‘O governo e o Congresso vão criar uma comissão para propor, dentro de um mês, um projeto de lei com regras permanentes para que a sociedade brasileira tenha acesso aos arquivos de Estado, entre eles os documentos secretos das Forças Armadas sobre a ditadura militar. A decisão foi tomada ontem de manhã, em reunião do presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP), com o ministro da Defesa, José Viegas, o presidente da Comissão de Direitos Humanos, Mário Heringer (PDT-MG), e o deputado Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP), advogados das famílias de mortos e desaparecidos durante o regime militar.
‘O que precisa é definir quais informações devem ser protegidas como obrigação de Estado e quais podem ser liberadas’, disse João Paulo. A intenção é aprovar uma lei que seja o marco jurídico sobre o assunto e estabeleça regras definitivas para o acesso da sociedade a tais documentos.
PRAZOS
Esta lei substituiria decreto que foi assinado pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso em dezembro de 2002, que determina prazos de até 50 anos para o acesso aos registros da ditadura. A comissão do Legislativo teria, segundo sugestão de João Paulo, cinco parlamentares e seria complementada com pessoas dos Ministério da Defesa, das Relações Exteriores, da Justiça e da Secretaria de Direitos Humanos.
O Ministério da Defesa, segundo Viegas, já está fazendo um levantamento dos documentos que ainda existem sobre a ditadura e outros sobre segurança do Estado brasileiro. ‘Os arquivos do período da ditadura são um episódio do debate, mas ele é mais amplo’, ponderou João Paulo. O encontro, promovido durante café da manhã na residência oficial do presidente da Câmara, possibilitou a João Paulo fazer as primeiras consultas a respeito de uma legislação definitiva para o assunto.
GENERAL
À tarde, João Paulo recebeu em seu gabinete o comandante do Exército, general Francisco Albuquerque, para discutir a questão da abertura dos arquivos militares entre 1964 e 1985. O general deixou a Câmara sem fazer declarações.
O presidente da Câmara vai falar também com os comandantes da Marinha, almirante Roberto Carvalho, e da Aeronáutica, brigadeiro Luiz Carlos Bueno. ‘No mundo todo, quando este tema é enfrentado com rigor, termina sendo transformado em lei, que tem perenidade maior e dá mais estabilidade’, observou João Paulo.
Os Ministérios da Justiça, dos Direitos Humanos e da Defesa estão fazendo uma comparação da atual legislação brasileira com a de países do Primeiro Mundo e da América Latina. A intenção é aproveitar a experiência de outros países no projeto a ser votado pelo Congresso.’
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‘Cabo que entregou papéis não diz de onde eles vieram’, copyright O Estado de S. Paulo, 28/10/2004
‘O ex-cabo José Alves Firmino – que, com o codinome ‘Marcos’, trabalhou para serviços de espionagem do governo e vigiou políticos da oposição mesmo depois do fim da ditadura – passou a tarde, ontem, prestando depoimento à Comissão de Direitos Humanos da Câmara mas não revelou o que os parlamentares mais queriam saber: como foi que a papelama chegou até ele. Foi Firmino quem levou, em 1997, um pacote com cerca de 50 mil documentos reservados do Exército, relatórios sobre atividades da repressão. Essa documentação incluiu as fotos que seriam do padre Leopold D’Astous (e, uma delas, do jornalista Vladimir Herzog), divulgadas pelo Correio Braziliense.
O ex-araponga Firmino disse ser contra a abertura de documentos militares sobre a ditadura militar, apesar de ter entregue muitos deles à Comissão de Direitos Humanos. Mas questionou o trabalho de 540 militares de várias patentes lotados nas sete companhias de inteligência espalhadas pelo País, designados para bisbilhotar políticos.
Firmino passou quase dez anos servindo no Centro de Informações do Exército (CIE) e sua principal missão era bisbilhotar o PT e outros partidos de esquerda, inclusive as atividades do então candidato à Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva, além de movimentos sociais como o Movimento dos Sem-Terra. O ex-agente secreto disse que cumpria ordens e que se sente vítima de perseguição de alguns comandantes do Exército que o abandonaram doente depois de usarem seus serviços.’
