‘A liberdade de imprensa nos Estados Unidos, exaltada orgulhosamente há séculos pelos americanos, sofreu um duro golpe ontem: um juiz federal, em Washington, mandou uma repórter para a cadeia pelo fato de ela manter uma promessa feita a uma fonte de informação. Judith Miller, do jornal ‘The New York Times’, insistiu em não revelar à Justiça o nome de uma pessoa que lhe passara uma informação confidencial, num caso que envolve a identificação de uma espiã da CIA, a Agência Central de Inteligência, feita por altos funcionários do atual governo. Por isso ela ficará atrás das grades até o próximo dia 28 de outubro.
— A senhora tem em suas mãos as chaves de sua própria cela — disse-lhe o juiz, ressaltando que a prisão não seria uma punição e sim uma forma de tentar coagi-la a mudar de idéia.
No dia em que decidir acatar a determinação judicial, antes de 28 de outubro, a repórter será libertada. Ela, no entanto, garantiu que continuará honrando o seu compromisso com a sua fonte. Assim que o juiz Thomas Hogan lembrou à jornalista, ontem à tarde, que aquela era a última chance que ela tinha para entregar a sua fonte sigilosa, Miller, visivelmente nervosa, levantou-se e, lendo uma nota que escrevera, disse:
— Se jornalistas não podem ser confiáveis para garantir confidencialidade, então os jornalistas não podem funcionar como devem e não poderá haver imprensa livre. O direito da desobediência civil está baseado na consciência pessoal, é fundamental ao nosso sistema e tem sido honrado através de nossa História.
Cooper, da ‘Time’, voltou atrás e depôs
Matthew Cooper, da revista ‘Time’, que também vinha sendo pressionado a testemunhar há dois anos — igualmente para entregar uma fonte de informação — capitulou em cima da hora. Tenso, claramente constrangido, Cooper explicaria que tomara tal decisão unicamente por ter sido liberado, à última hora, pela sua própria fonte. Dias atrás a própria revista ‘Time’ já havia recuado, entregando à Justiça as anotações das entrevistas feitas por Cooper e também mensagens de e-mail em que ele mencionava, a seus editores, a sua fonte sigilosa. Bill Keller, editor-chefe do ‘New York Times’, lamentou:
— A decisão de mandar Judith Miller à prisão é assustadora porque ela facilitará futuros encobrimentos da verdade envolvendo informações governamentais — disse ele.
Mais tarde, o presidente da New York Times Company, Arthur Sulzberger Jr., emitiu um curto comunicado: ‘Há épocas quando o bem maior da nossa democracia exige um ato de consciência. Judy escolheu esse ato ao honrar a sua promessa de confidencialidade às suas fontes. Ela acredita, como nós, que o fluxo livre de informação é crucial para uma cidadania informada’.
O promotor Fitzgerald foi encarregado pelo governo de descobrir quem revelara ao colunista Robert Novak, do ‘Chicago Sun-Times’, que Valerie Plame era espiã da CIA há 20 anos. O jornalista publicou essa informação atribuindo-a a dois altos funcionários do governo. Cooper, da ‘Time’, entrou no assunto depois da publicação da coluna de Novak. Miller, do ‘Times’, fez entrevistas mas não chegou a publicar nada.
O estranho é que Novak, que se mantém em silêncio, aparentemente não foi intimado a depor. Se fez isso em sigilo e revelou as fontes, o caso já estaria solucionado — sem necessidade de Cooper e Miller deporem. Se Novak nada disse, teoricamente teria de sofrer a mesma pressão que os outros dois sofreram.’
Janaína Figueiredo
‘Jornais criticam prisão nos EUA e defendem sigilo’, copyright O Globo, 7/7/05
‘BUENOS AIRES. A decisão da Justiça americana de prender a jornalista Judith Miller, do ‘New York Times’ por ter se recusado a revelar suas fontes no caso do vazamento ilegal da identidade de uma agente da CIA foi duramente criticada ontem durante o seminário ‘Desafios do jornalismo real: os jornais na encruzilhada do século XXI’, organizado pelo jornal ‘Clarín’, um dos mais importantes da Argentina. Ouvidos pelo GLOBO, editores de importantes jornais americanos, europeus e latino-americanos questionaram a atitude do promotor especial Patrick J. Fitzgerald, encarregado do caso.
— Sentimos que o promotor atuou de forma incorreta. É realmente incompreensível o que está acontecendo, ele passou dos limites — assegurou o editor-adjunto da editoria internacional do ‘New York Times’, Ethan Bronner, que ontem participou de uma palestra sobre ‘O desafio da verdade’ no jornalismo. Segundo ele, ‘muitas pessoas dizem que (o promotor) está atuando por influência de setores políticos, mas não temos provas. Só posso dizer que é um promotor durão que sente que a razão está do seu lado’.
