‘Dan Okrent, um ‘forasteiro’ no New York Times, trouxe reportagem enérgica e compreensão das preocupações dos leitores sobre como o jornal cobre os eventos que estão no noticiário. Minha perspectiva, como alguém de dentro, me leva a um tema mais abrangente: a notícia. E ponto.
Nossa geração está testemunhando um crescimento implacável do número de canais de notícias, da freqüência dos noticiários e da sede da mídia por qualquer pedaço de informação nova, conseqüente ou não. Nesse ambiente, a sociedade está imersa primeiro numa inundação de fatos, depois numa torrente de opinião. Inevitavelmente, o interesse do público é saturado cedo. Cedo demais.
Há não muitos anos, as notícias vinham não mais que duas vezes por dia: uma de manhã, com os jornais entregues em sua porta, e uma à tarde e à noite, com os vespertinos nas bancas e o noticiário televisivo noturno. Então, em 1961, o pioneiro do rádio Gordon McLendon, almejando o mercado de Los Angeles, transformou a Xetra, em Tijuana, na primeira estação exclusivamente noticiosa. Em 1965, a Wins, em Nova York, ampliou o formato, tornando-se uma das estações mais ouvidas dos EUA.
Em 1980, Ted Turner levou os olhos dos americanos à tela com a CNN, a TV a cabo noticiosa. Depois vieram a Fox e TVs a cabo e satélites que tornaram possível para estações locais informar a partir de lugares distantes. Em meados dos anos 70, havia 617 membros da galeria da imprensa de TV e rádio do Senado. Hoje, há 3.031. O antiquado conceito de dois ciclos de notícias ficou para trás. Na era eletrônica, há só um, instantâneo e constante.
Continuous News (Notícia Contínua) é como o Times chama o departamento que oferece o jornal na internet. E as redes a cabo, não contentes em informar sobre um assunto por vez, incluem manchetes cruzando a parte inferior da tela. Os ‘wires’ (linhas) foram durante décadas uma matéria-prima para as redações – as máquinas de teletipo barulhentas que imprimiam notícias da AP e da UPI vindas do mundo todo. Hoje, basta um clique. Todo internauta pode acessar notícias sem limite sem nenhum intermediário da mídia. Quando a comissão do 11 de Setembro publicou seu relatório online, no mês passado, o site logo recebeu 8 milhões de visitas, com 2,7 milhões de downloads parciais ou totais do relatório de 567 páginas.
A combinação de todas essas novas fontes de notícias tem tido um efeito pronunciado e entrelaçado sobre quem é notícia, sobre a mídia e sobre o público.
Considere-se, por exemplo, o fenômeno dos vazamentos de notícias. Eles costumavam ser sub-reptícios. Em 1967, quando o Washington Post informou que o presidente Lyndon B. Johnson estava prestes a nomear Fred M. Vinson Jr. para um tribunal federal de apelações, ele cancelou a nomeação, irritado.
Hoje, o vazamento é oficialmente sancionado. Na verdade, as grandes histórias dificilmente são levadas a sério se não forem vazadas antes.
Os vazamentos podem ser um tubo de ensaio. Os objetos da notícia podem jogar com a sede do pessoal da mídia distribuindo migalhas de uma história, transformando um dia de manchetes em quatro ou cinco. Com tantos repórteres sedentos por notícias, as fontes podem orquestrar a divulgação de informações continuamente, para sua vantagem.
Considere-se também a aceleração da divulgação. Na campanha de 1992, as forças de Clinton criaram algo que se tornou elemento essencial da prática política moderna, a Sala de Guerra, onde cada acusação ou alegação da oposição é ouvida e respondida imediatamente. Hoje, a campanha de Bush inclui uma operação contínua com uma equipe central de oito pessoas, mais estagiários, que começa a trabalhar todo dia às 5 horas.
