Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Gaudêncio Torquato

‘Entre as pragas que devastam a política, uma é típica da civilização do consumo e abriga o campo do simbolismo. É conhecida como marketing. Origina-se na liturgia do poder, fazendo-se presente na História da humanidade como sistema de camuflagem para lapidar a imagem de governantes, imperadores, reis, príncipes, presidentes, políticos e celebridades. Quinto Túlio já o experimentava em 64 a.C. quando aconselhava o irmão Marco Cícero, famoso tribuno romano candidato ao consulado, a se apresentar como um ‘homem novo bem preparado para conseguir a adesão entusiasmada do povo’. César calculava os gestos públicos. Maquiavel ensinava o Príncipe a divertir o povo com festas e jogos. Luís XIV desfilava nos espetáculos que promovia. Napoleão era um pavão vestido de púrpura quando se coroou para receber a bênção do papa em Notre-Dame. Hitler foi treinado em aulas de declamação para agitar as massas, usou a cruz gamada para propagar o nazismo, podendo-se dizer que o marketing político ganha status profissional sob o comando de Joseph Goebbels, o ‘marqueteiro’ hitlerista.

Pois bem, essa engenharia de encantamento das massas aportou, há quatro décadas, no Brasil para agravar as mazelas de nossa incipiente democracia. Em 60 tivemos as primeiras campanhas marquetizadas. Começou com a mobilização das massas nas ruas. Passou pela adoção de símbolos, cores e cantos até ganhar, hoje, dimensão pirotécnica, quando elege a forma em detrimento de valores. Políticos são transformados em bonecos. Slogans se antecipam a programas (vide Fome Zero). Implanta-se a telecracia – extravagância comandada pela TV -, em que atores canhestros são ensinados a engabelar a fé dos tele-eleitores. Foi assim que ganhamos um Collor de postura apolínea, puxando, às carreiras, um cordão de jornalistas pelos arredores da Casa da Dinda, num cooper diário. Era o arremedo de Alexandre Magno, exibindo vigor, juventude, modernidade.

Não queremos apagar a liturgia que inspirou atitudes de nossos governantes. Alguns desenvolveram símbolos usados com maestria. Kubitschek estampava amplo sorriso para encantar as massas. Jânio, a caspa caindo no terno amarfanhado para se mostrar um homem do povo, brandindo, depois, uma vassoura para varrer a corrupção. Interessa, aqui, demonstrar que a crise exposta nas oitivas das CPIs tem muito que ver com a espetacularização da política feita por profissionais especializados em substituir o conteúdo pela forma, a verdade pela versão, a missão política pela mistificação. Não é de admirar que a representação política, plasmada pela cosmética do marketing, tenha criado imenso vácuo no meio social. Poucos crêem nos políticos.

A transformação da política em extensão do show business tem sido o ofício de uma classe treinada para ampliar os limites do Estado-espetáculo a fim de extrair dele grandes negócios. Os marqueteiros tupiniquins defendem-se dizendo que, nos EUA, a atividade está consolidada. Ocorre que os norte-americanos, mais racionais, se agrupam em torno de dois grandes partidos e não se deixam enganar facilmente. Ademais, lá não se vê o desperdício de tempos eleitorais gratuitos servindo de trampolim para a atividade circense da política. Aqui, o povo paga (com impostos) para ser enganado. E ainda compra gato por lebre. Vejam o que adquirimos. Primeiro, apareceu um sapo barbudo na vitrine, na ironia de Leonel Brizola. Bravo e tosco, foi rejeitado algumas vezes. Até que uma fada madrinha ajudou a operar o milagre. O sapo virou príncipe. Não fossem a altura e a barriga, o anfíbio, que virou modelo, até poderia desfilar no circuito Elizabeth Arden (Paris-Londres-Nova York). Barba aparada, ternos de grife bem cortados, cabelos com reflexos grisalhos, sorriso aberto, charme e ternura: eis o resplandecente ‘Lulinha paz e amor’. Arrebanha 53 milhões de votos. Até a primeira-dama ganha um personal stylist. (Não há nada contra a boa aparência, o bom gosto, o glamour. Mas qual o perfil verdadeiro, o interno ou o externo?)

