Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Janio de Freitas

‘Enquanto Delúbio Soares e Marcos Valério lançam nova versão de escapismo pessoal, logo em seguida à viagem sorrateira do primeiro ao encontro do segundo em Belo Horizonte, aumenta a articulação para fazer do próprio Delúbio o responsável solitário pelas ordinarices financeiras constatáveis no núcleo que empalmou o PT. Já aparecia ontem, no jornalismo governista, a expressão ‘esquema financeiro de Delúbio’, que Marcos Valério apenas ‘operava’. Para os demais, do governo e do PT, passíveis de comprometimento ativo ou passivo com a engrenagem da nova corrupção, são as santas coincidências que já os ‘blindam’, segundo a expressão da moda.

Alguns exemplos do poder da fé nas santas coincidências podem começar pela Secretaria de Comunicação. Misto de tesouro e fortaleza do ministro Luiz Gushiken, com domínio sobre mais de um bilhão, vai passando ao largo da CPI dos Correios, apesar de sua interferência na licitação em que uma empresa de Marcos Valério foi dada na estatal como vencedora.

Para relembrar: a Secom de Gushiken determinou a redução, de R$ 3 milhões para R$ 1,8 milhão, do capital exigido das empresas concorrentes, o que permitiu a inclusão de Marcos Valério na licitação. E, dos cinco julgadores, três foram indicados pela Secom. Em nota oficial recente, a Secom se afirma como minoria na comissão da licitação. O fato, porém, de que um dos seus três indicados, entre os cinco, já estivesse nos Correios, não o tornou menos indicado nem menos representante da Secom.

Mais importa nessa interessante concorrência, no entanto, uma relação de datas que está relegada. A indicação dos representantes da Secom, entre os quais o marido de uma funcionária importante de Marcos Valério, deu-se no dia 5 de agosto de 2003. Por uma das santas coincidências, menos de 24 horas depois de Lula e Luiz Gushiken editarem o decreto que concedia à Secom maioria nas comissões licitatórias de publicidade das estatais.

Mas nenhum dos dois tem nada a ver com aquela e com outras licitações, muitas delas valendo fortunas, de publicidade e patrocínio promocional das estatais e ministérios.

Lula definiu como ‘golpe baixo’ e desrespeito à sua privacidade o noticiário sobre a sociedade feita pela Telemar com um dos seus filhos e, ainda, dois filhos do seu compadre e velho protegido Jacó Bittar. Entre seus mais de 40 ‘produtores de conteúdo’ para celulares, o único de que a Telemar se tornou sócia foi o que viabiliza a empresa dos três jovens, aportando-lhe R$ 5 milhões -o capital da empresa é de R$ 5,2 milhões. Se houve golpe nessa história, não foi do noticiário.

À notícia inicial da nova sociedade, seguiu-se a resposta mentirosa de que a Telemar ignorava quem eram os outros sócios da empresa a que se associava. Caída, por excessivamente estúpida, essa desculpa, a Telemar explicou o sigilo da sua associação, com o qual transgrediu uma exigência legal, por motivos ‘de cunho operacional e estratégico’. Mas logo se contradisse, ao argumentar que a operação financeira foi ‘absolutamente irrelevante’. ‘Estratégica’ ou ‘irrelevante’? A motivação estratégica, reconheçamos, não é difícil imaginar.

Há pouco, Lula fez a nomeação de um novo desembargador do Tribunal Regional Federal da Segunda Região. É de justiça, para com o nomeado, registrar que figurou em uma lista tríplice de indicados por duas seccionais da OAB. A ética de governo, porém, não se modifica. E não ampara o ato em que Lula nomeia o gerente jurídico da Telemar, tão poucos meses depois da estranha sociedade empresarial, para o TRF da região em que a mesma Telemar é suscetível das suas questões judiciais mais expressivas.

