MÉXICO
A Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) pediu ontem ao governo do México mais eficácia nas investigações de delitos cometidos contra a imprensa e criticou a falta de resultados nas mais de cem desaparições e mortes de jornalistas.
María Idalia Gómez, da Unidade de Ação Rápida da SIP, disse que as autoridades ‘não têm feito seu trabalho’.
Gómez disse que a violência ligada ao crime organizado no país impede o exercício de uma imprensa livre. ‘Os jornalistas vivem com tensão e medo frente o narcotráfico.’
O representante do governo na reunião, Salas Chávez, precisou se defender das críticas.
A SIP está reunida em Mérida, no México, para sua 66ª Assembleia Geral.
O encontro conta com editores e executivos de jornais da América Latina, que discutem como proteger jornalistas mexicanos frente à violência gerada pelo narcotráfico no país.
O diretor jurídico do Grupo Folha, Orlando Molina, e a advogada do jornal, Taís Gasparian, participam do encontro. O presidente mexicano, Felipe Calderón, participaria ontem do evento.
TELEVISÃO
Júlia e Gabriela trazem Sônia Braga de volta à TV
Falsa-certinha ou mãe-protetora europeia? Para quem estava com saudades, Sônia Braga volta à TV em diferentes prateleiras. No dia 23, ela é a carioca da vez na série de Daniel Filho na Globo. Personagem batizada de Júlia, homenagem a Sônia em ‘Dancin’ Days’, que Daniel dirigiu.
Na TV paga viverá mais uma Gabriela, mãe de Luc (Gilles Marini) no seriado ‘Brothers & Sisters’ (Universal), em episódio que vai ao ar nos Estados Unidos no dia 14, mas só no início do ano por aqui.
Folha – Como foi o convite para ‘Brothers & Sisters’?
Sônia Braga – Aceitei assim que o recebi através da minha manager, pois adoro a série, que tem produção do Ken Olin e quase a mesma equipe de ‘Alias’ [série da qual a atriz participou]. Não podia ser melhor.
Você acompanha a série?
Já tinha assistido e gostava muito. O elenco é realmente ótimo, liderado por Sally Field. Este meu episódio foi dirigido por Matthew Rhys, que na série faz o fantástico Kevin. Ele tem um belo e fortíssimo sotaque galês. Muito bonito!
Como será sua personagem?
Serei mãe do lindíssimo Gilles Marini, o Luc na série. Não posso contar mais, apenas que vivo em Paris mas sou… portuguesa!
O que achou de viver novamente uma Gabriela?
Sinto que o Jorge [Amado] está sendo homenageado quando uma personagem é batizada de Gabriela.
Se surpreendeu ao ser escalada para viver uma européia?
A personagem é portuguesa, mas sempre viveu na França. Então tive que falar em francês com ‘meu filho’.
O que você tem em comum com as francesas?
Mulher é mulher no mundo inteiro! Com a aproximação global, acho que somos todos uma pequena aldeia.
Como foi viver a Júlia em ‘As Cariocas’?
Adorei rever [Antônio] Fagundes, Regina [Duarte] e conhecer o Dalton Vigh.
E o reencontro com Daniel Filho na TV…
Como sempre nos encontramos, não foi tão estranho. Estávamos procurando um projeto na TV faz um tempão, então finalmente aconteceu. Mas vamos continuar buscando um outro projeto para fazermos juntos no cinema.
Por que não volta a fazer novelas por aqui?
Ué, é só me chamarem que vou, né? (risos)
Em 2011, GP Brasil de F-1 será em HD
Alonso, Vettel ou Webber? Não importa. O vencedor dessa disputa será o último campeão antes da Fórmula 1 entrar nas curvas da alta definição.
Em testes já na temporada atual, a transmissão em HD da competição automobilística passa a valer a partir de 2011.
Com a novidade, a Globo, dona dos direitos de exibição no Brasil da F-1, já começa a formatar a sua cobertura em HD da competição no próximo ano. Planos que ganharão corpo assim que o Grande Prêmio Brasil, que acontecerá hoje, passar.
Apesar do sinal da F-1 ser disponibilizado para o mundo todo pela FOM (Formula One Management), braço que administra os direitos comercias da categoria, como compradora do evento, a Globo tem direito de espalhar pelos circuitos algumas câmeras que lhe oferecem imagens exclusivas durante as provas.