A varinha de condão foi usada para empetecar atores pelo País afora, embalando candidatos com o lema vivaldino: ‘Fulano fez, fulano fará melhor.’ E, como as obras não aparecem, a reversão das expectativas se instala na consciência social, iniciando o desmoronamento dos genais ‘feitores’. Prefeituras e governos, incluindo o federal, estão encostados no monumental paredão de pasteurização construído com a argamassa do marketing. Uma profunda distância se formou entre a imagem dos entes governativos e a realidade social. Essa é a razão por que se impõem urgentes mudanças nas regras do jogo eleitoral de 2006. O debate político há de ocupar o centro das campanhas. A única maneira de resgatar a grandeza do pleito eleitoral é pela via da moralização dos métodos que terão influência sobre a decisão do eleitor.

No mais, não devemos ter esperança de que as coisas melhorem de imediato. A degradação da política é um processo em curso e resulta da antinomia entre o interesse individual e os interesses coletivos. Essa pertinente observação de Maurice Duverger, quando estabelece comparação entre o liberalismo e o socialismo, explica bem a nossa crise. A democracia liberal abriu grandes comportas para a corrupção e o socialismo revolucionário se arrebentou sob os destroços do Muro de Berlim. Estamos à procura de um novo paradigma capaz de resgatar a velha utopia expressa por Aristóteles, em sua Política, a de que o homem, como animal político, deve participar ativamente da vida da polis (cidade) para servir ao bem comum. A polis, entre nós, é um caso de negócio particular. Nas terras cabralinas, o bicho político tem até participado da vida da cidade, mais para colher dela os frutos de suas frondosas árvores que para regá-las com o suor.

Ante essa visão de descalabro, não há como deixar de relembrar o velho conceito de que a política é a arte de produzir monstros.

Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP e consultor político. E-mail: gautor@gtmarketing.com.br’



Marcelo Rubens Paiva

‘Denúncia’, copyright O Estado de S. Paulo, 27/08/05

‘‘De onde falam?’

‘Da redação, boa tarde.’

‘Queria fazer uma denúncia.’

‘Contra quem?’

‘Não sei exatamente. Com quem que eu falo?’

‘É contra o PT?’

‘Tô tentando dormir e… Tô chocado.’

‘Tá todo mundo, companheiro, só se fala nisso.’

‘Com quem eu posso reclamar? É que aqui em cima…’

‘Mas é contra o PT?’

‘Não sei, é?’

‘Vou te passar pro repórter que tá cobrindo. Um minutinho.’

‘Alô, alô?’

Pausa.

‘Oi, quem é?’

‘Eu queria fazer uma denúncia.’

‘Contra o PT, né? A telefonista me avisou.’

‘Não sei se é contra o PT.’

‘Pode abrir, cara, tá todo mundo falando o que sabe.’

‘Olha, não durmo direito.’

‘Tá difícil, a maior decepção. Não adianta falar do baixo clero, porque daí os caras dizem que só estavam cumprindo ordens, temos que ir direto à cúpula, temos de chegar em quem manda, em cima.’

‘Concordo, totalmente. Que bom que estamos nos entendendo. E quem é que manda?’

‘Boa pergunta. Ninguém sabe ao certo. Achávamos que era o Zé Dirceu, mas ele nega. Tem o Delúbio, o Silvio Pereira… O presidente tá blindado. Por enquanto. Mas é contra eles a denúncia?’

‘Não.’

‘É como chutar cachorro morto, certo? A gente tá precisando de algo novo.’

‘Contra quem?’

‘Contra o Palocci.’

‘Coitado.’

‘Pois é, o senhor vê, até ele… Se não, meu amigo, passar bem. Um abraço.’

‘Não desliga, não! Eu preciso de ajuda!’

‘É contra o Palocci? Por que você não disse antes?’

‘Você não está entendendo.’

‘Agora, estou. Fique tranqüilo, que é política da editoria não divulgar as fontes que não queiram se identificar, Uruguaio.’

‘Uruguaio?’

‘Vamos chamá-lo assim.’

‘Quem?’

‘Você.’

‘Mas, por quê?’

‘Porque precisamos de um codinome, Deep Throat, Mister X… Vamos lá, Uruguaio, qual a denúncia?’

‘Não curti esse codinome.’

‘Um minutinho, que vou ligar o gravador.’

‘Gravador?’

