Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Gilberto Dimenstein

‘No dia 25 de julho, bem antes do início do horário eleitoral, Duda Mendonça me disse, numa conversa informal, regada a caldo de sururu, cerveja e vinho branco, como faria Marta Suplicy vencer as eleições.

Falava animadamente sobre seus planos e esbanjava otimismo com base nas pesquisas qualitativas que lhe chegavam às mãos. Seus argumentos faziam sentido.

Ele partia do princípio de que Marta Suplicy dispunha de um elenco de obras sociais de impacto, como os CEUs, o bilhete único, os corredores exclusivos de ônibus, os programas de renda mínima. Todas essas imagens, devidamente trabalhadas até o final de outubro, iriam melhorar a avaliação da administração do PT. Naturalmente, cresceria a tendência de aproximação entre o desempenho do governo e o prestígio da prefeita.

Restava-lhe melhorar a imagem pessoal de Marta Suplicy, apontada nas pesquisas como arrogante e antipática. Isso lhe parecia a tarefa mais fácil: afinal, tinha conseguido suavizar Maluf e Lula, gerando alguns dos mais importantes casos de marketing político da história do Brasil.

Sabia que a disputa não seria fácil. Estava convencido, porém, de que, semana após semana, Marta Suplicy iria crescer, montada em suas realizações e na promessa de avanços. Além disso, ele dispunha de informações de que, no segundo semestre, a economia iria melhorar e gerar mais empregos. O fator nacional, apostava ele, poderia não ajudar, mas não atrapalharia.

Duda comentou que sair batendo não funcionaria. ‘Eu já fiz muitas campanhas e aprendi o seguinte: quem bate perde. O eleitor quer sonho.’

Ao final da conversa, insinuou que, se não fosse para pregar uma agenda positiva, acabaria se desinteressando da campanha e ‘ligaria o automático’. ‘Lavo as mãos e pronto.’

O otimismo logo se desfez. Já no final do primeiro turno, o publicitário candidatava-se a bode expiatório e, aos poucos, ia acionando o ‘automático’.

Estava marginalizado antes das pesquisas divulgadas na quinta-feira passada, que indicavam o favoritismo de Serra. O desfecho, trágico, foi a sua prisão em flagrante por causa da briga de galo.

Duda não conseguiu suavizar a imagem da prefeita, cuja taxa de rejeição cresceu e, preso, via sua própria imagem sucumbir. Quem melhor, nesse momento, para levar toda a culpa?

É compreensível responsabilizá-lo por uma parte da eventual derrota de prefeita -afinal, coordenou o marketing-, mas transformá-lo em bode expiatório é um equívoco, uma conseqüência da desinformação.

Marta cometeu um primeiro erro (e esse pode ser creditado a Duda) ao inventar o tal CEU Saúde. Lidas as pesquisas, chegaram à conclusão de que a saúde era o ponto vulnerável da administração. Não calcularam que, ao guindarem a saúde à posição de principal tema da eleição, estariam ajudando Serra, que, afinal, tem uma imagem positiva associada ao tema por ter sido ministro da Saúde.

A insegurança da cúpula da campanha, a começar de Luis Favre, fez com que desconfiassem da estratégia positiva de Duda. Chegaram a ter medo de que Serra pudesse vencer no primeiro turno. Optou-se pela agressividade e Duda viu-se rendido, mas acatou as orientações. Chegou a discutir se deveria renunciar, temeu o impacto e voltou atrás. Preferiu ‘ligar o automático’, que o estimulou a viajar, em uma semana decisiva, ao Rio de Janeiro e divertir-se em uma briga de galo.

A imagem da prefeitura melhorou devido à exposição no horário eleitoral. Em muitos lugares, os 48% de ótimo e bom conferidos à administração seriam suficientes para fazer um candidato se eleger no primeiro turno.

Mas a agressividade de Marta reforçou a impressão de quem a acha arrogante e antipática; as taxas de rejeição mantiveram-se altas. À medida que Serra subia, a pancadaria aumentava, gerando um círculo vicioso.

Nessa onda, fez-se de Celso Pitta um antieleitor para atingir Gilberto Kassab, seu antigo auxiliar, e respingar em Serra. Como Maluf e Duda estão associados a Marta, fazer de Celso Pitta, que só virou prefeito por causa daquela dupla, um antieleitor seria dar um tiro no pé. E Duda sabia disso. A essa altura, porém, o tom era dado por Favre.

Talvez se a estratégia inicial de Duda tivesse sido mantida, o PT também tivesse dificuldades. Afinal, a dupla Serra-Alckmin demonstra sólida articulação e a cidade está se mostrando mais aberta ao discurso do PSDB.

