Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Livio Tragtenberg

‘Volto ao assunto da ‘reforma agrária no direito autoral’ porque a réplica de Ronaldo Lemos (Ilustrada, 9 de junho) coloca uma questão fundamental. O articulista atribui a mim ‘desconhecimento’ de causa, quando se trata, na verdade, de uma divergência básica. Portanto, com o texto que segue, considero esclarecida as dúvidas e colocado o meu ponto de vista.

O articulista acredita que ‘fomentar a ampla circulação da cultura passa a ser não mais um problema ligado à infra-estrutura das redes de comunicação, mas à propriedade intelectual sobre os componentes desse sistema’. Discordo. Historicamente as tecnologias de comunicação são criadas para um ou mais usos que respondam a demandas de mercado, determinando em seu sistema praticamente todas as modalidades de sua aplicabilidade. Apenas um espaço periférico e inofensivo -em termos sistêmicos e mercadológicos- pode ser aproveitado por usos alternativos.

A internet, por exemplo, é majoritariamente usada e acessada para vendas, sites de sexo e bate-papo; seu uso com conteúdos não-comerciais (ou culturais) ocupa um pequeno espaço.

Mas daí a acreditar que as novas tecnologias de comunicação são veículos neutros é, a meu ver, um erro de avaliação. Mesmo no ambiente digital, continuamos consumidores de servidores e operadoras de telefonia fixa e móvel. Por favor, não tentem nos vender mais um ‘admirável mundo novo’ para os próximos anos.

Portanto continua essencial mexer na política de concessões dos meios de comunicação existentes e dos que serão criados. O uso que faremos deles depende do acesso que tenhamos a esses meios. De outra forma, continuaremos a ocupar um espaço periférico na comunicação social.

Penso nos 99% da população condenados a uma TV aberta medíocre e às cadeias de rádio dominadas por grupos políticos e religiosos. Quero para já uma comunicação mais democrática, e isso não vem só através de mudanças tecnológicas. Gostaríamos de ver o Ministério da Cultura no corpo-a-corpo do Congresso, lutando por projetos de base, como uma revisão nos critérios de concessão de órgãos de comunicação. Lutando por um aperfeiçoamento da cobrança de direitos autorais.

Em seu artigo, Ronaldo Lemos nos oferece a descrição de um Paraíso na terra, ao relacionar uma série de iniciativas que se conjugariam ao fomento proposto pelo MinC, mas não diz como, com que dinheiro e quando alcançaremos essa terra prometida da cultura democratizada, um tanto idealizada em conceitos como ‘cultura livre’. Soa como mais um documento de boas intenções que uma política factível.

Ao final, Lemos diz que: ‘Esperamos a oportunidade de acessarmos (e samplearmos) seu trabalho pela rede, com licença Creative Commons’. Desde o ano passado, é possível acessar meu último CD, ‘Danças Brasileiras’, na internet, que, aliás, já é copyleft. Livio Tragtenberg é compositor’



Ronaldo Lemos

‘Descentralização para quebrar barreiras’, copyright Folha de S. Paulo, 19/06/04

‘A resposta que escrevi a Livio Tragtenberg nesta Ilustrada no dia 9 de junho ressalta dois aspectos. O primeiro de que a convergência de mídias, trazida pela tecnologia digital e pela internet, torna obsoleto o debate tradicional sobre a concentração dos meios de comunicação. O segundo de que o Ministério da Cultura está ciente dessas transformações e tem definido suas políticas públicas em consonância com isso.

Quanto ao primeiro ponto, Livio afirma que, apesar dessas mudanças, o foco deve continuar na ‘revisão dos critérios de concessão de órgãos de comunicação’. Ocorre que isso não é suficiente e não produzirá resultados práticos a longo prazo. Uma política cultural consciente deve reconhecer que a barreira entre produtores e consumidores de cultura está sendo superada; os blogs, fotologs, as redes sociais, o RSS, a Wikipedia e o software livre são apenas a superfície. O modelo a ser fomentado é não o da comunicação de ‘um para muitos’, mas sim de ‘muitos para muitos’. A cultura deve ser criada por todos, em tempo real e não apenas pelos órgãos de comunicação que recebem concessões governamentais, seja lá quem tenha acesso a eles.

Livio reclama, com razão apenas parcial, que a internet se transformou em um grande shopping center ou mercado negro. Se isso ocorreu, não foi por causa de quem controla a infra-estrutura física da rede. Houve, sim, concentração na estrutura lógica da rede (software) e nos conteúdos que trafegam por ela (protegidos por direito autoral). São esses elementos, insisto, que precisam ser descentralizados.

