‘Será que há um ponto comum entre o passeio em carro aberto (um vistoso Rolls Royce) do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com o ditador do Gabão, Omar Bongo, pelas ruas de Libreville; a escolha de Cuba para sediar as férias do chefe da Casa Civil, José Dirceu; o apoio do PT ao presidente da Venezuela, Hugo Chávez; e a criação do Conselho Nacional de Jornalismo e da Agência Nacional de Cinema e Audiovisual (Ancinav) em anteprojetos a serem apreciados no Congresso? Esse ponto seria o desapreço (ou até o desprezo) que a cúpula petista nutre pela democracia ‘formal burguesa’, que se vê obrigada a tolerar, mas não resiste à tentação de tentar extinguir, aproveitando-se das próprias falhas? Não foi isso que o ‘paizinho’ Stalin ensinou?
Haverá, por acaso, algum brasileiro bobo ou gabonês gabola o suficiente para imaginar que se justifique por mero interesse negocial o semblante nada contrafeito (ao contrário, bastante à vontade) de nosso líder, um milionário em votos, ao lado do tirano, de 68 anos, no poder há 37, à custa do sangue dos adversários e dos minguados recursos de sua nação? Afinal, somando a riqueza do Gabão com as de Cabo Verde e São Tomé e Príncipe, países incluídos no mesmo périplo presidencial, chega-se à quantia de US$ 8 bilhões, o equivalente ao PIB boliviano. E, assim como a Bolívia, o Gabão teve sua dívida com o Brasil magnanimamente perdoada por Lula, que, ao fazê-lo, pensou ser generoso com o povo miserável do país visitado, mas terminou favorecendo a elite corrupta que explora os pobres e malversa as finanças públicas de lá.
Omar Bongo chefia um regime longevo, mas nisso perde do cubano Fidel Castro, em cujas barbas encanecidas o poderoso chefe da Casa Civil verteu, faz pouco, lágrimas nostálgicas do tempo em que foi treinado para servir, na inteligência, à causa da exportação da revolução socialista tropical. A beleza das praias da ilha as justifica como cenário ideal para as férias do insigne ‘manda-chuva’. Mas, no comando dos negócios públicos de Cuba ao longo de 44 anos, o ídolo dele não tem dado os melhores exemplos de tolerância e espírito democrático.
O PT de Lula e José Dirceu também acaba de anunciar o apoio formal à manutenção de outra flor de seu orquidário latino-americano: o venezuelano Hugo Chávez. Eleito pelo povo e tendo jurado uma Constituição por ele próprio preparada, este pode ser um bom amigo do PT. Mas será o caso de se imiscuir nos negócios de um parceiro vizinho com problemas?
Esses três exemplos de desastrada intervenção externa do governo federal e do PT (aos quais se acrescente a inusitada troca de três dos quatro juízes brasileiros na Corte de Justiça Internacional de Haia) são, contudo, de pequena monta, se comparados com os dois anteprojetos que a cúpula petista quer levar o Congresso Nacional a aprovar. Embora seja útil aqui citá-los, pois eles servem para reforçar o argumento de que talvez não sejam erros pontuais, mas, sim, parte de um movimento coerente e orquestrado num rumo pré-fixado.
O Conselho Nacional de Jornalismo é uma idéia de matar Hitler, Stalin, Mussolini, Getúlio Vargas, Perón e outros tiranos de inveja. Em vez de censurar, em vez de prender, em vez de calar os críticos recalcitrantes dessa marcha para o socialismo pelas brechas da democracia, o governo do PT encontrou um meio suave (mas definitivo) de puni-los: cassar-lhes o registro profissional no Ministério do Trabalho e negar-lhes o direito de exercer a profissão.
A Agência Nacional de Cinema e Audiovisual nasceu do tortuoso raciocínio do embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, o condestável do Itamaraty que substituiu nossos juízes em Haia: sendo o cinema americano culpado pela alienação do povo daqui, cabe ao Estado brasileiro coibir sua ação nefasta.
Ao mostrengo burocrático petista será dada, entre outras tarefas, a de vigiar o conteúdo dos produtos exibidos pela televisão e punir os faltosos com a supressão de sua concessão precária pública. Elementar, não? E tais atentados contra a liberdade de expressão ainda renderiam um bom dinheirinho para a Receita Federal. Pois, em campanha aberta para afugentar o público do cinema, o governo também pretende taxar os ingressos, já caros, em 10%, numa evidência ululante de que o populismo pode ser, de fato, impopular, antipático e ‘antipovo’.
Isso é grave, muito grave. Mas mais triste é perceber que, enquanto o PT assalta, ao estilo MST, espaços democráticos, a oposição deixa de lado os exemplos aqui dados de desprezo pela democracia para se dedicar a domar pulgas em caixas de fósforos, tentando vender à platéia do Circo Brasil a idéia de que estas seriam elefantes amestrados. Com suas denúncias contra Henrique Meirelles, PFL e PSDB tentam negar a calvície do ovo. E, ao perseguirem Cássio Casseb, fazem o jogo das facções petistas anti-Palocci, não por esperteza, mas por mera burrice.’
