‘Reunido em segredo com quatro parlamentares oposicionistas na noite de anteontem, Izeilton de Souza Carvalho, 33, acusou: o empresário Sebastião Augusto Buani, seu ex-patrão, ‘pagou’, entre março e novembro de 2003, propina de R$ 10 mil ao deputado Severino Cavalcanti (PP-SP), atual presidente da Câmara.
Em troca, obteve privilégios na exploração de um restaurante no Congresso. Izeilton mostrou aos parlamentares cópia de um documento que comprovaria a ligação ‘suspeita’ entre Severino e Buani. Trata-se de um termo de prorrogação, assinado por Severino em abril de 2002, estendendo irregularmente a concessão para a exploração do restaurante até 2005.
O gesto teria rendido a Severino, além da propina mensal, um prêmio de R$ 40 mil, supostamente dividido com outro deputado, Gonzaga Patriota (PSB-PE), responsável pela redação do documento. Severino ocupava na época o posto de primeiro-secretário da Câmara.
O denunciante Izeilton era, até quinta-feira da semana passada, funcionário do restaurante, situado no 10º andar de um dos edifícios anexos da Câmara. Suas declarações, ratificadas ontem à Polícia Federal, contradizem os desmentidos de Severino Cavalcanti e a versão do ex-chefe Sebastião Buani. Ouvido por uma comissão de sindicância da Câmara na segunda-feira, o empresário negara a propina a Severino.
Reunião
O depoimento de Buani terminara havia apenas duas horas no instante em que Izeilton chegou ao apartamento do deputado José Carlos Aleluia (PFL-BA), às 20h. Aguardavam-no, além de Aleluia, os deputados Raul Jungmann (PPS-PE), Fernando Gabeira (PV-RJ) e Bismarck Maia (PSDB-CE). Os quatro integram uma frente suprapartidária que defende o afastamento de Severino da presidência da Câmara.
O ex-funcionário do restaurante chegou acompanhado do jornalista Alexandre Oltramari, intermediário da reunião. Repórter da ‘Veja’, Oltramari procurou o deputado Antônio Carlos Magalhães Neto (PFL-BA) para contar-lhe que Izeilton estava disposto a formalizar denúncias que fizera informalmente à revista. Precisava, porém, de suporte jurídico. Alegava que não tinha dinheiro para contratar um advogado.
Contatados por ACM Neto, Aleluia, Jungmann e Gabeira dispuseram-se a conversar com Izeilton. De viagem marcada para São Paulo, Alberto Goldman, líder do PSDB na Câmara, indicou o também tucano Bismarck Maia para representá-lo no encontro.
Bismarck Maia chegou ao apartamento de Aleluia já munido de um telefone. Recebera-o das mãos de Goldman. Era o número do advogado Aldo Campos, de Brasília. A pedido do colega Miguel Reale Jr., a quem Goldman recorrera, Campos se dispôs a assessorar gratuitamente Izeilton. A direção do PSDB diz que o advogado não é filiado ao partido.
A conversa com os deputados durou cerca de duas horas. Foi aberta por Oltramari. Ele contou que Izeilton servira de fonte à reportagem que ‘Veja’ publicou no último final de semana. Disse que ele tentara vender as informações de que dispunha. Além de ‘Veja’, havia procurado ‘Isto É’ e ‘Época’. Ninguém aceitou pagar. Mesmo sem a pretendida recompensa pecuniária, disse Oltramari, Izeilton decidiu contar o que sabia.
Ontem, ao sair da Polícia Federal, Izeiton negou ter tentado ‘vender’ as informações, mas admitiu ter pedido ‘garantia financeira e proteção’ após a publicação.
Relato
No encontro com os deputados, instado a falar, o denunciante explicou que trabalhou no restaurante de Buani durante três anos. Tornou-se gerente-executivo do estabelecimento, uma função que lhe franqueou o acesso a dados estratégicos da empresa. Disse que, a pedido do ex-patrão, digitou no computador um documento manuscrito por Buani em que ele relatou, de forma pormenorizada, a rotina dos pagamentos que o uniam a Severino Cavalcanti. O documento, apócrifo, chama-se ‘A história de um mensalinho’.
O documento que mais chamou a atenção dos deputados foi mesmo o termo de prorrogação supostamente assinado por Severino, que não está formalmente arquivado na Câmara.
