Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Juliano Barreto

‘Qualquer pessoa que ler uma notícia no site Wikinews (meta.wikimedia.org/wiki/Wikinews/Pt) e achar que ela está incompleta ou incorreta poderá, na mesma hora, editá-la e corrigi-la.

Essa é a nova aposta de Jimmy Wales, 38, um dos maiores entusiastas dos sites Wiki (que permitem que os visitantes editem seu conteúdo) e co-fundador da enciclopédia on-line WikiPedia, que atualmente conta com mais de 390 mil verbetes em quase uma centena de idiomas. Às vésperas do lançamento do WikiNews, que deverá estar pronto até o fim do mês, Wales declarou por e-mail, em entrevista exclusiva para a Folha, como funcionará o seu novo projeto.

Folha – Como funcionará o sistema para filtrar as notícias do WikiNews?

Jimmy Wales – Essencialmente ele será monitorado por outros usuários. Não haverá moderação formal ou matemática, será como uma comunidade regulada pelo respeito e pela reputação.

Folha – Para o senhor, sites de notícias moderados automaticamente, como o Google News e o MSNBC News, são honestos?

Wales – Creio que eles são honestos em publicar links das principais agências de notícias, mas a honestidade dessas agências, é claro, pode variar.

Folha – O senhor aceitaria uma proposta para vender o Wikipedia ou criar um serviço pago?

Wales – O Wikipedia é mantido por uma fundação sem fins lucrativos. Não há chance de vendê-lo. Se alguém me oferecer um emprego milionário, eu o ouvirei, mas não estou procurando emprego. Estou fazendo algo muito importante para o mundo.

Folha – Qual é a maior realização do Wikipedia na opinião do senhor?

Wales – Tenho orgulho do site como um todo, mas tenho interesse em desenvolver nosso trabalho em países menos desenvolvidos. Creio que tornar o conhecimento livre muda a forma como o mundo funciona. Enfim, nosso trabalho é acabar com a exclusão digital.

Folha – Já que o senhor é admirador da filosofia, o que acha que os grandes filósofos diriam sobre a licença GNU/GPL e o software livre?

Wales – Não creio que nenhum dos grandes pensadores seria contrário a compartilhar conhecimento. Ou, falando de outra forma, se algum dos chamados grandes filósofos fosse contra a livre divulgação do conhecimento, ele não seria um grande filósofo, afinal de contas.’



Sarah Boxer

‘Página é palco de briga política’, copyright Folha de S. Paulo, 17/11/04

‘‘NEW YORK TIMES’ – Entre as notícias e a história há um longo caminho. Se você discorda, dê uma olhada no verbete sobre George W. Bush no Wikipedia (www.wikipedia.com).

Para manter o controle sobre o conteúdo desse site, que é criado e atualizado por seus próprios visitantes, os participantes são orientados a adotar uma espécie de código de ética que, no final das contas, ninguém obedece.

Por outro lado, contribuintes regulares são promovidos a administradores, e é aí que a diversão começa. Durante as eleições presidenciais, os visitantes editavam e reeditavam os verbetes do presidente Bush e do senador Kerry com grande velocidade.

Quando uma foto de Bush com o uniforme da Guarda Nacional era ampliada, uma imagem de Hitler aparecia. Depois de muita confusão, os administradores decidiram remover a função de edição aberta nos dois verbetes, e os candidatos se juntaram a outros intocáveis do Wikipedia, como Ariel Sharon e Osama bin Laden.

A medida não surtiu o efeito desejado. Dias antes da eleição, um usuário burlou a segurança do site e colocou uma faixa na foto de Bush dizendo ‘Vote em Kerry’.

Os administradores do Wikipedia também se envolveram com a corrida presidencial. ‘Espero que assim que as eleições terminarem esses verbetes deixem de ser alvo do vandalismo’, disse um programador alemão que colabora com o site. Isso não aconteceu: dois dias depois do resultado final das eleições nos EUA, quem consultasse o verbete do senador John Kerry veria que todas as informações sobre ele haviam sido substituídas por uma única linha dizendo: ‘John Kerry is a girl’ (John Kerry é uma garota).

