‘Os softwares livres – programas de computador que podem ser modificados e copiados livremente por seus usuários – deixaram de ser passatempo de fanáticos por computador e já estão incorporados à indústria brasileira de software. Esta foi uma das conclusões de uma pesquisa da Universidade de Campinas (Unicamp), feita com apoio do Ministério da Ciência e Tecnologia e divulgada ontem, após um ano de elaboração. Foram ouvidos 3.657 desenvolvedores de programas, além de especialistas e empresas.
O trabalho foi encomendado pela Associação para a Promoção da Excelência do Software Brasileiro (Softex) para auxiliar nos debates sobre a política de software livre no País. A discussão mais acalorada gira em torno do PC Conectado, programa do governo que pretende estimular a venda de 1 milhão de computadores populares, com acesso à internet, por menos de R$ 1.400.
O programa previa apenas o uso de programas livres, 26 no total, sem pagamento de licença. Mas o ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, é contra a exclusividade. A decisão final deverá ser tomada nos próximos dias pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Segundo o presidente da Softex, Valdemar Borges, esse debate entre software livre ou proprietário acaba sendo dominado pela emoção, e os dados da pesquisa podem trazer mais racionalidade. A pesquisa mostra, por exemplo, que 53% dos desenvolvedores de software livre estão em empresas privadas. Apenas 13% estão em órgãos públicos e 10% em universidades. E mais da metade das empresas que fazem software livre também fazem softwares proprietários.
Segundo o coordenador da pesquisa, o professor da Unicamp Sérgio Salles, 64% dos usuários de programas livres são grandes empresas, que faturam mais de R$ 1 milhão e têm mais de 99 funcionários. Elas buscam reduzir custos, e segundo Salles esse movimento condenará à extinção o monopólio da Microsoft em alguns tipos de programas.
O programa Linux, um dos mais conhecidos softwares livres e concorrente do Microsoft Windows, já movimenta US$ 3,5 bilhões em produtos e serviços no mundo, e deve atingir US$ 14 bilhões até 2008. No Brasil, esse mercado é estimado em US$ 77 milhões, e deve triplicar em três anos.
O presidente do Instituto de Tecnologia da Informação (ITI), Sérgio Amadeu, disse que o apoio do governo ao software livre já traz frutos ao Brasil. ‘A Nokia não veio para o Brasil à toa, ela ia para a Índia’, afirmou, referindo-se à decisão da empresa de instalar no País um centro de pesquisa de softwares para telecomunicação móvel. Ele é um dos defensores de softwares livres no PC Conectado. ‘Se fizer com software proprietário, vai continuar o incentivo à pirataria.’’
Fabiano Maisonnave
‘Software livre pode custar mais, diz Microsoft ‘, copyright Folha de S. Paulo, 28/04/05
‘Em meio à divergência pública do governo em relação ao software livre, o vice-presidente da Microsoft da América Latina, o venezuelano Eugenio Beaufrand, afirmou que o programa é só uma pequena parte do custo de um projeto de informática. No final, afirma Beaufrand, o software livre tende a ser mais oneroso.
Os softwares livres não exigem pagamento de licença para uso e podem ser copiados, modificados e distribuídos livremente. Os softwares proprietários, como os da Microsoft, exigem pagamento de licença para uso e não permitem cópia, modificação e distribuição.
Nesta semana, o ministro Luiz Fernando Furlan (Desenvolvimento) criticou a opção do governo de privilegiar o software livre. Decreto em análise pela Casa Civil torna obrigatória a opção pelo software livre nas licitações de informática do governo federal.
Leia, a seguir, entrevista concedida ontem à Folha por Beaufrand durante o Fórum de Líderes Governamentais das Américas, promovido pela Microsoft em Washington e que contou com comitiva de políticos brasileiros.
Folha – O Brasil tem discutido a conveniência do uso do software livre. Qual é a posição da Microsoft?
Eugenio Beaufrand – Nossa perspectiva é a da neutralidade tecnológica. Pensamos que o consumidor -nesse caso, os diferentes órgãos de governo- tem a possibilidade de colocar em disputa as diferentes ofertas de empresas, o que dará um melhor retorno aos investimentos do governo. Pensamos que passar uma lei ou decreto que obrigue a compra de software de um tipo ou de outro é algo que deixa de beneficiar o governo e levará a uma redução da competição e, portanto, promoverá custos mais altos e soluções inferiores do que se houvesse mais empresas competindo.
Folha – Mas o custo do software livre não é menor por não incluir direitos autorais?
