MÍDIA & POLÍTICA Fernando de Barros e Silva As palavras e as coisas ‘As atitudes de Lula são de um fascista, do verdadeiro autoritarismo’; ‘Lula age como um fascista’. São frases que soam mal, sobretudo na boca de dois ex-ministros da Justiça, advogados ilustres com trajetória no campo democrático. José Carlos Dias e Miguel Reale Jr. conhecem as palavras. Banalizando o mal, terão de inventar uma nova língua quando quiserem nomear o fascismo de verdade. O ‘Manifesto em Defesa da Democracia’, lançado quarta-feira no largo São Francisco, reuniu figuras respeitáveis da antiga sociedade civil, várias delas entusiastas do que Lula representava na época da fundação do PT. Mudaram todos -não necessariamente para melhor. Retomo a pergunta que fez Janio de Freitas anteontem, num grande artigo: haverá, no país, ‘marcha para o autoritarismo pelo fato de que Lula, nos estertores do seu mandato, rebaixa a função presidencial à de marqueteiro e cabo eleitoral?’. É óbvio, diz Janio, ‘que o papel assumido por Lula macula a disputa. Mas o que mais suscita reação, parece claro, não é o papel em si, que a lei nem cuidou de restringir: é que Lula o assume do alto de uma popularidade devastadora, que cai sobre os adversários’. Há um paradoxo na ação de Lula: seu governo expandiu direitos no país, mas o presidente não perde a chance de avacalhar a democracia, com atitudes que vão da desconsideração jocosa pela liturgia do cargo até a fronteira da boçalidade -por exemplo, ao defender que um partido seja extirpado. Que diferença, de resto, há entre as velhas carcaças do DEM e o clã Sarney, a não ser o fato de que este virou cupincha de luxo do lulismo? Porém, para não vestir a fantasia de udenistas de segunda mão, os democratas da oposição precisam discernir entre o acaudilhamento da Presidência e as ‘atitudes de um fascista’, coisa que Lula nunca foi. Isso vale inclusive para desmistificar os anões fascistóides que se servem da força de Lula para pregar contra a imprensa livre no país. Cesar Maia Verdade e ilusão Em seminário sobre a Argentina -200 anos após a independência-, a deputada Elisa Carrió conseguiu expor, em 9 minutos, as mazelas políticas de lá -as mesmas de cá. Começa afirmando que os argentinos voltam sempre ao passado e têm grande dificuldade de assumir os desafios do futuro. Aqui não é diferente. Kirchner e Lula são personagens do populismo do final dos anos 40 e início dos 50. O mesmo desprezo pelas instituições democráticas, a mesma afronta à liberdade de imprensa… Carrió, sobre os líderes populistas, sublinha que não há monstros e que é o nosso medo e a nossa inibição que os criam. E, assim, o primeiro problema da Argentina ‘somos nós mesmos’. Temos que ir saindo do fascismo, afirma. ‘O fascismo é a incapacidade de pensar. É a pura ação posta a serviço do poder’. Lembra que o caminho de saída está minado -e são minas individuais. E há que ter tranquilidade. Não é um jogo de quem tem mais força. É um jogo de inteligência, afirma Carrió. O que quer Kirchner? Que o Congresso não funcione. E o Congresso tem que funcionar. Depois das eleições parlamentares de junho e da posse em dezembro de 2009, voltou a funcionar. Os Tribunais recuperaram autonomia. Carrió garante que hoje ‘estamos preparados para assumir uma crise por excesso de poder’. Será que as instituições e os políticos no Brasil estão preparados para isso? Que Congresso sairá das urnas no dia 3? Um que funcione ou um que atue como apêndice do Executivo? A democracia argentina foi relançada num momento em que a popularidade do casal Kirchner não ia tão bem. As eleições de junho de 2009 equilibraram as forças. Venceram as instituições democráticas com este equilíbrio relativo. As leis delegadas não foram prorrogadas. E Kirchner partiu para intervir na imprensa. Aliás, esse é sempre o primeiro passo para o autoritarismo. Alega-se abuso da imprensa e faz-se uma intervenção. Vide Chávez. Como dizia dom Pedro 2º, reagindo a seus conselheiros: ‘Contra abusos da imprensa… mais liberdade de imprensa’. Thomas Jefferson afirmava que a liberdade de imprensa é anterior à democracia. Sem essa preliminar não haverá democracia. Por isso, Carrió reafirma que o futuro se constrói hoje, a cada passo, desarmando cada mina. E conclui lembrando que, em política, ‘o contrário da verdade não é a mentira, é a ilusão’. E a campanha eleitoral é palco disso, criando um Estado de bem-estar virtual, presente e futuro. Nunca será demais repetir com Carrió: ‘Em política, o contrário da verdade não é a mentira, é a ilusão.’ Para quem queira assistir: www.youtube.com/watch?v=4Pcq4qNk6-Q Medidas restritivas a obras de arte com teor político configuram censura? Luiz Flávio Borges D’urso A lei veda a liberdade absoluta No Estado democrático de Direito, todos devem se curvar ao império da lei. Tenho insistido que, no Brasil, do Zé da Silva ao Luiz Inácio Lula da Silva, todos devem obediência à lei. Isto é o que sustenta a própria democracia, que comporta a diversidade, a pluralidade e o respeito ao semelhante. Nosso povo entende bem isso, pois assevera que o direito de um vai até onde começa o direito do outro. É nesse contexto que coloco o tema da liberdade de expressão e o caso dos quadros de Gil Vicente na Bienal de São Paulo. A nossa Constituição Federal acertadamente proíbe a censura, mas a ausência de censura não implica ausência de limites legais ou liberdade absoluta para tudo. Não se pode ,sob o manto da obra de arte, colocar-se acima da lei. Explico. A liberdade de expressão, em seu processo criativo, não pode ter qualquer tipo de limite, enquanto na esfera privada, mas a exibição pública do resultado dessa liberdade de expressão tem que respeitar os limites da lei. Exemplificando, fica fácil entender e aceitar isso, quando se verifica que não se permite a exibição de filmes pornográficos, com cenas de sexo explícito pela televisão, em canal aberto, durante as tardes. Aqui, inegavelmente há limitação na exibição da obra cinematográfica. Vou mais longe. A ofensa irrogada contra alguém pode ensejar crime e punição ao autor. Caso o autor repita a ofensa em versos, nada muda. A forma poética não fará com que a ofensa seja mitigada ou desapareça. Há peças teatrais que são exibidas em salas fechadas, teatros, nos quais não se permite a entrada de crianças. Ora, não é porque se trata de arte cênica que poderia ser exibida em praça pública, também para crianças. Insisto que caso um pintor conceba uma tela na qual seja retratada a mãe de alguém, nua, inserida num bacanal, num prostíbulo, embora esse pintor possa concretizar essa obra, não lhe será permitido, impunemente, exibi-la publicamente. Isso não tem nada a ver com censura. Aliás, é bom que se lembre, àqueles que bradam pela liberdade de expressão sem limites, que devem respeitar, em nome dessa mesma liberdade que defendem, o direito da opinião contrária. Tenho visto manifestações de alguns poucos que asseveram que estou errado, desqualificando-me, negando-me o direito de opinar, debochando dos argumentos e decretando que qualquer opinião contrária a sua é censura. Esse debate é menor e não merece resposta. Por entender que a Bienal de São Paulo é um espaço que recebe um público de massa -estima-se nessa edição 1 milhão de visitantes-, especialmente jovens em formação, entendo que a série ‘Inimigos’ não deveria integrar essa mostra. Isso por fazer apologia ao crime, atacar a dignidade dos representados e atentar contra as instituições democráticas, representada pelo presidente da República, entre outras figuras públicas internacionais, como o papa Bento 16. Urge, portanto, realizarmos uma ampla discussão sobre os limites da liberdade de expressão no Brasil diante de obras que deseducam e pregam a intolerância aos direitos humanos. Enquanto isso, o tema já foi encaminhado ao Ministério Público paulista para verificar a questão da apologia ao crime. Podem discordar de minha posição, mas não serei omisso em temas que tocam a defesa da cidadania e da democracia. LUIZ FLÁVIO BORGES D’URSO, advogado criminalista, mestre e doutor em direito penal pela USP, é presidente da OAB-SP (seccional paulista do Ordem dos Advogados do Brasil). Também escreve poesias, desenha e pinta. Alexandre de Moraes Ação equivale a roubar o direito de pensar A liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática e compreende não só as publicações consideradas inofensivas, indiferentes ou favoráveis, mas também aquelas que possam causar transtornos, resistência, inquietar pessoas, pois a democracia somente existe a partir da consagração do pluralismo de ideias e pensamentos, da tolerância de opiniões e do espírito aberto ao diálogo. A história demonstra que a liberdade de expressão tem lugar central na constitucionalização dos direitos fundamentais e, junto com a universalização da educação e do direito de sufrágio, como afirmado por Thomas Jefferson, é um dos pilares do governo republicano. Isso porque pretender suprimi-la é tentar alcançar a proibição ao próprio pensamento, como afirmado por Kant (‘O poder que retira dos homens a liberdade de expressar publicamente seus pensamentos, rouba