Saturday, 02 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

Jornalista britânico conta experiência de prisioneiro

O jornalista Ian Mather, do britânico Observer, foi escalado, há 25 anos, para cobrir a Guerra das Malvinas. Acabou se tornando prisioneiro de guerra na Argentina. Por três meses, seus únicos contatos com o mundo foram uma janela e um rádio em sua cela, onde ouvia os noticiários internacionais do BBC World Service. Eventualmente, ele acompanhava os noticiários argentinos – que, no início do conflito, eram completamente fantasiosos – de uma TV em preto e branco no refeitório da prisão.

Em artigo no Observer [1/4/07], Mather conta como foi sua experiência no conflito entre Argentina e Reino Unido, pela soberania das Ilhas Malvinas, Geórgia do Sul e Sandwich do Sul. ‘Quando as forças armadas da Argentina invadiram as Malvinas, no dia 2/4/82, a primeira reação da mídia britânica foi enviar correspondentes para o país’, lembra. Como o repórter estava no Colorado para cobrir um encontro da OTAN, foi despachado para Buenos Aires.

Passe (quase) livre

Para o general Leopoldo Galtieri, na época ditador que havia recém-assumido o poder na Argentina, o sucesso da invasão foi um alívio em meio à crise econômica vivida pelo país. Os anúncios do governo na TV exaltavam a ‘reconquista das nossas Ilhas’, com o slogan ‘unificação é muito fácil’. Por isso, os funcionários do governo estavam em clima de alegria em uma festa no palácio presidencial à qual Mather compareceu para pedir ao secretário de imprensa permissão para viajar pelo país. ‘Vá para onde quiser’, teria dito ele, quando questionado pelo jornalista sobre os lugares aos quais teria permissão para ir.

Destinado a conseguir um furo, Mather resolveu ir para as Malvinas, onde a guerra ainda não havia começado, na companhia do fotógrafo Tony Prime, do Observer, e do repórter Simon Winchester, do Sunday Times. A então primeira-ministra britânica Margaret Thatcher já havia enviado uma força-tarefa para as Malvinas, mas ainda levaria semanas para que os soldados chegassem ao Atlântico Sul. Acreditava-se, na época, em uma solução diplomática antes da chegada do navio.

A liberdade de Mather, no entanto, não ia durar muito. Depois de atingirem Ushuaia, a cidade mais ao sul do mundo, sem conseguir um piloto para levá-los às Malvinas, os jornalistas decidiram voltar a Buenos Aires – sem sucesso. Um funcionário da Marinha se aproximou deles no saguão, acompanhado de marinheiros armados. Ele pediu para que os repórteres fossem para um cômodo, mas eles se recusaram a ir. ‘Para vocês, a guerra acabou’, falou o funcionário. Eles foram então levados para uma prisão. ‘Ushuaia é hoje um destino turístico, mas, na época, apesar do cenário magnífico de montanhas, dizia-se que somente os maus, os tristes e os loucos iam para um lugar tão ao sul’, lembra ele.

Sol quadrado

A prisão era pequena, com celas para até 26 prisioneiros. Na primeira noite, os profissionais de imprensa ficaram separados de todos. Logo descobriram que os presos não nutriam ódio pelos britânicos e viam a guerra como um conflito entre governos, e não povos. Da janela, Mather via os aviões saindo para atacar os britânicos. Todo dia, os três eram interrogados pelo juiz naval, capitão Juan Carlos Grieco, que era o responsável pela prisão. Mather era constantemente questionado sobre suas anotações feitas durante o tempo em que estava preso, como as sobre a movimentação aérea que via de sua janela. O repórter justificava-se, alegando que estava reunindo material para publicação e que não havia ultrapassado território militar.

Mesmo assim, o juiz decidiu mudar o status dos jornalistas de ‘suspeitos’ para ‘sendo processados’. Eles foram avisados de que o processo seria lento. Todos foram transferidos para uma única cela. As condições não eram satisfatórias, a comida era ruim e não era permitido usar talheres – para evitar brigas com facas.

O pior dia para os jornalistas foi 2/5/82, quando o navio General Belgrano foi afundado pelo submarino nuclear britânico, com a perda de 368 vidas argentinas. Mather soube que algo de errado havia acontecido após ouvir gritos de alegria das celas de chilenos, que não escondiam a simpatia pelo Reino Unido. Os corpos resgatados do navio foram levados para a prisão onde eles estavam e Mather temia ser linchado. Os funcionários da penitenciária colocaram todos contra a parede e retiraram os ‘luxos’ acumulados nas celas, como livros. Os argentinos pensaram que o rádio de Mather era um equipamento de espionagem e uma fotografia dele chegou a ser publicada nos jornais locais. Após o juiz determinar que o rádio era algo inofensivo, foi devolvido ao jornalista.

De volta para casa

No fim da guerra, no dia 14/6/82, os noticiários argentinos passaram a ser mais realistas e menos fantasiosos. Os últimos boletins explicavam por que a Argentina havia perdido a guerra. Depois de 77 noites na prisão, Mather, Prime e Winchester foram soltos e partiram de um vôo de Buenos Aires rumo a Londres. ‘A experiência me deixou com uma sensação de desconforto quando fico em um quarto pequeno com portas fechadas’, confessa o veterano repórter.