A necessidade da velocidade, em perpétuo crescimento, cria outros efeitos secundários. Nas convenções políticas de 1992, os candidatos faziam seus grandes discursos na quarta e na quinta-feira e a página editorial do Times respondia com comentários rápidos na manhã seguinte. Mas os editores desenvolviam gradualmente opiniões mais estudadas para a estimada plataforma da semana, o editorial principal do domingo. Hoje, qualquer adiamento desse tipo é inconcebível. No domingo, o assunto já está gasto e usado. Às vezes, chega a ser necessário até mesmo opinar antes da notícia.
Muito mais notícias, muito mais rápido: isso criou uma espécie de déficit de concentração disseminado. Quando as notícias entravam e saíam do centro das atenções mais lentamente, ficavam mais tempo na mente do público. As pessoas podiam prestar atenção até que as questões do momento fossem resolvidas.
Hoje, estamos cercados de notícias – na TV da academia, na página da AOL, no rádio do carro a caminho do trabalho.
Com cobertura de saturação, a notícia fica gasta mais rápido. A curiosidade pública, para não dizer o interesse público, é exaurida, e a mídia de massa se apressa para achar alguma nova sensação, mesmo que isso signifique deixar questões importantes sem resolução. A notícia fica velha antes do tempo.
Considere-se o antraz. Há quase três anos, o pó branco enviado pelo correio causou mortes e o fechamento de prédios do governo, provocando medo generalizado. À parte suspeitas esporádicas, o que aconteceu desde então? Há alguns meses, revelações de abusos de prisioneiros em Abu Ghraib chocaram as consciências ao redor do mundo. À parte um outro relatório de um general culpando alguns militares alistados, como a soldado Lynndie England, o que aconteceu? A cobertura de saturação agora parece inevitavelmente cansar o público e deixar a mídia ansiosa para ir adiante.
Mas isso significa que os holofotes se apagam mesmo quando as injustiças perduram. Isso, por sua vez, sugere que esse ambiente da notícia onipresente está criando nova responsabilidade para o Times e outras mídias sérias:
sempre olhar para trás, reavivar e relembrar.
O Times publica a coluna semanal Following Up (Acompanhando), mas trata seus temas como curiosidades de arquivo. Numa época de saturação combinada com déficit de concentração, não será possível achar uma maneira séria, formal, de trazer de volta à atenção assuntos não resolvidos? Mas um acompanhamento substancial das notícias correria o risco de soar hipócrita. A seleção das questões que devem ser reavivadas poderia ser bem subjetiva. Uma resposta poderia ser a realização da função de acompanhamento nas páginas opinativas do Times. Outra seria perguntar aos leitores sobre que assunto querem saber mais.
Nesta época de mídia de massa, o público é engolfado pela reportagem, senão do sério, com certeza do sensacional. Os exemplos se multiplicam: O.J., JonBenet, Elián, Chandra… Não é provável que se possa depender da mídia eletrônica para olhar para trás e informar sobre questões públicas não resolvidas. Essa responsabilidade cabe às instituições noticiosas sérias, notadamente o Times. Em resposta à nova tecnologia da notícia, o jornal criou operações de alta qualidade na internet e na TV a cabo. Uma resposta sistemática à nova cosmologia da notícia faz-se igualmente necessária.’
MÍDIA & ESPORTE
‘Mestra Dorrit Harazim’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 11/8/04
‘Olá, amigos. Não é de hoje que as Olimpíadas são um espetáculo tanto para quem vê quanto para quem cobre. Os Jogos são um espetáculo indescritível sob vários pontos de vista. O ponto de vista jornalístico, em especial, traz diversos pontos extremamente interessantes de se ressaltar:
1) A MULTIPLICIDADE DE ASSUNTOS PARA SE TRATAR
Por terem caráter não só esportivo como também político, as Olimpíadas dão ao jornalista a possibilidade de tratar de assuntos dos mais variados, sem ter de se ater exclusivamente ao esporte. Culturas diferentes, movimentos políticos dentro das competições, julgamentos subjetivos sobre a performance de atletas de acordo com a força política do seu país no mundo… tudo isso compõe o solo fértil de pautas que podem ser exploradas pelos jornalistas escalados para a cobertura, tanto in loco quanto nas redações.
