Monday, 04 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

Janaína Figueiredo

‘Adecisão do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, de pôr em vigor a Lei de Responsabilidade Social para Rádio e TV reavivou o debate sobre ameaças à liberdade de informação na América Latina. O projeto que institui a lei foi aprovado semana passada pela maioria chavista na Assembléia Nacional (o congresso venezuelano) e está sendo duramente criticado por influentes organizações internacionais, entre as quais a Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Human Rights Watch, com base em Nova York. A Federação Latino-americana de Jornalistas defendeu, no entanto, a iniciativa de Chávez.

O presidente da Comissão de Liberdade de Imprensa e Informação da SIP, o guatemalteco Gonzalo Marroquín, disse ao GLOBO que nos últimos meses surgiram focos de preocupação em Venezuela, Cuba, Brasil e Argentina. Em fevereiro, a SIP enviará uma missão a Buenos Aires para verificar denúncias de que o governo de Néstor Kirchner estaria exercendo pressão sobre empresas de comunicação argentinas. A missão, disse Marroquín, talvez faça escala no Brasil.

O brasileiro Rosental Alves, diretor do Centro Knight para o Jornalismo nas Américas, analisou:

– Nos últimos 20 anos, o continente viveu uma época de democratização sem precedentes. No entanto, no mesmo período surgiram e continuam surgindo tentativas de criação de leis que restringem a atuação dos meios de comunicação.

Debate político, só depois das 23h

Para Marroquín, Chávez está ‘adotando a censura prévia’:

– A lei de iniciativa de Chávez atenta contra a liberdade de expressão e concede ao governo autoridade para censurar previamente os meios de comunicação. A lei determina, por exemplo, em que horário é permitida a divulgação do que for considerado mensagem violenta. E quem determina o que pode ser mensagem violenta? O governo, claro – explicou.

O governo venezuelano garante que a lei não ameaça a liberdade de informação. O texto aprovado pelos parlamentares diz que seu objetivo é ‘fomentar o equilíbrio democrático entre os deveres, direitos e interesses, a fim de promover a justiça social e contribuir para formação da cidadania’. Os chavistas sustentam que nos últimos anos os meios de comunicação do país se tornaram porta-vozes da oposição e tiveram papel destacado no golpe de Estado de 2002 e na greve geral que se estendeu por mais de cinco meses, entre 2002 e 2003, prejudicando a economia nacional.

Perguntado sobre a intensa participação das empresas de comunicação nas disputas políticas entre Chávez e seus opositores, Alberto Ravell, dono da Globovisión, uma da principais emissoras de televisão informativas do país, assegurou que ‘os canais de TV não são imparciais porque as demais instituições do Estado venezuelano também não são’.

– Chávez controla tudo e fomos obrigados a representar todos os setores da sociedade civil que não se sentem amparados pelo governo – argumentou Ravell.

A Globovisión, entre outras empresas de comunicação venezuelanos, defendeu a saída de Chávez.

Com a entrada em vigor da nova lei, prevista para os próximos dias, canais de TV e rádios só poderão exibir debates políticos a partir das 23h. Um programa informativo, diz a lei, ‘deve divulgar informações sobre pessoas ou acontecimentos locais, nacionais e internacionais de maneira imparcial, veraz e oportuna’. As equações são complicadas. A maioria dos canais de TV e rádios se opõe a Chávez e manifesta esta posição claramente. No auge da crise política, alguns jornalistas chegaram a se referir ao presidente como assassino. O objetivo de Chávez seria acabar com o protagonismo político, desfavorável a ele.

– Quem diz se uma informação é ou não oportuna? Estão buscando atrapalhar o desempenho dos meios de comunicação opositores e reforçar os canais oficialistas – afirmou o analista político Carlos Romero, da Universidade Central de Caracas.

Na Argentina, a situação é cada vez mais delicada. Kirchner, que opositores acusam de ter manipulado a imprensa da província de Santa Cruz, da qual foi governador durante 12 anos, tem sido acusado de telefonar para jornalistas que o criticam. Recentemente, o jornalista Julio Nudler disse que o jornal ‘Página 12’ censurou um artigo seu com denúncias contra o chefe de Gabinete, Alberto Fernández. O escândalo causou a dissolução da organização Periodistas (Jornalistas), criada em 1997 para defender a liberdade de imprensa.

– Aqui existe uma evidência clara: entre 2003 e 2004, o governo Kirchner aumentou em 32% os recursos para a publicidade oficial nos meios de comunicação. Isto, por si só, representa um elemento de pressão – argumentou o analista político Rosendo Fraga, que integrava a Periodistas.

Fraga disse que empresas de comunicação foram abalados pela desvalorização do peso e dependem de recursos estatais. Segundo fontes do setor, alguns grupos, como o ‘Clarín’, aliaram-se ao governo para conseguir a aprovação de leis no Congresso. Uma delas proibiria que capitais estrangeiros controlem mais de 50% dos meios de comunicação.’