Além da alta definição, a F-1 2011 será marcada pelo faturamento em alta.
O pacote de patrocínio do evento na Globo ganhou uma cota extra na próxima temporada, fechando em seis cotas vendidas a R$ 60 milhões cada (preço de tabela). O patrocínio do Top de 5 segundos do evento na emissora foi comercializado por R$ 25,5 milhões.
Marcelo Bortoloti
Série recupera o amoralismo de Millôr
Um homem caminha pelo deserto com seu fiel cachorro. Após dias sem se alimentar, mata o cão, assa-o numa fogueira e o devora. Depois da refeição, com a barriga cheia, começa a chorar: ‘Pobre do Luluzinho! Como ele adoraria roer esses ossos!’.
O texto, de Millôr Fernandes, integra as ‘Fábulas Fabulosas’, publicadas pela primeira vez em 1963. São alguns dos mais engenhosos textos do humorista, dramaturgo e escritor carioca. Seu resgate é uma iniciativa da atriz Fernanda Torres, que concebeu, corredigiu e protagoniza a série ‘Amoral da História’, que estreia amanhã no canal Multishow.
O programa é um apanhado de fábulas nas quais Millôr subverte as lições de moral das histórias tradicionais, criando versões politicamente incorretas.
Na versão de ‘A Raposa e As Uvas’, por exemplo, a raposa consegue finalmente alcançar as frutas. Mas, depois de prová-las, constata que estavam de fato verdes. Sua lição: ‘A frustração é uma forma de julgamento tão boa como qualquer outra’.
O encontro entre Fernanda e Millôr não é fortuito. Quando criança, ela frequentava a casa dele ao lado dos pais, o diretor Fernando Torres, morto em 2008, e a atriz Fernanda Montenegro. Na adolescência, tornou-se sua fã incondicional.
Mais tarde, quando começou a receber comentários do humorista sobre suas colunas na imprensa, sentiu-se consagrada. ‘Era o amigo mais inteligente dos meus pais falando comigo diretamente’, diz ela, que escreveu uma coluna para a Folha durante as eleições deste ano.
NECESSIDADE
A ideia de transportar ‘Fábulas Fabulosas’ para a TV, segundo ela, teve duas motivações. Uma de ordem prática -os textos eram fáceis de converter em roteiro- e outra quase moral. ‘Vivemos numa época tão politicamente correta, tão tacanha, que resgatar essa inversão da moral típica do Millôr é uma necessidade’, diz.
Os episódios, de 15 minutos cada um, reúnem de duas a três fábulas, intercaladas por aforismos de outro livro do escritor, ‘Millôr Definitivo: a Bíblia do Caos’. É um genial apanhado de frases que não poupam ninguém: ‘Não sou um homem muito culto. Mas sempre tive o cuidado de me cercar de completos ignorantes’.
Com essa matéria-prima, os textos adaptados por Renato Fagundes, com ajuda do diretor Vicente Kubrusly e de Fernanda Torres, dificilmente poderiam desandar.
Ao contrário de ‘Os Normais’, em que a participação da atriz se restringiu ao papel de Vani, nas últimas incursões em TV e teatro ela ajudou no roteiro e deu palpites na direção, a exemplo do quadro ‘Bicho Homem’, do ‘Fantástico’.
Em ‘Amoral da História’, o único parceiro em cena em quase todos os episódios é Carlos Miele -também ideia dela, que se lembrou do ator em razão de um disco que ouvia na infância, com textos de Millôr narrados por sua mãe, seu pai e Miele.
O restante do programa foi moldado pela falta de verba e pelo prazo curto. Os 20 episódios foram gravados em 22 dias. Parte do figurino foi retirado do guarda-roupa da atriz. As locações se restringiram a um galpão, com projeções de paisagens na parede.
Após a experiência independente, Fernanda volta à Globo para as gravações da série ‘Tapas e Beijos’, ao lado de Andréa Beltrão, ainda sem data para começar. ‘O campo de trabalho para um ator vai se afunilando quando ele envelhece. É preciso buscar alternativas’, diz a atriz, aos 45 anos.
NA TV
Amoral da História
Estreia do programa
QUANDO segunda, às 23h30, no Multishow
CLASSIFICAÇÃO não informada
Vitor Moreno
‘Passione’ leva divã de psiquiatra para centro da história
Você chega para a terapia, deita no divã e dá de cara com um personagem da novela das oito. Não, você não está ficando louco. Você está no consultório do doutor Flávio Gikovate.