2) O CARÁTER HUMANO DOS JOGOS
Nem só de números e medalhas são feitos os Jogos Olímpicos. Há também o lado humano, da superação, que faz com que a competição seja tão atraente. Os dramas pessoais, as histórias de vida de atletas que ficam longe dos holofotes, a força de vontade em completar uma prova sem a menor chance de ganhar uma medalha, as condições insuficientes que atletas têm para treinar e as cobranças por resultados sem que seja dado nenhum apoio a quem compete. Estes e muitos outros aspectos fazem com que o repórter deva ter um faro mais que apurado para cobrir uma Olimpíada. Muitas vezes a melhor história está bem longe do pódio e dos holofotes.
3) O CENÁRIO UNIVERSAL
Para se ter uma visão completa das Olimpíadas, é necessário se conhecer bem o cenário mundial e a política que ronda as competições esportivas. Quando um atleta relativamente desconhecido ganha uma medalha de ouro, ou faz um bom papel na Olimpíada, muitas vezes há por trás dele uma reforma de política esportiva em seu país, ou investimentos da iniciativa privada, que por vezes denotam o amadurecimento de um país, ou de um determinado setor de um país no sentido de investimentos em estrutura esportiva como meio de melhoria da qualidade de vida de setores carentes da sociedade.
Em cada um destes tópicos, sempre aprendi muito com os textos de Dorrit Harazim, que escreve mais uma vez para O Globo e para o Estado de São Paulo diretamente dos Jogos Olímpicos. Com textos bem-escritos e muito profundos, Dorrit informa e ilustra os leitores de uma forma muito peculiar. Seus textos possuem estilo e deixam o leitor a par de assuntos sobre os quais as reportagens diárias sobre os Jogos não avançam. O caráter plural de suas matérias enriquece, e muito, a cobertura dos veículos que as publicam.
Conheci Dorrit Harazim nas Olimpíadas de Sydney, em 2000. E fiquei muito orgulhoso em poder conversar brevemente com ela a respeito das Olimpíadas. Trocamos algumas palavras, que foram suficientes para aumentar ainda mais a minha admiração por esta autêntica catedrática dos Jogos Olímpicos.
Fico feliz em ler mais uma vez os textos de Dorrit em uma cobertura olímpica. E torço por lê-los por muitas outras coberturas ainda.’
PLÁGIO DE ROBB
‘Outro brasileiro acusa australiano de plágio’, copyright Folha de S. Paulo, 14/8/04
‘Dois meses depois, a briga ganha seu segundo round.
O australiano Peter Robb, autor do festejado ‘A Death in Brazil’, que em junho sofreu acusação de plágio do brasileiro Mario Sergio Conti (‘Notícias do Planalto’), especialmente nos trechos em que trata do ex-presidente Fernando Collor de Mello e de seu ex-tesoureiro, PC Farias, acaba de receber mais um golpe.
Segundo o jornalista Lucas Figueiredo, autor do sucesso ‘Morcegos Negros’ (Record, 2000), sobre aquele período, também seu livro foi plagiado pela obra do australiano lançada em maio nos EUA, Reino Unido e Austrália.
‘O título de Peter Robb faz referência, sobretudo, às mortes de PC Farias e Suzana Marcolino’, disse o mineiro de 35 anos que trabalhou na Folha de 1994 a 2001 e hoje é repórter especial do ‘Estado de Minas’. ‘Pois foram justamente os trechos de meu livro referentes às mortes de PC e Suzana os mais plagiados.’
Segundo cálculos de Figueiredo, ‘Morcegos’ teve partes copiadas de praticamente toda a sua extensão, da página 61 à página 368. ‘Mas Peter Robb concentrou as informações que chupou em apenas 20 páginas de seu livro, da página 251 à página 271’ (leia trechos e comparação nessa página).
