Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Janio de Freitas

‘A avalanche de descobertas indiciadoras e de mentiras desfeitas, dia após dia, dificulta a compreensão dos mecanismos e do alcance da engrenagem de corrupção que vazou a partir de um vídeo sobre apenas R$ 3.000. Uma certeza, porém, pode-se ter: o que vem por aí, se houver investigações de fato, é muito maior como extensão da engrenagem, como envolvimentos (pessoais e de entidades) e como volume financeiro. É assustador, mas é isso mesmo.


Note-se que as descobertas jorram e nem há, até agora, investigações propriamente. O trabalho da CPI dos Correios consistiu em tomar os primeiros depoimentos e requerer informações documentais que mal começam a ser apreciadas. A CPI nem mesmo se adaptou, ainda, para a tarefa que vai crescendo à sua frente.


Ao que se pode saber, os auditores e outros técnicos requisitados são muito poucos para a documentação já recebida e ainda intacta; faltam providências de segurança para evitar que a corrupção possa contaminar, por interessados, algum dos pontos de trabalho técnico; e, pela variedade de assuntos e linhas investigatórias evidenciados, parlamentares da CPI já deveriam estar divididos em grupos temáticos para acelerar as apurações.


É provável que nos próximos dias cresça a discussão sobre a conveniência de unir, em uma só, as CPIs dos Correios, do Mensalão e dos Bingos. A proposta é defensável considerando-se o funcionamento de Senado e Câmara. Mas também é criticável, pela dificuldade de seu controle, considerando-se o altíssimo poder político concentrado em uma CPI da Corrupção em geral.


E o poder que deve se impor é o da limpeza administrativa, da moralização partidária e da punição. O excesso de poder político se volta, sempre, contra as instituições democráticas e o Estado de Direito. O que seria facilitado, nas circunstâncias atuais, pela fragilidade do governo Lula.


O governo está minado. O fato, por exemplo, de que Lula reafirme sua confiança no ministro Luiz Gushiken não dispensa a necessária e promissora investigação das relações entre governo e fundos de pensão.


Daí até o que aparenta ser, mas não é, o outro extremo em montantes financeiros -os cartões de crédito bancados pelo governo-, as improbidades puxam-se umas às outras, no caso de investigação ampla e séria.


Contratações, compras, fiscalização: não há ministério onde a colheita fosse frustrante.


Só por falar em improbidades, o IRB surgiu na onda ao lado dos Correios, mas o ministro Antonio Palocci, que por lá mantinha pelo menos um indicado seu, produziu o milagre do esquecimento geral. E no IRB não foram R$ 3.000.


Quanto à parte que já está sob exibição pela CPI, a engrenagem começa a mostrar extensão e conexões que lembram aquelas organizações clandestinas celebrizadas em Chicago na década de 1920.


São fortunas que se movem mas não se explicam, avais contestados e logo confirmados, empréstimos inconvincentes, contratos de publicidade incabíveis, presença na fiscalização financeira -tudo isso é típico de uma imensa cobertura para arrecadação, inclusive por meios criminosos, de grandes somas, com propósitos ainda não esclarecidos.’




Leila Suwwan


‘Congresso vira palco de ‘espetáculos’’, copyright Folha de S. Paulo, 10/7/05


‘Sob a pressão da crise e da transmissão ao vivo, deputados e senadores têm travado na CPI dos Correios uma verdadeira guerra de egos, muitas vezes deixando de lado as próprias investigações. Entre gritos roucos, piadas fora de hora, confrontos ofensivos e dedos em riste, as caricaturas de cada parlamentar se definem, dentro do que já foi apelidado de ‘aula de antropologia’ e ‘show de horrores’.


Nas últimas sessões, não faltaram alusões ao ‘público brasileiro’, ‘telespectadores’ e ‘cidadãos que nos assistem’ -de fato, as fileiras de câmeras se erguem como um pelotão de fuzilamento quando os microfones são desligados e a campainha de ordem soa ruidosamente.