Tradução de Juliano Barreto.’



LUDOLOGISTAS E NARRATOLOGISTAS
Alessandra Kormann

‘Arquivo aberto’, copyright Folha de S. Paulo, 22/11/04

‘Se no mundo virtual os gamemaníacos dispõem de inúmeras opções para criar seus avatares (personagens), na vida real eles vão estar, em breve, no meio de uma polêmica ‘binária’ entre duas correntes teóricas de estudo dos games: os ludologistas e os narratologistas.

É essa discussão que o File (Festival Internacional de Linguagem Eletrônica), que começa amanhã, quer trazer para o Brasil na nova seção de jogos interativos, o File Games. Para a ludologia, mais européia, os jogos não precisam de narrativa e valem como atividade lúdica; já a narratologia, mais norte-americana, entende o game como uma obra literária, texto ou filme editado coletivamente.

‘O teatro grego era à base de narrativas mitológicas, enquanto o teatro romano era o Coliseu, cujo roteiro ia se desenvolvendo de acordo com as lutas’, compara Ricardo Barreto, um dos organizadores do festival.

A nova polêmica, que está deixando para trás a antiga discussão sobre a violência dos jogos, vai ser ilustrada no festival por meio de textos de diversos pensadores. E as pessoas também poderão, é claro, jogar.

São cerca de 15 jogos (ludologistas e narratologistas), vindos de diferentes países. Um dos destaques é o anti-jogo ‘Velvet Strike’, um software para pichar jogos que é uma crítica ao ‘Counter Strike’. No setor luta, há um jogo on-line de capoeira, que não foi feito por brasileiros, mas sim por noruegueses, e reproduz movimentos como o rabo-de-arraia ao som do berimbau.

A aranha e o PacMan Além dos games, o público do File 2004 vai poder ver fotos tridimensionais imersivas, o primeiro longa metragem interativo (o dinamarquês ‘Switching’) e obras como uma minissaia digital -um híbrido de moda e tecnologia, onde aparecem imagens e textos digitais. Ao todo, participam do festival 350 artistas de mais de 30 países, com trabalhos de web art, animações, robótica, música, performance e instalação.

A jovem artista plástica Anaisa Franco Nascimento, 23, vai participar com o projeto ‘Ssspiderrr’ (www.ssspiderrr.com.br), uma aranha robótica feita de dedos, que também existe em uma realidade virtual criada por ela. As pessoas podem controlar o bicho pela web. ‘A aranha é um símbolo forte do feminino, a fêmea é sempre maior do que o macho’, explica Anaisa. Ela afirma não ter se inspirado na mãozinha da família Adams, e sim nos seres modificados geneticamente, para construir a obra.

Já o artista plástico gaúcho Andrei Thomaz, 23, vai participar com o projeto ‘PacMan e o Minotauro’, composto por seis trabalhos de web art: um jogo, uma proteção de tela, desenhos de labirintos, uma espécie de software de desenho, um projeto de intervenção urbana e o site www.rgbde signdigital.com.br/atravesdoespelho/ pacman_minotauro.

No projeto de intervenção urbana, o artista carimba livros com a figura do PacMan ou do Minotauro e doa os exemplares para bibliotecas públicas do Rio Grande do Sul. ‘A biblioteca também é um labirinto. Quando os livros forem retirados, os monstros se movimentarão, distanciando-se e aproximando-se de acordo com esse fluxo.’

FILE – FESTIVAL INTERNACIONAL DE LINGUAGEM ELETRÔNICA. De 23/11 a 12/12. Galeria de Arte do Sesi (av. Paulista, 1.313, tel. 0/xx/ 11/3146-7405, www.file.org.br). Grátis. FILE HIPERSÔNICA. 27/11, das 17h às 6h do dia seguinte. Casa das Caldeiras (av. Francisco Matarazzo, 2.000, tel. 0/xx/11/3873-6696).’



