Saturday, 02 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

Laura Mattos

‘É proibido exibir ‘reality shows’, telejornais ‘mundo cão’ antes das 20h e pegadinhas com crianças, adolescentes e idosos.

Esses são alguns dos pontos de um termo de compromisso proposto às emissoras de TV pelo Ministério da Justiça (MJ) e pelo Ministério Público Federal (MPF).

O texto veta determinados tipos de programas, sugere a adoção de um ombudsman e a preferência por programação ‘educativa, cultural, artística e informativa’.

Globo, SBT, Record, Rede TV! e Band receberam o documento há cerca de um mês, e havia uma reunião marcada para a última sexta, para que se manifestassem. Estrategicamente, no entanto, os órgãos federais adiaram o encontro por tempo indeterminado. Perceberam que a tendência era que as TVs se recusassem a assiná-lo e chegassem com toda a munição contra a proposta, falando em censura e autoritarismo.

O termo propõe adesão voluntária e não tem força de lei. Poderá, contudo, servir de reforço a futuras ações judiciais contra as TVs. A reação contrária foi forte, e a polêmica irá esquentar nos próximos dias. O Ministério Público Federal espera, ao menos, uma contraproposta. Se as TVs se recusarem até mesmo a discutir o projeto, o MPF deverá entrar com uma série de ações judiciais por reclamações de telespectadores. As queixas atualmente estão paradas, aguardando definição sobre o termo de compromisso.

Censura

As emissoras, porém, não parecem dispostas a negociar. ‘Isso não deve ser assinado. A Constituição garante a liberdade de expressão, e o termo viola esse princípio. Esse texto e as propostas de criação do Conselho Federal de Jornalismo e da Ancinav [Agência Nacional do Audiovisual] mostram uma ofensiva de governo para cercear a liberdade de expressão’, afirma Marcelo Parada, vice-presidente da Band. ‘É curioso que venha do PT, que lutou contra censura e agora, no governo, faz justamente o contrário. O controle social da TV é o controle remoto.’

A Record também se declarou contrária e não irá apresentar uma contraproposta. ‘A Record não aceita nenhuma espécie de controle. Já tem sua ética, uma programação voltada à família. Não tem de assinar nada, porque já existem leis, como a Lei de Imprensa e o Estatuto da Criança e do Adolescente, que punem excessos. E não vai dar nenhuma sugestão [ao governo]. A sugestão é aplicar a lei vigente’, disse Dennis Munhoz, presidente da rede.

Segundo ele, a proposta busca a censura porque proíbe previamente a exibição de programas. Munhoz falou ainda em subjetividade, por exemplo, quando o documento veta ‘reality shows’ por ‘explorarem a intimidade’. ‘O que é intimidade? É relativo.’

Faz coro às TVs José Pizani, recém-eleito presidente da Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV), que representa a Globo. ‘Nossa posição é de não assinar termo algum, o qual consideramos indiscutível. Defendemos auto-regulamentação.’

O SBT afirmou que não iria comentar porque a reunião havia sido adiada em razão da ‘preocupação’ das TVs com ‘qualquer iniciativa que possa resultar em restrição à liberdade de imprensa’. Globo e Rede TV! não se manifestaram oficialmente.

O Ministério da Justiça negou que a iniciativa tenha relação com o conselho de jornalismo ou a Ancinav. A suposição foi negada também pela procuradora Federal dos Direitos do Cidadão, Ela Wiecko de Castilho, que assina o termo. ‘O texto surgiu porque o Ministério Público recebe grande número de reclamações contra a programação das TVs. A discussão existe há mais de um ano.’

A procuradora da República Eugênia Fávero, uma das mentoras do termo, negou a acusação de censura e de ligação com outros projetos do governo. ‘As redes querem se valer disso para dizer que sofrem um ataque. Mas é o contrário. O termo busca um acordo e pode evitar que entremos com ações. Nada tem a ver com censura, que é arbitrária. Mas a liberdade de expressão via TV tem limites impostos pela própria Constituição.’

Ela Castilho afirmou que sua expectativa é que as TVs se comprometam a mudar de postura. ‘Não queremos ser autoritários, mas sim discutir com as redes se estão ou não respeitando o Estatuto da Criança e do Adolescente. Estamos abertos a negociações e queremos um avanço do diálogo. Será que as emissoras não concordam com nenhuma proposta?’

Segundo ela, se as TVs não assumirem nenhum compromisso, o MPF terá de começar a entrar com ações. ‘Temos de dar respostas ao cidadão que nos procura para reclamar da programação.’

Esse é mais um capítulo da antiga novela do controle da programação, que opõe governo e TV. Na era FHC, o MJ tentou negociar uma auto-regulamentação e assinou uma portaria que controlava o horário de exibição dos programas. A primeira idéia não vingou, e a portaria foi derrubada na Justiça. Nos bastidores do governo e das TVs, poucos crêem que o fim do ‘melodrama’ esteja próximo. Colaborou DANIEL CASTRO, colunista da Folha’



Marcelo Rubens Paiva

‘Os malas, as majors…’, copyright O Estado de S. Paulo, 4/09/04

‘O sujeito pediu na bilheteria do cinema: ‘Dois ingressos, um masculino e um feminino.’ Esta cena aconteceu em 2003, onde era exibido Maria, Mãe do Filho de Deus, com o padre Marcelo Rossi. O bilheteiro logo concluiu: é a primeira vez que este cara vem a um cinema.

