Friday, 15 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

José Paulo Cavalcanti Filho

‘Na televisão, Jota Silvestre fazia perguntas embaraçosas, a candidatos assustados, sobre um tema qualquer, de formigas a listas telefônicas. O céu, nesse programa, tinha limites modestos. Em cruzeiros. Tão diferente do de hoje, escrito em inglês -Sky- e que até dono tem: a News Corporation, do magnata Rupert Murdoch. Já controlava a DirecTV, agora compra a Sky brasileira. E é só o começo.

Informação é soberania. Meios de comunicação devem estar a serviço dos interesses do país.

Na Guerra do Golfo, a versão da CNN encontrou contraponto em grandes redes árabes, Al Jazira e Al Arábia. Deve ser também assim conosco. Precisamos ser ouvidos pela comunidade internacional quando se discutir energia atômica ou preservação da floresta amazônica. Produção de conteúdo deve estar em mãos de brasileiros. Mas vamos na contramão da história, em uma teia como que tecida pela omissão.

O problema remonta a 1996, quando o então ministro das Comunicações, Sérgio Motta, em portarias, deferiu (graciosamente) as duas primeiras concessões de TV por satélite -à Globo e ao Grupo Abril. Ambas já operando, desde 1992, sem ato formal que as amparasse. Como as concessões beneficiaram dois grupos brasileiros, ao menos não se quebrou a regra de reserva de conteúdo em mãos brasileiras, soberanamente definida pelo Congresso Nacional -jornais, 100%; rádio e televisão aberta, 70%; TV a cabo, 51%. Sem lei que fixe limites diferentes destes para qualquer outro meio de comunicação.

No ano seguinte é criada a Anatel. E os problemas se agravam quando ela passa a deferir concessões para transmissões de conteúdo. Sem poder para isso; traindo o Congresso Nacional, ao deferir essas outorgas a grupos estrangeiros. Para a Anatel, ‘Bom Dia Brasil’ na Globo, às 7 horas, é televisão; enquanto o VT desse mesmo ‘Bom Dia Brasil’, no GNT, deixa de o ser. No caso das concessões entendendo que, em ausência de lei, é livre para entregar a transmissão de conteúdo a multinacionais.

Não é. No Brasil, durante décadas, o transporte aéreo se fez com base na legislação de transporte marítimo -adaptado, apenas, às óbvias diferenças entre um corpo que flutua (e, vez por outra, afunda) e outro que voa (e cai). Outorgas para outras tecnologias de comunicação, quando admitidas, deveriam necessariamente se fazer com leves adaptações decorrentes de um novo meio técnico -no caso, satélite (‘direct to home’, DTH), e não cabo. Em qualquer cenário, mantidas as regras estruturais do serviço. Entre elas, aquela fundamental de garantir o controle brasileiro na produção de conteúdo. Palavras ao vento. Pouco a pouco se convertendo, nosso país, em pasto de transnacionais. Banda C (Brasilsat), telefones, internet e tantos outros meios novos já estão, quase todos, em mãos estrangeiras. Afrontando a lei quando produzem (e não apenas veiculam) conteúdo.

A idéia de que possa haver ‘direito adquirido’ nessas concessões não tem respaldo na experiência internacional. A Federal Communication Comission, FCC, aprovou em 1970 uma Cross-Ownership Rule vedando o controle cumulativo -nos 212 mercados comerciais em que, para esse fim, dividiu os Estados Unidos- de ‘broadcast’ (televisão e rádio) e ‘newspaper’ (imprensa escrita). Por essa época, 256 jornais diários pertenciam a grupos que tinham estações de rádio, dos quais 160 também de televisão -entre eles o ‘Daily News’, de Nova York; o ‘Tribune’, de Chicago; e, na capital, o ‘Post Dispatch’ e o ‘Washington Post’. Boa parte simplesmente fechou. A maioria foi vendida. Nenhum grupo conseguiu manter a ‘propriedade cruzada’ vedada por essa ‘order’.