‘Alô, testando. Um-dois, um-dois… Vamos lá, entrevista com Uruguaio, fonte do caso do mensalão, denúncia contra Palocci. Uruguaio, vírgula, que não gosta de ser chamado por este apelido, vírgula, afirma que até o ministro Palocci está envolvido no esquema de arrecadação ilegal de dinheiro para o financiamento das campanha do PT, ponto. Um minuto, o senhor falou com alguém antes?’

‘Com este barulho? Tem uma obra aqui em cima.’

‘Não falou com outro órgão da imprensa, jornal, revista, rádio, TV?’

‘Só com o senhor.’

‘Um minutinho. Deixa eu escrever na fita. EXCLUSIVO. Como é a denúncia?’

‘Não sei. Eu tento dormir, minha mulher sugeriu ligar pra…’

‘Deve ter se encontrado com alguém.’

‘Minha mulher?’

‘O Palocci.’

‘O Palocci?’

‘Se encontrou com alguém, era pra falar de caixa 2, certo?’

‘Será?’

‘Mas com quem?’

‘Boa pergunta.’

‘Astral! Vamos chamá-lo de Astral. Palocci encontrou com Astral onde? Não pode ter sido no ministério, claro. Num shopping, tá batido. Num estacionamento, lobby de hotel… Ajuda aí, meu.’

‘Numa padoca?’

‘Boa, para evitar câmeras de circuito interno. Numa padaria de Ribeirão Preto, vírgula, o ministro da Fazenda, vírgula, Antonio Palocci, vírgula, encontrava-se com Astral, vírgula, segundo denúncia de Uruguaio, vírgula, que não gosta deste codinome, vírgula, para negociar financiamento ilegal via caixa 2 da campanha do PT à presidência, ponto. O dinheiro era entregue… Como? Numa mala? Não. Numa baguete, isso. Preciso da voz de Astral, você sabe onde posso encontrá-lo?’

‘Mas quem é Astral, afinal?’

‘Um publicitário.’

‘Sério?’

‘Deve ser. Não é você?’

‘Eu?’

‘Vai, pode falar, você liga assim, de uma hora pra outra, só pra fazer uma denúncia, você está metido nessa.’

‘Mas eu liguei porque tem uma obra aqui em cima.’

‘Tá, entendi, é dinheiro de empreiteira. O senhor quer dinheiro? A política da editoria garante o sigilo, mas não pagamos pelas informações. Quem paga é a…’

‘Péra! Calma lá. O que você quer?’

‘Confirme que você não é o Astral?’

‘Mas não sou o Uruguaio?’

‘Eu sabia! Preciso de uma voz, afirmando que testemunhou a entrega do dinheiro ao Palocci numa baguete, para podermos colocar no site e divulgarmos pelas TVs. Hoje em dia, sem voz, não dá.’

‘Tá, liga aí, eu falo.’

‘Já está ligado.’

‘Confirmo que o senhor ministro Palocci se encontrou com Astral numa padoca…’

‘O senhor é de que planeta?! Tem de falar em código, se não, ninguém acredita. Pegou? Fala assim: A mosca pousou no pão francês, depositou a larva. Do bigode.’

‘A mosca pousou no pão francês, depositou a larva.’

‘E o do bigode?’

‘Do bigode.’

‘Agora ri, porque corrupto ri de nervoso.’

‘Rá-rá-rá.’

‘Boa.’

‘Mas isso aconteceu, mesmo?’

‘Como o Lula foi eleito, diz? E a grana do Duda? E o Zezé de Camargo, Luciano, coisa e tal, quem pagava, a militância? Conseguiram aquela grana vendendo estrelinha?’

‘Você acha?’

‘Este País é uma vergonha, os políticos estão sempre tramando. São 500 anos, amigão, 500 anos de exploração. E o povo faz o quê? Nada, só reclama. Mas você, não, é um herói! Resolveu dizer o que sabe. Precisamos pegar esses caras, dar um basta, não acha?’

‘E alguém vai acreditar nisso?’

‘Você não está arrependido, está? Seu gesto foi patriótico. Tem muita gente do nosso lado. Parabéns. E obrigado. Uruguaio.’

E desliga. Sua mulher se aproxima e pergunta:

‘Reclamou da obra aqui em cima?’

‘Olha, faz as malas e vamos pra casa da sua mãe, porque sujô.’

‘Você bebeu?’

