Thursday, 14 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Kátia Arima

‘Chamada de capa: ‘Internautas de todo o Brasil estavam atrás de um convite para o Sexkut, o Orkut do sexo. Enquanto isso, Wagner Martins, o conhecido Mr. Manson do site Cocadaboa, rolava de rir com seu trote. ‘Nosso humor é engajado e ensina que não se deve acreditar em qualquer coisa’, disse. O sucesso do fictício Sexkut foi tanto que Martins decidiu realmente desenvolver o serviço. Pág. 2’

Orkut do sexo é trote do Cocadaboa

Site de humor é conhecido por publicar mentiras absurdas e enganar incautos

Internautas de todo Brasil estavam atrás de um convite do Sexkut. O serviço, inspirado na famosa rede de relacionamentos Orkut, tinha a proposta picante de acelerar a busca por parceiros sexuais. Enquanto no Orkut os usuários aumentam suas listas de amigos, no Sexkut eles apenas convidam pessoas com quem já tivessem transado.

A notícia do novo serviço foi publicada como verdade por sites e blogs na internet, mas não passava de um trote do Cocadaboa, site conhecido por publicar mentiras e passar trotes. ‘Rimos muito disso tudo’, afirma o criador do Cocadaboa, o Wagner Martins, mais conhecido como Mr. Manson.

Participou da tramóia também o paulista Rui Souza, que fez todo o layout do site falso, que só tinha fachada. ‘A moral da história é que as pessoas acreditam em tudo o que lêem.’ Martins é economista, mas vive hoje para cuidar do Cocadaboa, que tem por volta de 9 mil acessos por dia.

O frisson na internet foi grande. Entre os blogueiros, foi o assunto mais quente da semana passada. No blog Juarezando, alguém protesta: ‘Até para o 1Grau e Par Cristão (redes de relacionamento) já fui convidado, mas Sexkut que é bom nada! Grandes amigos que eu arrumo! Sumam daqui e não voltem sem um convite debaixo do braço!’

Alguns duvidaram, como no caso do Blog Mega Descontrol: ‘Eu acho que isso é uma grande piada, mas fico aqui na torcida para receber um convite para entrar neste serviço.’

Sites de notícias publicaram as estatísticas divulgadas por Martins e os blogueiros caíam na mentira também. ‘Quem diria: o Sexkut já tem 2.500 usuários. E nada de convite para mim ainda, snif!’, publicou o blog Charles? Que Charles?

Os oportunistas de plantão se apressaram para oferecer o convite em sites de leilão como o Mercado Livre. O convite para o Sexkut custava R$ 35. A curiosidade era grande, mas ninguém teve coragem de fazer a compra.

Verdade

Martins e Souza, que armaram a brincadeira, ficaram tão surpresos com a repercussão do Sexkut que resolveram abrir o serviço de verdade. ‘Já estamos desenvolvendo o sistema, que ficará pronto em 15 dias’, revela. ‘Com este trote, descobrimos um mercado incrível.’

O Sexkut verdadeiro será um site destinado a encontrar parceiros sexuais.

Porém, ao contrário do Orkut falso, poderão ser incluídos na lista do usuário qualquer amigo, mesmo que não tenha vínculo sexual.

Martins conta que haverá uma ferramenta que funcionará como o Karma do Orkut. ‘O usuário poderá tirar pontos de uma pessoa que tenha marcado encontro com ela e não tenha comparecido’, explica. Outra diferença com o Orkut é que a responsabilidade perante os amigos incluídos na lista aumenta.

‘Se seu amigo perder pontos, você perde também, pois convidou uma pessoa pouco confiável.’

A partir de hoje os interessados em participar da fase de teste do Sexkut podem fazer sua solicitação no formulário do endereço www.sexkut.com. A história completa da armação do Sexkut vai ao ar hoje no endereço www.cocadaboa.com.br.’



Pedro Dória

‘Eu, o pato alfa do Sexkut’, copyright No Mínimo (www.nominimo.com.br), 23/09/04

‘A semana calhou de começar com a notícia de que o Sexkut, espécie de Orkut onde o único objetivo das pessoas é conhecerem-se para o sexo, não existe. Era trote dum dos principais sites humorísticos brasileiros, o Cocadaboa. E seria apenas mais uma história de trote na Internet não fosse o fato de que o Sexkut saiu, primeiro, no Weblog cá da NoMínimo. Quinze anos de Internet e o pobre do colunista que ora escreve caiu como um patinho.