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‘Propostas da lei venezuelana’, copyright O Globo, 3/12/04

‘A lei enviada pelo governo Chávez ao Congresso estabelece tipos de mensagens e restrições horárias que deverão ser respeitados por todas as rádios e canais de TV do país. Uma delas diz que durante o chamado ‘horário supervisionado’ (entre as 5h e as 7h, e entre as 19h e as 23h) será multado o canal de TV ou rádio que ‘divulgar mensagens que contenham elementos de linguagem’ tipo C (imagens e sons que tenham características obscenas, que descrevam, representem ou aludam, sem fins educativos, a órgãos sexuais ou manifestações escatológicas), e elementos de saúde C (imagens ou sons em programas e promoções que se refiram direta ou indiretamente ao consumo moderado de álcool ou cigarro, sem que seja expressado de forma explícita seu efeito nocivo ou tenha como finalidade a erradicação da dependência de tais produtos). Também estão proibidos elementos sexuais C (imagens ou sons sexuais implícitos sem a finalidade educativa) e elementos de violência C (imagens ou descrições gráficas utilizadas para a prevenção ou erradicação da violência que para serem observados por crianças e adolescentes precisem da orientação de seus pais).’



Evandro Éboli

‘No Brasil, projeto polêmico’, copyright O Globo, 3/12/04

‘O polêmico projeto do Executivo que cria o Conselho Federal de Jornalismo (CFJ) tramita na Câmara dos Deputados e está na pauta da Comissão de Ciência e Tecnologia. Na semana passada, o deputado Nelson Proença (PPS-RS) foi escolhido relator. O projeto foi enviado em maio, pelo ministro do Trabalho, Ricardo Berzoini, e propõe a criação do CFJ e dos conselhos regionais. O objetivo é orientar, disciplinar e fiscalizar a profissão de jornalista e da atividade do jornalismo.

O Conselho Federal de Jornalismo teria ainda competência para ‘zelar pela dignidade, independência, prerrogativas e valorização do jornalista’, estabelecer normas e procedimentos disciplinares, fiscalizar o exercício profissional e editar e alterar o Código de Ética da profissão.

Proença disse ontem que pretende apresentar seu parecer ainda este ano e que ainda não tem posição sobre a proposta, mas disse estar preocupado com as informações que lhe chegam sobre o projeto.

– Tenho desconfiança diante do que já ouvi e o que me chegou até agora. Preocupa-me a possibilidade de interferência na liberdade de imprensa – disse.

O projeto, feito com o apoio da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), foi criticado por entidades como a Associação Nacional dos Jornais (ANJ). Na posse da nova diretoria da ANJ, em setembro, o presidente Lula disse que a censura não voltará a ser aplicada no país ‘nem de forma dissimulada’.

– A melhor receita para o vigor do jornalismo é a liberdade. Posso às vezes sofrer intimamente ao presenciar uma injustiça cometida por um erro da imprensa. Mas, governante, não me incomodo quando leio uma crítica séria ao governo – disse Lula à época.’



Mônica Tavares

‘Nova lei de comunicação vai englobar conteúdo’, copyright O Globo, 3/12/04

‘O secretário-executivo do Ministério das Comunicações, Paulo Lustosa, disse ontem que a elaboração da Lei de Comunicação Eletrônica de Massa e a revisão da Lei Geral de Telecomunicações (LGT) devem ampliar o conceito de comunicação de massa, a partir da idéia de conteúdo, multimídia e difusão de cultura. Ao participar da abertura do Fórum de Políticas Públicas de Telecomunicações, Lustosa disse que o governo está construindo cenários para os próximos dez anos e definindo políticas públicas para o setor. Trata-se, segundo ele, de passos importantes para atualizar a LGT e estabelecer uma nova lei para os meios que produzem conteúdo.

– É um momento oportuno para se discutir a Lei de Comunicação Eletrônica de Massa, com conceito mais amplo, idéia de conteúdo, multimídia e geração de cultura. Temos que atualizar a legislação de radiodifusão – afirmou.

A expectativa de Lustosa é que em setembro de 2005 o esboço do planejamento esteja pronto. Porém, ele admite que a Lei de Comunicação de Massa poderá vir antes deste prazo, pois já existe um esboço no ministério.

A legislação sobre as rádios comunitárias, no entender do secretário-executivo, também precisa ser modificada. Ele disse que existem exigências legais para as associações conseguirem obter as licenças de operação que não são necessárias.’



Carolina Vila-Nova

‘Lei de Chávez vai ‘regular’ rádios e TVs’, copyright Folha de S. Paulo, 5/12/04

‘Sob o argumento oficial de que é necessária uma melhora na qualidade da programação das rádios e TVs da Venezuela, o presidente Hugo Chávez está prestes a sancionar uma lei que impõe controles rígidos e pesadas sanções a esses setores da mídia.

A chamada ‘Lei de Responsabilidade Social para Rádio e TV’ já ganhou críticas dos principais grupos de defesa de direitos humanos, associações de imprensa e organismos internacionais e foi apelidada pela oposição chavista e a mídia local de ‘lei da mordaça’.