também a liberdade de pensar’) e, consequentemente, tentar obter a unanimidade autoritária, arbitrária e irreal. A proteção constitucional engloba não só o direito de se expressar, inclusive artisticamente, mas também o direito de ouvir, assistir, ler, analisar e criticar publicações, inclusive repudiando aquelas caracterizadas por mensagens agressivas e de extremo mau gosto. Exigir da 29ª Bienal que impedisse a exposição da série ‘Inimigos’, do artista plástico Gil Vicente, seria autorizar a censura prévia e relembrar os tempos de Carlos 5º, em 1529, que estabeleceu tal medida a todas publicações em território alemão, ou, ainda, do famoso ‘Index Expurgatorius’, de 1559. No espaço público, lembra Hegel, devem coexistir todas as formas de verdade e de falsidade. Não por outro motivo, a liberdade de manifestação de pensamento é mais ampla que o direito de informar, pois ‘a primeira deve ser reconhecida inclusive aos mentirosos e loucos, enquanto o segundo, diferentemente, deve ser objetivo, proporcionando informação exata e séria’ (Revel). Obviamente que, assim como os demais direitos fundamentais, o exercício da liberdade de expressão não é absoluto, sofrendo restrições perante a análise de compatibilidade e razoabilidade com o conjunto das previsões constitucionais, entre elas a proibição ao racismo e a qualquer forma de preconceito, a proteção à criança e ao adolescente, além da possibilidade de indenização por danos morais e à imagem, consagrando ao ofendido a total reparabilidade em virtude de prejuízos sofridos. A constante reafirmação da livre expressão de pensamento e de opinião constitui verdadeiro instrumento constitucional de garantia da autodeterminação democrática da sociedade, pois não se destina somente à garantia da expressão individual, mas também à garantia do bom funcionamento e controle do sistema político, com respeito ao pluralismo de ideias e fortalecimento dos debates. À sociedade, a Constituição garante a liberdade de expressão; ao artista, o direito de expor suas obras; ao público, o direito de aprová-las ou repudiá-las; aos ofendidos, o direito de pleitear indenização por danos morais; e ao Judiciário, o dever de verificar se houve desrespeito à dignidade da pessoa humana. Essa é a força do Estado de Direito. Essa é a beleza da democracia. ALEXANDRE DE MORAES é professor doutor e livre-docente de direito constitucional da USP. Foi secretário estadual de Justiça de São Paulo (2002-05), membro do Conselho Nacional de Justiça e secretário municipal de São Paulo de Transportes e Serviços (gestão Kassab). É autor de ‘Direito Constitucional’ (ed. Atlas), entre outras obras. Ana Flor Dilma diz que não há ‘embate’ com a mídia A candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff, negou ontem que ela e seu partido tenham tido ‘embates’ com a imprensa nos últimos dias e afirmou que a democracia é ‘o sal da terra’. Segundo a petista, o clima para os últimos dias de campanha deve ser de ‘tolerância’ e de ‘conviver com o contraditório’. Dilma voltou a repetir que seus opositores tentam implantar o ‘ódio’. ‘Há um clima como aquele que se tentou criar em 2002, que nós seríamos a catástrofe’, afirmou, respondendo sobre peças publicitárias feitas pelo PSDB para a internet que afirmam que ela não tem condições de conter a ala raivosa do PT. ‘Capacidade de gestão quem prova são fatos, não a soberba de outras pessoas’, afirmou a petista. Ao iniciar a coletiva de imprensa em Porto Alegre, onde participou à noite de um comício com Lula, Dilma comemorou a capitalização da Petrobrás -oficialmente iniciada na manhã de ontem, na Bolsa de Valores de SP. A candidata chamou a operação de ‘fantástica’ e disse que o petróleo é ‘o óleo da terra’, enquanto a democracia é ‘o sal da terra’. A petista comentou ainda a Adin (ação direta de inconstitucionalidade) movida pelo PT no STF que questiona a obrigação de dois documentos para votar. Dilma afirmou acompanhar à distância o assunto. ‘O PT vê isso como uma forma de cercear o voto’, afirmou a candidata. ERENICE A candidata foi questionada se entre seus planos de governo estava um novo marco regulatório para as comunicações. Dilma afirmou que a área tem ‘um grave problema’, que é a participação de capital estrangeiro. Ela defendeu que a ‘drástica mudança’ tecnológica na área das comunicações mostra que é preciso discutir o tema com todos os setores. Dilma respondeu ainda sobre críticas feitas pelo presidente Lula à ex-ministra Erenice Guerra (Casa Civil). De acordo com o presidente, Erenice ‘jogou fora a chance de ser