LÍNGUA PORTUGUESA
A vitória de Fernando Pessoa
‘Os Deuses vendem quando dão./ Compra-se a glória com desgraça./ Ai dos felizes, porque são/ Só o que passa.’ Estes versos de Fernando Pessoa estavam e estão em Mensagem, seu livro de estréia. Em 31 de dezembro de 1934, autor e obra foram atingidos por uma das maiores injustiças de toda a literatura de língua portuguesa. Concorrendo ao prêmio Antero de Quental, patrocinado pelo Secretrariado de Propaganda Nacional, do governo Salazar, o poeta perdeu para o padre franciscano Vasco Reis, que se inscrevera com Romaria, ‘um momentâneo abuso de água benta’, segundo o respeitado crítico João Gaspar Simões. E ‘coletânea de versos simplórios, exploração demagógica do sentimentalismo e da supersticiosa religiosidade popular’, segundo Carlos Felipe Moisés, poeta e professor da USP.
Fernando Pessoa não foi receber o segundo lugar. Mário Chamie costuma citar o exemplo em palestras: Pessoa deveria ser muito infeliz, sabia ser o maior poeta português, mas às vezes deixava entrever o que achava de sua poesia em contraste com a de outros. No espólio do poeta foi encontrado intacto o convite para o sarau da entrega do prêmio. Modesto, escrevera a Casais Monteiro: ‘não foi feliz a estréia, que de mim mesmo fiz, com um livro da natureza de Mensagem. Sou, de fato, um nacionalista místico, um sebastianista racional. Mas sou à parte disso, e até em contradição com isso, muitas outras coisas. E essas coisas, pela mesma natureza do livro, a Mensagem não inclui’. O resto todo mundo sabe. À semelhança de prêmios literários atribuídos sem critério – hoje, por exemplo, é freqüente que membros de júri aludam à mídia: ‘este não, não tem mídia’ – ninguém mais falou do vencedor.
Provavelmente por remorso imediato, o júri criou um prêmio de consolação para o perdedor, designado de ‘segunda categoria’. João Gaspar Simões declarou ter sido Antonio Ferro ‘o único membro do júri em condições de compreender o valor e o sentido da obra de Fernando Pessoa’, que concorrera com Mensagem, cujo título original, substituído à última hora, era Portugal. Os outros integrantes eram Alberto Osório de Castro, Mário Beirão, Acácio de Paiva e Teresa Leitão de Barros. Pessoa escolheu o novo título por não achar a sua obra ‘à altura do nome da Pátria’, ‘estar mais dentro da índole do trabalho’ e ‘ter o mesmo número de letras’. Seu amigo Da Cunha Dias deu-lhe um outro motivo: Portugal era nome de sapatos e a maior dinastia fora reduzida a nomes de hotéis. ‘Concordo e cedo sempre que me falam com argumentos’, acrescentou o poeta, pois tinha prazer ‘em ser vencido quando quem me vence é a Razão, seja quem for o seu procurador’. Fazia literatura; se fizesse política, estaria perdidinho da silva…
Se ninguém mais falou no vencedor, o perdedor continua com sua Mensagem, agora na música genial de André Luiz Oliveira e nas vozes de Caetano Veloso, Milton Nascimento, Elba Ramalho e outras estrelas da MPB: ‘a alma é divina e a obra é imperfeita./ Este padrão sinala ao vento e aos céus/ Que, da obra ousada, é minha a parte feita:/ O por-fazer é só com Deus’.
P.S.: Muito obrigado ao leitor Geraldo Garcia Cardoso, por me possibilitar a correção. O autor do massacre dos inocentes não foi Herodes Antipas, no poder quando Jesus morreu. Foi Herodes I, o grande, que reinava quando Ele nasceu.’
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