‘Não sei o que deu em mim. Agora, estou envolvido até o talo.’’



Milton Coelho da Graça

‘Procuradores e nós, aliança pela verdade’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 29/08/05

‘Rodrigo Pinho, procurador geral de Justiça de São Paulo, deu uma pequena mas importante aula de Direito aos que até hoje não querem entender as virtudes da nossa Constituição-cidadã de 1988 nem as virtudes do papel de imprensa numa sociedade democrática.

Além de dar integral apoio aos promotores participantes do depoimento dado por Rogério Buratti e confirmar que a investigação não está sob segredo de justiça, disse a nota divulgada por Rogério Pinho:

‘A divulgação do teor do depoimento efetuada pelo Ministério Público não caracteriza desrespeito a nenhuma regra jurídica, nem pode prejudicar o bom andamento das investigações. A Procuradoria-Geral de Justiça entende, também que toda investigação deve, quando não sigilosa, ser acompanhada pela imprensa e pela sociedade, como em qualquer país democrático’.

Tão grave como o ‘denuncismo’ e mais comum na atual crise ética e política, tem sido o ‘desmentismo’, não só dos acusados mas também dos seus amiguinhos, empenhados sempre e primariamente em desmoralizar acusações e testemunhos. Delúbio Soares e professor Luizinho são os exemplos mais grotescos, mas todos já reconhecemos outros tipos mais sutis. O ‘denuncismo’ ocorre em toda grande crise e a separação entre fatos e cascatas faz parte do trabalho e da responsabilidade social – nossa e dos procuradores. Alguém se recorda das falsas denúncias na crise da era Collor? Foram muitas, mas na memória nacional só ficaram fatos.’



Biaggio Talento

‘Derrubado pelos ‘maus fluidos’, Duda Mendonça some de circulação’, copyright O Estado de S. Paulo, 28/08/05

‘A CPI dos Correios tirou o bom humor do publicitário Duda Mendonça. O bonachão – que sempre espantou os ‘maus fluidos’ com artifícios místicos como os símbolos do candomblé entalhados na porta de casa ou o curioso sistema a gás que ‘queima’ as energias negativas na entrada de sua residência – está deprimido por ter sido arrastado para o olho do furação e obrigado a revelar o esquema de pagamento com dinheiro do caixa 2 petista, feito pelo empresário Marcos Valério.

Duda gosta muito da Bahia, mas ultimamente é pouco visto em Salvador, onde mora num luxuoso apartamento do Edifício Mansão Costa Pinto, no Corredor da Vitória, endereço mais valorizado da cidade, com vista deslumbrante para a Baía de Todos os Santos. Adora ficar em casa, segundo os amigos, e foi nessa residência que instalou a porta de pinho, cujo projeto concebeu com o artista plástico Tati Moreno, após sua viagem a Santiago de Compostela, na Espanha, em 2000.

Moreno recebeu outra encomenda especial de Duda, que decora o pequeno lago próximo a uma cachoeira em sua mansão de veraneio na Praia de Taipu de Fora, em Camamu, sul da Bahia: uma imagem de Oxum, de quatro metros de altura em resina poliéster. ‘Ele é um típico baiano, místico, tem muita fé na religião católica e no candomblé’, comentou Moreno. A mansão de Taipu de Fora é projeto do renomado arquiteto baiano Ivan Smarcevski e foi lá que Duda recebeu amigos como o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares, além de vários ministros. A casa de veraneio é um refúgio ideal para o publicitário porque, devido à configuração do terreno, fica a salvo dos olhares curiosos. Desde que seu nome foi envolvido no caso do caixa 2 do PT, o publicitário se recusa a dar entrevistas.

Quando depôs na Polícia Federal de Salvador, um dia antes de ir à CPI dos Correios, deixou o prédio às 4h da manhã, evitando os jornalistas, e entrou apressado em um dos seus carros, uma caminhonete Toyota Hilux modelo 2005.

Duda também tem um sítio na região metropolitana de Salvador, onde guardaria seus galos de briga, paixão de menino (seu apelido nas rinhas era Sansão) pela qual está sendo processado no Rio e em Salvador. Processos ‘injustos e descabidos’, segundo o amigo Gilberto Pimentel, dono do restaurante Paraíso Tropical, que se tornou famoso na capital baiana graças às celebridades que o publicitário sempre levou ao local. Pimentel chegou a ser preso em maio numa rinha de galo na orla de Salvador e, em depoimento ao Ministério Público do Meio Ambiente, confirmou ser um dos fornecedores de galos de briga para Duda.