O próprio Murdoch conhece disso muito bem. Em 1987 o Congresso americano aprovou lei (proposta pelos senadores Hollings e Kennedy) vedando a concessão, pela FCC, de ‘temporal waivers’ (autorizações temporárias), permitindo a acumulação de meios de comunicação. Em que era ele, precisamente, o maior beneficiário. Acabou tendo que vender boa parte desses veículos. Como o ‘New York Post’, 700 mil exemplares, transferido a Peter Kalikow, para poder ficar, naquele mercado, com o Canal 5 (Fox TV); ou o canal 25, de Boston, mantendo o ‘Boston Herald’ (280 mil exemplares). Passado um ano, nesse último caso, e não o tendo feito, a emissora acabou assumida por interventores da FCC, que a dirigiram e acabaram por transferir seu controle a um time de basquete, o Boston Celtics.

O jogo agora é outro. E se joga no Brasil. Os riscos de aumento dramático da presença estrangeira na mídia brasileira são reais. Na Inglaterra, a popularização da televisão paga se deu com a distribuição, a baixos custos, de decodificadores de banda KU, incorporando canais locais. Isso poderia ocorrer também aqui. Outras possibilidades virão com a digitalização. Capital, para essa gente, não falta. Tudo levando à urgente necessidade de proteção democrática do conteúdo, em mãos brasileiras.

Com esses fundamentos, o Conselho de Comunicação Social aprovou, anteontem, recomendação ao Congresso Nacional, Anatel, Cade e Ministério das Comunicações para que atuem na defesa de nossa soberania. Logo. Porque ignorar os riscos de desnacionalização, nesse campo, é um erro grave. José Paulo Cavalcanti Filho, 56, advogado, é presidente do Conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional. Foi presidente do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) e da Empresa Brasileira de Notícias, além de secretário-geral do Ministério da Justiça (governo Sarney).’



ANCINAV EM DEBATE
Esther Hamburger

‘Indícios de ebulição cercam criação da Ancinav’, copyright Folha de S. Paulo, 8/12/04

‘Estamos às vésperas da reunião do Conselho Superior de Cinema, no próximo dia 17, responsável pela aprovação da Ancinav (Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual).

A nova agência parece uma gota no oceano quando se pensa na amplitude e relevância dos problemas que a agência não abarca. Mas a aprovação dessa base regulatória mínima é estratégica para a formulação de modelos democráticos de gestão do audiovisual.

Os indícios de ebulição são de ordens diversas. A fusão da Sky com a DirectTV ameaça a TV por satélite com o monopólio, ampliando também a extensão do império Murdoch para o Brasil, em aliança com a Globo.

Em outro nível, mais local e menos virtual, as emissoras de TV aberta já não convivem em uma mesma associação. A fundação da Abra, que reúne SBT, Record, Rede TV! e Bandeirantes, alternativa à tradicional Abert, que ficou com a Rede Globo, sinaliza que a divisão do setor se aprofunda.

Quanto à programação, os alinhamentos se modificam. As emissoras que, do ponto de vista corporativo, se alinham a favor da diversidade, concentram a chamada baixaria, uma programação em larga medida uniforme. Ainda não se fala no ponto nevrálgico do setor: a concessão de canais.

Seria de esperar que contratos técnicos de exploração de concessões incluíssem projetos de conteúdo, de forma que nos momentos de renovação o poder público, auxiliado por organismos da sociedade civil, pudesse avaliar programas, oferecidos à luz do que foi prometido. Seria desejável que se estimulasse o investimento na pesquisa de conteúdo, de maneira descentralizada, que impulsionasse a produção independente.

A Ancinav pode vir a representar um passo na construção de mecanismos que desfavoreçam monopólios e estimulem a qualidade da programação, preparando o Brasil para fazer valer a especificidade estética e técnica de sua produção de cinema, televisiva e nas novas mídias. Esther Hamburger é antropóloga e professora da ECA-USP’



ANCINE PARALISADA
Tereza Novaes

‘Saída de diretor deve paralisar ação da Ancine’, copyright Folha de S. Paulo, 10/12/04

‘A Ancine (Agência Nacional do Cinema) deve paralisar parte substancial de suas atividades a partir da semana que vem.

