Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Leila Reis

‘Domingo vai ao ar a última edição de As Mais Belas Negras do Brasil, mais um dos bem-sucedidos projetos de Netinho, de 34 anos. Responsável por duas das melhores audiências da Record, o cantor reclama da falta de empenho do Comercial da emissora para vender o patrocínio do concurso e diz que negro ainda é tabu na TV. ‘O programa não foi tratado como foi o do Tom Cavalcante e O Aprendiz.’ Mesmo assim, ele não desiste: ano que vem lança o concurso do mais belo negro e quer emplacar uma sitcom.

É difícil fazer programas com e para negros na TV?

Ainda é porque o mercado publicitário reluta em associar a imagem de produtos a negros. Quando apresentei o projeto do As Mais Belas Negras do Brasil, até a minha produção foi contra porque era uma discriminação ao contrário. Se eu não fosse o dono do programa teria sido voto vencido. O bispo Gonçalves (superintendente artístico da Record) foi o primeiro a dar força. Mesmo assim, o Comercial da emissora não conseguiu vender o programa. Acho que houve boicote, porque o programa não foi tratado pelo departamento como foi o do Tom Cavalcante e O Ap rendiz.

Para garotas humildes, felicidade é acesso ao mundo do consumo?

O consumo talvez seja falsa ilusão, mas faz parte do processo de felicidade. Mas não faço só isso, arrumo emprego, dou escola, plano de saúde. Acabo fazendo para poucas moças o que o Estado deveria fazer para todas as pessoas.

Qual é a diferença entre A Mais Bela Negra do Brasil e os concursos de miss?

No nosso, as negras não são minoria. E tem uma sinceridade que os outros não têm. Temos garotas com nível universitário, mas a maioria é gente sofrida, são empregadas domésticas, operárias. Claro que quero mostrar que existem negras lindas, mas o programa é mais que isso. É a valorização do que é nosso, da dança, da música, da cultura negra. Mostrar as coisas boas que a raça tem. No ano que vem, vamos fazer Os Mais Belos Negros do Brasil.

Por que o Domingo da Gente e de A Mais Bela Negra do Brasil estão entre os cinco programas mais vistos da Record?

Negro é um segmento como outro qualquer e quer se sentir prestigiado. Somos muitos e gostamos de nos ver bem na TV.

Você ganhou ou perdeu dinheiro com a Turma do Gueto?

Perdi porque a produtora Casablanca não honrou nosso acordo e passou a negociar direto com a Record. Quando deixei de ser o pai do projeto, desisti. Mas meu objetivo foi cumprido: criar referências negras para o mercado.

E por que acabou a Turma?

Po rque o Comercial não conseguiu vender o patrocínio e porque os conflitos se tornaram violentos demais, embarcaram no estereótipo que a mídia faz do negro.

E o seu projeto de fazer um seriado juvenil com negros?

Est ou trabalhando uma sitcom com uma produtora americana, Jornal Feliz, cujo protagonista é obrigado a se tornar apresentador de TV, fica rico, mas não deixa de morar no gueto. É um pai solteiro, que cuida da filha, da mãe e do irmão. Tem um piloto pronto e estou tentando colocar na Record.

E cinema?

Tenh o um acordo com a Sony para dois longas-metragens. Em março ou abril, começamos os testes para o filme A TV do Ano, dirigido por Jefferson D, com produção do Cacá Diegues. O outro é Um Dia, também dirigido pelo Jefferson.

Você está rico?

Não, eu estou bem de vida.’



TRABALHO NA TV
Bruno Lima

‘Ambiente corporativo conquista rede nacional’, copyright Folha de S. Paulo, 28/11/04

‘Em um país que, segundo dados do IBGE (Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), fechou o ano passado com 8,5 milhões de desempregados, um programa de TV que demite um profissional por episódio é tido como sucesso pela emissora que o exibe. Ao mesmo tempo, estréia uma série que tira piadas de situações típicas do ambiente de escritório, destacando a fofoca de corredor.

O mundo do trabalho, na ficção ou no ‘reality show’, é a mais nova estrela da TV. E o protagonista é o trabalhador, sobretudo aquele que demonstra não possuir as habilidades profissionais mais requisitadas pelo mercado.

Em ‘O Aprendiz’, da Record, a curiosidade de saber quem será o próximo a falhar segura a audiência. Na comédia de situação ‘Os Aspones’, da TV Globo, a incompetência dos funcionários, exagerada na tela, é motivo de riso.