Outro restaurante freqüentado por Duda em Salvador é o Trapiche Adelaide, num galpão à beira da Baía de Todos os Santos, na Ladeira do Contorno, onde funcionava o escritório de sua empresa havia alguns anos, antes de ser transferido para um andar do Edifício Oceania, em frente ao Farol da Barra.

Filho de um dos mais importantes pintores baianos do século 20 – Manoel Mendonça Filho -, o único publicitário brasileiro a ganhar seis Leões em Cannes, o prêmio mais cobiçado da propaganda mundial, também adora pesca oceânica e já disputou vários torneios. Amigo de pescarias, o publicitário Fernando Barros, diretor-presidente da Propeg, não vê Duda desde o depoimento na CPI. ‘Imagino que esteja precisando conversar com os amigos, mas ele não retornou minhas ligações’, contou. Barros acha que Duda pode estar na sua fazenda de gado, na região sisaleira da Bahia, isolado. Ele diz que o novo hobby do amigo é a vaquejada, a versão nordestina dos rodeios. ‘Ele está preparando equipes para vaquejadas’, afirmou, informando que Duda está escrevendo um livro sobre as brigas de galo, mas que não deve lançá-lo tão cedo.

Colegas baianos de Duda fazem questão de separá-lo de Marcos Valério. Dizem que ‘não são farinha do mesmo saco’. O presidente da seccional baiana da Associação Brasileira das Agências de Publicidade (Abap), Sidônio Palmeira, enfatizou que Duda é uma pessoa ‘reconhecida nacionalmente como um profissional competente’. Para o publicitário, ‘enquanto as empresas de Valério eram verdadeiras lavanderias de dinheiro, Duda realizou um trabalho e buscou receber o pagamento (referindo-se aos R$ 10,5 milhões que Duda admitiu ter recebido do PT no exterior)’. ‘Se ele recebeu parte ‘por fora’ vai ter que se explicar com o Fisco, mas não é um negócio que envergonhe a profissão’, comentou.

Mário Queiroz, assessor de imprensa e promotor de eventos, ‘não engole Duda’ desde o ginásio, quando freqüentavam a mesma turma no Colégio Maristas de Salvador. ‘Pegaram ele na mentira depois do depoimento na CPI’, acusa.’



Maurício Dias

‘2006 está em aberto’, copyright Carta Capital, 30/08/05

‘A pesquisa divulgada pelo Ibope na terça-feira 23 é a primeira sondagem de opinião desde a reeleição de Fernando Henrique, em 1998, em que Lula não aparece em primeiro lugar na disputa pela Presidência. É o impacto eleitoral da crise, na avaliação de Carlos Augusto Montenegro, diretor do Ibope. Lula, um candidato que era imbatível em 2006, sangrou e, agora, a eleição está em aberto.

Nesta entrevista a CartaCapital, ele faz uma avaliação da crise tendo como referência a reação da opinião pública registrada pela pesquisa. Para ele, o grande perdedor da história é o Partido dos Trabalhadores: ‘O partido nasceu diferente dos outros e está morrendo igual aos outros’. Apesar de ferido pelas denúncias – ‘qualquer outro presidente teria caído’, avalia Montenegro – Lula mantém, no entanto, a fidelidade dos 33% do eleitorado que sempre votou com ele. ‘São mais lulistas do que petistas’, diz o diretor do Ibope.

CartaCapital: Os números da pesquisa mais recente do Ibope prenunciam a morte política do presidente Lula?

Carlos Augusto Montenegro: Não. Não. Mas ele está bastante ferido. Nos dois primeiros anos, o presidente Lula fez uma administração – tanto na política econômica quanto na parte social, com ações da Polícia Federal, as viagens bem-sucedidas ao exterior representando o Brasil – que o colocou num patamar no qual ele seria imbatível em 2006, se não surgissem problemas de corrupção ou de política econômica. Com o transcorrer da crise, o imbatível transformou-se em favorito, apesar da crise. Hoje em dia, com a continuação de uma crise que a gente não sabe como vai terminar, ele tornou-se um candidato comum. Acho que a eleição para a Presidência da República no ano que vem está em aberto.