Beaufrand – Não. O software é uma parte minúscula do custo de implementação de um sistema. Pergunte a qualquer gerente de sistemas no Brasil qual é o gasto com software. A verdade é que o grande custo não é o software e, em certa medida, nem sequer o hardware. É todo o pessoal que precisa para desenvolvimento, operação, manutenção de sistemas. Quando se incorpora tudo isso, o software é só uma pequena variável. Nossa proposta é que, ao investir no desenvolvimento de software, poderemos trazer ao cliente uma economia.
Folha – Houve críticas sobre a vinda de parlamentares ao encontro da Microsoft em Washington. A empresa está tentando influenciar o Congresso sobre o assunto?
Beaufrand – Você viu as reuniões, aqui não há agenda misteriosa. É uma discussão na qual convidamos todos a participar dos desafios que temos no trabalho com o governo, para fazer avanços.
Na medida em que o Brasil quer desenvolver uma indústria nacional rica de escala internacional, se utilizar apenas o Linux [livre] e essas empresas de software, que perspectivas terá?
Folha – O governo brasileiro afirma estar combatendo a pirataria. A Microsoft vê melhorias com relação ao software?
Beaufrand – Mais do que falar de pirataria, é necessário entender que a indústria informática no Brasil é altamente pulverizada. E tem um grande componente de economia informal. A penetração dos computadores de marca é muito pequena no Brasil.’
Humberto Medina
‘Ministério da Ciência defende uso de sistema ‘, copyright Folha de S. Paulo, 28/04/05
‘O Ministério da Ciência e Tecnologia divulgou ontem pesquisa sobre o uso do software livre e aproveitou para reforçar a posição de defesa do uso preferencial desse tipo de programa na administração federal.
A pesquisa, intitulada ‘O Impacto do Software Livre e de Código Aberto na Indústria de Software do Brasil’, conclui que o desenvolvimento desses programas ameaça especialmente os fabricantes de ‘pacotes’ (plataformas e sistemas operacionais), como é o caso da Microsoft, que produz o sistema operacional Windows.
A pesquisa cita o caso do sistema operacional da Microsoft, visto como monopólio. ‘A emergência do Linux [sistema operacional mais popular em software livre] como plataforma alternativa ao Unix e, principalmente, ao Windows nada mais é do que a quebra de monopólios que durante anos vêm impondo restrições de rentabilidade e de oportunidades a praticamente todas as atividades econômicas’, diz o texto.
O trabalho, feito pela Softex (Associação para Promoção da Excelência do Software Brasileiro) e pela Unicamp (Universidade de Campinas), também traça um perfil dos usuários e dos ‘desenvolvedores’ (pessoas ou empresas que produzem os programas) de software livre no Brasil.
De acordo com a pesquisa, há pelo menos 364 empresas desenvolvendo softwares livres no Brasil e 154 usando-os. A maior parte das empresas usuárias é de médio e grande porte. O uso de software livre está centrado nas regiões Sudeste e Sul, principalmente em São Paulo e no Rio Grande do Sul.
A pesquisa conclui que o principal objetivo do usuário é a redução de custos. O software livre não exige pagamento de licença para uso e pode ser copiado, modificado e distribuído livremente.
Na segunda, em seminário realizado em São Paulo, o ministro Luiz Fernando Furlan (Desenvolvimento) criticou a opção do governo de privilegiar o software livre na administração federal.
Ontem, durante a apresentação da pesquisa no auditório do Ministério da Ciência e Tecnologia, uma das pessoas presentes na audiência distribuiu cópias do artigo ‘Furlan e Bill Gates x Zé Dirceu’, do jornalista Elio Gaspari, publicado ontem na Folha e no ‘Globo’. No artigo, a posição do ministro em relação ao uso de software livre é criticada.
Uma das fontes do desentendimento é o decreto, em análise pela Casa Civil, que irá tornar obrigatória a opção pelo software livre nas licitações de informática do governo federal. Pelo texto em estudo, só uma autorização expressa do ministro de cada área poderá permitir a compra de software proprietário pelo governo.
Outra fonte de desentendimento é o programa PC Conectado -de incentivo à produção e comercialização de computadores. O governo ainda não decidiu que tipo de sistema operacional virá com o computador: livre (Linux), proprietário (versão popular do Windows) ou algo intermediário, que permita as duas opções.
A íntegra da pesquisa ‘O Impacto do Software Livre e de Código Aberto na Indústria de Software do Brasil’ está no endereço eletrônico www.softex.br‘