‘É o ‘espetáculo’ feito em cima da guerra pelo trabalho. É o salve-se quem puder. Mas não deixa de ser uma fotografia da realidade. O mundo do trabalho não é muito distante disso’, diz Ricardo Antunes, professor de sociologia do trabalho da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).

Segundo ele, a incerteza sobre manter ou obter um emprego é o que prende os olhos do telespectador. ‘A instabilidade cria a necessidade de buscar o utópico.’

Para Elaine Saad, diretora da consultoria Right Saad Fellipelli, a TV descobriu uma nova demanda. ‘O trabalho começou a ser mais discutido. As pessoas têm de planejar a carreira e não sabem bem como fazer isso’, diz.

Confinados

Assim como os candidatos ao emprego oferecido em ‘O Aprendiz’ (leia na pág. 3), os personagens de ‘Os Aspones’ também estão confinados. Segundo o roteirista Alexandre Machado, 45, um dos autores, o objetivo é tirar humor de situações extremas provocadas pelo confinamento.

‘Os ‘reality shows’ fazem sucesso porque as pessoas ficam presas e se revelam. Quase todo mundo é obrigado a ficar até tal hora [no escritório], mesmo sem ter o que fazer, só para cumprir horário. É a base da neurose humana.’

Ele conta que tem ouvido críticas sobre o ritmo da série. ‘Queríamos o ritmo dos escritórios, e no escritório é assim, não acontece nada na maior parte do dia. É uma pasmaceira’, descreve.

A atriz Marisa Orth, 39, concorda. ‘Em qualquer lugar em que se bate cartão, de produtivo só duas horas [por dia].’ E comemora: ‘Tenho sorte. Nunca tive chefe nem trabalhei com horário fixo’.’

***

‘Especialistas questionam efeitos do programa’, copyright Folha de S. Paulo, 28/11/04

‘Clima de mistério no escritório: quem será o próximo demitido? O que não tem a mínima graça na vida real vira mania na televisão.

Com média de dez pontos de audiência no Ibope (cada ponto equivale a 49,5 mil domicílios na Grande São Paulo), ‘O Aprendiz’ (Record), comandado pelo publicitário Roberto Justus, chega à metade de seu processo seletivo.

Depois de amanhã, o público conhecerá o oitavo demitido dos 16 candidatos. Um emprego com registro em carteira, um ano de estabilidade e salário mensal de pouco mais de R$ 20 mil será o prêmio para o vencedor.

A Folha acompanhou com exclusividade a gravação de uma das provas por que passam os participantes, que, proibidos de dar entrevistas, conversaram informalmente com a reportagem. Os relatos são de animação e aprendizado, apesar do risco de demissão em rede nacional.

De acordo com a rede Record, os candidatos eliminados assinaram um contrato que os proíbe de conceder entrevistas.

‘Temos informação, entretenimento e final com drama. A fórmula agrada’, afirma Justus.

Especialistas em RH e em sociologia que analisaram o programa a pedido da Folha concordam que o show ensina conceitos, mas questionam a qualidade das informações e os efeitos desse aprendizado. O professor de sociologia da USP (Universidade de São Paulo) Ricardo Musse diz que o programa faz o telespectador sublimar o processo de concorrência real. ‘Ele faz uma catarse e se identifica com a autoridade do patrão. É uma forma de justificar as arbitrariedades.’

‘Não se pode imaginar que seja uma reprodução fiel da realidade. Muitas vezes as pessoas são demitidas sem errar, por uma simples reestruturação’, diz Luciana Sarkozy, sócia da Career Center.

Já para Cristiane Gonçalves, da KPMG, com relação aos demais ‘reality shows’, o programa tem vantagens. ‘Não é só observar a vida dos outros, há uma atividade e um resultado final.’’

***

‘Diretora de RH fez seleção do programa’, copyright Folha de S. Paulo, 28/11/04

‘Coordenada por Isabel Arias, diretora de RH (recursos humanos) do grupo Newcomm, a seleção dos 16 participantes de ‘O Aprendiz’ partiu de aproximadamente 30 mil candidatos. ‘Foi a maior seleção que já fiz na vida’, diz ela.

O primeiro filtro, de acordo com Arias, foi eletrônico, eliminando profissionais sem curso superior e sem domínio de um segundo idioma. Com isso, sobraram 10 mil no páreo.