A previsão era de que a senadora Heloísa Helena (PSOL-AL) seria a musa da CPI, com arroubos de indignação. Num dos primeiros depoimentos, avisou que chegava à CPI de ‘coturnos’. Depois de uma briga com o deputado Maurício Rands (PT-PE) estampada nas capas de jornais, optou por protestos com toques mais dóceis. ‘Não vou ficar miando diante de Roberto Jefferson. Quando eu quiser miar vai ser para um homem que conquiste meu coração. Mas eu vou urrar feito uma onça selvagem para ele, José Dirceu e Lula.’


O senador Heráclito Fortes (PFL-PI), quando pode, solta uma piada: ‘Gente, buraco de político tem mola no fundo!’


Os mais aguerridos são os deputados das ‘tropas de choque jovem’. Na oposição, lideram os deputados Antonio Carlos Magalhães Neto (PFL-BA), Onyx Lorenzoni (PFL-SC) e Eduardo Paes (PSDB-RJ). No governo, os deputados Rands, Jorge Bittar (PT-RJ) e Henrique Fontana (PT-RS). Tudo acaba em camaradagem. Acham graça nos revides, adoram invocar o ‘artigo 14’ -que garante o direito de reposta. Depois das entrevistas trocam palmadas nas costas.


Não faltam bordões. Jorge Bittar passou várias sessões denunciando a ‘tática do gambá’ -que espalha o mau cheiro pra todo lado. Já Onyx Lorenzoni insistia em batizar o publicitário Marcos Valério Fernandes de Souza de ‘lavanderia ambulante’, se referindo ao suposto desvio de verbas públicas.


Quando a retórica vira ofensa, entra em cena a deputada Juíza Denise Frossard (PPS-RJ). Com as golas engomadas, ela protege os depoentes de excessos parlamentares. No depoimento da secretária Fernanda Karina Somaggio censurou um colega: ‘O senhor não é o juiz dela!’.


A senadora Ideli Salvatti (PT-SC) começou na CPI repetindo como mantra: ‘Vamos manter a lógica das investigações’, código para focar apenas os Correios. Caiu nas provocações de Roberto Jefferson e se descompôs. Na quinta, foi à frente da sala berrar, vermelha: ‘Não vou ser chamada de pagadora de mensalão!’.


Outro senador, o suplente Sibá Machado (PT-AC), surpreendeu ao articular uma manobra para poupar os caciques do PT. Rouco, conclamava a retirada da bancada petista, que ignorou o apelo. Saiu da sala sozinho. Constatado o exagero, voltou em alguns segundos.


O senador Ney Suassuna (PMDB-PB), passa a impressão de buscar na CPI um salvo-conduto. Citado por ter se encontrado com um dos envolvidos na gravação dos Correios, fez perguntas para registro taquigráfico: ‘O senhor me conhece? Quantas vezes me encontrou?’.


Muitas desculpas foram pedidas ‘ao público brasileiro’ depois das piores cenas da semana, mas resta saber se o aviso do deputado Gustavo Fruet (PSDB-PR), vai surtir efeito na CPI: ‘Acabou a fase de guerrilha e começou a fase de qualificação’.’




Maria Lima e Lilian Fernandes


‘No ar, uma campeã de audiência chamada CPI’, copyright O Globo, 10/7/05


‘As sessões da CPI dos Correios e do Conselho de Ética da Câmara transformaram-se num reality show da corrupção, no qual milhões de pessoas devassam a atuação de parlamentares, autoridades do governo, líderes partidários e empresários. Nos depoimentos de testemunhas e acusados do maior escândalo do governo Lula, as TVs Câmara, Senado e as principais emissoras nacionais mandam para o ar imagens de políticos, secretárias e empresários discorrendo sobre o esquema que pode ter custeado o pagamento de mesadas a parlamentares.