Carlos Chaparro
‘Criticar, sim, mas de olho no futuro’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 29/10/2004
‘O XIS DA QUESTÃO – Ricardo Kotscho escreveu que, se Vladimir Herzog voltasse e visitasse uma redação, morreria pela segunda vez – de desgosto e vergonha. Mas o jornalismo de que Kotscho tem saudade é o de uma época em que havia uma ditadura a derrubar. E a ditadura acabou. Não tem sentido criticar o jornalismo de agora pelos parâmetros da saudade – a menos que se queira a volta da ditadura, para que voltem, também, as lutas que fizeram de Kotscho ‘o repórter das Diretas Já’.
1. Alegoria e crítica
Dias atrás, em plena celeuma sobre as fotos de um prisioneiro nu, que seria Vladimir Herzog ainda vivo, a Folha de S. Paulo publicou um pequeno artigo, assinado por Ricardo Kotscho, no qual o atual secretário de Imprensa e Divulgação da Presidência da República evocava o perfil jornalístico de Herzog. Li e recortei o texto, mas o perdi, no tumulto de papéis que me cerca. Me lembro, porém, que o título trabalhava, em forma de alegoria, a idéia de que Herzog morrera duas vezes. E como a publicação do artigo se dava na página dedicada à polêmica em torno das fotos do prisioneiro humilhado, a Folha nos induzia a pensar que o artigo de Ricardo Kotscho fora escrito para aumentar o fogaréu da discussão política em torno do assunto.
Mais tarde, soubemos que não era Herzog o homem das fotos. E, por meio de um quase mea culpa da Folha, discretamente publicado um ou dois dias depois, descobrimos, também, que o artigo do Kotscho nada tinha a ver com o escândalo criado pelo Correio Braziliense. Na verdade, o jornal dos Frias fizera ‘apenas’ uma brincadeirinha desonesta com os seus leitores, transcrevendo, como sendo de agora, um texto que Kotscho escrevera dois anos antes, para a Internet.
Desonestidades à parte, vale a pena relembrar o texto do Kotscho, uma crítica amarga e cética ao jornalismo de hoje e ao modo como é produzido nas redações. Estabelecendo paralelos com o jornalismo dos ideais e das práticas de Vladimir Herzog, o saudosista Ricardo Kotscho execrava os processos e as atitudes do jornalismo de agora. Como ápice da crítica, a alegoria: se Vlado voltasse e visitasse uma redação, morreria pela segunda vez – de desgosto e vergonha.
2. Razões e equívocos da saudade
Ricardo Kotscho foi um dos mais brilhantes autores de texto na imprensa brasileira, nos últimos 40 anos. Nesse período, entre nós, ninguém, como ele, provou que a qualidade de uma reportagem depende da coragem e da ousadia de assumir pontos de vista e de, com pontos de vista, dar rumo à investigação e ao texto.
No caso de Kotscho, os pontos de vista sempre resultaram da estratégia narrativa, por ele deliberadamente assumida desde o início da carreira, de olhar os fatos, os temas e as situações pela perspectiva das vítimas. Por isso, sempre fez jornalismo radicalmente dramático e humanista. Mas, principalmente, jornalismo político, de intervenção, vinculado à luta por valores de democracia que a ditadura vilipendiava.
Na época em que Ricardo Kotscho se tornou um repórter de referência, duas circunstâncias favoreciam as suas escolhas e o seu trabalho de autor, com liberdades e espaço para afirmar o estilo literário que diferenciava os seus textos.
Uma das circunstâncias, o fato de então haver uma ditadura a combater. E a ditadura acabou.
A outra circunstância situava-se nas facilidades financeiras de que a grande imprensa dispunha, com crédito fácil no sistema bancário e, principalmente, papel barato, graças aos incentivos da generosa renúncia fiscal das políticas oficiais. Essa vantagem desapareceu, se é que vantagem era, pois os incentivos que barateavam o papel serviam, também, para chantagear a imprensa. A verdade é que, sem incentivos fiscais, o papel de jornal ficou caro. E o espaço para as grandes reportagens de sabor literário virou lembrança.