uma grande funcionária pública’. Segundo Dilma, Lula faz ‘uma avaliação não sobre qualquer situação de corrupção, mas sobre uma questão que nós somos contrários: a contratação de parentes e amigos’. Graciliano Rocha e Ana Flor Lula recua de ataques à mídia e prega ‘humildade’ O presidente Luiz Inácio Lula da Silva recuou nos ataques à imprensa e pregou ontem o exercício da ‘humildade’ para lidar com o noticiário que lhe desagrada. A escalada de reclamações do presidente contra a cobertura jornalística começou após a queda da ministra Erenice Guerra (Casa Civil), na semana passada. Lula já havia acusado a imprensa de se comportar como ‘partido de oposição’ e torcer pelo fracasso do seu governo em coberturas que ‘beiram o ódio’. Ontem, ao lado da candidata Dilma Rousseff (PT) em um comício em Porto Alegre, ele disse que a imprensa é ‘muito importante para a democracia’. ‘Quando a matéria dos jornais sai falando mal da gente, ninguém gosta. Quando fala bem, o ego da gente cresce. O que a gente precisa é ter humildade para nem ficar com muito ego quando fala bem nem ficar com muita raiva quando fala mal’, discursou Lula, no centro da capital gaúcha. ‘A democracia é exatamente isso: cada um fala o que quer, escreve o que quer, transmite o que quer e o povo, na última hipótese, faz o grande julgamento’, declarou, no palanque. Já Dilma comparou a eleição deste ano com a reta final de 2002, quando Lula foi eleito pela primeira vez, para fustigar a oposição. ‘[Em 2002] foi a esperança do nosso povo que venceu o medo que eles queriam instilar. Agora, destilam ódio e ao ódio, vamos responder novamente com esperança’, discursou a candidata. Mais cedo, a petista havia seguido a mesma linha de Lula e baixado o tom dos ataques à imprensa. Negou que tenha havido ‘embates’ com a mídia nos últimos dias e afirmou que a democracia é ‘o sal da terra’. De acordo com a petista, o clima para os dias finais de campanha do primeiro turno da eleição deve ser de ‘tolerância’ e de ‘conviver com o contraditório’. ERENICE A candidata foi questionada se entre seus planos de governo estava um novo marco regulatório para as comunicações. Dilma afirmou que a área tem ‘um grave problema’, que é a participação de capital estrangeiro. Ela defendeu que a ‘drástica mudança’ tecnológica na área das comunicações mostra que é preciso discutir o tema com todos os setores. Dilma respondeu ainda sobre as declarações de Lula de que a ex-ministra Erenice Guerra (Casa Civil) ‘jogou fora a chance de ser uma grande funcionária pública’. Segundo a petista, o presidente criticou ‘a contratação de parentes e amigos’. ELEIÇÕES Catia Seabra Lula aparece mais do que Serra em biografia de FHC na TV Não é só no programa eleitoral do PSDB que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ganha destaque. Lula é também estrela de biografia do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso que irá ao ar na terça-feira. Produzido pelo The Biography Channel -canal nascido de uma série do The History Channel-, o documentário faz nove menções a Lula. E só duas ao candidato do PSDB à Presidência, José Serra, amigo de FHC. Hoje em permanente oposição a Lula, FHC faz depoimento carinhoso ao descrever a despedida dos dois, diante do elevador, na transmissão de posse no Palácio do Planalto. ‘Lula juntou o rosto ao meu e disse, quase em lágrimas: ‘Você deixa aqui um amigo’. Não sei se é verdade. Mas a intenção naquele momento era.’ Para FHC, ‘não era um dia banal’. ‘Cumprimos não só o jogo da democracia. Um jogo mais profundo. Lula, afinal, vem de outra camada, o que é muito importante.’ Na biografia, a candidatura e derrota de Serra em 2002 consomem 10 segundos. A posse de Lula, 50. Além de abraços de Lula e FHC, um deles no velório de Ruth Cardoso, há imagem dos dois panfletando. FHC diz que não queria concorrer em 1994 e tentou fazer de Lula seu candidato à Presidência. Lançado em abril, lembra, pensou em desistir em maio daquele ano, quando Lula contava com 40% das intenções de voto. ‘Eu não tinha mais de 15%. Quase desisti.’ FHC admite a hipótese de compra de votos para aprovação da emenda que permitiu sua reeleição em 1998. Mas nega participação. ‘Se houve compra de voto, não posso dizer nem que sim nem que não. Deve ter havido, como há [inaudível]. Todos os governadores eram candidatos à reeleição. Não fui eu. Não precisava. A reeleição era tese majoritária.’ Além da derrota de 2002, Serra é citado como alvo de dossiê falso, segundo o qual ele e FHC teriam conta no exterior. Serra procurou FHC. ‘Você tem conta comigo, conjunta? Não. Então, vamos dormir bem’, reagiu FHC. Amparado pela lei de incentivo audiovisual, o canal fez quatro biografias de brasileiros neste ano: a do cantor Gilberto Gil e a do tenista Guga já foram levadas ao ar. ARGENTINA Gustavo Hennemann Dono de jornal diz que casal Kirchner pagou testemunha O presidente da empresa que controla o jornal argentino ‘La Nación’, Julio Saguier, acusa o governo da presidente Cristina Kirchner de compra de testemunhas para construir sua versão sobre a negociação da empresa Papel Prensa, em 1976. A acusação será formalizada na semana que vem, em um depoimento por escrito a ser entregue à Justiça. Na última terça-feira, o governo denunciou formalmente os dirigentes do ‘La Nación’ e do ‘Clarín’ de terem cometido crimes contra a humanidade ao comprar ações da empresa, que pertenciam à família Graiver, vítima da ditadura militar (1976-1983). A Papel Prensa fornece 75% do papel-jornal consumido na Argentina e hoje pertence aos dois jornais acusados e ao Estado. Na disputa judicial que envolve a empresa, há contradições entre as versões de integrantes da família Graiver. A principal testemunha do lado do governo é Lidia Papaleo, viúva de David Graiver, que administrava os negócios da família. Lidia afirma que foi pressionada por militares e ameaçada pelos dirigentes dos jornais para que assinasse documentos que resultaram na transferência das ações. CAFEZINHO No depoimento que entregará à Justiça, o presidente do ‘La Nación’ afirma que encontrou Lidia em maio deste ano para um café. Na ocasião, ela teria dito que integrantes do governo ofereceram US$ 200 mil para que o apoiasse na disputa. Caso a ‘operação’ fosse bem sucedida, o governo argentino pagaria no total US$ 2 milhões à viúva. As negociações teriam ocorrido na sede do governo e teriam sido comandadas pelo ex-presidente Néstor Kirchner, marido de Cristina, sempre segundo o depoimento de Saguier. Ele afirma que a viúva não pediu segredo e que justificou a confissão dizendo que tinha gratidão por seu pai, ex-prefeito de Buenos Aires que havia sido generoso com ela no passado. O depoimento foi registrado por Saguier diante de um escrivão no dia 24 de agosto, um dia antes de a presidente Cristina anunciar publicamente que denunciaria os dirigentes dos jornais. A Folha procurou a assessoria da Presidência argentina, mas nenhum funcionário ligou de volta. IRÃ Monavar Khalaj, Financial Times Cinema do Irã sofre com censura oficial O cinema de arte iraniano conquistou prêmios no mundo todo, e sua sensibilidade realista e linguagem rica tiveram elogios generalizados. Diretores como Abbas Kiarostami (‘Dez’ e ‘Gosto de Cereja’) e Jafar Panahi (‘O Balão Branco’ e ‘Ouro Carmim’) foram celebrados e honrados com prêmios em festivais como o de Cannes. Mas, em seu país, cineastas e críticos estão pessimistas quanto ao futuro do setor. A política do Estado parece ter mudado em favor da repressão aos filmes com quaisquer pretensões intelectuais, dizem, e promove no lugar dramas leves e despretensiosos. A situação não é favorecida pela ampla disponibilidade de DVDs piratas ou legítimos de todos os grandes sucessos nacionais e internacionais. Nas salas de cinema, os filmes estrangeiros em geral estão proibidos, e só os nacionais que passam pela censura encontram espaço. Nos últimos cinco anos, comédias se tornaram os maiores sucessos de bilheteria. No atual ano do Irã, iniciado em 21 de março, a lista é comandada por ‘Poopak Va Mash Mashalah’ e ‘O Filho de Adão e a Filha de Eva’. No primeiro, Poopak é uma jovem que se criou no Canadá e está visitando a tia no Irã. ‘O Filho de Adão e a Filha de Eva’ é uma comédia romântica na qual casal de advogados divide escritório. A questão é determinar se esse tipo de produção bastará para manter apoio ao cinema que alimentava talentos como Kiarostami e Panahi. Segundo a ONG Associação de Vídeo Doméstico, a venda de ingressos de cinema caiu de 81 milhões anuais em 89 a 8 milhões em 2009. Os dois maiores sucessos do ano não geraram mais de 10 bilhões de rial (US$ 952 mil) em bilheteria, de acordo com veículos e blogs locais. O filme iraniano de maior bilheteria dos últimos anos foi a comédia ‘Ekharijiha 2º’, ou ‘O Proscrito’. A comédia é a continuação de sucesso anterior e se passa entre presos iranianos detidos no Iraque nos anos 80. Um blog reformista descreve esses filmes como ‘Khaliwood’. ‘Khali’ quer dizer ‘tediosamente vazio’. Elham, 27, trabalha no setor privado e deixou de ir ao cinema duas vezes por semana, como costumava. ‘Parei de ir ao cinema há seis