‘Em um movimento inédito, a Kraft Foods, maior fabricante de alimentos dos EUA, anunciou ontem que vai tirar de circulação anúncios de produtos sem valor nutritivo ou com alto teor calórico veiculados em programas e publicações para crianças de até 11 anos.
A empresa enfrenta uma queda nas vendas de biscoitos, um de seus carros-chefes, e tenta reformular sua estratégia de vendas, adotando embalagens menores e apelando aos consumidores preocupados com a forma.
Entre os produtos afetados pela nova restrição estão a marca de biscoito Oreo e vários outros, salgadinhos e doces comuns na lancheira das crianças, cujo valor nutritivo, segundo a fabricante, é inexpressivo. Os anúncios devem ser retirados de circulação paulatinamente até o fim deste ano. Anteriormente, a Kraft já trabalhava com uma restrição dos anúncios para crianças com menos de seis anos.
‘Estamos trabalhando em maneiras de incentivar tanto os adultos quanto as crianças a comer de maneira mais inteligente, optando por dietas mais balanceadas em termos nutricionais’, disse Lance Friedmann, vice-presidente da Kraft para saúde e bem-estar, em comunicado à imprensa.
A medida faz parte de uma estratégia para lidar com as crescentes preocupações do público americano com a obesidade infantil. Segundo pesquisas, 15% das crianças nos EUA estão acima de seu peso ideal.
Biscoito X arroz integral
Outra mudança anunciada é a adoção de um selo nas embalagens de determinados produtos considerados mais nutritivos ou saudáveis -com menor teor de açúcar e gordura. Arroz integral, leite semidesnatado e refrescos sem açúcar são alguns itens que devem receber a etiqueta ‘Sensible Solution’ (‘solução sensata’, em português) e substituir as guloseimas nas campanhas de marketing da empresa.
O critério para a seleção desses produtos, segundo a Kraft, foi estabelecido pela empresa com base no documento Diretrizes para a Dieta Americana em 2005, além de critérios estabelecidos pela FDA – a agência reguladora do setor nos de comida e remédios nos EUA –, pela Academia Nacional de Ciências e por outros órgãos de saúde pública.
A iniciativa da Kraft ocorre diante do aumento das críticas de grupos de consumidores que acusam os fabricantes de alimentos de contribuir com o aumento da obesidade infantil nos EUA.
‘Ambas as iniciativas anunciadas hoje [ontem] fazem parte de esforços mais amplos para lidar com a preocupação dos consumidores com saúde e bem-estar, incluindo o desafio para a saúde mundial que é o aumento das taxas de obesidade’, diz a empresa no comunicado à imprensa.
‘Outras medidas tomadas incluem a melhoria das tabelas de informação sobre nutrientes nas embalagens, o aumento do teor nutricional de nosso portfólio de produtos, por meio da reformulação ou criação de itens, e o apoio a iniciativas comunitárias para a saúde e o bem-estar.’
No Brasil, a Kraft Foods argumenta que sempre manteve uma ‘comunicação responsável’ com os seus consumidores. Segundo a companhia, já está definido que há um cronograma de adequação de campanhas de marketing para o público infantil de 6 a 11 anos. ‘A medida entra em vigor em todos os demais países nos quais a Kraft está presente, inclusive o Brasil, até o final de 2006, respeitando-se os contratos em vigor’, disse a Kraft em nota.
Entre os produtos da Kraft mais conhecidos no Brasil, além do Oreo, estão os chocolates Milka e Toblerone.
Hoje, 64,5% dos americanos com mais de 20 anos estão acima do peso, 30,5% são obesos e 4,7% são severamente obesos, segundo a AOA (Associação Americana de Obesidade, pela sigla em inglês).
De acordo com o CSPI, ONG americana, um quarto das crianças americanas com idades entre 5 e 10 anos tem pressão alta, nível elevado de colesterol e outros fatores de risco para doenças coronarianas em decorrência do excesso de peso.
‘Os pais tentam fazer os seus filhos comerem bananas, verdura e pão integral, mas essas mensagens são superadas pela propaganda de batata frita, biscoitos e doces’, diz Margo Wootan, do CSPI.’
