Você deve ter chegado à faculdade baseado em um sonho – a faculdade sempre é um sonho –, principalmente quando diz respeito a um curso como jornalismo. Raramente seu pai jornalista te irá sugerir também ser jornalista, como faria um pai advogado ou médico. Isso já pode fazer de você o vencedor da primeira batalha, a batalha do “não faz esse curso que não dá dinheiro”, “mas há pouco tempo nem precisava de diploma”.
É, você deve ter enfrentado alguns desses comentários maldosos, que não sabem o quanto um jornalista, às vezes, pensa que poderia ter um sido um médico, um advogado, um engenheiro, mas havia uma força na sua cabeça que falava “o seu sonho é ser jornalista, vai ser”. E sonho é uma sina que muitos jornalistas levarão para o resto da carreira.
Viver um sonho não é coisa ruim, você deve pensar. Mas é que o jornalista é teimoso nessa questão. Ele sonha demais, ele sonha alto e ele não desiste enquanto não vê pelo menos uma parte desse sonho começar a ser realizado. “Quer ser jornalista de TV? Tenta pelo menos o cargo mais baixo no audiovisual, depois é questão de competência…. Ah você quer ser narrador esportivo? Tenta pelo menos um bico em uma rádio na Internet, todos vão amar sua voz e ai é questão de tempo para estar cobrindo o campeonato brasileiro… Apresentador? Vamos fazer teatro para treinar sua desenvoltura…” É, o jornalista pensa alto, sonha alto, muitas vezes consegue, e aí mora o perigo, ele sabe que pode conseguir.
Mas a profissão não é uma eterna depressão, embora os jornalistas amem ficar se lamentando a quatro quantos, o quanto ganham mal, o quanto trabalham aos feriados, eles no fundo não conseguem ficar um segundo sem exercer esse vício de reportar, de contar história, de ouvir, de escrever.
Ao começar nessa carreira você vai reparar que não vai resistir a tirar umas fotos na festa da família (fotos estilo arte dessas que ninguém entende muito), você não vai conseguir deixar de ouvir comentários no ônibus sem pensar em uma pauta, você não vai conseguir ver uma injustiça e deixá-la para trás sem que ninguém saiba o que está acontecendo e você vai tentar ser herói em muitas situações.
Uma das primeiras coisas que você vai pensar, ou ouvir de seus professores na faculdade, é que a maioria dos jornalistas querem ser jornalistas “para mudar o mundo”. Que audácia! Você deve pensar. Mas não é, ao longo dessa profissão você vai estar, mais do que muita gente, de frente com a realidade, com a injustiça social, com a barbaridade, vai conhecer a miséria, vai saber muito sobre corrupção… E o mais impressionante é que tudo isso não te fará perder a esperança na humanidade, tudo isso te fará querer mudar a realidade. O jornalista, embora não pareça, é uma figura muito otimista.
O jornalismo é um dom de poucos
Há outras reações que você pode estranhar no começo da sua carreira, como, por exemplo, querer estar informado de tudo que acontece a todo tempo, se sentir na obrigação de conhecer a economia, a política, a medicina, o entretenimento, o cinema… Você vai querer saber um pouco de tudo, e você vai precisar saber um pouco de tudo, por isso essa profissão é tão aberta, porque ser jornalista é ser também um pouco de tudo, ou pelo menos estudar um pouco de cada coisa antes de uma entrevista- e se fazer de expert no assunto.
Se acostume porque passar madrugadas escrevendo vai ser rotina, e não só no seu trabalho. A vontade de contar histórias no papel pode vir no meio da noite e te obrigar a ficar acordando fazendo o que seus dedos mais vão pedir para você fazer, escrever. E então, obedeça, afinal, é dai que saem, muitas vezes, boas pautas, bons textos, boas ideias.
E com isso, você já deve ter percebido que ser jornalista vai te ocupar mais do que as quarenta horas semanais de trabalho. Você sentirá a necessidade de ser jornalista muitas vezes em meio a sua folga, ou realmente terá de ser.
Muitas vezes essa profissão pode ser ingrata. Não te fazer acreditar que você vai chegar onde quer em meio a tanta concorrência, te fazer receber críticas, processos, broncas. Mas isso não faz do jornalismo uma profissão ruim. Pelo contrário, você acaba de entrar em uma profissão da qual jamais vai querer se aposentar, que vai ter orgulho do seu trabalho a cada matéria feita, que nunca vai te fazer desistir e que, mesmo não sendo exercida, não vai largar de você. O jornalismo é um dom de poucos, mas um talento de quem é privilegiado e de quem quer amar para sempre o que faz – mesmo que nem sempre esse amor não seja correspondido.
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Aline Imercio é jornalista