O texto tem um único parágrafo. Datado de 4 de abril de 2002 e escrito em papel timbrado da Câmara, traz a assinatura de Severino Cavalcanti. Prorroga, ‘até 24 de janeiro de 2005’, a autorização para o funcionamento do restaurante de Buani na Câmara.
Evidência
O suposto acerto clandestino firmado entre Severino e Buani é, na opinião dos partidos de oposição, a peça de resistência de um pedido de cassação a ser encaminhado à Comissão de Ética da Câmara. Oltramari informou na reunião que ‘Veja’ submetera o documento à análise do perito Celso del Pichia, que atestara a sua autenticidade.
Além de Oltramari e Izeilton, um terceiro personagem falou aos deputados na reunião de segunda-feira. Chama-se Marcelo Pércia, 42. Vem a ser um ex-sócio de Sebastião Buani num restaurante situado num shopping center de Brasília. Contou que, graças ao que chamou de ‘trapaças empresariais de Buani’, seu pai, levado à falência, morreu em meio a um processo depressivo.
Em busca de ‘vingança’, conta que o então sócio Buani pediu-lhe, em 2003, que pagasse um cartão de crédito de Severino Cavalcanti no valor de R$ 8.000. Recusou-se. E o cartão teria sido pago com um cheque do próprio Buani, descontado por um motorista de Severino numa agência do Bradesco localizada na quadra 511 Sul de Brasília. É a outra pista que, acredita a oposição, pode levar Severino ao cadafalso.
Tanto Severino como Buani negam também essa acusação.
Provas
No depoimento à PF, Izeilton negou ter provas dos repasses a Severino. Disse ter ficado sabendo do suposto ‘mensalinho’ por meio de relato de funcionários que levavam o dinheiro até o gabinete do deputado.
O ex-gerente relatou ainda ter sido motivado a tornar o caso público pelo discurso de Gabeira, que na semana passada, no plenário da Câmara, chamou Severino de ‘um desastre’ para o Brasil.’
Luis Fernando Verissimo
‘Essa raça’, copyright O Globo, 8/09/05
‘A desunião das ‘esquerdas’ faz parte do folclore político brasileiro. A velha piada, que só variava na escolha das etnias – ‘Dois espanhóis (ou dois judeus), quatro posições’ – adapta-se a esta nossa tradição: uma esquerda, dezessete tendências. A divisão interna no PT é quase uma paródia disto. Nenhum outro partido conhecido oferece tal possibilidade de sintonia ideológica fina. Há faixas para todos os gostos e subfaixas para gostos especiais. As diferentes correntes se entrechocam e o resultado é sim, como gostam de dizer, saudavelmente democrático – e mortal. Explica em parte a crise atual do PT como a desconjunção das ‘esquerdas’, explica a sua irrelevância histórica no Brasil, onde a direita sempre explorou sua suposta ameaça confiando nesta porosidade fatal.
O senador Bornhausen pode ter feito uma favor às ‘esquerdas’ quando disse que o melhor efeito da crise seria acabar com ‘essa raça’ pelos próximos 30 anos. Se começassem a pensar em si mesmas como uma raça contemplando a extinção, ou pelo menos de 30 anos de inexistência punitiva, ‘as esquerdas’ talvez descobrissem como usar sua identidade comum contra o inimigo comum. E começassem, finalmente, a influir nestes eternos arranjos e rearranjos de oligarquias que passam por História, por aqui. Nada como laços biológicos para fortalecer uma união.
Enquanto a consciência de raça não vem, é incrível que ainda seja a desunião e o conflito de facções que vá decidir o futuro imediato do PT em vez do instinto de sobrevivência. Perdeu-se uma oportunidade com a rejeição do caminho apontado pelo Tarso Genro para melhorar a imagem do partido, se não para a sua regeneração. Foi a vitória não do bom senso mas de uma tendência errada. Uma das dezessete.
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A propósito: na inauguração do governo Lula, num assomo de otimismo e bairrismo, elogiei todos os gaúchos do Ministério – Tarso, Olivio Dutra, Dilma Rouseff, Miguel Rosseto – e escrevi que, se desse errado, seria culpa dos paulistas. Estou pensando seriamente em comprar um turbante e me estabelecer como vidente.’