Folha de S. Paulo
‘Comer, beber e fumar’, copyright Folha de S. Paulo, 16/1/05
‘Em resposta aos cada vez mais inquietantes índices de obesidade infantil e à conseqüente pressão da opinião pública, a Kraft, maior produtora de alimentos dos EUA, anunciou que vai restringir a publicidade de alguns de seus produtos. Paralelamente, no Brasil, o governo do Estado do Rio de Janeiro proibiu a venda e a propaganda de alimentos e bebidas que colaborem para a obesidade infantil nas escolas públicas e particulares -embora sem estipular sanção para os transgressores.
A Kraft quer deixar de veicular até o final deste ano propagandas de gêneros alimentícios com baixo valor nutritivo ou altamente calóricos em publicações ou programas de TV dos EUA voltados para crianças de até 11 anos. Até o final de 2006, a estratégia deverá ser estendida para todos os países onde a Kraft, vice-líder mundial na área, atua, incluindo o Brasil.
O problema do sobrepeso é mundial e preocupa as autoridades sanitárias. Nos EUA, o quadro é alarmante. De acordo com dados da AOA (Associação Americana de Obesidade), 64,5% dos norte-americanos estão acima do peso, sendo mais da metade obesos de fato. Entre crianças de 6 a 11 anos, 30,3% estão com sobrepeso, sendo a metade destas obesas. No Brasil, os números são mais modestos, mas também preocupam. O sobrepeso, medido pelo IBGE, atinge 40% dos adultos, dos quais pouco mais de um quarto são tecnicamente obesos. Das crianças, 35% estão acima do peso, 3/4 das quais são obesas. Essa situação, aliás, foi objeto de uma reportagem do jornal ‘The New York Times’, ilustrada com imagens de mulheres acima do peso na praia de Ipanema -célebre pela bela ‘garota’ cantada por Tom Jobim e Vinicius de Morais.
Os riscos do excesso de peso transcendem à estética, relacionando-se a uma miríade de moléstias que inclui doenças cardiovasculares e até alguns tipos de câncer. Antes tidos como males de adulto, hipertensão arterial, diabetes tipo 2 e dislipidemias (excesso de gorduras no sangue), complicações associadas ao excesso de peso, atingem crescentemente o universo infantil.
Cada vez mais, cuidados com a alimentação preocupam as pessoas e ganham espaço no imaginário das sociedades. Ao que tudo indica, a chamada ‘junk food’ (alimentos com baixo valor nutricional) está por se tornar a nova vilã da saúde pública, sucedendo o fumo e o álcool.
O que a Kraft fez foi apenas antecipar-se a essa tendência, evitando danos maiores à sua imagem. Vale notar que também o McDonald´s, espécie de templo da ‘junk food’, percebeu a mudança de ventos e vai incorporando saladas e frutas a seu cardápio, do qual, aliás, já consta uma tabela com os valores nutricionais.
A questão pública que se coloca é se -e até que ponto– o poder público deve interferir na publicidade de alimentos. Não há dúvida de que freqüentemente o comercial dirigido a crianças é uma punhalada nas costas dos pais. Crianças são desprovidas de senso crítico, não conhecem freios ao consumismo, deixam-se manipular facilmente e não têm renda -de modo que são os responsáveis que sentem nos ouvidos e nos bolsos o resultado dos comerciais. Empresas verdadeiramente éticas dirigiriam sua publicidade aos adultos. Essa, entretanto, não é uma questão para o Estado regular.
No que diz respeito à saúde -esse sim um espaço típico para a atuação do poder público-, a questão é igualmente complexa. Muitos estabelecem uma analogia entre alimentos calóricos e o tabaco e o álcool, cuja publicidade vem sendo cerceada no mundo inteiro. A comparação é indevida. Fumo e álcool são drogas. A comida é necessária à vida. Parece grotesco criar leis estipulando níveis calóricos ou de gorduras a partir dos quais a propaganda seria restringida.