CC: Quem tem chances?

CAM: Qualquer um pode ganhar. Alguém do PSDB, o Alckmin ou o Serra. Pode ganhar o Garotinho, pode ganhar o Lula ou mesmo uma nova liderança que surgir.

CC: O ex-presidente Fernando Henrique pode ganhar?

CAM: É o que teria mais resistência. Tem uma rejeição grande, já esteve muito tempo no poder e tem o problema da idade.

CC: Lula, de qualquer forma, mantém o apoio de 33% dos eleitores que sempre definiram o voto por ele. É petismo ou lulismo?

CAM: Já foi petismo, hoje é mais lulismo.

CC: Isso está mesmo preservado?

CAM: Sim. A não ser que venha alguma denúncia de corrupção em cima dele.

CC: Ele já teria perdido todos os votos que agregou em 2002?

CAM: Perdeu parte, não tudo. Ele mantém esse terço e alcança 45% de aprovação para o governo. Em algumas simulações de disputa de segundo turno, ele varia de 42% a 44%. Isso significa que ele consegue os 33% dele e mais 11 pontos porcentuais além do eleitorado fiel. Enfim, alguma coisa ele mantém dependendo da simulação.

CC: Ele era um candidato imbatível e, agora, pode ser batido pelo prefeito José Serra. Esse é o resultado político mais visível da crise?

CAM: É a maior crise política da história do País. Acho que qualquer outro presidente já teria caído, não agüentaria. Sarney, Fernando Henrique, Itamar. Se isso tivesse acontecido com uma dessas pessoas, ela teria caído.

CC: Por que isso? O que diferencia Lula dos outros?

CAM: O Lula é um símbolo. Uma pessoa que veio de baixo e chegou ao poder, um retirante nordestino, um representante da classe trabalhadora que, militando na política durante 25 anos, conseguiu chegar ao poder, uma pessoa muito admirada lá fora, no exterior. Uma pessoa que, até que se prove o contrário, é honesta, íntegra, tem caráter. Isso fala a favor dele. Há uma diferença muito grande entre a crise de agora e a do Collor. No caso do impeachment do Collor, foi provada uma corrupção com alguns fatos como o do Fiat Elba e a dos jardins da Casa da Dinda. Ou seja, ficou claro que a corrupção tinha a finalidade de tirar benefícios próprios…

CC: E agora?

CAM: Nessa crise de cem dias, em que a corrupção está muito exposta, se vêem pouquíssimos casos em que o dinheiro tenha escoado para benefício próprio. É para financiamento de campanha…

CC: O dinheiro tem destinação política, é isso?

CAM: Tem uma destinação para dentro do quadro político. Não se vêem pessoas enriquecendo com ele. Eu acho que o caso mais grave de todas as CPIs não é o Marcos Valério, não é o Delúbio, não é a diretoria dos Correios. Acho que foi o automóvel Land Rover do Silvio Pereira. Na minha ótica, é o caso mais grave.

CC: Os números da pesquisa mostram que o presidente Lula ainda mantém um grau de confiança que não guarda correspondência com o porcentual de 81% da população que se diz informado sobre o assunto. Não é também uma surpresa?

CAM: Sim. Metade da população ainda aprova o governo dele. Ainda ganha no segundo turno de Garotinho e de Alckmin. Empata com Serra no primeiro turno, embora perca no segundo por uma diferença de 9 pontos porcentuais, que não é tanta diferença… É surpreendente mesmo. Ele é um símbolo, como disse. E não surgiu acusação frontal a ele. O currículo, a história de vida dele. A economia…

CC: A economia?

CAM: A economia ajuda a preservar. Quando falo em economia, não estou me referindo aos juros altos. Falo da deflação nos alimentos, o Bolsa-Família atingindo muita gente, o dólar baixo favorecendo uma classe média mais pobre que conseguiu voltar a viajar, o combustível não tem aumento há um ano, o nível de emprego que, por mais que seja pouco, tem aumentado continuamente.

CC: Se a situação se mantiver no ponto de agora, essa reação da população que a pesquisa mostra é irreversível?

