formas não limitadas a um tema específico, disse Alon Lavie, professor no Instituto de Tecnologia da Linguagem da Universidade Carnegie Mellon.

Os esforços do Google para se expandir a outras áreas que não a de buscas na web nem sempre encontram sucesso. O projeto de digitalização de livros enfrenta um impasse jurídico, e a introdução do Buzz, seu serviço de redes sociais, despertou temores quanto à privacidade dos usuários. O padrão sugere que a empresa pode ocasionalmente tropeçar quando tenta desafiar as tradições do mundo dos negócios e as convenções culturais.

Mas a rápida ascensão do Google ao escalão mais alto do negócio da tradução é um lembrete daquilo que pode acontecer quando emprega a força bruta de seu poderio de computação para resolver problemas complexos.

A rede de centrais de processamento de dados que a empresa criou para suas buscas talvez se tenha tornado, quando operando de forma integrada, o maior computador do mundo. E o Google emprega essa máquina para redefinir os limites da tecnologia de tradução. No mês passado, por exemplo, disse que está trabalhando para combinar a ferramenta de tradução a um recurso de análise de imagem, para permitir que uma pessoa tire, por exemplo, uma foto de um cardápio de restaurante escrito em alemão e consiga tradução instantânea para o inglês.

‘A tradução mecânica é uma das melhores demonstrações da visão estratégica do Google’, disse Tim O’Reilly, da O’Reilly Media, editora especializada em tecnologia. ‘Ele compreende um fato que ninguém mais compreende com relação aos dados e está disposto a fazer os investimentos necessários a resolver problemas complexos como esse antes do mercado.’

Criar uma máquina de tradução vem sendo há muito um dos mais difíceis desafios no campo da inteligência artificial. Por décadas, os cientistas tentaram desenvolver uma abordagem baseada em regras, ou seja, ensinar a um computador as regras linguísticas de dois idiomas e fornecer a ele os dicionários necessários.

Mas, por volta da metade dos anos 90, pesquisadores começaram a preferir a chamada abordagem estatística. Constataram que, caso alimentassem um computador com milhares ou milhões de trechos e traduções humanas, a máquina poderia ‘aprender’ a fazer palpites acurados sobre como esses textos deveriam ser traduzidos.

E ao que parece essa técnica, que requer imenso volume de dados e muita potência de computação, é perfeitamente adequada ao Google.

‘Nossa infraestrutura está muito bem adaptada a isso’, disse Vic Gundotra, vice-presidente do Google. ‘Podemos adotar abordagens que outras companhias nem sonhariam.’

Os sistemas automatizados de tradução estão longe de perfeitos e nem mesmo o do Google eliminará a necessidade de tradutores humanos, pelo menos em prazo previsível. Os especialistas afirmam que é extremamente difícil para um computador dividir uma sentença em partes, traduzi-la e depois remontá-la. Mas o serviço do Google é bom o suficiente para transmitir a essência de um artigo jornalístico.

Franz Och, cientista que comanda os esforços de tradução mecânica do Google, reconheceu que o serviço ainda precisa melhorar, mas afirmou que os avanços vêm sendo rápidos.

Tradução de PAULO MIGLIACCI’

 

Faturamento com o serviço deve ser pequeno

‘A oferta do Google pode prejudicar as vendas de software empresarial de tradução oferecido por companhias como a IBM. Mas a tradução automatizada dificilmente se tornará fonte considerável de receita, ao menos não quando comparada com o faturamento com a publicidade vinculada a buscas do Google. Ainda assim, os esforços da companhia podem ser recompensadores de diversas maneiras.

Como os anúncios distribuídos pelo Google são onipresentes na web, qualquer coisa que facilite o uso da internet pelas pessoas beneficia a empresa norte-americana. E o sistema pode resultar em aplicativos novos e interessantes.

Na semana passada, a empresa de tecnologia anunciou que usaria software de reconhecimento de voz para gerar legendas para vídeos falados em inglês no YouTube; essas legendas poderiam posteriormente ser traduzidas para 50 outros idiomas.

‘Essa tecnologia pode remover a barreira do idioma’, diz Franz Och, cientista que comanda os esforços de tradução mecânica do Google. ‘Permitiria que todos se comunicassem com todos.’’

 

CABO ELEITORAL
No rádio e na TV, Lula diz que Dilma tem ‘cara e alma de SP’

‘Propaganda partidária do PT veiculada ontem em São Paulo tenta aproximar sua pré-candidata à Presidência, a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil), do eleitorado paulista. Após Dilma afirmar que tem ‘muito carinho e respeito’ pelo Estado, Lula diz que a pré-candidata -que nasceu em Minas Gerais e fez carreira política no Rio Grande do Sul- é uma ‘mineira com a cara e a alma de São Paulo’. A peça, com duração de 30 segundos, será veiculada até o dia 19 de março.’

 

STF
Mônica Bergamo

Primeiro nome

‘Cezar Peluso, que assumirá a presidência do STF (Supremo Tribunal Federal), já escolheu seu secretário de Comunicação: o jornalista e escritor Pedro Del Picchia. Ele comandará um orçamento de cerca de R$ 20 milhões anuais e uma estrutura de 250 funcionários espalhados pela TV Justiça, pela rádio e pela assessoria de imprensa do tribunal.

TRÊS VOZES

A sucessão na Fundação Padre Anchieta e, por consequência, na TV Cultura, ocorrerá num momento de transição e de incertezas no circuito do poder em SP. José Serra, que apoia Paulo Markun, que hoje comanda a emissora, não será mais governador caso decida mesmo disputar a Presidência. Alberto Goldman, vice que assumirá o cargo, será governador por pouco tempo e, portanto, com influência limitada. E Geraldo Alckmin, ligado à gestão anterior da TV, que se opõe a Markun, estará em campanha com amplas chances de vitória.’

 

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