O mais indicado é apostar na capacidade do setor alimentício de se auto-regular. Empresas como Kraft e McDonald´s são os maiores interessados em preservar sua imagem. Ao setor público cabe a tarefa de regulamentar a rotulagem dos produtos, exigindo a apresentação das informações relevantes, e tentar promover a educação nutricional.’
BRASIL OBESO
‘A última do ‘New York Times’: calorias estão à mostra nas praias brasileiras’, copyright O Globo, 14/1/05
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O jornal ‘The New York Times’ disse ontem em reportagem na editoria internacional que o Brasil vem enfrentando uma epidemia de obesidade, apesar da imagem que se tem no exterior de que as brasileiras têm belos corpos. Com o título ‘Praias para esbeltos, onde as calorias estão à mostra’, o correspondente Larry Rohter começa a reportagem de forma irônica: ‘Brasileiros gordos? Numa sociedade preocupada com a forma física cujos símbolos para a cultura mundial incluem a Garota de Ipanema, a tanga, Gisele Bündchen e outras supermodelos, a idéia parece herética. Mas um controvertido estudo do governo divulgado no mês passado confirma a mudança: o Brasil está enfrentando uma epidemia de obesidade.’‘NYT’ lembra polêmica sobre a pesquisa do IBGE
O jornal americano afirma que, segundo pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgada no momento da chegada do verão, quando pessoas vão à praia em roupas sumárias, mais de 40% da população adulta estão acima do peso. A reportagem lembra que ‘mais de dez milhões de pessoas estão obesas, segundo os padrões internacionais, e que menos de quatro milhões estão subnutridas.’
Larry Rohter recorda que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva imediatamente contestou os dados da pesquisa. ‘O governo do Partido dos Trabalhadores sempre sustentou que a fome, não a obesidade, é o principal problema social do país, e, como resultado, fez do programa Fome Zero o carro-chefe da política pública,’ diz a reportagem. Lula disse que as pessoas ‘têm vergonha de dizer que passam fome’.
De acordo com o jornal, as estatísticas mostram o que nutricionistas e médicos têm apontado como uma inegável prova do alarmante crescimento da obesidade desde meados da década de 70. ‘Como em todas as partes do mundo, os principais culpados, dizem os especialistas, são uma dieta desequilibrada e um estilo de vida sedentário.’
Para o correspondente, ‘os brasileiros derramam açúcar em sucos de frutas naturalmente doces como abacaxi e mamão e que metade do cafezinho é composto de açúcar.’
O jornal entrevistou a consultora de moda Constanza Pascolatto, que afirmou que os homens brasileiros preferem mulheres mais rechonchudas. Rohter comentou também que o presidente Lula é um dos brasileiros que lutam contra a balança e se esforça para limitar o consumo de churrasco, cerveja e buchada.
O texto cita o jornalista do GLOBO Arnaldo Bloch que, em coluna recente, afirmou que ‘a verdade é que a fome de Lula não passou até hoje’.’
Ana Cláudia Costa
‘A revolta das garotas de Ipanema’, copyright O Globo, 15/1/05
‘Rio de Janeiro, Ipanema, sol, temperatura de quase 40 graus e praia lotada. No Posto 9, onde surgiu o primeiro biquíni fio dental e que sempre ditou a moda na cidade, um assunto inusitado mudou a rotina ontem: cariocas magras, esculturais, malhadas ou gordinhas criticavam em uníssono a reportagem publicada anteontem no jornal americano ‘The New York Times’ que dizia que o brasileiro está obeso. A foto de mulheres ‘gordinhas’ entre os postos 10 e 11 provocou polêmica.
Em meio a barracas, vendedores de cerveja e sorvetes, entre outras guloseimas, biquínis pequenos e grandes se misturavam no espaço. Revoltada com a reportagem do jornal, a estudante Juliana Toller, de 18 anos, dizia junto às amigas que o americano tem que passear mais no Rio para afirmar que o país é obeso. Com uns quilinhos a mais, a turista de Mato Grosso do Sul Ihana Fernandes, de 44 anos, disse que o americano tem que se lembrar que a realidade do mundo e do Brasil mudou:
– A realidade, os hábitos e a cultura mudaram. Hoje temos a influência direta da fast food implantado pelos americanos aqui. Isso engorda muito. Dizer que o país é obeso é preconceito.
