‘Idealizada pela editora inglesa Liz Calder, a Festa Literária Internacional de Parati (Flip), em sua segunda edição, deverá reunir 21 escritores brasileiros e dezesseis estrangeiros, de 7 a 11 de julho, na bucólica cidadezinha do litoral fluminense. O festival, porém, está marcado por uma dupla polêmica. Alguns editores, como Sérgio Machado, da Record, queixam-se de que a editora paulista Companhia das Letras monopoliza a organização. Na semana passada, um escritor de renome, João Ubaldo Ribeiro, cujos livros são publicados pela Nova Fronteira, juntou-se a esse coro e anunciou que não participará mais da Flip. ‘A divulgação só promovia autores da Companhia. Meu nome nunca era citado. Fui diminuído à condição de ‘etc.’, reclama. A organização da Flip diz que a festa é para todos. Luiz Schwarcz, editor da Companhia das Letras, preferiu não comentar o episódio. O segundo foco de discussão é o montante de dinheiro público injetado na festa. Serão mais de 300.000 reais – o equivalente a 18% do dinheiro disponível para a instalação de bibliotecas públicas no programa Livro Aberto, da Biblioteca Nacional.
Um orçamento de 2 milhões de reais foi aprovado pelo Ministério da Cultura para que a Flip recolhesse recursos por meio da Lei Rouanet, que concede abatimentos no imposto de empresas que patrocinam projetos culturais. A organização conseguiu captar 880.000 reais de empresas privadas. Além disso, vai receber uma bolada do Estado. A idéia de doar dinheiro público ao evento partiu do presidente da Fundação Biblioteca Nacional, Pedro Corrêa do Lago, que pretendia associar estreitamente a grife da instituição que dirige à Flip. Na semana passada, porém, com o surgimento dos primeiros questionamentos a respeito da pertinência de dar dinheiro público à festa, Corrêa do Lago modificou seu discurso. Ele passou a dizer que ‘a Biblioteca Nacional não está dando um centavo à Flip’. Segundo enfatiza, é o Fundo Nacional de Cultura que doará 300.000 reais à festa. A Biblioteca Nacional fará somente um ‘evento paralelo’ em Parati, orçado em 35.000 reais e destinado a divulgar a literatura brasileira no exterior. Como, no ano passado, a Flip atraiu bastante atenção da mídia, Corrêa do Lago imaginou ‘pegar carona’ no festival para tornar a ficção brasileira mais conhecida no estrangeiro. A Biblioteca Nacional providenciou a versão, em espanhol, inglês e francês, dos primeiros capítulos de vinte obras brasileiras. Vai distribuir essas versões a agentes literários e editores estrangeiros que estejam em Parati, na esperança de seduzi-los a publicar os livros. Corrêa do Lago vai empregar os 35.000 reais mencionados para trazer dezesseis convidados da Espanha e da França. Nesses casos, ao menos, a Biblioteca Nacional não vai somente pegar carona na Flip. Vai também ajudar com a gasolina.
‘Não consigo entender por que razão estão se dando fundos públicos para um evento elitista – um spa para escritores’, ataca o editor Sérgio Machado, da Record. A expectativa do festival é de atrair no máximo um público de 10.000 pessoas. É uma fração do que recebem, por exemplo, as bienais do livro de Rio e São Paulo, cada uma com mais de 500.000 visitantes. Além disso, pelas características de Parati – cidade pequena e de acesso relativamente difícil -, é fácil deduzir que o evento só pode atrair uma elite. Pelo menos um dos escritores que participaram do primeiro festival percebeu isso claramente. Numa crônica publicada no jornal londrino The Guardian, o inglês Julian Barnes questionou se a cidade não seria um Brasil ‘para inglês ver’. Claro que é ótimo que exista um simpático festival literário na simpática Parati – mas por que um evento dessa natureza, num país carente como o Brasil, precisa de verbas públicas? O Hay-on-Wye, festival no País de Gales que foi um dos inspiradores da Flip, sobrevive há mais de quinze anos sem patrocínio público. A própria Flip teve sucesso em 2003 sem precisar recorrer a esse tipo de dinheiro.’
Cassiano Elek Machado
‘Autores criticam oposição de Ubaldo à Flip’, copyright Folha de S. Paulo, 18/06/04
‘A desistência de João Ubaldo Ribeiro de participar da Festa Literária Internacional de Parati chacoalhou a comunidade literária brasileira, mas não teve muito eco entre seus pares.