O psiquiatra e psicoterapeuta está no centro de uma das tramas que mais aguçam a curiosidade do público de ‘Passione’ (Globo): afinal, qual é o segredo de Gerson?
Vivido por Marcello Antony, o personagem procurou ajuda para se livrar de um problema que ainda não foi revelado ao público.
Para chegar ao mistério -que ele jura ainda desconhecer-, o médico consulta o atormentado personagem.
‘É uma espécie de amostra grátis de terapia’, brinca ele em entrevista à Folha.
O convite para a novela partiu de Silvio de Abreu. ‘Além de imprimir grande verdade nas cenas, ainda traz um olhar diferente que não acredito que um ator pudesse trazer’, elogia o autor e amigo de longa data.
Gikovate também ajuda a produzir as próprias falas e orienta Silvio quanto ao perfil psicológico de Gerson.
Segundo ele, que já participou de outros programas na TV, seus pacientes da vida real estão acostumados com suas investidas na mídia. ‘Alguns comentam, mas as pessoas que vêm aqui estão interessadas na história delas, não na minha’, diz.
PROMOÇÃO
Gikovate afirma que o número de pacientes em sua clínica cresceu com a novela.
‘Tenho 44 anos de carreira, sou um médico estabelecido, tenho uma obra teórica sofisticada e sempre fiz trabalho de divulgação’, diz.
Além disso, aos 67 anos, afirma estar se encaminhando para a aposentadoria.
Mesmo assim, a Associação Brasileira de Psiquiatria diz que ele pode estar infringindo o Código de Ética Médica, que proíbe ‘consultar, diagnosticar ou prescrever por qualquer meio de comunicação de massa’.
A entidade se reúne neste mês para decidir se leva o caso ao Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado São Paulo), o que, em última instância, pode levar o médico a ter a licença suspensa.
Consultados, o Cremesp e o CFM (Conselho Federal de Medicina) disseram não ter recebido queixas contra a participação do médico e não poderem se manifestar antes de o assunto ser analisado.
‘In Treatment’ volta com novos pacientes
Enquanto na TV aberta, o segredo de Gerson, da novela ‘Passione’, mantém o público com os olhos grudados no divã do doutor Flávio Gikovate, nos canais pagos as atenções estão voltadas para outros pacientes.
A série ‘In Treatment’ (Em tratamento), que estreou sua terceira temporada há duas semanas nos EUA, tem o desafio de caminhar com as próprias pernas.
Aclamado pela crítica e vencedor de prêmios como o Emmy e o Globo de Ouro, o seriado teve os roteiros das duas primeiras temporadas adaptados de um sucesso da televisão israelense. O original, contudo, teve apenas duas temporadas.
Na novo ano, três novos pacientes do doutor Paul Weston (Gabriel Byrne) são apresentados.
São eles: Sunil, um viúvo indiano que é forçado a morar com o filho e com a nora; Frances, atriz que caiu no ostracismo, conseguiu ser escalada para uma peça, mas vive esquecendo suas falas; e Jesse, um adolescente gay que recebe uma ligação de sua mãe biológica.
Paul também tem novidades na própria terapia. Acostumado com a doutora Gina (Dianne Wiest), que o acompanhou durante anos, ele passa a se consultar com a doutora Adele (Amy Ryan).
Assim como nas temporadas anteriores, a série mostra uma consulta por episódio. A ação quase não sai do consultório. A ideia de exibir um paciente por semana, no entanto, foi abandonada.
No Brasil, a nova temporada estará na programação da HBO em 2011, mas ainda não tem data para ir ao ar.
Bia Abramo
Série constroi delírio visual sobre psicanálise
Desta vez, Luiz Fernando Carvalho não está fazendo uma adaptação. Depois de tocar em textos sagrados, como o ‘Dom Casmurro’, de Machado de Assis, e intrincados, como ‘A Pedra do Reino’, de Ariano Suassuna, o diretor partiu de uma ideia original dele mesmo para fazer ‘Afinal, o que Querem as Mulheres?’.
A ideia foi parar nas mãos do escritor João Paulo Cuenca, que, com a ajuda da também escritora Cecilia Giannetti e do ator Michel Melamed, desenvolveu o roteiro.