Nunca foi ao cinema? Nada de mostras, festivais, cineclubes, Casablanca, Amarcord, Tubarão?! Padre Marcelo. Ele era a pulga-atrás-da-orelha, motivou a quebra da rotina: ‘Amor, desliga essa TV e coloca uma roupa bonita. Hoje, vamos ao cinema.’

Os filmes com padre Marcelo (de Moacyr Góes) são engenhosos. Como o coro de uma tragédia grega, ele introduz e pontua um mito bíblico. O de Maria já foi contado. Agora, o de Paulo, em Irmãos de Fé, que estréia no dia 10. Ele mostra um garoto da Febem lendo na Bíblia sobre a conversão de Saulo, algoz dos cristãos, em Paulo (Thiago Lacerda), o corajoso evangelizador que viaja defendendo a nova igreja. Emociona. A árida paisagem nordestina vira Israel.

Na pré-estréia, distribuíram-se lenços, e rezamos o Pai-Nosso, puxado pelo padre. O padre é pop. O padre é bom.

Padre Marcelo, Xuxa e Trapalhões seguem uma tradição de cinema popular que sempre deu certo. E vem aí 2 Filhos de Francisco (de Breno Silveira), com Zezé de Camargo & Luciano. Fui daquelas crianças que esperavam pelos lançamentos de Mazzaropi. Assistia a todos, amava o caipira, imitava-o em quermesses. E, sim, o melhor filme de minha infância foi Roberto Carlos em Ritmo de Aventura. E Vandeca, a mulher mais linda do mundo. Existe produto, existe público. Existe interesse da agência reguladora para que ele aumente?

Tenho dúvidas. Basta ler o anteprojeto do MinC, que cria a Ancinav.

Em 23 de setembro, começa o Festival do Rio. Há uma leva de diretores estreantes, como Heitor Dhalia (Nina), José Eduardo Belmonte (Subterrâneos), Roberto Moreira (Contra Todos), Mauro Lima (Tainá 2, a Aventura Continua), Alice de Andrade (Diabo a Quatro), Felipe Joffily (Ódiquê?). Além deles, exibirão filmes de Domingos de Oliveira, Sylvio Back, Lúcia Murat, Joel Zito Araújo, Helena Solberg, Carlos Reichenbach, Sérgio Rezende e Roberto Gervitz. A maioria foi co-produzida pelas multinacionais Fox, Columbia, Warner, Buena Vista, da Disney, e UIP, as majors, que serão inibidas com a nova lei. A vida não é fácil para essas co-produtoras e distribuidoras com muita paciência ante a instável legislação brasileira. Quando as coisas começam a rolar, como neste ano, em que mais de 50 filmes nacionais serão lançados, vem uma nova norma. Desde o fim da Embrafilme, em 1990, vieram a Lei Rouanet em 1991, a sua regulamentação em 1992, a Lei do Audiovisual em 1993, o decreto 1.494, que modificou a Lei Rouanet em 1995, a Lei 9.874, que modificou de novo a Rouanet em 1999, a MP 2228, que criou a Ancine em 2001, e a Lei 10.454, que modificou esta MP em 2002.

O que o MinC não sabe ou, se sabe, não entende, ou, se entende, não se entende o porquê da interferência: o anteprojeto tira recursos do setor que investe e muito em cinema brasileiro.

Columbia (Carandiru, Deus É Brasileiro, O Homem Que Copiava, Desmundo), Fox (Lisbela e o Prisioneiro, Acquaria, Cristina Quer Casar), Warner (Xuxa Abracadabra, Casseta & Planeta, Ilha Rá-Tim-Bum, O Homem do Ano), Disney (O Caminho das Nuvens), entre outras, aumentaram em 20% a participação no cinema daqui em 2003. Graças ao artigo 3.º da Lei do Audiovisual – que estabelece que qualquer produtor ou distribuidor estrangeiro que receba royalties pode deduzir 70% do imposto remetido investindo aqui -, há grana das majors em 16 dos 20 filmes brasileiros mais assistidos de 2003. Fonte?

Filme B. Em outras palavras, taxando os royalties de Homem Aranha 2, que foi visto por mais de 7,6 milhões de brasileiros, produz-se dois filmes nacionais. Limitando a exibição dele, há menos dinheiro para os brasileiros.

Mas o MinC julga que as majors simulam uma interferência em nossa dinâmica cultural. Que malas…’



Painel do Leitor, Folha de S. Paulo

‘TV’, copyright Folha de S. Paulo, 6/09/04

‘‘Reconheço vários dos méritos da TV Globo apontados por João Roberto Marinho no artigo ‘A TV não é o problema’ (‘Tendências/Debates’, 2/9). Mas faltou, em seu artigo, abordar outros lados da questão Ancinav. O ‘quase-monopólio’ da audiência transforma-se em voz única e corta a rica possibilidade da diversidade. As TVs são concessões públicas, portanto é legítimo que o poder público tenha direito de disciplinar e fiscalizar sua utilização. A expressão cinematográfica vai muito além de Hollywood, e é preciso mecanismo que garantam a pluralidade. O projeto de criação da Ancinav é importantíssimo para sociedade brasileira.’ Fabiana Tambellini (São Paulo, SP)’