Em seguida, vieram análises das respostas a um questionário com 30 perguntas pessoais, entre elas ‘O que você tem a ensinar a Roberto Justus?’. Também foram pedidas fotos recentes dos candidatos. ‘É TV. Precisávamos não de beleza, mas de boa apresentação.’

Cerca de 640 pessoas foram para dinâmicas de grupo. Apresentações pessoais de 45 segundos e um ranking de controle emocional levaram a 48 escolhidos, que partiram então para testes de vídeo. Vinte finalistas foram escolhidos e, entre esses, foram apontados os 16 participantes. ‘Uma pessoa [escolhida] desistiu. Tinha um salário de R$ 10 mil e preferiu não arriscar’, revela.’

***

‘‘Sou eu quem decide’, afirma Roberto Justus’, copyright Folha de S. Paulo, 28/11/04

‘O publicitário Roberto Justus, 49, repete no Brasil o programa do milionário norte-americano Donald Trump e demite duas pessoas por semana em rede nacional. Leia trechos da entrevista que ele concedeu à Folha.

Folha – É o sr. quem decide quem vai demitir?

Roberto Justus – Sou eu. Os conselheiros me passam informações, e eu faço as coisas. A Record não tem nada a ver com isso, o público não tem nada a ver com isso, ninguém fala nada, ninguém dá palpite, e isso é espetacular.

Folha – Mas o diretor não fala no seu ponto eletrônico?

Justus – Não tem ponto eletrônico, graças a Deus, e nunca vai ter, não admito que tenha. Não tem texto, não tem ‘teleprompter’. É o meu ‘feeling’. Falo para minha namorada e para meus filhos: ‘Quero que vocês acreditem. Em 90% das vezes, eu não sabia quem demitir até o último momento’.

Folha – Isso não torna a demissão sumária e sem muito critério?

Justus – Eu tenho uma noção, mas não sei quem o líder vai trazer para a sala. Às vezes, alguém que eu queria não vai e tenho de ter outros critérios. Tiro deles mesmos a informação.

Folha – O profissional continuará na sua empresa após um ano?

Justus – Há uma grande possibilidade. Mas ele precisa ser muito bom. Se o cara ganha um programa desses, é porque é bom. Não tem sentido ele não continuar conosco lá na frente.

Folha – Ele não vai sofrer preconceito e resistência dos colegas?

Justus – No começo, vai ter um pouco de holofote em cima dele, depois isso vai acabar se acalmando naturalmente. Depois de um ano, será como qualquer outro.

Folha – O sr. disse no ar: ‘Fama e celebridade são para amadores. Este é um programa para profissionais’. É uma referência a outros ‘reality shows’?

Justus – Não quero cutucar ninguém, só deixar claro que estamos falando de negócios. Mas é um programa de TV, não vou negar. Os RHs que me desculpem. Eles me dizem que não, que não é assim. É óbvio que não é uma seleção normal. É um programa de televisão! Mas é um programa pautado por uma coisa séria, estou realmente escolhendo alguém para trabalhar para mim. Não é para inglês ver e depois dane-se, o cara vai embora. Quero o melhor profissional, para deixá-lo aqui [na empresa] por muito tempo.

Folha – E se, no prazo de um ano, a pessoa não se adaptar à empresa ou você estiver insatisfeito?

Justus – Se isso acontecer, a pessoa vai receber o salário equivalente a um ano, que é o prêmio do programa mesmo, e ela vai ter de sair. Não vou forçar nada. Mas ela vai ter de trabalhar alguns meses para sabermos o resultado.

Folha – Essa mídia em cima da demissão não pode trazer algum prejuízo para os demitidos?

Justus – Todo mundo está vendo que é uma coisa simbólica. Eu estou demitindo alguém que ainda nem trabalha para mim. É um sentido figurado, não é uma demissão real por incompetência. O mundo corporativo está vendo que os caras são bons.

Folha – A Célia, demitida no primeiro dia, não terá prejuízos?

Justus – Não acredito. E outra coisa: quando entrou, ela sabia que poderia ser demitida. Ninguém foi obrigado a se inscrever.’

***

‘Em cartório, equipe ‘fala mal’ de ‘Os Aspones’’, copyright Folha de S. Paulo, 28/11/04

‘Falar mal dos outros é o esporte nacional, afirma o personagem de Pedro Paulo Rangel em um dos episódios da série ‘Os Aspones’. No programa, funcionários públicos que nada têm para fazer transformam o nome do órgão em que ‘trabalham’, o FMDO, de Fichário Ministerial de Documentos Oficiais para Falar Mal Dos Outros.