A questão central dessa eleição é óbvia: esteve em julgamento menos o governo de Marta do que a sua imagem pessoal. Ridículo achar que Duda é o maior responsável por esse julgamento.

Sempre há chance de virada, é claro; muita gente deu extraordinárias guinadas na reta final. Mas, neste momento, a virada é tão provável como a previsão, no início da campanha, de que Duda, o gênio da eleição de Lula, seria afastado da campanha por causa de uma briga de galo.

PS – Um dos avanços dessa campanha foi a desconstrução dos jogos de marketing, resultado do aprendizado dos eleitores. Nesta última semana, o PT e o PSDB, tentando desmoralizar os truques exibidos no horário eleitoral, estão prestando, pelos piores motivos, um bom serviço à politização. Depois de Collor, Pitta e Maluf, entre outros casos, o brasileiro está mais bem alfabetizado em marketing. Algo há que aprender do fato de que, nesta eleição, um marqueteiro saiu com a pior imagem e um presidente da República foi multado pela Justiça Eleitoral por desobediência à lei.’



Luiz Peazê

‘Jornalismo relâmpago’, copyright Direto Da Redação (www.diretodaredacao.com), 24/10/04

‘A boa notícia é: assim como os bandidos aprendem com a sociedade organizada (?) e utilizam técnicas de guerrilha e outros métodos sofisticados na sua prática criminosa, a polícia brasileira deve ter aprendido com o crime organizado a fazer ‘atraques’ relâmpagos, como foi o caso da prisão dos exploradores de galos de rinha esta semana no Rio de Janeiro. Que bom se fosse aquele tipo de moda que veio para ficar, e a polícia estendesse este método do ‘crime organizado’ até os mais fundos guetos de usurpadores da credulidade do indivíduo comum; ao jogo do bicho, aos despachantes de departamentos de trânsito, de aduaneiras, de juntas comerciais, das portas das secretarias regionais do trabalho, dos corredores do sistema de assistência social de saúde, e assim por diante. Mas nem precisaríamos sonhar com tanto, bastaria que o jornalismo também pirateasse o método criminoso de fazer as coisas pelas vias tortas. Talvez, com jornalismos relâmpagos, criássemos na sociedade um certo terrorismo entre os malfeitores a ponto de inibir boa dose de crimes.

Pensando melhor, o jornalismo poderia atuar, com esta técnica, em outra lavoura, e dividir o mercado com a polícia, para moralizar o mundo de uma vez por todas. O jornalismo bisbilhotaria de surpresa os bancos, a Telemar, as empreiteiras que prestam serviço para o governo, as empresas de previdência privada, enfim, a chamada selva de almas de pedra.

O fato é que tanto a polícia quanto o jornalismo desfrutam da abundância de fatos, seu insumo de produção, e preferem a economia de escala, vender para a sociedade os bens de consumo de massa. É uma questão de lei da oferta e procura. Posto que a massa, cá entre nós, não é exigente com o que come no noticiário – policial e em geral. Daí, aquilo que está germinando, ou pior, já estiver internalizado no sistema, fica relegado a segundo plano. Até que haja algum interesse específico, sabe-se lá de quem, querendo, por exemplo, prender o idealizador das campanhas e imagem do Presidente da República.

Quantas vezes saiu nos jornais impressos e televisivos, a frase ‘o bicheiro fulano de tal’, só para citar um caso, e o jogo do bicho continua comendo a solta no país a fora? Mas bingo não pode; galo de rinha, de uma hora para outra não pode; camelô, de repente, numa segunda-feira não pode, na quarta-feira ele já é aceito naquela mesma esquina onde foi abatido em pleno vôo…

É certo que estes dois poderes secundários, da polícia e do jornalismo, têm funções bem distintas. Enquanto a polícia investiga para prender o fora da lei, o jornalismo investigativo existe porque precisa se diferenciar da concorrência e cavar furos de reportagem, para conquistar a preferência e fidelidade dos leitores. Quem defender alguma razão mais nobre estará sofismando.

O que acontece é que a sociedade se desenvolve por linhas tortas, e a polícia uma vez inepta, acaba sendo estimulada pela ação do jornalismo ou daqueles interesses ‘específicos’. O jornalismo, por sua vez, irresponsável por natureza, pois não há um poder que exija que ele seja assim ou assado, acaba indo atrás do que a polícia levanta. Isto é, ora isso acontece assim, ora inversamente, gerando a retroalimentação do sistema.

É bom que o jornalismo continue com toda esta liberdade. É um passatempo barato para a sociedade, entretém, estimula o intercâmbio de idéias, disponibiliza fartura de informação, ainda que esparsa, imprecisa e sem muita consistência. O problema é que o jornalismo forma opinião e, neste caso, é uma arma na mão de alguém. Deveria ser objeto de atenção de algum tipo de polícia? Não, mas discutir a sua prática deveria ser uma pauta permanente, aberta ao público.

