Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Ilimar Franco

‘A divergência entre o presidente Lula e o chefe da Casa Civil, José Dirceu, sobre a presença do PMDB no governo virou notícia interna no Palácio do Planalto. O boletim ‘Carta Crítica’, escrito diariamente pelo jornalista Bernardo Kucinski, assessor especial da Secretaria de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica, tratou do tema ontem, sugerindo que ele causa mal-estar e constrangimento. A ‘Carta Crítica’ tem distribuição a Lula e a um número restrito de ministros.

‘Está pegando muito mal na mídia a visível divergência entre o presidente Lula e o ministro José Dirceu’, diz um trecho do texto, que aborda a contradição entre os movimentos do presidente, para manter o PMDB no governo, e as declarações do ministro, fazendo pouco caso da crise.

Não é a primeira vez que a ‘Carta Crítica’ repreende a conduta de integrantes do governo. Ninguém é poupado. Há alguns meses o principal alvo foi o ministro da Fazenda, Antonio Palocci. Tanto ele como Dirceu já se irritaram em mais de uma oportunidade com as avaliações.

Na edição de ontem, Kucinski dedicou toda a primeira página à defesa da permanência de Carlos Lessa no BNDES. Entre os argumentos, estava a afirmação de que Lessa é a última resistência ao neoliberalismo e que a demissão desagradaria intelectuais vinculados ao PT, que já teriam assinado um manifesto em seu favor.’



Mônica Bergamo

‘Kucinski vê casuísmo’, copyright Folha de S. Paulo, 19/11/04

‘O professor e jornalista Bernardo Kucinski, um dos principais assessores do ministro Luiz Gushiken (Secretaria de Comunicação), resolveu tornar públicas as críticas que faz ao governo federal. Numa entrevista ao ‘Jornal do Campus’, da USP, Kucinski (que faz relatórios diários sobre conjuntura entregues ao presidente Lula) diz, entre outras coisas, que o governo do qual faz parte ‘é casuístico’ e ‘está muito dominado pelo capital financeiro’.

O jornalista questiona também o papel de Duda Mendonça no governo. Kucinski, que é amigo e autor de livros sobre campanhas e sobre a trajetória de Lula, confirmou à Folha o teor da entrevista. Leia abaixo os principais trechos do depoimento publicado pelo ‘Jornal do Campus’:

IMPRENSA

Se a imprensa trabalhasse mais, seria mais severa. Estaria cobrando mais. Ela é pautada muito pelos tucanos. Não é severa com o governo porque ele esta seguindo a política do outro governo, que a imprensa burguesa apóia.

LULA COMUNICADOR

[O presidente Lula] acha que entende de comunicação. Ele realmente entende, mas às vezes pensa que entende e não entende.

DUDA MENDONÇA

Ele não tem que estar ali palpitando, tem que receber ordens, porque é dono de uma das agências contratadas pelo governo. Ele tem que ficar do outro lado do balcão.

CASUÍSMO NO GOVERNO

Em primeiro lugar, o governo é casuístico. É um governo de pequenos acordos e transações. É um governo de táticas, que não tem estratégia.

DESILUSÃO

O governo não cumpriu as promessas que fez. Ele mudou de rumo. O Brasil trabalha para servir o capital financeiro e nós não conseguimos romper com isso. E teve coisas mais específicas. Acho que um dos momentos mais dramáticos foi a discussão do aumento do salário mínimo, porque aquela foi uma promessa específica de campanha muito concreta e, na hora ‘H’, o governo deu para trás.

CRESCIMENTO ECONÔMICO

A retomada da economia é um fenômeno espontâneo, cíclico. Não tem muito a ver com o governo. O pouco que tem a ver com o governo tem a ver de forma negativa. Nós rebaixamos salários e, ao rebaixar salários, nós fizemos a economia decolar um pouco, mas é uma forma negativa de fazer isso acontecer.