O romancista de ‘Viva o Povo Brasileiro’ teve sua ‘baixa’ anunciada em nota do jornal ‘O Globo’, com o qual colabora semanalmente, na quarta-feira. ‘Inferi, pela divulgação, que se trata, basicamente, de realização voltada para autores da Companhia das Letras’, declarou o escritor, editado pela Nova Fronteira.
Até a manhã de ontem, o romancista não havia tido nenhuma ‘adesão’ entre os demais 37 escritores escalados para o evento, que começa no dia 7 de julho, no litoral do Rio de Janeiro.
A Folha ouviu oito escritores que vão participar da Flip, que manifestaram, de modo geral, respeito pela decisão do romancista baiano, mas discordam de suas críticas ao evento.
Em entrevista à Folha, anteontem, Ubaldo disse que preferia ficar em casa a ‘ser explorado como parte de um cenário composto para os autores publicados por uma editora’, disse sobre a Companhia das Letras (que não quis se pronunciar sobre o tema), e criticou mais uma vez a divulgação.
‘Não acredito que todos os redatores do Rio encarregados de editar matérias sobre a Flip tenham dito: ‘Ó, Deus meu, o nome de João Ubaldo está aqui, vou telefonar ao meu editor’. O editor ouvindo isso diria: ‘Tire o nome desse idiota da relação’. Não acredito nessa hipótese.’
‘Sou um escritor que já transcendi o nível do etc. e não atingi nem esse nível na divulgação’, disse, citando reportagens do próprio ‘O Globo’ e da ‘Veja Rio’ que não haviam citado ou dado nenhum destaque para ele.
A assessora de imprensa do evento, Selma Caetano, diz: ‘Demos a mesma importância a todos os autores, todos eles citados em qualquer material produzido por nós. Ubaldo está me dando um poder que eu não tenho’.
Sérgio Sant’Anna, considerado um dos principais contistas do país, diz que ‘Ubaldo deve ter as razões dele’, mas defende que a questão da divulgação é o que menos importa. ‘Nem estou olhando se estou sendo citado ou não. Importante é que o festival é extremamente positivo para a literatura brasileira.’
Lygia Fagundes Telles, que teria a companhia de Ubaldo (e de Moacyr Scliar) na mesa ‘Os Clássicos dos Clássicos’, fala no mesmo tom. ‘Ele tem toda a liberdade de agir como o coração ou a razão dele determinam, mas nós, autores brasileiros, omitidos por natureza, deveríamos dar as mãos.’
Citando o crítico de cinema e escritor Paulo Emílio Salles Gomes (1916-77), com quem foi casada, disse: ‘Como todas as coisas do mundo (coisas importantes e menos importantes) é muito bom o encontro com outra gente, porque acontece, às vezes, que nesses encontros alguém de repente pode encontrar a si mesmo’.
Lygia e Verissimo, autor que substitui Ubaldo no evento dedicado a ‘clássicos brasileiros’, foram os autores citados por um dos ‘caçulas’ do evento, Marcelino Freire, publicado pela Ateliê Editorial, para discutir a divulgação da Flip.
‘É evidente que os autores de fora, que nunca estiveram no país, vão receber mais destaque no primeiro momento. Verissimo e Lygia, e o próprio Ubaldo, têm espaço o ano inteiro. Seria a mesma coisa se Ubaldo fosse a um festival na Inglaterra’, diz. Trocadilhista contumaz, ele lamenta, porém, a ausência do escritor: ‘Ele jogou um ‘ubaldo’ de água fria na minha expectativa de contar com a pimenta dele em meu acarajé’.
A falta da ‘pimenta’ ubaldiana também foi lamentada por autores como Luiz Vilela, Moacyr Scliar e, com algum humor, por Joca Reiners Terron.
Escritor e editor da pequena Ciência do Acidente, assim como Freire presente no ano passado em Parati como ‘flipenetra’ e agora na programação oficial do evento, ele diz: ‘Com essa história Ubaldo reinventa a tradição baiana de João Gilberto, ainda que Caetano seria a figura mais adequada para debandar da festa. Por outro lado acho que assim o ziriguidum literário fica mais equilibrado, entre imortais, leitores e pára-quedistas letais, feito eu’.
Entre os defensores de Ubaldo, o maior entusiasmo partiu de fora da comunidade de escritores: de uma livraria.
Depois de saber há alguns dias que não seria parceira da Flip, como no ano passado, a dona das únicas duas livrarias da cidade, Norma Reis, decidiu criticar o evento homenageando Ubaldo.