Luís Peazê
‘Dar nome aos burros’, copyright Direto da Redação in Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 12/8/04
‘Maria José Braga, tesoureira da Federação Nacional dos Jornalistas e presidente do Sindicato dos Jornalistas de Goiás começa artigo publicado no JB, 11/08/04, com a seguinte frase chocha, de jornalista que deve andar enferrujado, longe das redações, longe das discussões de pauta dos veículos, longe do jornalismo propriamente dito, há muito tempo: ‘É comum criticar os conselhos profissionais.’ Ela defende a criação deste conselho do absurdo, cuja idéia eclodiu com o desespero de um grupo de jornalistas diplomados encastelados na FENAJ desde quando uma juíza de São Paulo contemplou o meio jornalístico com uma certa medida cautelar, rechaçando a exigência do diploma para o exercício da profissão de jornalista.
No seu artigo, após uma tentativa de arquitetar uma base de defesa para o seu peixe, Maria José Braga informa, e, ao mesmo tempo revela ser a mais ingênua jornalista e ser humano sobre a terra, ou quer chamar a todos nós, do outro lado deste debate détraqué, de burros, dois pontos, abre aspas: ‘A proposta de criação do CFJ partiu da categoria, representada pela Federação Nacional dos Jornalistas e pelos sindicatos, e não do presidente da República, como noticiado. O presidente foi sensível à reivindicação da Fenaj quando lhe foi entregue projeto elaborado depois de duas décadas de debate. O projeto foi enviado pelo presidente porque os conselhos são autarquias e, como tal, a prerrogativa de propor sua criação é do Executivo.’ Há uns errinhos de texto aí, mas não vamos patrulhar, né?
Em meados do ano passado houve uma tentativa frustrada de movimento nacional em prol da exigência do diploma para o exercício da profissão de jornalista. Numa reunião promovida pela FENAJ na ABI, Maria José Braga estava lá, assim como meia-dúzia de gatos pingados, representantes de rádios comunitárias, representantes da UNE, alguns jornalistas meio desempregados (sim, existe esta classe ‘meio desempregado’, no jornalismo existe) e falaram eminentes membros da ABI e alguns jornalistas de longas datas de carteirinha e sem diploma, cujo discurso político foi feito sobre o muro.
Logo em seguida àquela reunião da ABI, de resultados pífios, passou a ecoar cada vez mais alto sob a bandeira da cúpula da FENAJ (leia-se novamente, cúpula) o brado de formação desse conselho do absurdo, pela Internet, nos cantos de cafezinho de algumas redações e em algumas universidades pequenas, aspirantes a ‘think thank’. E, da mesma forma que aquela reunião da ABI e outras tantas, impossíveis de serem relatadas aqui porque foram realizadas nos guetos do jornalismo, ou em campo aberto mas com tamanha incapacidade de habilidade promocional, gerencial e criativa, esta representação da FENAJ que aí está conseguiu chegar aonde queria. Aparecer, ser notada, mesmo que tenha escolhido defender apenas uma parte da classe de jornalistas. O Brasil é ou não um país de oportunidades para todos? Um homem com quase nenhuma educação formal, sem diploma, chegou à Presidência da República, por que a cúpula da FENAJ não poderia chegar ao presidente?
Mas ao afirmar que o presidente ficou sensibilizado com a reividicação da FENAJ, e daí defender a criação de um conselho que irá orientar a prática do jornalismo, fiscalizar o jornalista, pagar jeton para os seus membros (ressaibo nojento) e outras maldades com a inteligência mediana do autor deste artigo – com o perdão do verdadeiro conselho de comunicação social, o leitor – deste desabafo, Maria José Braga cometeu uma ofensa grave. Gravíssima, embora aqui, nesta arena do jornalismo verdadeiro, quando nós, em vez de estarmos atrás da notícia, da informação, da investigação do fato, nos refestelamos com nossas próprias opiniões, o júri é o leitor, o prêmio é a formação de opinião e a punição é o silêncio. E isso é jornalismo também, ora, é quando a gente pode botar um pingo em cada i.
Por fim, sem esgotar a raiva, se um cronista jornalista como o Verissimo (sem diploma), o presidente da Associação Brasileira de Imprensa, Maurício Azêdo, o Villas Boas Correas, o Eliakim Araújo e uma centena de outros cobras, colegas que eu admiro e me inspiro, são contra esse conselho do absurdo, ora, eu também posso ser. Burros são os outros. (*) Escritor e jornalista. Tradutor de Por Quem os Sinos Dobram, de E. Hemingway. Dirige a Clínica Literária (www.clinicaliteraria.com.br) e preside o Instituto Brasil Costal, entidade de difusão das questões do meio ambiente marinho e costeiro.’
