‘Nos últimos dez anos, enquanto o cinema brasileiro festejava publicamente a ‘retomada’, nas ‘internas’ comentava-se o quanto ainda havia por fazer. Basta ler ‘O cinema da retomada: Depoimentos de 90 cineastas dos anos 90’, de Lúcia Nagib, e ouvir, dezenas de vezes, a exposição dos problemas: diretores de marketing de empresas decidindo quais filmes são feitos, recursos concentrados nas mãos de grandes produtores e/ou filmes neutros, nenhuma política pública para as ‘divisões de base’ (curtas, animação), nenhuma garantia de chegada do audiovisual brasileiro à TV.
Hoje, parte daqueles que comentavam nas ‘internas’ como ainda havia muito o que fazer está no poder. A Secretaria do Audiovisual, na gestão Orlando Senna, iniciada com o governo Lula, é hoje composta basicamente de quadros formados na última década nas ABDs (a sigla quer dizer Associação Brasileira de Documentaristas, mas as ABDs, que são estaduais, acabaram, por vocação, congregando curta-metragistas, de forma geral). O chefe de gabinete da secretaria, e segundo na linha de comando, é o ex-ABDista Leopoldo Nunes.
– Eu sempre brinco com os ABDistas sobre isso e eles se assustam – diz Senna, sentado em frente a seu assessor especial Mário Diamante, um deles. – Digo pra eles ‘a ABD agora é governo’. Mas foi a chegada simultânea ao poder de duas gerações, a minha, a dos anos 60, e a deles.
– Foi um somatório das experiências dessas duas gerações – concorda Diamante, de terno e gravata, como dificilmente era visto até bem recentemente. – Gerações que pensaram o cinema para além dos filmes propriamente ditos.
Esse somatório de experiências está modificando a política brasileira para o audiovisual. Nos recentes editais lançados pelo Ministério da Cultura para apoio à produção de curtas e longas-metragens, produtores acostumados à burocracia repararam que ela diminuiu muito, o que abre portas aos que antes não entravam nos concursos por falta de condições técnicas e/ou financeiras de se prepararem para eles. E se o fato de se exigir apresentação do projeto em uma via onde antes se exigiam três parece detalhe, é sintoma do quadro geral.
– A possibilidade de que um contingente maior da população tenha acesso ao dinheiro público é preocupação nossa – diz Senna.
Nas entrelinhas de editais específicos, ou na simples criação de novos, antes inexistentes, a Secretaria do Audiovisual procura inscrever as linhas mestras de uma nova política para o cinema. Em dezembro de 2003, por exemplo, o órgão lançou o seu primeiro edital de apoio à distribuição, com um aporte de recursos no valor de R$ 4,8 milhões. Este mês, lança um complementar, de R$ 2 milhões, sempre em parceria com a Petrobras (para se estar apto a receber o dinheiro, é preciso que o produtor do filme tenha ao menos um pré-acordo com uma distribuidora). Também os próximos concursos de filmes de baixo orçamento (ficção e, pela primeira vez, documentário) estão atrelados a uma bolsa de R$ 1 milhão a ser rateada entre os premiados a título de apoio à distribuição.
– Nunca no Brasil ou na América Latina, e muito pouco na Europa, recursos públicos foram destinados à distribuição. É um equívoco histórico, que criou essa situação de dependência absoluta que a atividade tem dos cofres públicos.
– Por isso todas as nossas ações de fomento à produção têm uma vinculação com a disseminação desses produtos – complementa Diamante.
E não apenas com a disseminação em sala de cinema. Várias ações recentes da secretaria se concentram em levar o audiovisual brasileiro à televisão. Em princípio, à rede pública. A aproximação com as redes privadas ainda é lenta e não é esperado que se acelere até o ano que vem, quando deve ser promulgada a Lei Geral do Audiovisual, cujo primeiro passo, já em vias de ser implementado, é a transformação da Agência Nacional de Cinema (Ancine) em Agência Nacional de Cinema e Audiovisual (Ancinav).
Na esfera da rede pública, contudo, os planos vão se desdobrando, com faixas fixas de programação para curtas-metragens e filmes de animação sendo criadas – ou incrementadas, onde já existiam.
– Aproveitamos a vocação de cada emissora – explica Senna. – A TVE tem a melhor programação infantil. Concentramos nela projetos de programação infantil. A TV Cultura tem os documentários como ponto forte e por isso o projeto Doc-TV tem lá o seu núcleo principal.
Devido ao caráter de rede nacional que as emissoras educativas têm, haverá facilidade para que o conteúdo esteja disponível para todas, ainda que os projetos nasçam no seio de uma ou de outra. E ainda assim os projetos oferecem facilidades.
– Veja o Doc-TV. A emissora que arcar com 20% da realização de um programa leva todos os 26 contemplados pelo edital para a sua programação – exemplifica Senna, frisando ainda que esse número subirá para 35 programas a partir da nova edição do Doc-TV.
Secretaria apóia desenvolvimento de longas-metragens de animação
A área de animação, que fora da publicidade só se movimenta por espasmos no mercado brasileiro, foi especialmente contemplada pela atual administração da secretaria. Há dois programas Curta Criança, divididos por faixa etária (7 a 12 anos, e 3 a 7 anos), além de um edital de curta livre de animação, ou seja, aberto a quem queira fugir da temática infantil e de formas narrativas tradicionais.
– E estamos também abrindo um programa de desenvolvimento de projetos de animação de longa-metragem – diz Diamante. – Assim como há o programa de desenvolvimento de roteiro de longa-metragem de ficção, mas é importante separar disso a animação, já que é uma área que tem características só dela, como a necessidade de storyboards .
Em todas as áreas, os projetos de filmes que forem escolhidos para receber verba terão um acompanhamento de quadros técnicos da secretaria. Estão sendo planejados seminários de formatação de roteiro e até de apresentação de projeto a potenciais investidores. Minimizando os riscos de um projeto ir por água abaixo por incompetência do realizador em alguma etapa do processo, a intenção final é impedir, na medida do possível, que projetos não fiquem prontos e/ou nunca sejam vistos pelo público.
– Pela primeira vez, o foco da política pública de cinema é o público – diz Orlando Senna. – O produtor agora é apenas o meio para que o filme chegue ao público.’
INTERNET / HACKERS
‘Hackers atacam site oficial do Estado do Rio’, copyright O Globo, 24/07/04
‘Hackers atacaram ontem à noite o site da Secretaria estadual de Comunicação Social, deixando fora do ar a página responsável pela divulgação das ações do governo. No lugar das notícias, os hackers, que se apresentaram com um pseudônimo, puseram no ar um texto, no qual faziam críticas ao secretário de Segurança, Anthony Garotinho.
Eles também publicaram uma charge ironizando o trabalho do secretário, que retornou ao serviço na quarta-feira, após uma semana de licença médica. Numa parte do texto, os hackers escreveram que a governadora Rosinha nomeou Garotinho secretário de Segurança para mantê-lo na mídia, e, assim, ele poder concorrer à presidência, em 2006. Ninguém da Secretaria de Comunicação foi localizado ontem à noite para comentar o caso.’