‘Vou colocar uma faixa em desagravo a ele e expor todos os seus livros com destaque’, disse a proprietária da Nova Parati, que perdeu o título de ‘livraria oficial’ para a paulistana Livraria da Vila, que levará equipe de São Paulo.
Informado disso pela Folha, Ubaldo solidarizou-se com a livreira. ‘Em um país com mais editoras do que livrarias, esse estabelecimento é mantido há anos heroicamente por essa senhora. E na única ocasião no ano em que ela poderia faturar alguma coisa eles montaram lá outra livraria’, ponderou Ubaldo.’
Robson Viturino
‘‘Acham que estou com ciúme do Chico Buarque’, diz Ubaldo em entrevista ao Último Segundo’, copyright Último Segundo (www.ultimosegundo.com.br), 21/06/04
‘De cara João Ubaldo descarta a comparação com a inesquecível fúria do também baiano Glauber Rocha ao resultado do Festival de Veneza de 1981. Inconformado com as críticas a Idade da Terra, Glauber saiu pelas ruas de Veneza chamando o presidente do festival do que podia e do que não podia.
Ubaldo não saiu às ruas do Leblon, onde vive, para dizer o que pensa. Mas, na semana passada, anunciou que deixaria os quadros da Feira Literária de Parati, a Flip, pois estaria sendo ‘deixado de lado’ no material de divulgação. A razão disso tudo, afirma, seria o quase monopólio da Companhia das Letras no festival que ocorre de 7 a 11 de julho em Parati.
O escritor é incomparavelmente mais ameno que o cineasta, embora suas críticas sejam dirigidas ao mesmo tipo de postura: a possível subordinação de um encontro artístico a questões de ordem financeira. ‘Não estava disposto a comparecer a um evento de uma outra editora’, diz o autor, que é publicado pela Nova Fronteira.
‘Estão tentando transformar isso em uma crise de estrelismo’, protesta. Ubaldo acha natural que escritores estrangeiros recebam mais espaço na mídia e diz que em momento algum passou pela sua cabeça que os editores tenham censurado o seu nome nas matérias publicadas sobre a Flip.
O óbvio, para Ubaldo, seria a ausência do seu nome nos releases. ‘Tenho praticamente certeza, embora não tenha visto (o release), que a divulgação não trazia o meu nome’, dispara o autor.
Na programação da Flip há 21 escritores brasileiros. Onze são editados pela paulista Companhia das Letras, que não quis se pronunciar. Em seguida, vem a Rocco com quatro autores. A Nova Fronteira, editora de Ubaldo, traria dois autores. Com a debandada de Ubaldo, ficou somente o português Miguel Souza Tavares.
Celebridade
‘Acham que estou com ciúme de Chico Buarque’, ironiza Ubaldo citando a mega exposição que a imprensa deu ao cantor e compositor por ocasião dos seus 60 anos completados no último sábado. O baiano lembra que espaço é o que não lhe falta e que – ‘falando bem ou mal’ – a mídia há muito tempo o trata com um certo apreço. ‘Até no segundo capítulo de Celebridades eu apareci’, recorda entre gargalhadas.
Ubaldo conta também que se sentiu aliviado por não ter que ir a Parati. ‘Não gosto de viajar’, garante. Segundo ele, só este ano houve três convites para ir a França. ‘Recusei todos’. Ubaldo diz que há dois anos trabalha em um romance que não consegue concluir por causa de compromissos que o afastam do ofício de escrever. Se a sua recusa em participar de eventos nos trouxer mais romances como ‘Viva o povo brasileiro’, a literatura agradece.’
Sebastião Nery
‘Cassaram Dona Nena’, copyright DCI, 19/06/04
‘Dona Nena é uma doce senhora que tem uma pequena livraria em Paraty, a mais antiga e popular da histórica cidadezinha do Estado do Rio, entre Angra dos Reis e São Paulo. Metade livraria, metade papelaria, sempre serviu à cidade, vendendo livros, cadernos, lápis e borrachas.
Neste fim de semana, realiza-se em Paraty a segunda FLIP (Festa Literária de Paraty), promovida pela editora paulista Companhia das Letras e pelo Unibanco, dono da metade da editora, e que vai levar para lá alguns autores editados pela Companhia das Letras e mais uma ou outra editora.
Dona Nena estava toda contente, imaginando que também ia poder vender os livros levados pelos autores ou mandados pelas editoras. Mas foi proibida. Foi cassada. Ela e mais as outras poucas livrarias de Paraty.