Frederico Vasconcelos
‘Governo muda texto para poder fiscalizar veículos’, copyright Folha de S. Paulo, 11/8/04
‘Alterações introduzidas pelo governo federal na proposta de criação do CFJ (Conselho Federal de Jornalismo), apresentada ao Ministério do Trabalho e Emprego pela Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas), incluem a fiscalização dos veículos de comunicação entre as atribuições do órgão a ser constituído. A proposta original tratava do exercício da profissão.
Na proposta inicial, o artigo 1º previa, entre as atribuições do CFJ, ‘orientar, disciplinar e fiscalizar o exercício da profissão de jornalista’. No anteprojeto elaborado pela equipe do ministro Ricardo Berzoini houve acréscimo, fixando como atribuição do CFJ e dos conselhos regionais ‘orientar, disciplinar e fiscalizar o exercício da profissão de jornalista e da atividade de jornalismo’.
A comparação dos textos está no site ‘Observatório da Imprensa’. Em artigo sob o título ‘A ‘canetada’ que o governo não explicou’, o jornalista Maurício Tuffani afirma que a modificação ‘deixa evidente a intenção do governo de extrapolar a pretendida regulamentação profissional’. Ele alega que as mudanças não foram explicadas na exposição de motivos do anteprojeto.
Acréscimo semelhante também aparece nos artigos 2º e 3º, que tratam, respectivamente, da competência do conselho federal para resolver casos omissos na lei e da competência dos conselhos regionais.
A Fenaj informa que as alterações foram feitas a pedido da entidade. ‘Houve um enxugamento do texto. Houve discussões internas no Conselho de Representantes’, diz Aloisio Lopes, 1º secretário da Fenaj.
‘Muita coisa já estava na legislação profissional. Na maioria dos conselhos, há a expressão que prevê a fiscalização da atividade profissional. É para deixar claro que se vai fiscalizar o exercício da profissão dentro do jornal, dentro da assessoria de imprensa’. ‘É para que se entenda que nós vamos ter acesso às empresas e até solicitar documentos que demonstrem a regularidade do exercício da profissão. Essa fiscalização se refere ao cumprimento da legislação profissional. Se a empresa tem mais ou menos empregados, não está em questão.’ ‘É claro que esse projeto pode ser mudado. A proposta não está fechada’, diz.’
Milton Coelho da Graça
‘ABI: pelegos e ministro contra Constituição’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 11/8/04
‘Por unanimidade, o Conselho Deliberativo da ABI – Associação Brasileira de Imprensa – nesta terça-feira (10/8) decidiu que a entidade lutará pela rejeição pura e simples do projeto do governo para criação do Conselho Federal de Jornalismo. Ele foi denunciado como tentativa de impor uma nova forma de ‘Lei da Mordaça’ – conforme já definido também pela Associação Brasileira de Magistrados – incompatível com o princípio constitucional da liberdade de imprensa.
O projeto foi apontado pelo presidente da ABI, Oscar Maurício Azedo, como uma iniciativa ‘peleguista’ da Federação Nacional dos Jornalistas. Ele também comparou a Exposição de Motivos, com que o Ministro do Trabalho encaminhou o projeto da FENAJ ao presidente Lula, como mais uma vergonhosa tentativa de intimidar os jornalistas, digna dos tempos da ditadura militar. ‘A ABI – disse Azedo -, que tem seis décadas de luta contínua pela democracia não pode nem vai se omitir desta vez’.
Uma nota de protesto será entregue diretamente, em Brasília, aos presidentes da República, do Senado e da Câmara, bem como a líderes partidários, por uma comissão formada por Oscar Maurício Azedo, Carlos Alberto ‘Caó’ de Oliveira (presidente do Conselho), Artur da Távola (conselheiro da entidade e ex-senador) e Carlos Chagas. A Comissão aproveitará também esses contatos para buscar o aperfeiçoamento do Conselho de Comunicação Social, criado pelos constituintes de 1988, mas apenas formalizado no final de 2002 – 14 anos depois! – assim mesmo, só depois de ‘deformado’ pelos lobistas das empresas de comunicação, especialmente tevês e rádios.
Paulo Alberto, constituinte e um dos poucos que votaram contra a lei finalmente aprovada, fez uma ampla exposição de como a intenção dos seus colegas foi engavetada e o Conselho se tornou apenas um conglomerado corporativista. Tão inútil e sem propósitos claros que o solitário representante da ABI, Carlos Chagas, preferiu renunciar.
‘A finalidade essencial desse Conselho de Comunicação Social – disse Paulo Alberto – deveria ser, e era a intenção dos constituintes, a de assumir a responsabilidade das concessões e renovações para emissoras de tevê e rádio. Para isso, teria de ser composto por representantes legítimos da cidadania. Do jeito que está, ficou sem a menor importância.’’