3. Olhar o futuro
No enfrentamento da ditadura, não faltavam a Ricardo Kotscho nem pretextos nem assuntos para grandes reportagens. Mas convém não esquecer que a ditadura foi derrubada. E que as mudanças trazidas pela reeducação democrática foram tão profundas – inclusive no jornalismo – que até o próprio Ricardo Kotscho mudou de trincheira. Agora, ele faz parte do poder, elaborando o discurso oficial e socializando-o como verdade.
Na democracia, os sujeitos institucionais – atuando nos conflitos da política, da economia, da cultura, das ideologias – tornaram-se produtores de acontecimentos noticiáveis. Com enorme poder de iniciativa, e competência própria, passaram a gerar conteúdos irrecusáveis, interferindo nos processos jornalísticos.
Isso gerou uma crise nos modos de fazer jornalismo. Sobram notícias nas redações, porque o mundo se tornou falante, em interações de sujeitos institucionalmente organizados, capazes de, com voz própria, produzir e socializar seus próprios discursos. Assim se faz democracia.
Será isso um retrocesso? Claro que não. Mas esse novo cenário coloca novos desafios e novos papéis ao jornalismo, e é isso que importa debater.
Não tem sentido criticar o jornalismo de agora pelos parâmetros da saudade – a menos que se queira a volta da ditadura, para que voltem, também, as lutas que fizeram de Kotscho ‘o repórter das Diretas Já’. Há, sim, muito a criticar e a discutir, no jornalismo de hoje. Mas por outras razões e por outros critérios – as razões e os critérios da construção democrática.
De olho no futuro, não no passado.’
Milton Coelho da Graça
‘Perdoar, sim. Esquecer, nunca’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 25/10/2004
‘Um grande equívoco do ex-repórter e hoje presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro Edson Vidigal, acabou sepultado no meio da enxurrada de noticiário, análises e opiniões sobre a desastrada e mentirosa nota do Centro de Comunicação Social do Exército a respeito das revelações do cabo e agente secreto militar José Firmino.
Recapitulemos o que disse o Ministro: ‘A anistia apaga. Anistia é esquecimento. (…) A agenda do país é outra. Temos que avançar. Há uma comissão em funcionamento no Executivo examinando caso a caso, ressarcindo danos que a ação do Estado tenha causado. Então, é importante que o país olhe para frente. Nada de olhar para trás.’
O Ministro certamente estudou Filosofia e Português no curso de Direito e, mais ainda, para o exercício da magistratura. Mas deveria ter conferido o querido Aurélio, antes de falar à imprensa sobre o significado da palavra ‘anistia’:
‘Anistia (do grego amnestia, pelo latim tardio amenstia) 1. Perdão geral. 2. Jur. Ato pelo qual o poder público declara impuníveis, por motivo de utilidade social, todos quantos, até certo dia, perpetraram certos delitos, em geral políticos, seja fazendo cessar as diligências persecutórias, seja tornando nulas e sem efeito as condenações (Cf. clemência, indulto e graça).’
Vejam que Aurélio teve o cuidado de esclarecer com cuidado a acepção da palavra na área jurídica. Mas o nosso Ministro confundiu – pela pressa ou por um lapsus memoriae – ‘anistia’ com ‘amnésia’, outra palavra derivada da mesma raiz.
Não, Ministro. Anistia perdoa, mas não apaga a memória. Aqueles que foram seus colegas de redação o recordam como um jovem jornalista aparentemente distante de envolvimento direto na contestação ao regime ditatorial. Mas, para nosso Vlado, o exercício do jornalismo lhe exigia lutar por democracia e liberdades democráticas – que V. Exa., no atual cargo, tem a obrigação funcional de defender. E foi essa convicção que o levou à morte sob tortura.
Deixe-me repetir o que disse o então deputado Mata Machado – totalmente insuspeito por ser filiado à Arena, o partido político que defendia o governo militar – depois da morte de seu filho, também sob tortura: ‘Sofrer passa, o que não passa é ter sofrido.’