‘Bancoteca’ nacional
A Companhia das Letras e o Unibanco avisaram à dona Nena e aos outros pequenos livreiros de lá que, na Festa Literária de Paraty, os livros dos autores convidados só poderão ser vendidos pela ‘Livraria da Vila’, de São Paulo, que vai instalar-se lá com exclusividade só durante os três dias.
A ‘Livraria da Vila’ pertence a Samuel Seibel, amigo de Luis Schwarcz, sócio do Unibanco na Companhia das Letras. Imagina o leitor que é assim mesmo, numa festa particular de um banco e uma editora. Acontece que atrás disso há uma acintosa fraude pública. A Biblioteca Nacional, órgão público do governo federal, que vive de verbas públicas, é quem financiou a Festa Literária de Paraty, com R$300 mil.
O audacioso doutor Pedro Correa do Lago, presidente da Biblioteca Nacional, está usando dinheiro que não é dele para bancar negócios de banqueiros amigos e parceiros de interesses, privatizando a ‘Bancoteca’.
A ‘alfa história’
Quarta-feira, na reunião do conselho da revista ‘Nossa História’, na Biblioteca Nacional, Correa do Lago, com a ‘Tribuna da Imprensa’ de sexta-feira passada na mão, ironizou a denúncia que fiz aqui de outra fraude pública que ele patrocina em favor do Banco Alfa, de Aloísio Faria.
A bela revista ‘Nossa História’, já no 8º número (R$6,80), publicada sob o nome e o patrocínio da Biblioteca Nacional, é uma fraude. Pertence à ‘Administradora e Editora Vera Cruz Ltda.’, empresa do banqueiro Aloísio Faria, e é editada como se fosse uma publicação da Biblioteca Nacional.
O ágil Correa do Lago está drenando para uma revista de um banco amigo o trabalho dos funcionários e todo o precioso e riquíssimo acervo multissecular de livros antigos, fotos, ilustrações, da Biblioteca Nacional, tudo fotocopiado, digitalizado, filmado, escandalosamente pirateado.
Apenas algumas perguntas que deverão ser feitas numa indispensável auditoria do Tribunal de Contas, do Ministério Público ou da polícia: houve licitação pública? Há algum contrato entre a Biblioteca e a Administradora e Editora Vera Cruz, do Banco Alfa, e, se há, por que seria secreto? Quanto o Alfa está pagando à Biblioteca Nacional por tudo isso?
Mistura fina
O múltiplo Correa do Lago está misturando as coisas. Dono da editora Capivara e negociante de livros raros, fatos e documentos antigos, ajudou a construir o magnífico acervo de fotos do Brasil antigo, que hoje está no Instituto Moreira Salles, do Unibanco, e que tem como uma das responsáveis a historiadora Lilia Moritz Schwarcz, mulher de Luis Schwarcz, presidente da Companhia das Letras, parceiro de Correa.
É um mercado de milhões. Correa do Lago também é representante no Brasil da Sotheby’s, talvez a maior agência de leilões do mundo e devia ter se licenciado para assumir a Biblioteca. ‘Misturou’ as duas.
Mercadinho livreiro
Essa mistura de bolsos não fica só aí. A Bancoteca Nacional virou um mercadinho de familiares e amigos. Além da Flip e da revista, há essas:
1 – Correa do Lago resolveu transformar todos os prêmios da Biblioteca Nacional em um só, de R$80 mil. Os prêmios, vários, foram criados para estimular autores novos, revelações. Ele criou um conselho particular, juntou todos os prêmios em um e já deu o deste ano ao tradutor e poeta Augusto de Campos. O único poeta consultado foi Ivan Junqueira, presidente da Academia Brasileira de Letras, que votou contra.
2 – A Companhia das Letras é que edita os primorosos romances de Rubem Fonseca, pai de Beatriz, mulher de Correa do Lago, e que merece todos os prêmios. Mas, não por coincidência, depois que ele assumiu a Biblioteca, Rubem ganhou o prêmio Juan Rulfo do México e o Camões (de Brasil e Portugal, cujos dois votantes brasileiros foram por ele escolhidos, quando sempre foram pela Academia Brasileira de Letras).
Ministro
O Correa, guloso rapaz, é insaciável. Está exigindo do governo o monopólio da compra de livros didáticos e paradidáticos, que sempre foi feita pelo Ministério da Educação. Tarso Genro resiste. Até quando?
E o delírio é megalomaníaco. Diz aos amigos mais próximos que está certo de que, na reforma ministerial do próximo ano, substituirá, no Ministério da Cultura, Gilberto Gil, que está cansado e prefere os palcos.’