Saturday, 02 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

José Sarney


‘Nos meus tempos de mocidade, a figura do delator era infame. Joaquim Silvério dos Reis, que denunciou Tiradentes, era um maldito. Judas, que vendeu Cristo nas famosas trinta moedas, era um judas. Calabar, o que delatou os brasileiros, entregando-os aos holandeses, ou Lázaro de Melo, que fez a mesma coisa com Bequimão, eram insultos irreparáveis se aplicados a alguém.


A coisa está mudando. Não é bem assim. Pode até ser um ato heróico e louvável. Os delatores, pelo bem público, redimem a lista dos anti-heróis e se incorporam a uma tábua de aliviados benfeitores.


A delação premiada não é invenção brasileira. Vem de longe. Sólon, na velha Grécia, o primeiro das leis da democracia, instituiu-a para estimular pessoas a combater o contrabando e a proteger o Estado. É Plutarco, em suas ‘Vidas Paralelas’, quem nos dá notícia disso. Depois os romanos também a utilizaram. E os tempos modernos fizeram o mesmo. Era a forma escolhida dos nazistas para pegar judeus, técnica de exportação adotada pelo governo de Vichy, aquele que traiu a França. Na Rússia de Stálin, chegou-se ao máximo da denúncia premiada erguendo estátuas ao menino Pavlik Morozov, condecorado e elevado a herói porque denunciara o pai, que estava traindo os ideais socialistas!


Na atual crise brasileira, a delação premiada está na moda, e muitos heróis estão aparecendo, desde Valério até Buratti.


Na Revolução de 64, também houve uma onda avassaladora de denuncismo e de caça aos infiéis. Chegou a tal ponto que o meu querido amigo Alexandrino Rocha, cabra danado de inteligente, notável ‘causeur’, que foi secretário de imprensa de Arraes no seu primeiro governo de Pernambuco, contou-me uma história muito significativa daqueles tempos:


Sinfrônio, nome de cantador, era um guarda-mosquito, daquela legião de homens benfeitores que saía pelo interior do Brasil montado numa burra, correndo caminhos e subindo morros para pulverizar as casas contra muriçocas e barbeiros que transmitiam malária e doença de Chagas. Veio o regime militar. Todos denunciavam a todos. Sinfrônio procurou logo Alexandrino, com receio de ser delatado. ‘Olhe, compadre, estou com muito medo de perder meu emprego. O senhor sabe que os inquéritos militares estão bisbilhotando tudo. É que a vida inteira eu embolsei a diária que o governo paga para alimentar minha burra Bordalesa. E, agora, depois dessa tal Revolução, Bordalesa, que está muito magra, vive me olhando desconfiada. Eu acho que ela vai me denunciar. O que eu faço?’. Alexandrino respondeu: ‘Capim e milho na burra e não deixe ela aparecer na cidade’. Bordalesa não denunciou, mas foi premiada.


Nessa linha, diz-se em Brasília que um comitê de mulheres traídas está fazendo um fundo para entregar àquela senhora de Crato com nome inglês que tem uma firma de recepcionistas. Se ela falar, recebe a bolada.


O problema da delação premiada é saber onde está a verdade e o interesse das pessoas. O que é necessário, desejável e urgente é que os envolvidos não mintam tanto e falem a verdade. Com esta, nada de prêmio a quem se chafurdou na lama da corrupção. A opção entre tortura e delação premiada para investigar crimes é trágica para os direitos humanos. Isso é o que se diz no mundo inteiro. Nos Estados Unidos, hoje, os grupos de direitos civis estão ativos contra esses dois tipos de conduta.


Mas, enquanto isso não acontece, vamos nos acostumar a ouvir a voz dos presídios para ajudar as CPIs na solução da crise.


Agora é esperar a vez de Fernandinho Beira-Mar.


José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.’



BURATTI & IMPRENSA


Dora Kramer


‘Lesa-imprensa’, copyright O Estado de S. Paulo, 26/08/05


‘Escabrosa, sob todos os aspectos, a história contada ontem por Rogério Buratti a respeito do jornalista da Folha de S. Paulo que apresentou à ex-mulher dele uma gravação de conversa telefônica de caráter íntimo para, com isso, tentar fazê-la falar algo contra ele.


Segundo Buratti, o jornal apresentou desculpas formais pelo comportamento do repórter que, se agiu mesmo da maneira relatada, merece o ostracismo profissional até aprender a se dar ao respeito.’



Folha de S. Paulo


‘Advogado se queixa da imprensa ‘, copyright Folha de S. Paulo, 26/08/05


‘O advogado Rogério Tadeu Buratti, que ontem prestou depoimento à CPI dos Bingos, fez um desabafo pessoal de cerca de 40 minutos no qual atacou a imprensa, reclamou da Folha, questionou reportagens que abordam sua vida pessoal, criticou o abandono do PT e pediu desculpas a familiares e ao corretor de imóveis preso com ele na semana passada, em Ribeirão Preto, acusado de sumiço de documentos.


Ele iniciou suas declarações desculpando-se por não ter comparecido à CPI anteontem -um atestado médico o dispensou do depoimento. Em seguida, passou a discorrer sobre aspectos de sua vida pessoal, sua história de 13 anos no PT, sua saída da prefeitura, em 1994, por conta de uma acusação de cobrar propina de empresários.