CAM: No caso do presidente Lula, não. Ele é o único que ainda pode salvar o PT. Juntar os cacos do partido. Depois de tanto tempo, dá para notar que o partido praticamente acabou. Todo mundo sabia que havia caixa 2 para financiar campanha, que os partidos usavam nas eleições. Mas nunca foi provado. A perplexidade grande foi isso ser revelado a partir do Partido dos Trabalhadores. O PT sempre vendeu uma imagem de ético, de correção.

CC: Uma contradição?

CAM: Uma contradição insuportável. As pessoas tiveram uma decepção muito grande. Acreditava-se que, mesmo minimamente, o PT seria diferente dos outros. Mas o partido provou, por A + B, que é igualzinho. Isso gerou indiferença, tristeza. Estamos ainda distante das eleições, mas dá para notar, em todas as pesquisas que fazemos, que o índice de pessoas que optam pelos votos ‘branco’ e ‘nulo’, ou que não querem opinar, está muito grande. Claro que no calor de uma campanha isso pode diminuir. Na pesquisa que divulgamos esta semana, a soma dessas opções mais o porcentual de abstenção de 15% ou 16%, que é tradicional no Brasil, chega a quase 40% de pessoas que não participariam da eleição, considerando a escolha de um nome. Isso equivale a 50 milhões de eleitores dos 120 milhões aptos a votar.

CC: Essa é a medição do desencanto?

CAM: Sim. Obviamente, esse desencanto pode ficar estancado, a situação pode piorar ainda mais, dependendo do que acontecer daqui para a frente ou, no ano que vem, isso ser esquecido no calor da campanha e diminuir. Isso projetado para o Congresso pode ser ainda pior. Pode haver uma renovação nunca vista antes. O Congresso está no fundo do poço. A confiança no Congresso está muito baixa.

CC: Na sua avaliação, o PT para sobreviver tem de manter o cordão umbilical ligado a Lula?

CAM: Por ser governo e estar fazendo algumas coisas interessantes, ele pode ter um discurso para tentar salvar, no futuro, o partido. O PT vai demorar aí uns 30 anos para se recuperar. Isso não quer dizer que alguns candidatos do PT não possam ser eleitos. Mas os eleitos deverão a eleição à trajetória de vida de cada um, ao nome que carregam e não pela imagem da legenda. É o caso, por exemplo, do senador Aloizio Mercadante. Ele é ainda um candidato forte em São Paulo. Graças a ele mesmo e não ao PT. O Marcelo Deda, em Sergipe; o Jorge Viana, no Acre; o João Paulo, no Recife. O Pimentel e o Patrus, em Minas. São pessoas com chances de disputar uma eleição, mas não por força do partido.

CC: Essa é uma situação única na história partidária republicana. Um partido que nasceu diferente…

CAM: Nasceu diferente dos outros partidos e está morrendo igual aos outros partidos. A situação do PT é muito difícil.

CC: A crise surgiu por denúncia de um aliado. Lula errou nas alianças?

CAM: Acho que o presidente ficou muito à mercê dos partidos. Uma coisa é fazer alianças e manter o poder da escolha dos ministros. Outra coisa é aceitar os ministros impostos pelos partidos. Ele pecou nisso. Ele será muito cobrado. Fazer aliança com o PTB e com o deputado Roberto Jefferson é legítimo. Não é legítimo dizer ao País que dá um cheque em branco. São pessoas diferentes. De ideologia diferente, de passado diferente.

CC: A pesquisa indica que o PT é mais responsável pela crise do que o governo.

CAM: Depois de 25 anos de carreira, de três derrotas para a Presidência, Lula já estava se posicionando como estadista. Conversava com muita gente e não tinha mais radicalismo. Ele estava efetivamente para ser presidente do Brasil, para chegar ao poder. Quem não estava preparado para chegar ao poder era o PT.

CC: Se for estabelecida uma hierarquia para medir quem sofreu mais o impacto da crise, como ela seria configurada?

CAM: O maior dano, sem dúvida, foi sofrido pelo PT. As pessoas que nunca votaram, nem votariam, no PT estão caladas, rindo por dentro. As pessoas que votaram no Lula pela primeira vez estão tristes e acabrunhadas. Os que sempre votaram em Lula, um terço dos eleitores, estão decepcionados totalmente, sem reação, sem discurso. Em segundo lugar, o mais atingido foi o Congresso. Mas, como o Congresso estava tão em baixa, foi mais um dano.’