meses, para não desperdiçar tempo e dinheiro’, diz, acrescentando que bons filmes se tornaram raros desde a posse do presidente Mahmoud Ahmadinejad, há cinco anos. DEPENDÊNCIA Os cineastas iranianos dependem do governo porque os roteiros precisam de aprovação do Ministério da Cultura para entrar em produção. O cinema no país depende em larga medida de fontes privadas de financiamento. Mas a censura é tão rigorosa que potenciais investidores temem financiar qualquer coisa contenciosa ou meditativa, afirmam os críticos. Diretores populares estão praticamente impedidos de obter financiamento. E os internacionalmente conhecidos enfrentam situação pior. Kiarostami, Panahi e Baqman Qobadi só mostram seus filmes no exterior. Panahi foi detido por três meses neste ano pelo apoio à oposição no contestado pleito de 2009. Mas alguns filmes mais incisivos escaparam à rede. ‘Procurando Elly’, de Ashgar Farhadi, que conquistou o Urso de Prata no Festival de Berlim, foi exibido em Teerã. O filme retrata grupo de iranianos que vai em férias ao mar Cáspio. Enquanto tentam manter os costumes sociais, Elly, a mulher solteira, desaparece, um acontecimento que leva ao exame de uma sociedade repressiva. Mas isso é visto como insuficiente por muitos. O cineasta Hassan Fathi declarou há dois meses que nem se queixava mais, pois ‘a esperança de melhora desapareceu’. Tradução de PAULO MIGLIACCI MERCADO NOS EUA Luciana Coelho Murdoch reforça ataque contra ‘NY Times’ O ‘Wall Street Journal’ engrossa sua artilharia hoje com uma edição de fim de semana maior e repaginada, munindo-se de resenhas de livros, ensaios e uma recapitulação analítica dos fatos da semana para atacar o ‘New York Times’ em seu território mais caro. Desde que comprou o ‘Journal’ em 2007, em uma tentativa de somar prestígio a um portfólio repleto de sucessos, Rupert Murdoch tem investido pesado para transformar o sisudo diário financeiro no jornal mais lido dos Estados Unidos. Conseguiu. Hoje imprime 2 milhões de exemplares diários (200 mil a mais que o concorrente, o ‘USA Today’, e o dobro do ‘Times’, segundo o Birô de Circulação Americano). Surdo as previsões catastrofistas sobre o jornalismo impresso, o milionário australiano de 82 anos aposta alto, dificilmente perde e adora uma briga. O novo ‘WSJ Weekend’ é só o golpe mais recente no ‘Times’ após a ofensiva aberta com a criação de um caderno de notícias locais, em abril. ‘Há 25 anos, o consenso era que não dava para ter quatro redes de TV aberta nos EUA. Murdoch começou a Fox e fez sucesso’, disse à Folha Richard Wald, professor de jornalismo na Universidade Columbia, ex-presidente da rede de TV NBC News e ex-editor-administrativo do ‘Washington Post’. ‘Muitos analistas dizem que jornal é um mau investimento. Mas você não aposta contra um sujeito que venceu quase todas as suas apostas.’ O caderno metropolitano ainda não pode ser lido como um sucesso comercial, mas foi bem recebido por quem acompanha o setor -apesar da ironia do rival. ‘Eles conseguiram atrair alguns anunciantes que tradicionalmente compravam espaço no ‘New York Times’, como lojistas locais’, afirma Nat Ives, colunista da revista especializada em publicidade Advertising Age. ‘Ainda é cedo, no entanto, para saber se afetou a circulação.’ À época do lançamento, o ‘Times’ parabenizou o concorrente por passar a ‘cobrir Nova York de Wall Street para cima’ e prometeu passar umas ‘dicas’, já que estava há 160 anos no ramo. O ‘Journal’ deu de ombros. ‘Somos mais que duas vezes maiores do que o ‘Times’, afirmou nesta semana à Associated Press o editor-chefe Robert Thomson. ‘Eles não são um concorrente sério.’ Arthur Sulzberger, o editor-chefe e publisher do ‘Times’, também diz não levar o rival a sério. Em entrevista à revista ‘Vanity Fair’ recém-publicada, ele debocha da falta de prêmios das publicações do australiano e de seus modos. ‘Murdoch é um homem que sozinho construiu uma corporação, mas que normalmente não é visto como uma pessoa que melhorou o jornalismo’, comenta Walt. PRESTÍGIO Porque é prestígio que Murdoch busca, Walt e Ives estão comemorando a disputa como fôlego novo para os jornais impressos após sombrios anos de cortes (inclusive no ‘Times’). ‘Times’ e ‘Journal’ chegam hoje com públicos distintos para o duelo, com o ‘Journal’ claramente conservador e o ‘Times’ de inclinação progressista. A edição de hoje, no entanto, pode tornar essa divisão mais borrada. O ‘Times’ tem um terço de seu público com menos de 30 anos, e só 33% de seus leitores passaram dos 50 (ante 45% do ‘Journal’, segundo pesquisa