Telespectadores irados e indignados fiscalizam, em tempo real, cada intervenção dos deputados e senadores escalados para a investigação. Telespectadores pressionaram e o senador Eduardo Suplicy (PT-SP) perguntou se Roberto Jefferson (PTB-RJ) tinha mesmo se acidentado ou levado um soco. Se acham que a coisa não vai bem, telefonemas e e-mails chovem nos gabinetes com críticas, denúncias, pistas e perguntas. Não passou despercebida, por exemplo, a ameaça velada de Roberto Jefferson (PTB-RJ) a membros da CPI e suas reações tímidas.


‘O único que perguntou sem medo foi o senhor e o Rands, porque o resto se intimidou e se encolheu de medo. Senti uma ameaça velada quando ele disse ter a prestação de contas de todos ali, quando por diversas vezes disse ao deputado Jorge Bittar que estava ansioso para falar com ele’, protestou MPPS, da Unesp, em e-mail dirigido ao deputado José Eduardo Cardozo (PT-SP).


Marcos Valério bate recorde de interatividade


O publicitário Marcos Valério bateu o recorde de interatividade durante seu depoimento. Enquanto enfrentava um paredão, o público ligava e mandava e-mail pedindo que os parlamentares o xingassem ou dissessem que estava mentindo.


— Me desculpe, mas tem uma menina de Pernambuco ligando e pedindo para eu lhe dizer que, sem trocadilho, todo mundo está careca de saber que vossa senhoria não está dizendo tudo que sabe — disse o senador Sérgio Guerra (PSDB-PE).


— Vossa Senhoria não imagina o número de e-mails que estou recebendo, de pessoas pedindo para eu lhe chamar de coisas pesadíssimas. Olha, Vossa Senhoria está execrado moralmente perante o povo brasileiro. Não tenho nem coragem de repetir aqui as palavras que se referem ao senhor — completou a senadora Heloísa Helena (P-SOL-AL).’




JORNALISMO FITEIRO
Carlos Heitor Cony


‘A grande mosca’, copyright Folha de S. Paulo, 11/7/05


‘Minha opinião pessoal não conta, nem por isso dispenso-me de expressá-la. Não aprecio o jornalismo dito investigativo, que está em moda e provoca desenfreada concorrência entre jornais, revistas, rádios e TVs.


O lado mais evidente desse tipo de jornalismo confunde-se com o do policial, com a mesma parafernália (gravações, ciladas, disfarces etc.), sendo a mais constante a turma dos alcagüetes, que recebem o batismo profilático de ‘fontes’ -sobre as quais é garantido o sigilo.


Seus praticantes acreditam que prestam um serviço à sociedade, mas, na maioria dos casos, prestam serviço a si mesmos e às empresas para as quais trabalham.


Não confundo, porém, o exercício puro e simples da função de jornalista com a de detetive emboscando suas presas, rastreando pistas muitas vezes falsas, mais tarde demolidas pela polícia ou pela Justiça.


Dou o belo exemplo da jornalista Renata Lo Prete, responsável pelas duas entrevistas com o deputado Roberto Jefferson, ponto de partida para o escândalo do ‘mensalão’. Ela cumpriu, bem e unicamente, seu papel de entrevistadora, não pressionou nem chantageou o entrevistado, foi fiel ao que ele disse -e basta.


Quanto aos jornalistas investigativos, comeram suculenta mosca profissional. O ‘mensalão’ existe há pelo menos dois anos, era assunto de comentários gerais no Congresso e fora dele. Desde o caso da compra de votos para o segundo mandato de FHC, sabia-se que corria dinheiro em votações importantes.


Esse tipo de jornalismo ou foi incompetente em sua função de investigar, ou omisso -o que equivale a um certo tipo de cumplicidade. Resumindo: dois dos maiores escândalos dos últimos tempos foram revelados a jornalistas que apenas ouviram declarações prestadas livremente pelos interessados: o caso de Pedro Collor, que deu origem ao impeachment do irmão; e agora o de Roberto Jefferson, que não sabemos ainda no que vai dar.’