O editor do jornal americano negou que a prisão da jornalista possa provocar mudanças no sistema de trabalho do NYT.
— A prisão de Judith não modificará em nada nossa maneira de exercer o jornalismo, continuaremos trabalhando como sempre, nada mudará. Judith está fazendo a coisa certa e nós defenderemos nossas convicções — enfatizou.
Na visão do diretor de redação do ‘El Pais’, da Espanha, Jesús Ceberio, fontes anônimas são ferramenta fundamental para garantir a existência de uma imprensa livre.
— O que está acontecendo nos EUA mostra que existe uma fronteira difícil de delimitar: o que deve prevalecer, a investigação de um delito ou a preservação da fonte? Acho que o segredo profissional é uma ferramenta imprescindível para ter uma imprensa livre. Porque se a pessoa que está disposta a revelar uma determinada informação perde a garantia do anonimato certamente recuará em sua decisão — explicou Ceberio.
Na Espanha, comentou o jornalista, o segredo profissional está protegido pela Constituição. Os jornalistas argentinos também estão amparados por uma lei. No entanto, lamentou o secretário de redação do ‘La Nación’, Héctor D’Amico, ‘muitas vezes a Justiça exige que entreguemos documentos e é necessária a ação de nossos advogados’.
— O que aconteceu é ruim e faz parte de uma ofensiva da Justiça contra vários aspectos do jornalismo. Os leitores devem imaginar a quantidade de histórias que foram boas para a Justiça, para esclarecer a verdade, que não poderiam ter sido investigadas sem as fontes — afirmou D’Amico.
Para ele, ‘muitas vezes a Justiça condena pequenos pecados dos jornalistas, quando esses servem para corrigir erros mais sérios’.’
Cristina Azevedo
‘No Brasil, uma situação diferente’, copyright O Globo, 7/7/05
‘Uma situação como a de Judith Miller não ocorreria no Brasil, garante o advogado Walter Monteiro, do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro. Isso porque a Constituição brasileira, promulgada em 1988, garante o direito a sigilo.
— No Brasil, o repórter não seria obrigado a revelar sua fonte — conta o advogado. — Ele pode ser processado por crimes de opinião, como calúnia, injúria ou difamação, ou mesmo por danos morais e materiais, o que é outro caso.
A Constituição garante que nenhuma punição seja imposta: ‘É assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte quando necessário ao exercício da profissão’, descreve o artigo 5, inciso 14.
Curiosamente, mesmo na época da ditadura militar, quando em muitos casos era grande a pressão para que fontes fossem reveladas, os jornalistas brasileiros já contavam com um respaldo legal: a Lei de Imprensa, assinada por Castelo Branco em 9 de fevereiro de 1967. O jornalista Conrado Pereira, secretário de Assistência Social da Associação Brasileira de Imprensa, lembra que muitos colegas de profissão foram detidos como forma de coação, mas que a Justiça sempre decidiu a favor deles.
— Houve muitas tentativas de forçar a revelar a fonte, todas sem sucesso — conta Conrado Pereira. — Nossa legislação é avançada em direito à informação há muito tempo.’
Folha de S. Paulo
‘Colunista que revelou nome de espiã segue livre’, copyright Folha de S. Paulo, 7/7/05
‘A maior incógnita no caso Judith Miller paira sobre o colunista conservador Robert Novak, o primeiro a revelar que Valerie Plame -cujo marido criticara o governo dos EUA- era uma agente secreta. Enquanto a repórter do ‘New York Times’, que nunca divulgou o nome da espiã, foi presa ontem por se recusar a revelar quem vazara a identidade secreta, Novak nunca sofreu ameaça de prisão ou intimação públicas.
O caso eclodiu em julho de 2003, quando Novak escreveu em sua coluna -publicada por centenas de jornais, inclusive o ‘Washington Post’- que Plame era agente secreta. Citou, na ocasião, ‘duas fontes no governo’.
Para o marido da espiã, o ex-embaixador Joe Wilson, trata-se de retaliação do governo. Uma semana antes de o nome de sua mulher vazar e a vida dela ser posta em risco, ele denunciara que eram falsos os documentos usados para acusar o ex-ditador Saddam Hussein de tentar comprar urânio do Níger, uma das justificativas dos EUA para invadir o Iraque.
O Departamento da Justiça abriu inquérito dois meses depois para descobrir quem vazara a identidade, crime punível com até dez anos de prisão. Após investigações, a Promotoria intimou, em maio de 2004, Matthew Cooper, da ‘Time’, que publicara o nome de Plame depois de Novak. Em agosto do mesmo ano foi a vez de Miller, que também teve acesso às fontes.
Ambos se negaram a falar. Até que, depois da rejeição de sucessivas apelações e de a Suprema Corte ter se recusado a ouvir o caso, a ‘Time’ decidiu revelar as fontes.