A agência autoriza a captação de recursos para o cinema através das leis de incentivo fiscal e define a cota de tela para os filmes nacionais, entre outras atribuições.

O término, na quinta, dia 16, do mandato de Augusto Sevá desfalcará a diretoria da Ancine. O organograma determina que ela seja formada por quatro membros.

Desde a saída de Lia Gomenssoro, no ano passado, já havia uma vaga livre. Com o fim do período de Sevá, restarão apenas dois diretores: Gustavo Dahl e João Eustáquio da Silveira.

A dupla fica impossibilitada de manter o funcionamento normal da Ancine porque 80% das decisões tomadas pela agência necessitam da maioria simples, ou seja, três votos, da diretoria colegiada.

O problema já era conhecido desde outubro, e a agência avisou o MinC, a Casa Civil e o Senado sobre a urgência do tema.

‘Estamos avaliando os nomes. Na reunião ministerial na Granja do Torto, amanhã [hoje], o assunto deve ser discutido entre os ministros e o presidente Lula’, diz Luiz Alberto dos Santos, subchefe de Análise e Acompanhamento de Políticas Governamentais.

A Casa Civil é responsável por encaminhar os candidatos para serem aprovados no Senado.

Segundo a Folha apurou, o MinC teria sugerido Leopoldo Nunes e Manoel Rangel, ambos ligados à Secretaria do Audiovisual. Mas somente a indicação de Nunes estaria sendo analisada pelo ministério de José Dirceu.

O secretário Orlando Senna está em Cuba e no seu lugar está Rangel. Procurado pela reportagem, o substituto disse que não poderia comentar o assunto e que desconhece as indicações.

Mesmo que os nomes cheguem hoje ao Senado, o trâmite para a entrada na pauta de votação levaria pelo menos uma semana. Com o recesso parlamentar marcado para começar na próxima quarta, a solução da questão fica ainda mais complicada.

Assim, a Ancine deve voltar a operar normalmente somente após o recesso, em fevereiro.’



Patrícia Villalba

‘Ancine pode parar no dia 16’, copyright O Estado de S. Paulo, 9/12/04

‘A Agência Nacional de Cinema (Ancine) ficará praticamente paralisada a partir do dia 16. Correm risco, por exemplo, os projetos que estão na fila para conseguir aprovação de recursos. Com o fim do mandato do diretor Augusto Sevá, o colegiado da agência ficará com apenas dois membros – Gustavo Dahl e João da Silveira. Lia Gomensoro Lopes saiu da diretoria há mais de um ano e ainda não foi substituída. A Ancine não pode tomar decisões sem os votos de pelo menos 3 dos 4 membros.

Preocupados, os diretores estão fazendo consultas jurídicas, na tentativa de garantir o andamento – ainda que parcial – dos trabalhos. Uma das alternativas seria o ad referendum: Dahl e Silveira tomariam as decisões, que seriam ou não ratificadas posteriormente pelo futuro diretor.

O nome para a Ancine deve sair do Ministério da Cultura, que enviará a indicação para a Casa Civil. A decisão final é do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Depois, o futuro diretor será sabatinado pelo Senado e seu nome, aprovado em plenário.

Mas mesmo que a agência conte com a boa vontade do Executivo, o calendário é apertadíssimo. Dia 15 o Congresso entra em recesso, e os trabalhos só serão retomados em fevereiro.

Entre parlamentares e gente ligada ao setor, comenta-se que o governo não tem pressa em fazer a Ancine trabalhar por causa das negociações em torno da Agência Nacional de Cinema e Audiovisual (Ancinav). Outro motivo seria a reconstrução da base de Lula no Congresso – as duas vagas na Ancine podem ser boa moeda de troca na negociação com eventuais partidos-parceiros.’