CAPITAL FINANCEIRO

O governo está muito dominado pelo capital financeiro. Desde a transição, houve aquele medo de fuga de capitais, houve um certo receio. O fato é que hoje o capital financeiro domina a política do governo. Nesse sentido, o governo é um governo de continuidade.

PROPAGANDA

É um governo que recorre muito à propaganda política. O governo não está bem.

SOLUÇÕES

Tem que demitir esse pessoal do Banco Central. Tem que jogar dinheiro na infra-estrutura, o que vai gerar emprego e baratear custos. tem que atacar as disfunções, o que é mais difícil (…) O governo tem que ser mais ousado, porque se satisfaz com pouco.



Eliane Cantanhêde

‘Debandada tucana’, copyright Folha de S. Paulo, 21/11/04

‘BRASÍLIA – Em março de 2003, quando já era evidente que o Fome Zero não passava de uma jogada de marketing, o jornalista Bernardo Kucinski ironizou as críticas da imprensa num dos boletins diários que produz para Gushiken e distribui internamente no governo.

Segundo ele, o enfraquecimento do então ministro José Graziano era coisa do ‘colunismo tucano’, e dava de ombros: ‘Aos poucos, o governo impõe sua agenda sobre o noticiário, o que se traduz em mais centímetros de coluna para aspectos substantivos [do Fome Zero]’.

Pois bem. Graziano caiu, o Fome Zero virou um selinho num canto do Bolsa-Família e, um ano e oito meses depois, quem tucanou foi Kucinski, para quem Lula acha que entende, mas não entende, de comunicação, o governo é casuístico e não cumpriu o que prometeu, Duda Mendonça tem de ficar ‘do outro lado do balcão’ e ‘essas pessoas do Banco Central’ precisam ser demitidas. Está tudo no ‘Jornal do Campus’ da USP, como revelou Mônica Bergamo na Folha.

Muita coisa e muito nome também mudou no próprio governo, que perdeu Benedita da Silva, Cristovam Buarque, José Viegas, Oded Grajew, entre outros, e está perdendo Carlos Lessa, Cássio Casseb, Ana Fonseca e Frei Betto. Por enquanto.

Eles vêm confirmando algo que o ‘colunismo tucano’ alertava lá atrás e que está ficando cada dia mais claro: uma crise gerencial movida a disputas internas e a uma incompetência política incompreensível.

Casseb nunca foi da turma, e Lessa não é petista, apesar de ser o símbolo do ‘desenvolvimentismo’, agora idolatrado pela esquerda e pelos nacionalistas. Fora os dois, os demais são do PT ou muitos ligados ao partido (como Viegas), e a maioria é unha e carne com o próprio Lula.

Donde conclui-se que o governo estava esse tempo todo infiltrado por tucanos fingindo-se de amigos do presidente. Senão a turma virou tucana de lá para cá. Ou será que foi o próprio Lula quem tucanou.’



Folha de S. Paulo

‘Painel’, copyright Folha de S. Paulo, 19/11/04

Sujou 1

Foi suspensa a circulação do boletim ‘Carta Crítica’, produzido diariamente pelo assessor da Secom Bernardo Kucinski para um grupo restrito do primeiro escalão do governo Lula. Não há previsão de retorno.

Sujou 2

Ontem, o ‘Globo’ revelou edição da ‘Carta Crítica’ com registro de divergências entre Lula e José Dirceu. E a Folha reproduziu entrevista a jornal da USP em que Kucinski desanca o governo no qual dá expediente.

Alvo preferencial

Quis o destino que viesse a público uma ‘Carta Crítica’ desfavorável a José Dirceu. Mas, segundo leitores habituais, o texto vazado não é nada perto do que o boletim dizia dia sim e outro também de Antonio Palocci.

Diagnóstico fechado

No Planalto, ouve-se que Kucinski é problema da Secom. Que ele, já decidido a deixar o governo, teria optado por fazê-lo como vítima. E que é exagero compará-lo a outros assessores prestes a abandonar Brasília. O jornalista não teve uma reunião com o presidente desde a posse.’