Claro que não passam de coincidência fatos como a presença de José Genoino em reuniões com Marcos Valério, como em documentos financeiros, e depois o transporte de meio milhão por um assessor do irmão de Genoino. Coincidências todas, as citadas e as que tomariam muito mais espaço, de responsabilidade única do onipotente e onipresente Delúbio Soares. Os canais do governo que orientam o destino de verbas imensas e os canais do PT que comandaram a distribuição de tantos milhões são, todos, santos como as suas coincidências.’



Eliane Cantanhêde

‘Crise tem efeito purificador, diz Gushiken’, copyright Folha de S. Paulo, 17/7/05

‘A crise atual tem um efeito ‘purificador’ e o empresário Marcos Valério, apontado como operador do suposto ‘mensalão’, ‘tem a obrigação de contar tudo o que sabe’, e nenhum dos suspeitos deve ser poupado das investigações, nem o deputado e ex-chefe da Casa Civil José Dirceu. Essa é a opinião do ex-ministro e agora secretário de Comunicação do Governo, Luiz Gushiken.

Incisivo, ele afirma que as contas milionárias de Marcos Valério não têm origem na publicidade do governo federal. ‘A questão é saber de onde vem o dinheiro’, disse à Folha na sexta-feira, cercado por cinco assessores no seu gabinete e preocupado em se defender, ele próprio, de suspeitas de favorecimento a empresas.

Rebaixado para secretário, Gushiken considera que as mudanças dão uma ‘rejuvenescida’ na coordenação política e defende Lula. Diz achar que, se o tema central da campanha do ano que vem for corrupção, o presidente será facilmente reeleito.

Folha – Como o sr. se sente com o rebaixamento de ministro para secretário num governo em que até agora teve tanta influência?

Luiz Gushiken – Estar no governo, em qualquer posição, é motivo da maior honra pessoal. Seja como ministro, seja como subordinado à ministra Dilma [Rousseff, da Casa Civil].

Folha – Que funções o sr. mantém e quais suas prioridades?

Gushiken – O Núcleo de Assuntos Estratégicos não vai ter nenhuma descontinuidade. O biodiesel, por exemplo, foi o primeiro trabalho que nós fizemos e hoje é um programa de governo. Biotecnologia, gás, mudanças climáticas, mudança energética, todas essas questões são estratégicas. Em todas essas discussões, eu tenho e terei o que me interessa: servir ao presidente e à sociedade.

Folha – E a perda de assento na coordenação política?

Gushiken – Eu sugeri uma mudança ao presidente. Eu, não sendo ministro, não teria por que participar. E, no atual contexto político, é importante que ele tenha outros ministros, de outras áreas, para dar uma rejuvenescida nesse órgão de aconselhamento.

Folha – O sr. não teme que a queda de José Dirceu e a sua saída da coordenação política fortaleçam a posição de Antonio Palocci e ao mesmo tempo o deixe mais vulnerável a críticas, até do PT?

Gushiken – Não acho que haverá preponderância de um homem ou de outro, e a força do Palocci vem justamente da correção da política econômica e da clareza com que ele a implementa, o que dá tranqüilidade para o Brasil.

Folha – Com a ida de Tarso Genro para a presidência do PT e com tanta turbulência no partido, não haverá mais pressão pela queda dos juros e do superávit primário?

Gushiken – Não é segredo que várias correntes do partido questionam a posição majoritária, favorável à política que implementamos. Como não é segredo que o Tarso Genro tem observações contra a política econômica. Não nego. Mas é positivo que o governo e o partido abram um diálogo agora nesse ponto crucial que é a economia. Acho natural que isso ocorra. Faz parte do jogo político.

Folha – O Palocci e os ministros Márcio Thomaz Bastos e Jaques Wagner são o novo ‘núcleo duro’?

Gushiken – Não acho. Há uma mística em torno do termo ‘núcleo duro’ e é preciso que se desfaça. A coordenação se reúne duas horas por semana, em torno de uma pauta definida pelo presidente, mas ele recebe ministros de todas as áreas todos os dias.

Folha – Não é o que a agenda do presidente mostra. O colunista Elio Gaspari até ironizou a falta de contato do Lula com alguns ministros, que passam meses sem despachar com ele.

Gushiken – Não é verdade.