Cooper, pressionado, cedeu. Miller manteve a posição e foi presa. Já Novak, criticado por colegas, prometeu ‘revelar tudo’ quando o caso for resolvido. E disse ser contra a prisão da jornalista.’
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‘Jornalistas têm grande histórico e experiência’, copyright Folha de S. Paulo, 7/7/05
‘Os jornalistas americanos Judith Miller e Matt Cooper, condenados por não revelar suas fontes, são respectivamente uma profissional aguerrida e especializada no Oriente Médio e um repórter que conhece bem a Casa Branca.
Nascida em 1948, em Nova York, Miller trabalha desde 1977 para o ‘New York Times’, onde começou a carreira. Tornou-se em 1983 a primeira mulher a chefiar a sucursal do ‘Times’ no Cairo. Em 1986 tornou-se correspondente em Paris. Voltou a Washington em 1987. Em 1990 foi uma das enviadas à Guerra do Golfo.
Em 2002, ao lado de outros colegas do jornal, recebeu o Prêmio Pulitzer por artigos sobre Osama bin Laden.
Seu nome está associado à convicção errônea do ‘New York Times’ de que o Iraque possuía armas de destruição em massa. Suas reportagens sinalizavam essa convicção.
Casada com um editor, Judith Miller cresceu em Miami e Los Angeles e estudou em Ohio, no Barnard College, Princeton, e no Instituto de Estudos Europeus de Bruxelas.
Matt Cooper, correspondente da revista ‘Time’ na Casa Branca, já tinha coberto a gestão do ex-presidente Bill Clinton para a revista ‘US News & World Report’. Entre 1995 e 1996, assinou a coluna ‘The White House Watch’ da ‘New Republic’. Em seguida, entre 1996 e 1999, escreveu para o semanário ‘Newsweek’, antes de entrar para a ‘Time’.
Nos anos 80, Cooper, formado em 1984 pela Universidade Columbia, de Nova York, foi chefe de Redação do ‘Washington Monthly’ e, a seguir, responsável pela sucursal em Atlanta da ‘US News & World Report’. Ele também colaborou com diversas publicações, desde o ‘New York Times’ até o ‘Washington Post’, passando pela revista ‘Slate’.
De 42 anos e natural de Nova Jersey, casado e pai de um filho, Cooper também é conhecido por suas qualidades humorísticas, que o levaram a ser descrito em 1998 como ‘a personalidade mais divertida de Washington’.’
GARGANTA PROFUNDA
José Meirelles Passos
‘Woodward lança livro sobre sua fonte secreta’, copyright O Globo, 7/7/05
‘WASHINGTON. O enigma do Garganta Profunda, a lendária fonte confidencial de informações do repórter Bob Woodward, do ‘Washington Post’, durante o Caso Watergate — que culminou com a renúncia do presidente Richard Nixon — permanece, mesmo com o lançamento, ontem, do livro em que o jornalista conta detalhes dos bastidores da investigação que realizara com seu colega Carl Bernstein.
Em ‘The secret man’ (‘O homem secreto’), Woodward traça um pungente perfil de sua fonte, o ex-número dois do FBI, a polícia federal americana, W. Mark Felt, hoje com 91 anos — e que, um mês atrás, depois de 31 anos de sigilo, decidiu revelar-se, numa entrevista à revista ‘Vanity Fair’.
No entanto, Woodward não consegue explicar o que muita gente gostaria de saber: os motivos que levaram o chamado Garganta Profunda a ajudá-lo a desvendar a fraude idealizada por Nixon contra o Partido Democrata. O máximo que consegue é especular entre várias opções, sendo a mais sólida delas uma possível vingança: com a morte de Edgar J. Hoover, o chefe do FBI, Felt imaginava ser elevado àquele posto, e foi preterido por um aliado de Nixon, que, na época, tentava impedir que o FBI se aprofundasse na investigação de Watergate.
Felt já está com memória comprometida
Muito embora o próprio Felt já tenha assinado um contrato com uma editora para contar a sua própria versão da história, é muito provável que a justificativa por tal ato não será apresentada adequadamente. Acontece que Felt sofre de perda de memória. Quando o próprio Woodward o procurou, três anos atrás, para reunir material para este livro mais recente, ficou frustrado: a lendária fonte já não se lembrava de muitos detalhes.
— Ele não conseguia se lembrar sequer de sua própria idade — contou o repórter.
Meticuloso, Woodward não poupa a si próprio: ‘O meu retrato não é nada admirável. Eu fui agressivo, sigiloso. Eu usei Mark Felt e até menti a um colega para proteger a identidade de Felt’ — escreveu ele, referindo-se ao fato de que um de seus colegas de redação, há pouco tempo, descobrira quem era Garganta Profunda e disse a Woodward que escreveria um artigo a respeito. Este, no entanto, dissuadiu-o de fazer isso, negando a identidade de sua fonte.
