Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Instrumental jornalístico como persuasão publicitária

Este artigo é parte da dissertação de mestrado da autora, que apresentou o percurso do processo de constituição da campanha eleitoral televisiva para a reeleição de Fernando Henrique Cardoso, no horário eleitoral gratuito de 1998.

O discurso de campanha de reeleição de Fernando Henrique Cardoso caracterizou-se por utilizar o símbolo da mão como procedimento da linguagem não-verbal dominante. Ela sintetizou o gesto de chamamento ao povo brasileiro para aderir às propostas ou promessas do candidato, por conter a representação visual das cinco diretrizes prometidas, nos cinco dedos. A mão foi cantada, levantada, convocada, ressaltada em todos os programas e das mais variadas formas, comunicando a mesma significação.

Os temas básicos e necessários para toda população, como educação, emprego, agricultura, segurança e saúde foram exaustivamente usados e, em alguns momentos, aludidos a cada um dos dedos da mão, reiterando a significação da campanha para o primeiro governo em 1994.

O Plano Real foi outro desencadeador isotópico da campanha, tendo como base a estabilidade econômica do Brasil, através do Real, uma criação de FHC enquanto Ministro da Economia, ainda no governo de Itamar Franco. O Real foi representado como moeda de troca e condição para os eleitores continuarem tendo acesso a bens materiais, casa, terra etc. E, caso FHC não fosse reeleito, o destino do Real e da nação seriam incertos, pois só ele poderia dar continuidade a tudo que o povo brasileiro havia conquistado. Este efeito de sentido foi reiterado exaustivamente como técnica de persuasão.

Um paralelo que caracterizou esta campanha foi o da vida social antes de FHC e durante o seu governo, mostrando um Brasil anterior como atrasado e com problemas em vários setores básicos, apresentando estatísticas e comparações para criar o efeito racional de verdade.

A solução para o principal problema que o país enfrentava na época, o desemprego, só poderia vir com a reeleição de FHC, através das propostas concretas que incluíam o programa ‘Meu Primeiro Emprego’, a prioridade para a pequena e média empresa e mais dinheiro para a qualificação de trabalhadores. O candidato prometeu treinar e qualificar dezessete milhões de trabalhadores. FHC também utilizou uma tática que os marketeiros políticos chamam de ‘vacina’, ao deixar claro que desemprego era um problema mundial, para tentar se eximir de qualquer tipo de responsabilidade ou contra-atacar os adversários que poderiam tentar culpá-lo pelo problema.

Tudo o que foi mostrado teve uma comprovação oficial. Quando se mostrou uma pesquisa, foram utilizados órgãos confiáveis, como o IBGE ou outros equivalentes. Quando se tratou de benefício para o povo, foram incluídos depoimentos de representantes do mesmo, das mais variadas regiões do país, mostrados como comprovadores dos benefícios recebidos.

Discurso autoritário

Já com relação aos opositores, todos os argumentos que eles poderiam vir a usar para culpá-lo, por algo que ainda não havia sido feito, eram minimizados, através de contra-argumentos ou explicações, como, por exemplo, a falta de tempo para que tudo acontecesse, em decorrência de outros projetos e obras em andamento. Este procedimento camufla o discurso autoritário que impede o diálogo. Uma outra explicação dada para esta situação é muito simples e chega até a nem ter muito sentido, porém, nela prevalece uma carga emocional significativa. Através de um ator de meia idade foi passada uma justificativa para a falta de empregos no país: ‘um país jovem como o nosso tá todo dia colocando mais gente no mercado de trabalho; jovens mulheres que passaram a trabalhar fora.. por isso é preciso estar sempre gerando mais e mais empregos’. (Programa n.º 4).

A cultura popular também foi representada durante toda a campanha de FHC. A intertextualidade de canções com letras de músicas conhecidas em todo país e a participação de cantores populares, como Dominguinhos, ressaltaram ainda mais o objetivo do candidato em identificar-se com camadas menos favorecidas e informadas da população.

O discurso ganhou um tom autoritário quando foram utilizados os verbos na ordem direta, frases de efeito e chamadas de ordem, como por exemplo: ‘quem derrubou a inflação vai vencer o desemprego. Avança Brasil’. E também, em: ‘Comigo a inflação não volta. Comigo não haverá sustos nem sobressaltos. Comigo não tem pacote’.

O recurso da coação é sutilmente mostrado quando se apresenta tudo que o país teria conquistado plenamente com o governo Fernando Henrique, como, por exemplo, a estabilidade econômica, a educação, a reforma agrária, a saúde etc., e que depois tudo isso poderia retroceder, caso ele não fosse reeleito.

Foram criados roteiros para a construção de elementos nucleares básicos, formadores e representativos da ordem social, como o trabalho, a família, a competência, a economia, entre outros. O processo de edição dos programas obedeceu à seleção de estereótipos de cada um destes elementos.

O que se costuma identificar no jornalismo como polifonia, ou seja, várias vozes conflitantes, caracterizando o discurso polêmico e democrático ou em oposição, na grande maioria das vezes não passou de um recurso técnico e um procedimento aparente no discurso de FHC. Todo o processo discursivo e visual integrado mostrou pessoas de diferentes regiões e classes sociais, porém, o seu discurso originava-se de posições enunciativas monofônicas, que visavam o apoio a FHC. Ninguém contestava realmente ou criticava seus atos. A polifonia foi identificada em algumas contradições, como a cena em que o apresentador, diante de um gráfico ao fundo, com dados do IBGE sobre o desemprego, afirma que Fernando Henrique manteve os níveis históricos do Brasil em 4%, mas, ao contrário do que estava sendo dito, o gráfico mostrava, naquele momento, o mais alto índice da história do país: 6,72%. (Programa n.º 4 )

Neste conjunto de Programas de Campanha Eleitoral, concluímos que a predominância da produção de sentidos recai sobre os princípios da propaganda e os recursos jornalísticos foram utilizados para criar um ‘efeito de verdade’, como instrumentos formais de persuasão.

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Jornalista, mestre em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da USP, doutoranda na mesma instituição e professora da Faculdades Integradas da Grande Fortaleza e da Faculdades do Nordeste.