Folha – Mas é voz corrente que Lula não tem gosto pela rotina do cargo, pelas decisões da Presidência.

Gushiken – É outra mentira. O presidente é muito rigoroso, por exemplo, para exigir o cumprimento de metas. Ele cobra diretamente dos ministros, quer saber quem está fazendo, quanto tempo demora, quanto custa. Evidentemente, ele não entra em detalhes, mas acompanha tudo.

Folha – De onde vem a imagem do Dirceu como uma espécie de primeiro-ministro? E o que muda com a ministra Dilma?

Gushiken – São estilos e visões diferentes. O Dirceu tinha um relacionamento muito intenso com os outros partidos, desde que era presidente do PT.

Folha – Com PTB, PL, PP, todos esses que estão sob suspeição…

Gushiken – Sim, com a base partidária e com os diretórios do PT, e isso é uma marca que se monta. A ministra Dilma não tem essa marca, tem outras qualidades, outras características, e isso pesa na forma com que vai administrar, inclusive com a Secom a partir de agora anexada à Casa Civil.

Folha – E a coordenação política?

Gushiken – Formalmente, cabe ao coordenador político, que vai ser o Jaques Wagner. Eu não vejo nenhuma descontinuidade.

Folha – O Aldo Rebelo era dono do cargo apenas pró-forma?

Gushiken – O Dirceu exercia naturalmente essas funções, desde a época de presidente do PT.

Folha – Como fica a publicidade do governo, com a Secom subordinada à Casa Civil?

Gushiken – Tenho de discutir isso com a Dilma, e ela sabe que não me afeta o fato de eu ter sido destituído da condição de ministro, que eu não tenho apego a título. Quero ser um subordinado que vai liberá-la de incumbências desnecessárias.

Folha – A publicidade entrou no olho do furacão depois de Marcos Valério, que tem milhões de origem desconhecida. Vêm ou não das contas de publicidade do governo?

Gushiken – É uma grande fantasia, simples de esclarecer. As contas do Marcos Valério em cinco órgãos do governo, que são Banco do Brasil, Correios, Ministério do Trabalho, dos Esportes e Eletronorte totalizam R$ 296 milhões desde a gestão de 2003 até hoje.

Em torno de 70% são alocados para obter espaço nos veículos de comunicação. O resto é para fornecedores, como gráficas, produtoras etc. O que sobra para as empresas do Marcos Valério, a DNA e a SMPB, em termos de lucro líquido, é muito residual.

Folha – Então, de onde vem o dinheiro?

Gushiken – Como responsável pela comunicação, cabe a mim esclarecer se esse repositório de dinheiro é da publicidade. Não é.

Folha – O sr. quer dizer que as empresas de Marcos Valério são de publicidade, mas na verdade o negócio dele é lavagem de dinheiro?

Gushiken – Não estou dizendo isso. O que eu digo é que esse fluxo de dinheiro das duas empresas dele não tem origem da publicidade do governo federal. Isso eu posso provar. No resto, cabe a ele explicar, não é?

Folha – O governo deve temer a ameaça dele, de contar tudo para a Procuradoria Geral em troca de benefícios numa ação penal?

Gushiken – Ao contrário. Acho que o Marco Valério tem obrigação de informar a sociedade tudo, porque há uma enorme expectativa de esclarecimentos sobre as suspeitas que pesam contra ele e contra várias pessoas. Todas essas pessoas devem ser investigadas.

Folha – Até a cúpula do PT?

Gushiken – Todas sobre as quais pesam suspeitas.

Folha – E o José Dirceu?

Gushiken – Todas, sem exceção. Se estivesse eu sob suspeição, ofereceria a minha vida para ser investigada. Não pode é passar a idéia de alguém querer se esconder, ocultar, porque a sociedade não permite esse tipo de coisa.

Folha – O sr. tinha conhecimento dos empréstimos do PT com aval de Marcos Valério?