Também sem papas na língua, funcionários públicos do Fórum João Mendes, em São Paulo, a pedido da Folha, revelaram o que pensam do programa.

‘Estou gravando tudo. Eles mostram, com humor, algo que é verdade, a burocracia para conseguir as coisas’, disse Sidnei Gambarini, 29.

O comentário causou protestos dos colegas. ‘O programa passa toda a responsabilidade [pela burocracia] para o funcionário. E nós não só discordamos como também somos vítimas desse sistema’, diz Márcia Coelho, 32. Roberto de Oliveira, 35, lembra que, mesmo sem criar as normas, os funcionários têm de ouvir as reclamações.

‘Acho a série pejorativa’, emenda Eliane Feitosa, 35. Já Fabiano Coccia, 25, destaca que serviço não falta. ‘Tem sempre muito trabalho para fazer.’

Já Antonio Hilário Ramos, 53, diz que acha graça no programa. ‘Não é uma generalização, é uma piada. Quem está no serviço público sabe que tem gente que trabalha muito e tem quem chega e nem amarrota a roupa.’

‘Sou filho de funcionários públicos, pai e mãe. Sei que essa fama não é toda a realidade. O que é massacrante é a burocracia’, diz o ator Pedro Paulo Rangel, 56. ‘O foco [da série] está nas relações humanas. Poderia ser numa oficina mecânica, mas colocar a história numa repartição dá tempero. Todo mundo tem uma experiência de má vontade do serviço público.’’

Marina Faleiros

‘Maratona do emprego na TV vira aula de RH’, copyright O Estado de S. Paulo, 24/11/04

‘Passar por uma entrevista de emprego não é simples na vida real. Imagine então ser avaliado em frente às câmeras e com transmissão nacional, como acontece no reality show O Aprendiz, cuja versão brasileira chegou ontem ao sexto episódio. O programa da Record, que registra bons índices de audiência (11 pontos no Ibope na quinta-feira passada), tem chamado a atenção de especialistas em Recursos Humanos por mostrar como um profissional deve agir em um processo de seleção e quais características pessoais o mercado de trabalho valoriza.

Paulo Pontes, diretor da Divisão de Marketing e Vendas da consultoria Michael Page, diz que um dos pontos positivos no show é a avaliação pessoal de cada participante feita nas reuniões. ‘O candidato sabe por que está saindo, o que muitas vezes não acontece na realidade.’ Por causa desse fator, Isabel Arias, gerente de RH da Newcomm e uma das conselheiras que auxilia o empresário e apresentador Roberto Justus no programa, diz que as pessoas podem tirar ensinamentos sobre o que acontece numa dinâmica de grupo e, por isso, se saírem melhor numa futura entrevista.

Outro destaque é a importância dada ao desempenho em conjunto das equipes. ‘A vantagem de quem assiste ao programa é que, de um lado mais técnico, é possível observar bem como as pessoas trabalham em grupo’, diz Cristiane Gonçalves, gerente de assessoria em gestão de RH da KPMG. Nesta linha, Isabel conta que os participantes também são avaliados pela capacidade de liderar e serem lideradas, além da criatividade apresentada frente às dificuldades do dia-a-dia. O próprio Justus destaca a importância de o programa ressaltar a estratégia do grupo vencedor e afirma que, ao final de cada episódio, procura ter sempre passado uma dica interessante de negócio. ‘As pessoas recebem o que eu chamo de informação com entretenimento’, diz.

E, pelo jeito, a receita é no mínimo atraente para o grande público. Além da versão nacional caminhar bem no Ibope, no canal fechado People+Arts, que transmite no Brasil O Aprendiz original, com Donald Trump, registrou um aumento de 500% na sua audiência no horário do programa, segundo anunciou o próprio canal.

DIFERENÇAS

Mas como em televisão tudo se torna polêmico, muitos também criticam a forma com que o programa é conduzido. ‘Existe uma caracterização de realidade, mas não podemos esquecer que se trata de um programa de televisão’, afirma o consultor da Career Center, Fernando Dias. Para ele, algumas situações são estereotipadas para atender à linguagem televisiva, mas, em contrapartida, as pessoas podem aprender o que se exige de uma pessoa que aspira um cargo de R$ 250 mil anuais, o oferecido pelo programa.