LÍNGUA VIVA
Deonísio da Silva

‘Escrevendo com os poetas’, copyright Jornal do Brasil, 22/11/04

‘O que os poetas brasileiros e portugueses escreveram sobre os bichos? O escritor gaúcho Sérgio Faraco organizou preciosa coleção de poemas. Livro dos bichos, em formato de bolso, é da LPM e está à disposição dos leitores até em farmácias. Sua leitura pode ajudar os vestibulandos a escreverem suas redações. Inspirada em poesias como essas, a prosa sairá melhor.

Uma das mais bonitas é A última abelha, de Raimundo Correia. Em noite chuvosa, Nossa Senhora deixa a roca e vai salvar uma abelha que se debate toda molhada na vidraça: ‘entre dois dedos toma-o. Vê, contente,/ no inseto a abelha-mestra de um cortiço;/ recolhe-o no seio caridoso e quente;/ e as duas asas trêmulas, vermelhas,/ num beijo terno enxuga-lhe… Sem isso,/ o verão não teria mais abelhas’.

Olavo Bilac trata dos amores suicidas dos machos em Os amores da abelha, ‘noivos zonzos, voando ao nupcial mistério’, numa loucura da qual sobrará apenas um, que ‘morre na vitória’. O fecho é perfeito: ‘e, rodopiando, inerte, o suicida sublime,/ entre as bênçãos da luz e as hosanas do vento,/ rola, mártir feliz do delicioso crime’. O poeta, inventor do livro didático e do serviço militar obrigatório, tinha paixão por amores de final infeliz.

A abelha inspirou também a Humberto de Campos, que lhe dedicou um soneto: ‘para que a abelha, nossa irmã, produza/ mel saboroso que, entre ceras, vaza,/ há muita gente precavida que usa/ plantar roseiras em redor da casa’. É exemplo de abertura de redação. O fechamento não é menos didático: ‘o próprio inseto amolda-se ao suborno:/ se não queres que a abelha te envenene,/ não lhe plantes mandrágoras em torno…’.

Hermes Fontes ocupou-se das borboletas. Ou das mulheres? ‘Borboletas! Nasceis para inebriar rosas!…/ Mulheres – borboletas venenosas -, / envenenai-me o coração!…’. Na página seguinte, filosoficamente, Fernando Pessoa acaba com tudo: ‘no movimento da borboleta o movimento é que se move,/ o perfume é que tem perfume no perfume da flor./ A borboleta é apenas borboleta/ e a flor apenas flor’.

A cigarra e a formiga comparecem ao poema de João de Deus para que seja exaltado o trabalho e repudiada a arte. Tendo cantado no estio, ao chegar o inverno a artista procura a trabalhadora e lhe pede o favor de ‘me emprestar mantimento,/ matar-me a necessidade’, mas ouve em troca que ‘quem leva o estio a cantar,/ leva o inverno a dançar!’. O que a formiga fez foi roubar e destruir as plantações, por que, então, é tão louvada? O famoso viajante francês August de Saint-Hilaire já tinha dito da formiga a sua frase célebre: ‘ou o Brasil acaba com a saúva, ou a saúva acaba com o Brasil’.

Faraco inclui alguns clássicos, presentes em várias antologias, como Cisnes, de Júlio Salusse, carioca, falecido em 1948, aos 76 anos. Depois de dizer dos amantes que ‘nós dois vagamos indolentemente,/ como dois cisnes de alvacentas plumas!’, conclui que é proibido aos viúvos se casarem: ‘que o cisne vivo, cheio de saudade,/ nunca mais cante, nem sozinho nade,/ nem nade nunca ao lado de outro cisne’. Como se vê, o casamento monogâmico era defendido a ferro e fogo, mas também a cisne e água.

Em lendárias narrativas cristãs, os peixes subiram à flor d´água para ouvir o sermão de Santo Antônio. E São Francisco convivia com pássaros e lobos. A paz com o lobo foi obtida de um modo que pode ser tema de redação: ‘Irmão lobo, prometo que, enquanto viveres, não sofrerás fome; porque sei que é por fome que fizeste tanto mal’.

Santos e poetas têm muito em comum. Redigirá melhor quem ler o que escreveram. Invocados no vestibular, a melhor ajuda que os santos podem dar aos escreventes é outra: a leitura dos poetas, que narram em verso e em prosa.’