E, claro, Carvalho fez o texto final do seriado em seis capítulos que contam a trajetória de André, um homem em busca do amor.
Quase como em uma anedota de inspiração psicanalítica, André está obcecado com sua tese de doutorado, na qual procura investigar a questão freudiana do título e é assim que perde o seu primeiro grande amor.
Tão obcecado que entra em delírio: quando deita no divã, seu orientador e analista (?!?) se transforma no próprio Freud. Nada é simples em se tratando de Carvalho. O roteiro vai se complicar, incluindo um duplo de André, a volta de um pai desaparecido e uma sucessão de mulheres.
Mas, ao mesmo tempo, o roteiro é quase um pretexto para que ele solte uma imaginação delirante e obcecada por deixar sua marca antirrealista na televisão. A exuberância visual e o cruzamento frenético de referências narrativas são, na verdade, a coluna vertebral de suas histórias.
REFORÇANDO CLICHÊS
Em ‘Afinal…’, o risco dessa opção parece ser grande. Se nas adaptações isso acabava ampliando possibilidades de leitura ao texto inspirador, aqui deixam o texto tão em segundo plano que ele acaba sobrevivendo como uma coleção de frases soltas e máximas de tonalidade exagerada em torno do feminino, das impossibilidades do encontro amoroso e da perplexidade dos homens diante das mulheres.
E talvez isso acabe, justamente, reforçando os clichês em vez de revolvê-los.
A interpretação marcadamente teatral, antinaturalista, com a qual o diretor gosta de trabalhar também é um problema -se funciona bem com atores criativos, como o protagonista Michel Melamed, ou intuitivos, como Paola Oliveira, soa falso com intérpretes de menos recursos como Vera Fischer.
Mas, com maneirismos, problemas de roteiro e tudo, Carvalho continua fazendo a teledramaturgia mais intrigante e provocadora da televisão brasileira.
NA TV
Afinal, o que Querem as Mulheres?
Estreia da minissérie
QUANDO quintas, a partir de 11/ 11, às 23h25, na Globo
CLASSIFICAÇÃO 14 anos
AVALIAÇÃO bom
Vanessa Barbara
Ratinho tem um problema
ÀS VOLTAS com a queda dos índices de audiência e os boatos de cancelamento em 2011, o ‘Programa do Ratinho’ (SBT, seg. a sex. às 18h, classificação livre) tem feito de tudo para se recuperar.
A atração de auditório, comandada por Carlos Massa, é focada na exploração e resolução de disputas domésticas, em que maridos ofendem ex-mulheres, esposas agridem amantes e há escândalos em profusão.
Ratinho já tentou de tudo: mudou o cenário, a direção, o formato e até tentou convocar Palmirinha Onofre para seus quadros. Nada parece surtir efeito.
Desta feita, vai uma sugestão infalível para revitalizar a atração. O fato é que, a todo momento, o apresentador promete resolver os problemas do público, sejam eles quais forem.
Em geral, são mães tentando comprovar a paternidade dos filhos, que não raro também se envolvem na cizânia, e não raro partem para a agressão física. No estúdio, há seguranças a postos para apartar os mais belicosos.
A sugestão, portanto, seria diversificar a natureza desses problemas, incluindo questões metafísicas e dúvidas de cunho ético. Um exemplo: o sujeito chega ao programa do Ratinho com um problema. Solícita, a produção se dispõe a ouvi-lo, mas não garante a solução imediata do imbróglio.
Ele dispara: ‘Se um trem sai da cidade A em direção a B com uma velocidade média estimada de 50 km/ h, em movimento retilíneo, e um trem sai da cidade B em direção a A a 30 km/h, sendo que as cidades se encontram a uma distância de 100 km, quando os trens irão colidir?’.
Dá para imaginar Ratinho consultando o ponto, a moça da produção sacando a calculadora e os peritos pedindo mais detalhes (‘Condições normais de temperatura e pressão, você disse?’).
Seria proveitoso convidar populares angustiados e filósofos niilistas que tenham coragem de subir ao palco e perguntar coisas como: ‘Pode Deus criar uma pedra que não consiga levantar?’, ou: ‘Em um gás ideal, a entropia é uma variável extensiva?’.