recente do Instituto Pew). É esse público, que transita o tempo todo entre o impresso e o on-line, que o ‘Journal’ cobiça com seus novos cadernos. Web é aposta das empresas para elevar lucro Com as plataformas para leitura se multiplicando, os dois jornais mais prestigiados dos EUA estudam como explorar melhor os ‘paywalls’ a restrição de conteúdo na web para assinantes ou leitores pagantes. Murdoch é um dos principais defensores do modelo, embora já tenha mudado de posição algumas vezes e esteja reconsiderando a decisão de fechar todo o conteúdo on-line de seus jornais para assinantes, afirmam analistas. Já o ‘New York Times’, após uma tentativa não muito feliz com seu Times Select, que cobrava pela leitura de colunas e reportagens especiais, implantará um modelo misto em 2011. A cobrança, nesse caso, será feita de acordo com o tempo que o leitor passa on-line e a quantidade de reportagens que ele lê. ‘O modelo é bom porque dá flexibilidade, você pode mudar os parâmetros, e isso permite que eles mantenham como leitores muita gente que lê o jornal sem freqüência’ disse Nat Ives, colunista especializado em mídia na revista ‘Ad Age’. ‘Acho que essa abordagem é mais inteligente do que a anterior.’ Atualmente, todos os textos do ‘Times’ estão abertos no site do jornal, enquanto os do ‘Journal’ estão quase todos fechados. Cercada de farpas, disputa entre donos está nos 2 jornais A briga entre o ‘Wall Street Journal’ e o ‘New York Times’ espirrou para as páginas dos dois jornais e de outras publicações americanas, frequentemente usadas para a troca de farpas entre seus respectivos publishers. Em novembro do ano passado, quando foi divulgada a criação do caderno metropolitano do ‘Journal’, o ‘Greater New York’ , o ‘New York Times’ soltou uma nota discreta no site em uma de suas colunas de mídia. O ‘Wall Street Journal’ planeja contratar uma pequena equipe em Nova York para cobrir pontos noticiosos tradicionais, como a prefeitura, os tribunais e a capital estadual’, seguia o texto. Anteontem, quando o ‘Times’ anunciaria os resultados financeiros do grupo de empresas que o controla como um todo, o ‘Journal’ publicou reportagem afirmando que o rival ‘escondia’ no lucro da holding o prejuízo deixado por seu carro-chefe. Em um episódio célebre relembrado pela revista ‘Vanity Fair’, Robert Thomsom, o braço direito de Rupert Murdoch, escolheu uma foto do queixo de Arthur Sulzberger mal disfarçada para ilustrar uma reportagem sobre homens efeminados. O ‘Journal’ diz que quer ‘ditar a agenda de discussões’ da semana com seu novo caderno, claramente inspirado no rival. Além do debate sobre temas da semana, aos moldes do ‘Week in Review’ do ‘Times’, e da resenha literária, o jornal de Murdoch aposta alto em sua editoria de comportamento e estilo de vida. Desde 2008, o diário tem também uma revista que foca em negócios com uma abordagem mais glamourosa. Resta saber se ele vai recorrer ao noticiário de fofocas que recheia seus outros jornais, como o ‘Sun’, de Londres. CNN anuncia saída de seu presidente nos Estados Unidos A rede de televisão CNN anunciou ontem que vai substituir seu presidente nos EUA, Jon Klein, que ficou no cargo por seis anos. Assumirá a posição Ken Jautz, vice-presidente da HLN, autodenominada ‘rede de notícias e opiniões’, e antigo executivo da CNN. Klein afirmou, em entrevista à Reuters, que ficou surpreso com a decisão e que se sente ‘desapontado’. A NBC Universal também anunciou a saída de seu executivo-chefe, Jeff Zucker, após a Comcast Corp tomar o controle da rede. Steve Burke, diretor de operações da Comcast, vai, provavelmente, supervisionar a jointventure. FRANÇA Grupo ‘Le Monde’ vai receber € 110 mi de novos acionistas O grupo francês de mídia ‘Le Monde’ vai receber € 110 milhões de seus novos acionistas, três empresários franceses. O grupo atravessa sérias dificuldades financeiras. Xavier Niel, bilionário que fez fortuna na internet, Matthieu Pigasse, empresário e diretor do banco francês Lazard, e Pierre Bergé, ex-parceiro comercial do estilista Yves Saint-Laurent, controlarão pelo menos 51% do capital. O jornal ‘Le Monde’ informou ontem que o conselho de supervisão aprovou por unanimidade a transferência de controle, que acontecerá após aprovação da Assembleia Geral, em novembro. INTERNET Google anuncia ‘Street View’ no Brasil O Google anunciou que o lançamento oficial no Brasil do serviço de mapas Street View (‘visão da rua’) será na próxima quinta-feira. Inicialmente, as cidades servidas com o Street View serão São Paulo, Belo Horizonte e Rio de