Dias discorda principalmente do modo como a pessoa é demitida do programa. ‘Algumas situações de demissão não são tão violentas na vida real. Pode até acontecer, mas hoje o processo de demissão está cada vez mais natural’, diz. Roberto Justus explica: ‘É uma experiência que não pode ser comparada com os métodos normais, até porque eu nunca demiti da forma que faço no programa. Sempre foi na minha sala, mas não na frente dos outros.’ Para o apresentador, a demissão é quase simbólica, pois a pessoa não está perdendo o emprego, mas sim a oportunidade de conseguir um. Cristiane também não leva em consideração esta atitude. ‘Faz parte do programa, não convém criticar, pois existe o lado teatral que não pode ser esquecido.’

Pontes ainda acredita que o tempo é muito escasso para uma análise melhor dos candidatos. ‘Um bom líder só se forma com o tempo e conforme a equipe que tem. No programa, o tempo é muito curto e o que prevalece é o dia feliz de um candidato’, diz. Ele ainda lembra que, numa corrida por um cargo no mundo real, não existe tanta briga e os problemas de relacionamento não ficam tão expostos. ‘Por isso, eles podem até encontrar a pessoa ideal no programa, mas o que vai prevalecer é o mais astuto, criativo e que sabe fazer jogo político.’’



Bia Abramo

‘‘O Aprendiz’ de Justus cede à malemolência’, copyright Folha de S. Paulo, 28/11/04

‘Tudo parece um pouquinho mais precário do que o original americano, mas ainda assim a versão brasileira de ‘O Aprendiz’ tem se mostrado eficiente. A audiência respondeu com algum entusiasmo, Roberto Justus encontrou o tom e, o melhor, a aclimatação para o, digamos, caráter nacional tem sido espantosamente bem-sucedida.

Suspeitas de marmelada, subversão das regras, atmosfera emocional carregada: é o ‘jeitinho’ brasileiro em sua melhor forma.

Um dos participantes é noivo de uma moça cuja família é anunciante dos canais onde é exibido o programa. Outro chora, range os dentes, faz chantagem emocional. Justus, na semana passada, não demitiu ninguém -aproveitando uma brecha circunstancial, se esquivou de decidir.

É quase uma piada de botequim, mas, no programa, o mundo corporativo ‘made in Brazil’ incorpora a ginga, a malemolência, a informalidade.

Seria uma ilação muito arriscada supor que essa ‘tradução’ ao dialeto nacional tem alguma espécie de equivalência com as diferenças reais dos mundos corporativos americano e brasileiro.

Mas aquilo que aparece em sua caricatura pode ser um sintoma de como os brasileiros imaginam ser.

Em primeiro lugar, é evidente o esforço de mimetismo. Encalacrado no meio de dois equívocos -o interminável ‘Sem Saída’, que, apesar da simpatia de Márcio Garcia, não sai do lugar, e o ingovernável Tom Cavalcante, cuja pretensão é inversamente proporcional à sua capacidade de realização-, o ‘reality show’ tem estado acima da média das produções off-Globo.

O tom de gincana adulta é o mesmo. O incentivo à competição desenfreada e desregrada é o mesmo. A idéia do trabalho como uma espécie de passaporte automático para um mundo de fantasia e privilégio é a mesma. Há que encontrar a transposição mais fiel de cada um dos elementos -as imagens da São Paulo acelerada, feérica, estão ali para confirmar essa possibilidade.

Mas é na figura do ‘patrão’ que as comparações se tornam mais eloqüentes. O curioso é que, com suas diferenças, ambos são apropriadíssimos para o ‘papel’. Se Donald Trump encarna à perfeição a truculência do mundo dos negócios norte-americano, o bom-mocismo de Justus personifica o desejo de ‘ser levado a sério’ do mundo corporativo brasileiro.

Compenetrado, tentando parecer duro e implacável, Justus acaba cedendo, mais do que tudo, às suas simpatias (e antipatias) pessoais. E, ao contrário do que pretende sinalizar o mantra do programa -’Não é nada pessoal, são apenas negócios’-, a maneira de se conduzir de todos, em ‘O Aprendiz’, é bastante pessoal.

O que não seria um problema em si, nem no programa, nem no mundo real, se a macaqueação dos métodos, estratégias, posturas e até da linguagem não fossem a regra em ambos.’