Sempre haverá aquele que, tomando com fúria o microfone, exporá um problema fatal: ‘Um burro bom e barato é raro. Tudo que é raro é caro. Um burro bom e barato é caro. Um burro bom…’.
E assim por diante, até que os seguranças venham contê-lo com um livro de palavras cruzadas.
LITERATURA
Monteiro Lobato no tribunal literário
O parecer do Conselho Nacional de Educação (CNE) de que o livro ‘Caçadas de Pedrinho’ deve ser proibido nas escolas públicas, ou ao menos estigmatizado com o ferrão do racismo, instala no Brasil um tribunal literário.
A obra de Monteiro Lobato, publicada em 1933, virou ré por denúncia -é esta a palavra do processo legal-de um cidadão de Brasília, e a Câmara de Educação Básica do Conselho opinou por sua exclusão do Programa Nacional Biblioteca na Escola.
Na melhor das hipóteses, a editora deverá incluir uma ‘nota explicativa’ nas passagens incriminadas de ‘preconceitos, estereótipos ou doutrinações’. O Conselho recomenda que entrem no índex ‘todas as obras literárias que se encontrem em situação semelhante’.
Se o disparate prosperar, nenhuma grande obra será lida por nossos estudantes, a não ser que aguilhoada pela restrição da ‘nota explicativa’ -a começar da Bíblia, com suas numerosas passagens acerca da ‘submissão da mulher’, e dos livros de José de Alencar, Machado de Assis e Graciliano Ramos; dos de Nelson Rodrigues, nem se fale. Em todos cintilam trechos politicamente incorretos.
Incapaz de perceber a camada imaginária que se interpõe entre autor e personagem, o Conselho vê em ‘Caçadas de Pedrinho’ preconceito de cor na passagem em que Tia Nastácia, construída por Lobato como topo da bondade humana e da sabedoria popular, é supostamente discriminada pela desbocada boneca Emília, ‘torneirinha de asneiras’, nas palavras do próprio autor: ‘É guerra, e guerra das boas.
Não vai escapar ninguém -nem Tia Nastácia, que tem carne negra’. Escapou aos censores que, ao final do livro, exatamente no fecho de ouro, Tia Nastácia se adianta e impede Dona Benta de se alojar no carrinho puxado pelo rinoceronte: ‘Tenha paciência -dizia a boa criatura. Agora chegou minha vez. Negro também é gente, sinhá…’.
Não seria difícil a um intérprete minimamente atento observar que a personagem projeta a igualdade do ser humano a partir da consciência de sua cor. A maior extravagância literária de Monteiro Lobato foi o Jeca Tatu, pincelado no livro ‘Urupês’, de 1918, como infamante retrato do brasileiro. Mereceria uma ‘nota explicativa’?
Disso encarregou-se, já em 1919, o jurista Rui Barbosa, na plataforma eleitoral ‘A Questão Social e Política no Brasil’, ao interpretar o Jeca de Lobato, ‘símbolo de preguiça e fatalismo’, como a visão que a oligarquia tinha do povo, ‘a síntese da concepção que têm, da nossa nacionalidade, os homens que a exploram’.
Ou seja, é assim que se faz uma ‘nota explicativa’: iluminando o texto com estudo, reflexão, debate, confronto de ideias, não com censuras de rodapé.
O caráter pernicioso dessas iniciativas não se esgota no campo literário. Decorre do erro do multiculturalismo, que reivindica a intervenção do Estado para autonomizar culturas, como se fossem minorias oprimidas em pé de guerra com a sociedade nacional.
Não tem sequer a graça da originalidade, pois é imitação servil dos Estados Unidos, país por séculos institucionalmente racista que hoje procura maquiar sua bipolaridade étnica com ações ditas afirmativas.
A distorção vem de lá, onde a obra de Mark Twain, abolicionista e anti-imperialista, é vítima dessas revisões ditas politicamente corretas. País mestiço por excelência, o Brasil dispensa a patacoada a que recorrem os que renunciam às lutas transformadoras da sociedade para tomar atalhos retóricos.
Com conselheiros desse nível, não admira que a educação esteja em situação tão difícil. Ressalvado o heroísmo dos professores, a escola pública se degrada e corre o risco de se tornar uma fonte de obscurantismo sob a orientação desses ‘guardiões’ da cultura.
ALDO REBELO, 54, jornalista, é deputado federal pelo PC do B de São Paulo.
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