Embora ‘The secret man’ não contenha um retrato completo do Garganta Profunda, o livro é um relato memorável sobre o relacionamento entre um jornalista e seu informante, como escreveu a crítica Michiko Kakutani, no ‘New York Times’, reafirma ‘o papel vital de fontes confidenciais para manter o público informado’.’
TODA MÍDIA
Nelson de Sá
‘Anticlímax’, copyright Folha de S. Paulo, 7/7/05
‘A escalada de manchetes do ‘Jornal Nacional’ fez a síntese do nada:
– Marcos Valério depõe na CPI. Nega ser o operador do ‘mensalão’. Nega ter negociado cargos. Nega-se a informar a quem se destinavam os milhões sacados.
E por aí foi o ‘JN’.
Passadas oito horas de Valério na CPI, o blog tucano E-Agora não agüentou mais.
Aconselhou ‘repensar urgentemente a tática’ e cobrou ‘municiar os membros da comissão com dados relevantes, de sorte a impedir que os depoentes escapem com evasivas’.
Em suma, num ‘Comentário’ posterior, foi ‘uma decepção’ -em que contou também ‘a falta de experiência de alguns em questionar’.
Entre os blogs sem vinculação partidária, dois desistiram logo do ‘live blogging’.
O Blog do Noblat insistiu, após abrir a transmissão anunciando que ‘Valério disse que está na CPI para colaborar com ela’. Com o tempo, notou o erro e passou a tratar o publicitário de ‘cínico’ para baixo.
Após cinco horas, voltou-se contra os inquiridores:
– Como determinado tipo de político se parece com determinado tipo de jornalista, quando interroga! O desejo da verdade passa longe.
Globo News e Band News transmitiram praticamente sem parar. Rede TV! e Band fizeram entradas pela manhã, mas logo desistiram.
Sites noticiosos e rádios cruzaram o dia diante do anticlímax, no esforço de achar manchete. Da Folha Online:
– Valério admite ser avalista, mas nega benefício.
E Globo Online:
– Valério conheceu Delúbio em 2002…
O desempenho da oposição e dos tucanos em especial, na CPI, foi precedido de um noticiário envolvendo o próprio PSDB com o publicitário.
Como se lia nos jornais e depois nos sites, uma das agências de Valério detém a maior conta do governo Aécio Neves, de R$ 12,6 milhões. Outra fez campanhas para Pimenta da Veiga e Eduardo Azeredo, ex e atual presidente do PSDB.
E por aí caminhou a cobertura on-line, com eco ao longo do próprio depoimento.
E tome o deputado tucano Eduardo Paes, muito tenso, para o publicitário:
– O senhor Marcos Valério, pela capacidade, pelo poder aquisitivo, é o que mais se preparou para este depoimento… Vai ser muito difícil avançar nas investigações e comprovar todos os episódios.
CABELUDA Antecipando-se ao depoimento, o ‘Casseta & Planeta’ destacou que Marcos Mensalério, ‘apesar de careca, está no meio de uma crise cabeluda’. Gastou R$ 20 milhões no ‘maior aeroporto para mosquitos de Minas’
O pesadelo
O ministro Luiz Furlan, em viagem à Itália, surgiu ontem na Globo News para avaliar que a crise política ‘não vai abalar a imagem do Brasil no exterior’, com as providências tomadas pelo presidente.
Ontem mesmo, no entanto, o espanhol ‘El País’ deu editorial intitulado ‘O pesadelo de Lula’, dizendo que a crise do PT ‘parece não ter fundo’, enquanto ‘o prestígio de seu líder máximo, Lula, se deteriora’.
Na cadeia
Na manchete do site do ‘NYT’, ontem, ao lado de uma foto de Judith Miller:
– Repórter do ‘New York Times’ é presa por manter fonte em segredo.
O jornal destacou uma frase da repórter, ‘se os jornalistas não podem garantir a confidência, então eles não podem funcionar e assim não pode funcionar uma imprensa livre’.
Foi lá, nos EUA do presidente George W. Bush.
DE ROTINA
Os dois episódios abriram o ‘JN’ do dia anterior, mas ecoaram mais ontem. Na Grande SP, como destacaram ‘SPTV’ e ‘Brasil Urgente’, sobrou revolta:
– Inconformados com o assassinato de três pessoas da mesma família por um sargento da PM, moradores fecharam a principal avenida da região, interceptaram um caminhão e atearam fogo.
No Rio, a TV mostrou o ‘medo’ de usuários de ônibus após cenas que ‘relembraram o pesadelo do ônibus 174’, com a morte de um refém, anteontem.’