E, quando falo em internet, não me refiro aos 10% de brasileiros que têm acesso hoje a um computador ligado a ela. Refiro-me ao fato de que, nos próximos dez anos, nossa televisão e nossos aparelhos celulares (hoje são 50 milhões) serão a ‘internet’. Essa é a mídia a ser ‘descentralizada’ da forma descrita acima, com relevância para 100% dos brasileiros, sob pena de reproduzirmos o modelo do passado.

Quanto às políticas públicas do MinC, tive a oportunidade de trabalhar com a recém-criada área de cultura digital no lançamento do projeto Creative Commons (para quem não sabe o que é, basta assistir aos filmes em português no site mirrors.creativecommons.org). Há pelo menos dois projetos desenvolvidos por essa área que estão em sintonia com o modelo: os Pontos de Cultura, estúdios multimídia plugados na rede com software livre em áreas de baixo Índice de Desenvolvimento Humano, e a criação de um espaço digital para preservação e disseminação da cultura brasileira.

Por fim, não há ‘admirável mundo novo’ nem ‘Paraíso na terra’. Há apenas a necessidade de fazer algo em face de um pessimismo que aumenta na mesma medida em que é pequeno o número de pessoas que reconhece qual é o verdadeiro debate que importa. Ronaldo Lemos é mestre em direito pela Universidade Harvard e diretor do Centro de Tecnologia e Sociedade da Escola de Direito da FGV’



COMUNICAÇÃO PÚBLICA
Eduardo Ribeiro

‘Comunicação no Serviço Público ganha espaço’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 16/06/04

‘Insumo estratégico para qualquer organização, a comunicação tem sido uma das atividades mais valorizadas do setor público brasileiro nos últimos anos, se não pelos salários (que continuam deixando muito a desejar) ao menos pela capilaridade obtida nas mais diferentes esferas e em todo o País.

Estimar, por exemplo, quantos jornalistas trabalham atualmente para órgãos públicos como assessores de imprensa ou em outras funções de comunicação é tarefa das mais difíceis, em função da ausência de estatísticas ou dados confiáveis. Mas sabe-se que é muita gente. Hoje, para se ter uma idéia, não há um bom vereador ou um bom deputado sem um assessor de imprensa, que dirá uma organização do porte e dimensão de uma Petrobras, com unidades espalhadas em todo o País.

Temos, pois, jornalistas nas várias esferas da Justiça, seja ela trabalhista, eleitoral ou cível e também nas inúmeras casas legislativas (estaduais e municipais) espalhadas por esse Brasil afora. Se pensarmos em prefeituras (das maiores cidades, é claro), nos governos estaduais e no Governo Federal, esse número cresce assustadoramente. São equipes inteiras em ministérios, secretarias, autarquias e mesmo no núcleo central do Executivo.

Se falarmos que hoje há entre 5 e 10 mil jornalistas trabalhando no setor público brasileiro certamente isso não seria nenhum exagero.

Mas além dos jornalistas temos também centenas de colegas da área de relações públicas, que, a cada dia, começam a ganhar espaço na administração pública, ao lado de marqueteiros e dos colegas da propaganda.

Isso mostra que a área pública acordou para a necessidade de se comunicar de forma correta e eficaz com a sociedade e demais públicos e mesmo internamente com seus colaboradores.

Um dos problemas que a comunicação pública vem enfrentando, por conta desse crescimento vigoroso da atividade, seja em contratações seja efetivamente na aplicação dos conceitos e técnicas de comunicação, é a falta de formação específica para a atividade, fazendo com que a comunicação pública no Brasil mostre-se majoritariamente empírica, feita na base da tentativa e erro.

Quatro anos atrás, pude constatar isso na prática ao conferir os números de participação do Congresso Brasileiro de Jornalismo Empresarial, Assessoria de Imprensa e Relações Públicas que nossa empresa, a Mega Brasil, organiza já há mais de dez anos: cerca de 35% dos congressistas eram oriundos da área pública, número que, obviamente, chamou muito a nossa atenção. Nas discussões posteriores que tivemos chegamos as seguintes e óbvias conclusões: o efetivo interesse por participar de uma iniciativa como essa, mesmo sendo um evento focado no setor empresarial privado decorria (1) da qualidade do evento e (2) da ausência de iniciativas do gênero focadas no serviço público.

Daí a lançarmos um novo evento, específico para o Setor Público, foi um passo. Um decisivo e acertado passo. Criamos, então, um evento exclusivo para a comunicação no serviço público, que, agora em 2004, vai para a quarta edição (quem quiser conhecer os detalhes da programação é só entrar no www.megabrasil.com) e que se transformou num dos mais importantes da América Latina.

Outras organizações tiveram a mesma visão e desde então algumas outras iniciativas tem sido realizadas no País, embora com grande concentração em São Paulo. São cursos de pós-graduação, seminários etc, permitindo que um setor que nada tinha em termos de desenvolvimento e reciclagem profissional ganhasse consistência e reconhecimento.

O Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo, por exemplo, decidiu organizar o seu I Seminário de Comunicação no Serviço Público para Jornalistas: Desmistificando o Serviço e o Servidor. Trata-se de uma iniciativa da Comissão de Assessorias de Imprensa da entidade, em parceria com a Diretoria de Imprensa da Federação das Entidades de Servidores Públicos do Estado de São Paulo (FESPESP), programada para o dia 19 de junho (sábado), das 8 às 18h, no auditório Vladimir Herzog, localizado na sede do Sindicato (Rua Rego Freitas, 530, sobreloja). É um evento que vai abordar a visão do jornalista sobre o serviço público, o histórico da comunicação nesses órgãos, além da fragilidade da cobertura da mídia. A entrada é franca e as inscrições se encerram nesta quarta-feira,16 de junho. Informações adicionais podem ser obtidas nos telefones 11-3104-3836 ou 3217-6299, com Eloísa.

Outra instituição que decidiu investir neste segmento foi a Faculdade Metrocamp, de Campinas, que criou o primeiro curso de Pós-graduação em Comunicação no Serviço Público. Coordenado pela professora Maria José da Costa Oliveira, o curso tem por objetivo distinguir a Comunicação Pública da Comunicação Governamental e Política, apresentando conceitos como marketing público e político, ética e responsabilidade social, de forma que se integrem dentro de uma perspectiva de comunicação para a cidadania. Quem tiver interesse neste curso pode pegar outras informações no telefone 19-3294-0770.

Mais recentemente foi a vez da ESPM anunciar a criação de um curso de Pós-Graduação em Comunicação Pública, que vai numa linha muito parecida buscando combinar aperfeiçoamento técnico, com postura política e ética. É um curso de um ano de duração voltado para profissionais que integram quadros gerenciais superiores das diversas esferas de governo Federal, Estaduais e Municipais, e também para outros interessados no tema. O programa está dividido em dez módulos: Estado, Governo e Sociedade; O Cidadão como Parceiro do Estado; Estado e Estratégias de Comunicação Pública; Estudo da Mídia Brasileira; Comunicação e Cultura nas Organizações Públicas; Administração de Sistemas Integrados de Comunicação Pública; Mobilização e Propaganda Ideológica de Estado; Planejamento e Implementação de Campanhas Publicitárias Sociais; Gerenciamento de Crise na Comunicação Pública e Palestras e discussão de casos com orientação de profissionais do mercado. O coordenador do curso, Vladimir Safatle, é doutor em Filosofia pela Universidade de Paris VIII; professor de graduação e mestrado; e encarregado de curso no Collége Internacional de Philosophie – Paris. Os interessados poderão conferir a íntegra do programa no site da Escola (www.espm.br) ou então pelo telefone 11-5085-4525 / 26 / 27.

Outro ponto que demonstra a vitalidade desse segmento é o interesse que tem despertado nas agências de comunicação, que, com justa razão, querem fazer parte deste universo. Hoje, elas estão praticamente alijadas do processo por conta de um modelo que privilegia a entrega das verbas, por processo de licitação, às agências de propaganda. A luta é para que a esfera pública, seja no Executivo, no Legislativo ou mesmo no Judiciário, preveja também orçamentos para a comunicação institucional e faça licitação entre as empresas que estão no mercado. É um processo demorado, mas nem por isso menos importante, visto que pode ser um movimento de intensa mudança nos objetivos de comunicação da área pública. Ao se valer da vivência de empresas que estão há anos no mercado, acumulando um precioso know-how, o setor público tenderá a ganhar muito em eficácia, agilidade e transparência. E com ele, a própria sociedade, que, ao ter novos canais, poderá interagir de forma muito mais efetiva com o poder público.

Como se vê, vão longe os tempos em que a Comunicação no serviço público era mera coadjuvante e um grande cabide de empregos para empregar jornalistas amigos das autoridades de plantão.

Temos, no País, um exército de bons profissionais, que a cada dia se preparam melhor tanto para o exercício do poder, quanto da cidadania. E isso é imperativo para termos uma democracia ainda mais fortalecida.

Precisamos de comunicadores que não sejam mero reprodutores de idéias e falas dos chefes de plantão, mas sim de outros capazes de impor uma visão correta do processo, de alertar para as conseqüências dos eventuais desmandos, de fazer valer a comunicação de duas vias, ou seja, daquela que fala e ouve a população, enfim, de planejar a atividade, dando-lhe começo, meio e fim, de tal modo a comprometer as autoridades com uma prática saudável e transparente de servir a população e não de se valer da condição de autoridade para enganá-la, como muito se tem feito, anos a fio.

Quem viver verá!’