Gushiken – Empréstimos do PT ou de qualquer outro partido são procedimentos absolutamente normais, rotineiros. O PT é uma instituição muito grande. Agora, admito que há uma perplexidade pelo avalista ter sido o Marcos Valério. Nunca soube disso e nem sequer conheço esse cidadão. Eu também fiquei perplexo.

Folha – Seu rebaixamento de ministro para secretário foi por causa das suspeitas de favorecimento aos seus ex-sócios? Como o sr. explica o crescimento excepcional da Globalprev?

Gushiken – Você tem de perguntar isso aos sócios da Globalprev. O que eu posso dizer é que tudo o que foi dito foi baseado em informações falsas. A prefeitura de Indaiatuba (SP) municiou a imprensa com dados falsos e depois ela mesma retificou. A imprensa publicou que o crescimento foi de 600%, quando na verdade foi de 63% de 2002 para 2003, e 88% de 2003 para 2004, quando eu não estava mais nela. É um crescimento perfeitamente normal para uma empresa de cálculo atuarial com fatia de 0,9% no mercado.

Folha – E a casa onde a empresa funciona até hoje?

Gushiken – Eu morei seis anos naquela casa, mudei para uma chácara e mais tarde transferi a empresa para lá, onde funcionou dois anos como Gushiken Associados, inclusive pagando aluguel para minha mulher, que a é dona.

Quando vim para o governo, a Globalprev decidiu continuar lá e continuou pagando os aluguéis. Não entendo como uma coisa tão simples foi vendida ao público sob tanta suspeição, com um bombardeio diário. Tudo isso chega a ser absurdo.

Folha – Por que a revista ‘Investidor Institucional’, de seu cunhado, recebeu tanta verba de publicidade do governo sem ter presença correspondente no mercado?

Gushiken – Também não é verdade. São quatro revistas do meu cunhado, e a principal é a única do mercado que lida com investimentos institucionais. Existe há mais de dez anos e sempre recebeu recursos de publicidade de estatais e de empresas privadas. Aliás, a maior fonte é o mercado privado. E a Secom, sob meu comando, jamais alocou qualquer recurso para essa empresa.

Folha – Tudo isso ocorre porque o sr. vem do sindicalismo bancário e é ligado aos fundos de pensão, apontados como redutos do PT e fontes de financiamento das campanhas do partido?

Gushiken – Minha vida pregressa é de deputado que se especializou em fundos de pensão, no interesse dos participantes. Depois, abri uma empresa privada nessa área.

É natural que as pessoas concluam que os fundos de pensão estão sob o controle do ministro Gushiken, do ‘todo-poderoso ministro Gushiken’, mas isso é fantasia. A única, digamos, sugestão na área de fundo de pensão foi do nome do Wagner Pinheiro para a Petros [fundo da Petrobras].

Folha – Há um ‘golpe das elites’ contra o governo Lula?

Gushiken – Não há elemento golpista nesse movimento que eu classifico como de purificação das instituições. Para isso, aliás, PT, PMDB, PSDB e PFL deveriam sentar à mesa, apartados desse tumulto de hoje, para discutir uma reforma política que dê tranqüilidade institucional ao país.

Folha – Além da desordem na base, a guerra interna do PT também não está na gênese da crise atual?

Gushiken – O PT sempre cultivou as disputas internas como valor de democracia. De fato é. Mas quando chegamos à Presidência e temos outro tipo de desafio, o PT tem de demonstrar coesão, unidade, maturidade.

Folha – O que o sr. acha do deputado Roberto Jefferson?

Gushiken – É um réu confesso que tem confessado não só sua participação direta mas também as mazelas do sistema político brasileiro, dentre as quais o financiamento de campanha.

Folha – Há o risco de Lula passar a campanha de 2006 defendendo-se de denúncias, inclusive sobre os R$ 5 milhões da Telemar na empresa de um dos filhos dele?

Gushiken – A reeleição não é um tema para ser tratado um ano e meio antes. Mas, na hipótese de uma disputa em que a oposição concentre a campanha no tema da corrupção, eu não tenho a menor dúvida: a oposição vai perder.’