Todos nós, que de alguma forma lutamos contra a ditadura, também lutamos pela anistia, porque ela era indispensável para a pacificação do país e restauração das instituições democráticas, inclusive a independência do Judiciário. Perdoamos, Ministro, mas é impossível esquecer.
Além disso, ‘não olhar para trás’, como V.Exa. recomenda, é um mau conselho. Devemos olhar para frente sim, mas sempre buscando o caminho correto, que inclui necessariamente a memória dos erros cometidos, como nos lembra aquele pensamento: ‘Quem não aprende com os erros da História, está condenado a repeti-los.’ Em vez de tentar nos recomendar o esquecimento, Ministro, por favor olhe bem para as fotos de Vlado nu e releia, sempre que puder, o relato do crime de que ele foi vítima. Sofreu. Isso fortalecerá o seu compromisso, já tantas vezes demonstrado, com os deveres constitucionais.’
Augusto Nunes
‘A História será sempre exumada’, copyright Jornal do Brasil, 31/10/2004
‘A Carta de Pero Vaz de Caminha é mais que a certidão de batismo daquelas terras localizadas pelas caravelas. Também antecipa, na forma e no conteúdo, a performance dos legisladores que tentariam orientar o nascituro nos séculos seguintes.
Para Caminha, bastou tatear alguns milímetros de um ponto ignorado da pele para derramar-se na completa descrição de um bebê. Confinado na orla da Bahia, ele pouco vira, quase nada. Bastou-lhe para preencher dúzias de páginas com a convicção de quem fizera pesquisas, todas minuciosas e demoradas, do Oiapoque ao Chuí.
Apressado, palavroso, mas avesso ao exame prévio de matizes e detalhes, Caminha teria, como legislador, emprego garantido no Brasil moderno. Os afilhados seguem os métodos do padrinho. Produzem textos que, como a Carta, tentam empilhar milhões de quilômetros quadrados num pedaço de praia.
Um bom exemplo está no decreto nº 4.553, de 27 de dezembro de 2002, que ‘dispõe sobre a salvaguarda de dados, informações, documentos e materiais sigilosos de interesse da segurança da sociedade e do Estado, no âmbito da Administração Pública Federal e dá outras providências’. Assinado por Fernando Henrique Cardoso em sua última semana no poder, não honra a imagem de um sociólogo que amava pesquisas históricas.
O texto determina que o sigilo de 50 anos imposto à papelada considerada ultra-secreta ‘poderá ser renovado indefinidamente, de acordo com o interesse da sociedade e do Estado’. Tradução: o segredo pode ser eterno. Extenso e palavroso como a Carta de Caminha, o decreto sugere que os redatores se preocuparam com minúcias. Falso. Passa ao largo de itens fundamentais para a catalogação dos documentos do gênero.
Papéis oficiais sigilosos existem em qualquer lugar do mundo, mas a classificação de cada um merece cuidados que o decreto ignorou. Países civilizados recrutam especialistas para tal trabalho, cada página é criteriosamente analisada. Algumas informações são eventualmente riscadas para sempre. Mas os prazos estabelecidos são rigorosamente respeitados, e nenhuma democracia ousou instituir a eternização do segredo.
À falta de justificativas convincentes, ganharam força versões pouco edificantes. Numa delas, FH teria tentado, com o decreto, enterrar na mesma cova profunda tanto segredos da era militar quanto maus momentos protagonizados por condutores do processo de privatização de empresas estatais. De quebra, foram sepultadas informações envolvendo figurões do PT. A versão tornaria menos estranha a tibieza de Lula no trato do tema.
O decreto talvez já estivesse revogado se a exumação coletiva exibisse apenas cadáveres saídos dos porões da ditadura. Mas também emergiriam outros esqueletos incômodos. Ocorre que o Brasil quer conhecer o próprio passado, e a História será de alguma forma exumada. Resta a Lula agir.
‘O problema mais difícil do mundo, quando bem equacionado, acabará resolvido’, ensinou Mario Henrique Simonsen. ‘E o mais fácil, mal equacionado, nunca terá solução.’ Coragem, presidente.’