Janeiro. Imagens do serviço vazaram no começo do mês, indicando que o serviço seria lançado no país em breve. O Street View é um serviço de mapeamento de ruas que usa carro, antenas e câmeras para fotografar os locais por onde o veículo passa. O Google estuda uma nova proposta para permitir ao usuário decidir os próximos lugares que devem ser adicionados ao serviço no país. A Fiat é parceira do Google Brasil no serviço de mapeamento de ruas. CONTROVÉRSIA A ideia de câmeras circulando e gravando as vidas de transeuntes e moradores – e disponibilizando tais imagens na rede – não agrada a todo mundo. Em julho, 37 Estados norte-americanos anunciaram a investigação sobre o Google por conta da coleta de dados pelo Street View. As autoridades querem averiguar se o serviço quebrou leis de privacidade ao capturar informações privadas de usuários de internet por meio de conexões Wi-Fi. Trata-se de desdobramento da investigação iniciada pelo procurador-geral do Estado de Connecticut, Richard Blumenthal, em junho. Em maio, o Google disse que a frota de carros tinha acidentalmente recolhido informações pessoais, que um especialista em segurança disse poder incluir mensagens de e-mail e senhas. Em carta aberta enviada ao Google, Blumenthal pediu detalhes específicos acerca da coleta de dados -o que inclui informações sobre uma possível venda ou uso dos dados coletados. ‘NADA ILEGAL’ Blumenthal também pediu ao Google que informasse se o programa de coleta de dados foi testado, quanto tempo o software passou coletando dados de sinais específicos -além de divulgar nomes dos empregados envolvidos e suas respectivas explicações sobre o caso. A companhia reiterou que a coleta se tratou de um ‘erro’, mas que não cometeu ‘nada ilegal’. ‘Vamos continuar a colaborar com as autoridades pertinentes para responder às suas questões e interesses’, disse o Google, em comunicado. Países europeus também começaram discutir as questões de privacidade do novo mecanismo. TELEVISÃO Marcelo Bortoloti Diretor quer novela ‘densa’ para alavancar ibope às 18h O diretor Marcos Schechtman é um entusiasta do seu trabalho. Quando está na ativa, dorme três horas por dia. Ao falar dele, cita de Nietzsche a Gilberto Freyre. Isso porque o assunto é uma novela das seis. ‘Araguaia’, dirigida por ele, estreia na segunda com uma particularidade: é a primeira novela da Globo das seis em alta definição. A presença de Schechtman, que tem status de diretor ‘das oito’ -seus últimos trabalhos foram ‘Caminho das Índias’ e ‘América’- indica uma maior atenção dada pela emissora à faixa. Embora seja escrita pelo decano Walter Negrão, autor típico de folhetins das seis, as primeiras imagens de ‘Araguaia’ mostram uma sofisticação acima da média. Parte da explicação pode estar no fato de as audiências das três novelas noturnas da emissora estarem mais próximas. Em junho, ‘Escrito nas Estrelas’, das seis, chegou a bater ‘Passione’, das oito. Hoje, a média da primeira é de 29 pontos, não tão longe dos 35 da segunda (cada ponto equivale a 60 mil domicílios ligados na Grande SP). RURBANO Graduado em ciências sociais e filosofia pela UFRJ, Schechtman é um intelectual. Estreou na TV fazendo uma adaptação da ‘Comédia Humana’, de Balzac. Empreendimento que, naturalmente, nunca vingou. Agora, além de refinamento estético, quer dar mais densidade ao horário. Para caracterizar o ambiente de ‘Araguaia’, vale-se do conceito ‘rurbano’, termo que o antropólogo Gilberto Freyre aportuguesou do inglês ‘rurban’. A expressão indica um tipo de sociedade intermediária que concilia aspectos contraditórios de uma vida rural e urbana. ‘O interior projetado na nossa literatura não é o que existe na prática. Encontrei na região fazendeiros que passavam o fim de semana em Nova York’, diz. A trama gira em torno de uma família marcada por uma maldição indígena que condena à morte todos os descendentes homens que vivem próximos ao rio. Tem ingredientes políticos. Inclui, por exemplo, uma cidadezinha socialista construída por um líder comunitário. Também faz referência à guerrilha do Araguaia, ocorrida durante a ditadura militar. Os críticos podem argumentar que a proposta parece uma versão melhorada de ‘Pantanal’, sucesso da extinta TV Manchete, igualmente com cenas exuberantes de natureza, gravadas no Mato Grosso do Sul. O diretor nega as semelhanças: ‘O Brasil não conhece o rio Araguaia. É a última fronteira que ainda não foi mostrada na televisão’. ****************** Clique nos links abaixo para acessar os textos do final de semana selecionados para a seção Entre Aspas.