Para a estudante Júlia Sette, de 19 anos, o jornalista americano deveria primeiro olhar para as mulheres americanas antes de tecer qualquer comentário sobre as brasileiras:
– Acho que esse repórter é frustrado. Na terra dele só tem mulher gorda. Ele nem mesmo deve passear em Ipanema.
Aproveitando as férias no sol do Posto 9, a administradora Ana Maria Waldheim, de 26 anos, disse que achou a reportagem preconceituosa ao mostrar mulheres ‘cheinhas’ na praia. Para ela, o americano esqueceu de citar na reportagem que o Rio é a cidade onde a maioria da pessoas se preocupa com o corpo e com a saúde:
– Acho que esse americano só conhece o Rio e São Paulo. Se ele for para o interior, vai ver fome e miséria.
Também em Ipanema, a secretária executiva Rosane Cataldo, de 40 anos, disse que o repórter do jornal americano está querendo ganhar fama com a polêmica criada com o carioca:
– Ele já viu que mexendo com o brasileiro cria polêmica. Não ligo para essa reportagem. Estou gordinha e vou à praia mesmo. Acho que esse repórter está querendo promoção.
Os quilinhos a mais também não perturbam a aposentada Dora Meyer, de 68 anos. Para ela a obesidade no Brasil não é tão alarmante quanto nos Estados Unidos. Para o ator Clésio Queiroz, de 29 anos, o jornalista foi preconceituoso:
– Já temos tantas imagens ruins lá fora e ele quer dizer que só temos obesos?
O jornalista Larry Rother não foi encontrado para comentar a reação à sua reportagem.’
Vaguinaldo Marinheiro
‘A gorda de Ipanema’, copyright Folha de S. Paulo, 15/1/05
‘Foi, talvez, o golpe de misericórdia na nossa sofrida indústria turística. Depois de cenas de roubos e arrastões nas praias, de turistas mortos por assaltantes, o Rio de Janeiro é mostrado ao mundo não mais como o lar de mulheres de corpos maravilhosos, mas de devoradoras de açúcar, arroz, feijão, carne, macarrão, batata, mandioca, pão e refrigerantes. Em conseqüência, estão acima do peso. No imaginário mundial, sai a mulata faceira de belas curvas e entra a obesa.
É sério, deu no ‘New York Times’ de anteontem. O requentador de reportagens Larry Rohter emplacou no diário nova-iorquino texto sobre a obesidade no Brasil, que chamou de epidemia. O título: ‘Praias para esbeltos, onde as calorias são exibidas’. Para ilustrar, fotos de mulheres bem acima do peso nas areias cariocas.
A parte séria do artigo se baseia em dados divulgados pelo IBGE em dezembro: 40% dos adultos no país estão obesos ou com excesso de peso.
Já a parte mais engraçada, ou trágica, aparece quando Rohter tenta explicar as razões da ‘epidemia’. Com a ajuda de entrevistados, o jornalista chega à conclusão de que os brasileiros estão gordos por sua compulsão por açúcar (metade de um cafezinho é açúcar, não líqüido, afirma) e por razões culturais.
Entre elas estaria o gosto do brasileiro por mulheres com corpão violão. Rohter recorre a Costanza Pascolato para dizer que os homens do Brasil gostam de ter onde ‘pegar’ nas mulheres, e que isso as encoraja a serem rechonchudas.
Depois, cita o colunista Arnaldo Bloch, de ‘O Globo’, para falar de nossa ‘fome e sede ancestrais’. Como muitos aqui passaram fome, comer e comer não acaba com a vontade de comer ainda mais.
O golpe para o turismo do Rio se dá porque, geralmente, viajamos para ver coisas diferentes. Mas, para ver mulher acima do peso, basta à maioria dos americanos ficar em casa.’