Em entrevista por e-mail ontem, Robb ‘reafirma tudo o que tinha dito no último contato’, em julho. Naquela ocasião, ele admitiu ter usado tanto o livro de Conti quanto o do Figueiredo como ‘fonte de informações factuais sobre o governo Collor’.
A Folha apurou, no entanto, que sua editora entrou em contato com a Companhia das Letras, que publicou o livro de Mario Sergio Conti em 1999, para fazer uma proposta de acordo, cujos detalhes ainda não foram acertados.
‘Estudamos a possibilidade de fazer um processo junto com Lucas Figueiredo’, disse Conti, por e-mail, de Paris. ‘Com a comprovação do plágio de ‘Morcegos Negros’, fica claro qual é o método de trabalho do Robb: o roubo.’
Em julho último, Robb havia repetido a opinião de seu editor na Austrália, Michel Duffy, e atribuído as acusações a um suposto interesse da Rede Globo em desacreditar sua obra.
‘O império contra-ataca’, diz Robb, por e-mail. ‘Uma parte de meu livro diz respeito à conhecida interferência de Roberto Marinho nas eleições de 1989, para prejudicar Lula e eleger Collor. Também descrevo o enorme crescimento da Globo nos anos 60 como um dos subprodutos da ditadura militar, sua implantação da mentalidade de telenovela no Brasil e o fato de que a família Collor em Alagoas e Antonio Carlos Magalhães na Bahia eram donos de retransmissoras da empresa.’
É Conti quem contra-ataca: ‘Além de ladrão de trabalho, textos e idéias alheias, Robb é mentiroso. A grande reportagem sobre seu plágio foi publicada pela Folha, que não tem nada a ver com as Organizações Globo. Quanto a mim, nunca trabalhei em nenhum dos jornais, revistas e emissoras de rádio e TV da Globo’.
Desde a publicação da reportagem da Folha, em 21 de junho último, Conti deu entrevistas sobre o assunto para a Radio France International e para o Special Broadcasting Service, a rádio pública australiana, e o suposto plágio mereceu reportagem no ‘Sydney Morning Herald’, jornal da cidade-natal do autor.
Mas as resenhas positivas que o livro vem recebendo da imprensa britânica e americana não citam a polêmica. A última saiu no ‘Guardian’ no dia 25 de julho, com o título ‘Rio com Brio’. O resenhista diz que Robb narra ‘magistralmente’ as circunstâncias da morte de PC Farias.
Autor narra impressões sobre o Brasil no livro
Em reportagem publicada na Folha em 21/6, Mario Sergio Conti disse que, em ‘A Death in Brazil’, Peter Robb ‘roubou, plagiou, copiou e parafraseou dezenas de frases’ de seu livro ‘Notícias do Planalto’, publicado seis anos antes. O texto mostrava três trechos de ambos os livros e, para o advogado Rodrigo Kopke Salinas, especializado em direitos autorais, ‘em algumas passagens, parece que há tradução literal e, em outras, apropriação das informações’.
A obra de não-ficção, que recebeu elogios de publicações como ‘New York Times’, narra as impressões do jornalista australiano durante suas visitas ao Brasil nos últimos 20 anos, em três fios condutores. O primeiro é a relação do brasileiro com a violência e a morte. O segundo analisa a importância da obra de Machado de Assis, Euclydes da Cunha e Gilberto Freyre na cultural brasileira. O terceiro reconta, com a visão do estrangeiro, o governo Fernando Collor de Mello e o assassinato de seu ex-tesoureiro, Paulo César Farias, em 1996. É daí que partem as duas acusações de plágio, tanto a de Conti quanto a de Lucas Figueiredo. Não é a primeira polêmica que cerca uma obra de Robb. A biografia que fez do pintor Caravaggio (1571-1610) teve sua credibilidade questionada pelo autor de uma biografia rival.’