Olavo de Carvalho
‘Agitando a lama’, copyright O Globo, 31/10/2004
‘Em janeiro de 1976, o jornal do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, Unidade, publicou uma edição especial com o abaixo-assinado no qual 467 membros da classe, contestando a versão oficial da morte de Vladimir Herzog, exigiam da Justiça Militar uma nova investigação. O documento pode ser visto no site http://www.partes.com.br/memoria08.html . Meu nome não somente está na lista de signatários, mas é também o de um dos responsáveis por aquela edição, o mais ousado protesto coletivo até então realizado pelos jornalistas contra o regime imperante. Minha posição no caso foi clara e inequívoca.
Nessas condições, não posso senão concordar com Milton Coelho da Graça quando diz que anistia não é esquecimento, que a verdade histórica não deve ser sufocada sob o pretexto de não reabrir feridas.
Apenas observo que é indecente querer reabrir só uma parte da verdade para encobrir as restantes sob o fulgor hipnótico de revelações unilaterais. Ora, isso é precisamente o que a nossa mídia vem propondo.
A rapidez com que tantos comentaristas celebraram como ‘prova definitiva’ a publicação das fotos do suposto Vladimir Herzog só foi superada pela presteza com que, falhada a operação, anunciaram que afinal não tinha a menor importância saber se as imagens eram ou não do jornalista.
O importante, sim, era dobrar a espinha das Forças Armadas, e este objetivo tinha sido plenamente alcançado. Parabenizado de início como revelador da verdade, o ‘Correio Braziliense’ pareceu ter ainda mais méritos como cúmplice consciente ou inconsciente de uma fraude bem-sucedida.
A avaliação dos fatos é a medula do jornalismo. Se um acontecimento é da maior importância quando suja a reputação dos nossos inimigos mas se torna repentinamente irrelevante quando ameaça enlamear a nossa, o critério subentendido nesse julgamento é o do maquiavelismo político, não o da honestidade.
O tal cabo Firmino, por exemplo, aparece do nada trazendo provas falsas. Revelada a treta, como continuar acreditando que ele trabalhou para os serviços de segurança? Por que não investigar se, ao contrário, ele se infiltrou no Exército a mando de organizações de esquerda, às quais continua servindo agora em novas e evidentes funções?
Mais ainda, é óbvio que a verdadeira história dos ‘anos de chumbo’ jamais poderá ser esclarecida sem a plena elucidação das conexões internacionais do terrorismo brasileiro. O sr. José Dirceu, por exemplo, foi oficial da inteligência militar cubana, cúmplice direto de uma ditadura genocida que não matou menos de cem mil pessoas. Acreditar que fizesse isso por amor aos direitos humanos é abusar do direito à idiotice. Mas quantos outros brasileiros exerceram funções análogas, antes e depois do fracasso das guerrilhas? Quantos prisioneiros foram torturados e mortos nos cárceres de Havana, na época, com a amável complacência daqueles apóstolos do bem, protegidos de Fidel Castro? Podemos ter a certeza de que nenhum ‘desaparecido’ jaz num cemitério clandestino de Havana, ‘justiçado’ por traição à causa como Márcio Toledo? Quais as articulações da guerrilha brasileira com a Olas (Organização de Solidariedade Latino-Americana), antecessora do Foro de São Paulo, e qual a ligação dela com os governos soviético e chinês que nas décadas de 60 e 70 fizeram pelo menos quatro milhões de vítimas em várias partes do mundo? É ridículo imaginar que a opacidade dos tempos passados possa ser removida sem a exaustiva investigação desses capítulos macabros. Mesmo episódios anteriores da história da esquerda só recentemente começam a ser esclarecidos. Nos Arquivos de Moscou, William Waack descobriu que Olga Benario não tinha sido uma pobre idealista punida por delito de consciência, mas a agente de um serviço secreto militar que, na mesma ocasião, colaborava intensamente com o governo nazista. Que é que o beautiful people esquerdista fez com essa informação? Tratou de escondê-la sob o brilho de uma ficção cinematográfica. Como acreditar que agora ele quer a verdade, nada mais que a verdade? A mim me parece que ele quer mesmo é agitar a lama para que ninguém enxergue o fundo do poço.’