Aprovada pela Assembléia Nacional há cerca de uma semana, a iniciativa passa por uma comissão para a elaboração da versão final, vai a plenário novamente e então segue para as mãos de Chávez para ser assinada, o que deve ocorrer nos próximos dias.

A lei foi proposta logo após o golpe de abril de 2002, que tirou Chávez do poder por dois dias, para ‘regular’ a atuação especialmente das emissoras de TV -segundo o presidente venezuelano, elas apoiaram os golpistas.

Na ocasião, a Venevisión, do grupo do poderoso empresário Gustavo Cisneros, um dos maiores opositores a Chávez, fez acordos com outras emissoras para que não fossem transmitidas as manifestações a favor do retorno do presidente ao poder.

Chavistas também afirmam que as emissoras veicularam protestos de rua com a intenção de provocar mais violência.

‘Terror’

As maiores críticas à medida são que ela é vaga demais, impõe sanções pesadas em caso de infrações e dá margem não apenas à censura oficial, mas à autocensura.

‘Se essa lei fosse aplicada letra por letra, não haveria liberdade de imprensa na Venezuela’, disse Alberto Federico Ravell, diretor do canal Globovisión. ‘É uma lei que tem por alvo a mídia que vem defendendo os venezuelanos de um governo autoritário.’

‘A lei é punitiva do começo ao fim. Ela praticamente institucionaliza uma política de terror contra a mídia’, acrescentou Jesus Garrido, deputado do oposicionista Ação Democrática.

Antes mesmo de a lei ser aprovada, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da OEA (Organização dos Estados Americanos), já dissera que ela ‘não reflete os parâmetros internacionais de proteção dos direitos humanos, a jurisprudência na matéria nem as recomendações da comissão’. A SIP (Sociedade Interamericana de Imprensa) a qualificou de um ‘perigo para a liberdade de expressão’.

O artigo mais polêmico é o que proíbe qualquer transmissão que ‘incite alterações da ordem pública’ ou seja ‘contrária à segurança nacional’. Violações a essa norma podem ser punidas com multas, suspensão temporária da programação por até 72 horas ou até a revogação da licença da emissora.

‘Essa legislação ameaça gravemente a liberdade de imprensa na Venezuela’, afirmou relatório da Human Rights Watch. ‘Suas restrições, redigidas com vagueza e fortes penalidades, são uma receita para a autocensura da imprensa e a arbitrariedade das autoridades do governo.’

A lei estabelece ainda cinco níveis de tolerância de cenas de violência e de sexo na programação, e outros três níveis de tolerância de linguagem. Entre 7h e 19h, conteúdos de violência, sexo e linguagem ‘crua’ são restringidos quase totalmente. Infrações são penalizadas com multas que chegam a até US$ 250 mil.

‘Com essas regras, se um evento similar aos ataques do 11 de Setembro em Nova York acontecesse de novo, as emissoras apenas poderiam falar que o caso está acontecendo e seriam proibidas de mostrar qualquer imagem’, disse o deputado Gerardo Blyde, do Primeiro Justiça, de direita.

‘O principal problema dessa lei é sua margem de interpretação. Na formulação atual, proíbe a difusão, entre 5h e 23h, de imagens cuja definição poderia de fato corresponder à de um informativo televisionado’, escreveu a ONG Repórteres sem Fronteiras em carta enviada ao ministro de Informação e Comunicação, Andrés Izarra.

Além disso, para a Human Rights Watch, a restrição, como desculpa de proteger as crianças, como diz o governo, também implica submeter adultos ‘a padrões visuais restritivos e puritanos’.

Descrédito

‘[As críticas] são uma tentativa extremamente suspeita de desacreditar uma lei sem que haja um conhecimento do que se trata e de desacreditar o próprio governo’, rebateu Bernardo Alvarez, embaixador da Venezuela nos EUA.

Para Chávez e seus aliados, a lei vai aumentar a responsabilidade social das emissoras e a qualidade da programação ao regular o conteúdo sexual e de violência. O governo também alega que a lei está de acordo com regulamentos similares ao redor do mundo e que foi produto de um intenso debate com todos os setores do país.

‘Essa lei pode ter suas imperfeições e falhas, mas é uma lei que amplia o campo de exercício democrático e das liberdades públicas na Venezuela’, disse na semana passada o vice-presidente venezuelano, José Vicente Rangel.

‘A mídia ficará a serviço do povo, com mensagens éticas e responsáveis’, disse a deputada Desirée Santos, do Movimento Quinta República, de Chávez.

A lei divide a população. Para aumentar a polêmica, o partido de oposição Movimento ao Socialismo e a associação civil Assembléia de Cidadãos disseram que vão coletar assinaturas para um referendo sobre a medida.

‘Não sei como vamos poder nos expressar livremente se tivermos o governo nos dizendo o que podemos e não podemos ver’, disse o operário de construção Miguel Leonel, 45, à agências de notícias Associated Press.

A camelô Gloria Acosta, 52, discorda. ‘[A lei] vai dar aos pais uma sensação de paz. Tentamos educar nossas crianças e então esses canais vêm e estragam tudo com suas programações violentas e pornográficas.’’