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‘Não sobra um, meu irmão’, copyright Folha de S. Paulo, 17/7/05

‘BRASÍLIA – Com essa profusão de confissões e acusações, fica a sensação de que Marcos Valério e Delúbio estão se matando entre eles e a fim de explodir o PT. Parece. Mas, será?

É mais razoável supor que Valério e Delúbio estão falando a mesma língua e que há um cérebro por trás: José Dirceu, cumprindo a profecia do pefelista Roberto Brant: ‘Essa turma tem alma de guerrilheiro e vai morrer atirando’.

No primeiro momento, atirando contra o próprio PT, cuja nova direção ameaça fazer uma ‘devassa’ no partido. Valério foi à TV e soltou nota batendo numa única tecla: os milhões detectados pelo Coaf (o órgão de controle financeiro) iam direto para os petistas por orientação de Delúbio. E o que Delúbio disse à Procuradoria? Que todos os petistas têm caixa dois de campanha.

Em vez de ficarem na defesa, pois, Dirceu, Delúbio e Valério partem para o ataque. E quem tem que se defender são Tarso Genro, Eduardo e Marta Suplicy, Fernando Pimentel e vai por aí afora. No momento seguinte, eles também vão sair da defesa e partir para o ataque, agora contra tucanos, pefelistas e cia., alegando que todos, e não apenas todos os petistas, têm caixa dois. Quem nunca teve que atire a primeira pedra!

As CPIs e o Congresso viram uma anarquia. E, nesse mar de lama, não sobra energia para as investigações efetivamente relevantes neste momento: afinal, de onde veio mesmo a dinheirama de Valério? De ‘empréstimos bancários’? Ou de desvios de órgãos públicos? Uma coisa é caixa dois, que não é bonito nem legal, mas todos fazem. Outra, ainda pior, é corrupção. Não dá para centrar num e abandonar o outro, como o trio Valério-Delúbio-Dirceu quer.

No mais, o novo ‘núcleo duro’ está felicíssimo. É lama? Que seja dividida irmamente, porque, corrupto por corrupto, ele ainda é menos que os demais no imaginário popular. Sua chance em 2006 não é ser o melhor, mas o menos pior.’



Miriam Leitão

‘Coleção de erros’, copyright O Globo, 18/7/05

‘A crise vai se aprofundar nas próximas semanas. Na semana passada, os governistas acreditaram numa miragem: a de que tudo estava resolvido porque o presidente Lula não teve queda de popularidade na pesquisa CNT-Sensus. A pesquisa trouxe algumas más notícias para os governistas, mas eles se agarraram em um número. Isso pautou uma mudança de atitude, mais agressiva. Novas pesquisas podem trazer resultados diferentes. De qualquer modo, é cedo para se saber o desfecho da pior crise que o Brasil vive desde a redemocratização.

Na crise do Collor, que até agora detinha esse triste campeonato, foram se formando correntes de defesa da governabilidade, inclusive dentro do governo. O problema era mais localizado. Desta vez, as denúncias de corrupção e outras ilegalidades e transações duvidosas se espalham e o governo permanece não tendo estratégia de defesa eficiente. Na CPI, os petistas continuam mostrando muito músculo e pouco cérebro. A reforma do Ministério, com poucas exceções, não trouxe novidades que mudem a qualidade da conjuntura política. Ela segue ao sabor dos acontecimentos espetaculares que aparecem a cada dia.

Até agora, o que se viu é estarrecedor. A soma de irregularidades é enorme. Cada uma em si é um escândalo à parte. O uso do Palácio do Planalto pelo então secretário-geral do PT, Sílvio Pereira, como local para distribuir cargos públicos aos partidos da base é uma completa anomalia e foi confirmado, segundo conta a imprensa, pelo ex-presidente do PT José Genoino. Parece um escandalozinho pelo vulto das outras notícias que circulam, mas é um sinal claríssimo de que o PT nunca separou governo de partido.