Concluindo, a prática relâmpago tanto do jornalismo quanto da polícia é a regra, e a exceção é o investigar paciente e honesto, de todos os casos de corrosão social. É claro que há capas prontas de revistas nas gavetas de periódicos impressos, para casos do tipo ‘Fidel Castro Morreu’, assim como há casos meio desvendados nas gavetas da polícia; mas só virão à tona quando houver o momento propício para o relâmpago. E esta é a triste notícia.’



O Estado de S. Paulo

‘Duda reassume campanha petista’, copyright O Estado de S. Paulo, 24/10/04

‘Um dia depois de ter sido afastado do comando da campanha de Marta Suplicy no rádio e na TV, o publicitário Duda Mendonça retornou ontem ao trabalho. À tarde, passou horas em reunião com petistas na sede de sua empresa de marketing político, em São Paulo. Oficialmente, ele reassumiu suas funções na campanha de Marta com poderes. Na prática, porém, sabe-se que não é bem assim: todas as decisões tomadas ali passam pelo crivo do marido da prefeita, Luís Favre.

‘Ele já está trabalhando normalmente’, afirmou o chefe da Casa Civil, José Dirceu. Para o ministro, a prisão de Duda na quinta-feira à noite, após ter participado de um campeonato de briga de galo, no Rio, ‘não afeta as campanhas do PT’. O discurso oficial é de que o problema de Duda é pessoal e assim deve ser tratado.

Em conversas reservadas, porém, tanto integrantes do governo como da cúpula do PT afirmam que Duda causou um desgaste desnecessário à campanha de Marta, que já se encontra em inferno astral desde o fim do primeiro turno. O publicitário também disse a amigos, quando estava preso, que estava ‘triste, constrangido e magoado’.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva gosta muito de Duda, que ainda é o conselheiro do Planalto, mas acha que o marqueteiro foi ‘irresponsável’ ao ir para uma briga de galo no Rio justamente no dia em que estavam sendo divulgadas as pesquisas do Ibope e Datafolha sobre a disputa em São Paulo. Duda foi o marqueteiro que elegeu Lula, em 2002. Hoje, junto com as empresas Lew Lara e Matisse, tem as contas do governo federal, no valor de R$ 150 milhões.

Embora em público todos neguem divergências na campanha de Marta, um dos importantes coordenadores do PT não escondeu o mal-estar dos últimos dias. ‘Se a Marta ganhasse, a vitória seria do Duda. Se ela perder, nós vamos ser os culpados’, afirmou ele, pedindo para não ser identificado.

Estocadas à parte, o gosto de Duda por rinhas de galo provocou reações de todos os lados. O clube Os Independentes, promotor da Festa do Peão de Boiadeiro de Barretos, divulgou nota na qual considera ‘inadequada’ a comparação entre rinha de galo e rodeio, feita por Hélio Santana, advogado de Duda. ‘Ao contrário da briga de galo, o rodeio é esporte reconhecido e legalizado no País’, diz a nota.’



O Globo

‘O mago do marketing político’, copyright O Globo, 22/10/04

‘Considerado um mago em marketing político, o publicitário Duda Mendonça já protagonizou uma saia justa antológica para o PT. Nas eleições de 2002, terminado o debate entre os candidatos à presidência na Rede Globo, Duda levou Lula e comitiva para jantar num restaurante da Zona Sul do Rio, e lá ofereceu um vinho, Romanée-Conti safra 97, que custava, na época, R$ 6.900. O episódio repercutiu muito mal para Lula.

Baiano de 59 anos, cinco filhos, sem diploma de curso superior, Duda Mendonça começou a se notabilizar como marqueteiro em 1982, quando elegeu Roberto Santos, do MDB, para o governo da Bahia.

Sua estrela, contudo, começou a brilhar quando se pôs à frente da campanha de Paulo Maluf – a quem obrigou a trocar de óculos e proibiu de brigar em público para tornar sua imagem mais simpática. A mais notável campanha em que trabalhou, sem dúvida, foi a que culminou com a eleição de Lula.

Duda não esconde de ninguém ser fanático por brigas de galo: em 1998 ele tinha mais de cem desses animais em seu sítio em Salvador, onde passa os fins de semana e mora sua família. Durante a semana, Duda fica em São Paulo, de onde comanda as atividades do escritório que mantém na cidade.

Seu fanatismo chega a tal ponto que, às vésperas das últimas eleições, Duda veio ao Rio especialmente para assistir a um torneio de rinha de galos, conforme noticiou a coluna de Ancelmo Góis em 29 de setembro.

Duda também é amante da pesca em alto-mar e é ávido leitor de livros de auto-ajuda.’