Pior: caiu feito pato alfa, o primeiro pato, apelido (merecido) escolhido pelo editor do Cocadaboa, Wagner Martins – o Mr. Manson. O Weblog deu a notícia no dia 10 de setembro, poucas horas depois de o site falso ter ido ao ar. Daqui, espalhou-se, ganhou a rede e as páginas impressas Brasil afora. Não é que seja uma vergonha cair em trotes do Cocadaboa, jornalistas cujos nomes representam grifes bem mais vistosas – Ancelmo Gois e Ricardo Noblat, por exemplo – já caíram. De qualquer forma, que vergonha. Neste caso do Sexkut, o Weblog foi o primeiro. Na trilha, seguiram-se o nobilíssimo Marcelo Tas, passou pelo Terra, IG e pelo IDGNow, especializado em informática. Nas páginas impressas, resvalou pela Folha de S. Paulo e pelo carioca O Dia. E tudo começou aqui.

Não foi notícia que desmanchasse reputações ou que levasse o leitor a gastar dinheiro inutilmente. Cá saiu nota de uma linha – ‘Os prezados por ventura já conhecem o Sexkut?’ – que incluía um link. Entre receber a dica, dar uma olhada no site e a publicação da frase não devem ter passado mais que cinco minutos. Então o que houve? Ora, o tempo gasto com a apuração da nota foi relativo à sua relevância. Bastava dizer que estava lá e pronto. Que mais dizer? E não é como se fosse um trote típico – uma moça bonita oferecida, alguém pedindo número de cartão, documento, oferecendo à venda coisa rara. Nada disso.

Cá pra nós, o Sexkut fazia sentido. Sites tipo Orkut estão brotando na Internet quais marias-sem-vergonha na serra, voltados para negócios, para encontros – um sobre sexo era mais que natural. Uma idéia tão óbvia que a turma do Cocadaboa decidiu agora fazê-lo de verdade. (Se é verdade? Excelente pergunta, eles juram que sim. Se era golpe de marketing para ver se o serviço rendia desde o início? Acho pouco provável, mas pato por pato já estou na lista deles de qualquer jeito.)

Mas digamos apenas que a apuração fosse adiante. Dois alertas poderiam ter surgido. O primeiro pelo domínio – ponto com, sem br, ou seja: coisa de quem não tem empresa, não tem um CNPJ e portanto não pode registrar domínio no Brasil. O Sexkut, portanto, era site amador. O segundo pela interface: a cara do Orkut, bastava o site estourar para que o processo viesse. O problema é que uma coisa elimina a outra – é o tipo de erro que um amador poderia muito bem cometer. E, além do mais, a maioria das coisas interessantes que surgem na Internet começam de forma amadorística.

Que testes, no entanto, poderiam ter sido feitos para não cair na piada é que são elas. Por certo tudo teria de começar com uma busca no Google – que não resultaria em nada que não o site. É natural, ele havia entrado no ar naquele mesmo dia. Caberia, na seqüência, uma análise do domínio através do site da Network Solutions, responsável norte-americana pelo registro. Todo domínio tem nome de responsável e telefone de contato. No caso do Sexkut, o responsável se assina Frederick Herrmann, apresenta um endereço em São Paulo, mas o telefone fornecido é um celular do Rio. Uma busca por seu nome no Google em páginas brasileiras não resulta em nada.

A história já estaria estranha e o passo seguinte seria, portanto, ligar para o senhor Herrmann e conversar com ele pelo celular. O pato, coitado, a esta altura estaria conversando com Wagner Martins, editor do Cocadaboa. Que provavelmente manteria a pose. Se desmontaria mediante o simples pedido de uma visita ao site para poder descrevê-lo melhor. Quem desconfiasse que o Cocadaboa estava envolvido, no entanto, descobriria que o celular que acompanha o registro do cocadaboa.com é o mesmo que aparece na ficha do sexkut.com. Mas isso só quem desconfiasse e não foram muitos.

Naturalmente, tempo é o melhor remédio. Basta que um site de relacionamentos novo surja para que convites comecem a ser distribuídos pela rede. É verdade que o Sexkut dizia que só se permitia convidar os que o ilustre membro conhecesse intimamente. O tipo da regra que seria quebrada num segundo e meio. E mesmo que não fosse – após uma semana absolutamente ninguém na rede descrevia o interior do serviço: nenhuma reportagem, nenhum blog, nada. Era hora mesmo de alguém desconfiar – que assim seja.

Esta, portanto, é a anatomia de um hoax, ou seja, de um trote – e também o diagnóstico do mal provocado pela pressa em perceber as novidades da Internet muito rápido. Quem me contou da existência do site por email é fera da rede, cara esperto. Ouviu antes de outro desses – um outro, aliás, que fez o desenho de um dos maiores portais do país. Caíram ambos e me fizeram cair por conta, como fiz outros caírem. Foi, também, a piada com mais sofisticação jamais feita na Internet brasileira. Uma pena e um mico, durma-se com um barulho desses. Quinze anos de rede não deve ser equivalente ao mesmo número de anos em praia de malandro. Mas, vá, nem foi assim tão grave. A primeira vez que este humilde pato caiu num trote da rede foi muito pior – já devidamente contada cá nesta mesma coluna faz uns dois anos.’