A briga da Abin com o Gabinete de Segurança Institucional é inacreditável em cada detalhe. O agente Edgard Lange disse que o ministro Jorge Felix mandou parar a investigação de corrupção nos Correios quando chegou na diretoria comandada por um petista. Isso caracteriza uso do Estado em favor de um partido. Desse material foi feito o Watergate. O que incomodou o ex-chefe da Abin, demitido, foi que a CPI interrogou um agente, o que seria, na visão dele, uma ilegalidade. Nesse serviço opaco, no qual jamais a democracia fez uma boa limpeza, trabalham 1.700 agentes fazendo sabe-se lá o quê. Para se ter uma idéia, o Coaf, cujos esmero, dedicação e capacidade de trabalho o Brasil tem visto com freqüência, tem apenas 31 pessoas, nenhuma delas araponga. Elas usam a inteligência e cruzam dados atrás de informações que protejam o país do crime de lavagem de dinheiro. Já o SNI, perdão, a Abin, o pouco que se soube do seu trabalho pode ser descrito como espionagem seletiva, que poupa os amigos.

A Polícia Federal foi para a berlinda pela Operação Narciso. Ela não foi feita porque o luxo é criminoso, mas porque, como diz o Ministério Público, há na empresa indícios de contrabando e sonegação. Luxo não é crime; sonegação é. Portanto, a PF está sendo atacada pela oposição e por vários formadores de opinião pelo motivo errado. Se ela nada provar contra os donos da Daslu, terá que enfrentar, então, um exército de defensores da empresária. Mas a Polícia Federal peca é em não ter o mesmo rigor preventivo em relação aos integrantes do escândalo PT-Marcos Valério. Foi a Polícia Civil de Minas Gerais que apreendeu 12 caixas de documentos e comprovou que outros haviam sido queimados, e ainda se deparou com um inesperado armamento pesado. Documentos podem ter sido perdidos, ocultados, incinerados porque o tempo, como bem sabe a Polícia Federal, trabalhou a favor dos suspeitos nesse caso.

Se não houvesse nenhum desses escândalos na imprensa, apenas o da Gamecorp já seria suficiente. De novo, o governo erra. O presidente demonstra, nos seus desabafos, que entende as reportagens sobre a estranha operação entre a Telemar e a empresa do filho dele como sendo intervenção em assuntos privados. Não há invasão de assunto privado, mas uma dúvida razoável sobre um negócio que foge completamente dos padrões do mundo dos negócios. Piora tudo o fato de ser uma empresa concessionária de serviço público, de capital aberto e que tem entre seus acionistas o BNDES e fundos de pensão de estatais.

Vamos aos números e fatos: o faturamento total das 55 empresas de game do Brasil é de R$ 18 milhões e a Telemar decidiu investir R$ 5 milhões em uma empresa desconhecida. A associação que representa o setor não conhece a Gamecorp, a empresa, apesar de estar no setor de tecnologia, não tem sequer um site. Tudo o que os sócios Lula da Silva e Bittar vão investir no negócio, quando concluírem a integralização do capital, é 4% do que a Telemar investiu para ter apenas 35% do capital. A Trevisan, que fez a consultoria da operação, disse inicialmente que a Telemar não sabia quem era o sócio — comparou o filho do presidente a um príncipe que se veste de plebeu para não ser reconhecido — para depois admitir que a empresa sempre soube que o príncipe era príncipe. Histórias da carochinha não são críveis para quem tem mais de 10 anos.

Há tanto escândalo paralelo na crise atual que — mesmo se o sistema de compra de votos de parlamentares governistas, por um milagre, se provar inexistente — já há material para se discutir severamente os critérios, usos e costumes do governo do presidente Lula.’



João Pequeno e Antônio Gois

‘Petista recebeu R$ 326 mil de mensageiro’, copyright Folha de S. Paulo, 18/7/05

‘O mensageiro Luiz Eduardo Ferreira da Silva, 40, que trabalha para a Previ, fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil, confirmou ontem à Folha que foi a uma agência do Banco Rural, no Rio de Janeiro, para pegar um pacote em nome de Henrique Pizzolato, que na semana passada se afastou dos cargos de diretor de marketing do Banco do Brasil e de presidente do conselho deliberativo da Previ. Ele era indicado ao cargo por Luiz Gushiken (PT-SP), secretário de Comunicação do governo federal.