Depois de fazer um mea-culpa por causa do erro que cometeu em 1994, como ele mesmo admitiu, Buratti questionou a atuação da imprensa. ‘Sofri pessoalmente uma perseguição que não é banal, mas uma invasão profunda.’


O advogado citou nominalmente a Folha e a revista ‘Época’ em suas críticas. Buratti reclamou do fato de o repórter Rogério Pagnan, da Folha Ribeirão, ter procurado sua ex-mulher, a professora Elza Buratti, e entregue a ela um CD com seus diálogos telefônicos, interceptados com autorização da Justiça. ‘Certamente, quando você escuta uma pessoa por três, quatro, cinco, oito meses, alguns pecados pessoais desta pessoa podem ser expostos’, narrou.


A reportagem entregou o CD à professora para que ela ajudasse a identificar personagens e códigos usados pelo ex-secretário de Governo de Antonio Palocci Filho nas gravações telefônicas.


Na ocasião, Elza concordou em analisar o material para decidir se daria ou não entrevista sobre os negócios do ex-marido. Ela foi informada de que havia trechos de caráter pessoal. A reportagem sugeriu suprimi-los, mas Elza disse que não haveria necessidade, já que, segundo ela, nada mais poderia lhe causar surpresas ou deixá-la triste. No fim, nenhuma matéria sobre o caso foi publicada.


‘Que tipo de interesse existe em pegar uma gravação com pecados pessoais e mostrar para uma mulher para instigá-la a falar mal do ex-marido? Qual o interesse público? Eu acho que é desmoralizar’, afirmou o advogado na CPI dos Bingos. Buratti declarou também que ontem um repórter especial da Folha o procurou e ‘pediu desculpas formalmente em nome do jornal’.


Ontem, a Folha voltou a falar com Elza Buratti. A professora afirmou que o recebimento dos diálogos não interferiu no seu relacionamento, pois o casal estava separado havia quatro meses.


Elza disse que o CD também não lhe causou constrangimento. ‘Ofende quando vai a público, o que não foi o caso. Eu não concordo com tanta coisa que ele [Buratti] fez, eu não sabia da maioria delas, nem por isso ele me poupou.’ Segundo a professora, o diálogo travado com a Folha não foi revelado por ela. ‘Quem expôs foi ele [Buratti]. Só afetou ele.’


A professora declarou ainda que o fato de Buratti ter citado o repórter da Folha no depoimento à CPI foi uma estratégia do ex-marido. ‘Para quem está provocando uma coisa, precisa achar argumentos para fazer aquilo’, disse ela, sem dar mais detalhes sobre seu raciocínio.


Quanto à ‘Época’, o ex-assessor de Palocci reclamou de uma reportagem publicada nesta semana. ‘A revista entrevistou pessoas da noite de Brasília, a Jeany (Mary Corner, acusada de intermediar garotas de programa para festas com políticos e empresários), garçons, e deduziu que a farra acabou com meu casamento de 16 anos’, afirmou.


‘A ‘Época’ publicou coisas que eu não considero abusivas, mas desnecessárias.’


O advogado também questionou outra informação da revista: a de que havia se ‘encantado’ com uma mineira, apresentada por Jeany Mary Corner.


‘Não é verdade’, disse. Ele esclareceu que sua namorada mora em Belo Horizonte (MG) há cinco anos e é proprietária de uma confecção, e não uma prostituta, como insinuou a reportagem.


A direção da revista informou que sua reportagem não foi motivada por curiosidade com casos pessoais, mas procurou retratar a atividade de um grupo que envolve ‘lobistas, corruptores, corruptos e dinheiro público’.’



O Globo


‘Advogado reclama de exposição pública na CPI’, copyright O Globo, 26/08/05


‘O esperado depoimento de Rogério Buratti na CPI dos Bingos começou com um desabafo. Ele reclamou da invasão de sua vida privada e do comportamento de jornalistas. O advogado se disse particularmente indignado com um episódio envolvendo a ‘Folha de S.Paulo’: Buratti acusou um repórter do jornal de explorar seus ‘pecados pessoais’ para provocar sua ex-mulher a ‘falar mal do marido’.


Segundo ele, o repórter teria levado uma fita que expunha sua vida privada para mostrar a sua ex-mulher. Buratti disse que, após o episódio, um repórter especial do jornal o teria procurado para pedir desculpas.


Ele disse que também ficou indignado com uma reportagem da revista ‘Época’, que atribui o fim de seu casamento de 16 anos a farras com garotas de programa de Brasília agenciadas por Jeany Mary Corner:


– Que interesse público existe quando se diz que a farra acabou com o meu casamento? Isso me deixou indignado. Não foi isso que acabou com o meu casamento.


O advogado ainda negou que sua atual namorada, Carla, seja prostituta de Jeany:


– Se isso fosse verdade, e não é, quem vai atirar a primeira pedra?


E aproveitou para pedir desculpas a Carla pela exposição pública:


– Disseram que eu larguei minha mulher para ficar com uma ex-prostituta que tinha um caso com uma autoridade de Brasília. Não é, mas passou a ser. Mesmo que fosse, as pessoas não têm direito de melhorar de vida? Peço desculpas a Carla. Está todo mundo dizendo: ‘Olha lá a prostituta que namora com o Buratti’.’