Conforme divulgou a Folha na sexta-feira passada, Silva aparece no relatório do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) como sacador, em 15 de janeiro do ano passado, de R$ 326.660,67 em dinheiro vivo de uma conta da DNA Propaganda em uma agência do Banco Rural.

A DNA é uma das empresas de Marcos Valério Fernandes de Souza, acusado de ser o operador da suposto esquema do ‘mensalão’. Valério disse ter feito empréstimos ao PT. As quantias, segundo o tesoureiro afastado do PT Delúbio Soares entraram como verba de campanha não-declarada: caixa dois.

Segundo disse ontem o mensageiro, ele foi à agência do Banco Rural no centro do Rio a pedido do ex-diretor do Banco do Brasil: ‘O Pizzolato me ligou na Previ e pediu para que eu pegasse um documento no Banco Rural. Eu fui à agência, no centro da cidade, assinei um papel, peguei o documento e entreguei na mão dele, na sua casa’. Silva afirmou, no entanto, que em nenhum momento abriu o pacote e que não sabia o que tinha dentro.

Os contratos das empresas de Valério com o governo federal estão sob suspeita. Na sexta-feira, o Banco de Brasil, onde Pizzolato trabalhava até a semana passada, anunciou que rescindiria o contrato que tinha com a DNA.

Mudança de versão

Na quinta-feira passada, Silva havia negado à Folha que tinha feito algum saque bancário da ordem de R$ 300 mil. Na sexta-feira, diante de um grupo de auditores da Previ, ele mudou a versão e disse ter se lembrado que já tinha ido a uma agência do Banco Rural a pedido de Pizzolato, conforme foi publicado em reportagem da revista ‘Veja’ desta semana. Ele, porém, disse ontem que em nenhum momento sabia que havia no pacote dinheiro vivo.

A reportagem tentou entrar em contato com Henrique Pizzolato telefonando para sua casa, no Rio de Janeiro. Foi deixado um recado em sua secretário eletrônica. Até o fechamento desta edição, ele não havia ligado para o jornal.

Ontem, o jornal ‘Correio Braziliense’ publicou uma entrevista com Pizzolato em que ele alegou ser ‘vítima nessa história’. Na entrevista, o ex-diretor do BB afirma que não sabia o que estava no pacote e que apenas o repassou para alguém que ele não quis revelar o nome. ‘No ano passado, me perguntaram se eu podia ir a um local no centro da cidade, aqui no Rio, buscar uns envelopes. Eu disse que não podia. Então eles me pediram para mandar alguém’, afirmou ele ao Correio.

Silva é funcionário da empresa Conservadora Itatuité, que trabalha para a Previ. Ele afirma que tem relação de gratidão com Pizzolato, que emprestou R$ 18 mil para que ele comprasse a casa onde mora, em São Gonçalo (região metropolitana do Rio).’



Monica Bergamo

‘Mistura Fina’, copyright Folha de S. Paulo, 18/7/05

‘As declarações de Delúbio Soares, afirmando que todas as campanhas do PT operam com caixa dois, teve um alvo preferencial, além da óbvia conveniência jurídica.

O alvo é Tarso Genro, atual presidente do PT. O grupo de José Dirceu (PT-SP), ao qual pertence Soares, não se conforma com a postura adotada por Tarso e outros dirigentes atuais, como se tudo o que houvesse antes deles no PT fosse podre e, a partir de agora, ético e limpo.

PÁSCOA

O grupo de Dirceu ficou feliz da vida, aliás, com as declarações do presidente do PT gaúcho, David Stival, de que há pagamentos ‘por fora’ em todos os partidos. Dizem que muitos outros coelhos podem sair da cartola gaúcha.

MAGOEI

Dirceu está chateado também com o presidente Lula. Diz a amigos que se sente desprestigiado. Soube da nomeação de Luiz Marinho para o Ministério do Trabalho, por exemplo, pela imprensa.’