‘Não acho totalmente ruins esses projetos para disciplinar jornalistas. Gostei principalmente da idéia de definir critérios para os trajes a serem usados no exercício da profissão. Poucas coisas afetam o funcionamento de uma redação como o comprimento das saias usadas por certas jornalistas, por exemplo. Esta é uma área em que algum tipo de padronização é obviamente necessária. Caberia ao Conselho, ou à Ordem, ou ao que quer que seja que vá nos disciplinar, estabelecer limites máximos e mínimos para as saias desde que ficasse claro não haver qualquer intenção de controlar o conteúdo.
Não imagino como seria um traje adequado para cronistas. Talvez algo na linha do blazer azul, camisa aberta ao peito em tom pastel, calças cinzas e sapatos tipo mocassim. Algo, enfim, para distingui-los das categorias inferiores. Para as moças, blazers também, mas com um cachecol cuja cor variaria de acordo com o assunto de que tratam (rosa-shocking para a política, verde debênture para a economia etc.).
A regulamentação dos trajes para cronistas enfrentaria alguns problemas práticos na aplicação, como o que fazer com as meias coloridas do Zuenir. Proibi-las simplesmente seria um inaceitável cerceamento da liberdade de expressão dos pés do cronista. Tornar o uso de meias coloridas iguais às do Zuenir obrigatório para todos os cronistas só aumentaria os protestos contra a escalada do autoritarismo tipo soviético neste governo. Hoje só meias como as do Zuenir para todos, amanhã só o ‘Pravda’. A solução seria um dispositivo especial da nova lei que isentasse as meias do Zuenir do artigo que trata das nossas vestes. O que se esperaria dos responsáveis pelos projetos para disciplinar jornalistas é que tivessem a sensibilidade e o bom senso de rever este item. Pelo menos este.
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O ‘Washington Post’ seguiu o exemplo do ‘New York Times’ e se desculpou com seus leitores por ter dado crédito e espaço na primeira página às justificativas mentirosas oficiais para ir matar crianças no Iraque enquanto enterrava as dúvidas e os eventuais desmentidos nas páginas de serviço. A imprensa americana não é disciplinada mas suas publicações mais respeitáveis recorrem ao orgulho profissional e ao remorso, mesmo que tardio, para se manterem respeitáveis. O hábito da retratação ainda não pegou na imprensa brasileira.’
Carlos Heitor Cony
‘Deitando e rolando’, copyright Folha de S. Paulo, 18/08/08
‘Um depoimento pessoal sobre os conselhos de redação, que ali por volta dos anos 70/80, graças à eficiente militância petista no meio jornalístico da época, tentaram tomar o poder nos jornais e revistas. É evidente que havia um pretexto nobre, os salários baixos, que tornavam as greves recorrentes, não precisando haver uma crise específica para um confronto com as empresas.
O dono de uma grande revista, pressionado por amigo, aceitou discutir com uma delegação do PT um acordo para evitar a paralisação de suas redações e oficinas. Recebeu os rapazes que traziam a proposta detalhada de um conselho bem parecido com o atual que agora se pretende impor.
Os conselheiros teriam direito de proposta e veto sobre a capa das revistas, a oportunidade, o tamanho e os custos de cada matéria, a linha editorial de cada seção, a escolha de fotos e equipes. E mais: teriam acesso à contabilidade da empresa, modificando salários, propondo admissões e demissões, enfim, tomando o poder de fato, deixando à empresa tão-somente as contas a pagar, os impostos e juros, essas coisas mofinas do vil dinheiro.
Na ocasião, a revista principal do grupo preparava-se para fazer uma grande matéria sobre a Amazônia, deslocaria repórteres, fotógrafos e veículos para descer os rios Negro e Solimões até a formação do Amazonas e a sua foz no Atlântico.
Tal matéria, que já estava em execução, seria suspensa. Em seu lugar, e com os recursos que ela gastaria, seria feita uma série de reportagens sobre o ABC paulista, dando ênfase ao movimento sindical, que, naquela época, era um fato jornalístico importante, mas estava sendo coberto com os atos e fatos de cada semana.
Vinte anos atrás, a turma do PT, bem antes de tomar o poder da máquina pública, já desejava tomar o poder nos jornais para deitar e rolar.’
Maurício Hashizume
‘Orlando Senna: ‘Não é apenas o direito de assistir que está na Constituição’’, copyright Agência Carta Maior (www.agenciacartamaior.com.br), 19/08/08
‘Mais racionalidade e menos emoção. É o que espera o secretário do Audiovisual do Ministério da Cultura (MinC), Orlando Senna, sobre os próximos capítulos do debate sobre a proposta de criação da Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual (Ancinav), que vem provocando tanta polêmica desde que a minuta preliminar do projeto ‘vazou’ para a imprensa no início deste mês.
Em entrevista por telefone à Agência Carta Maior, Senna explica quais são os planos do MinC para conduzir o debate ao ponto nevrálgico que motivou a iniciativa da pasta: a necessidade estratégica da definição de uma nova regulação do audiovisual por parte do Estado para que o País possa navegar pela revolução digital em curso.
O desafio está sendo encarado, segundo o baiano multimídia – cineasta, roteirista, jornalista e professor de cinema de profissão -, por duas frentes que se complementam: incentivar o desenvolvimento do mercado cultural e do acesso à cultura. ‘Dedicamos nosso esforço para estender a compreensão de cultura. Não é apenas o direito de assistir aos filmes que está na Constituição’.
A tecnologia digital, na opinião do secretário que já lecionou na Escola Internacional de Cinema e TV (EICTV) de San Antonio de los Baños, em Cuba, será equivalente ao lápis e papel de hoje. ‘É uma verdadeira nova linguagem. Não podemos cair na armadilha do analfabetismo digital’, afirma. Leia a seguir trechos da entrevista:
Agência Carta Maior- Qual é a estratégia do governo para superar a fase das críticas e conseguir e conduzir o debate do projeto de criação da Ancinav para a importância estratégica da regulação do setor por parte do Estado brasileiro?
Orlando Senna- A primeira fase de bombardeio à proposta foi resultado da reação de algumas corporações e setores que se sentiram ameaçados. Alguns segmentos que rechaçam a regulação se uniram para defender o problema do pagamento das taxas e partir para ataques ideológicos equivocados com base na noção de ‘dirigismo cultural’.
Temos uma minuta de anteprojeto que está disponível para consulta popular. Houve mesmo problema com o art. 43. Na próxima reunião do Conselho Superior de Cinema será feita uma sugestão para que esse artigo seja retirado porque é uma repetição do art. 222 da Constituição. A inclusão do art. 43 foi apenas uma tentativa, recorrente na elaboração de um texto legislativo, de se buscar respaldo para um novo projeto na própria Carta Magna.
Passado o tiroteio, espero que tenhamos uma discussão em nível mais inteligente. Nesta semana, continuaremos o trabalho de 14 meses sobre o mérito da proposta, que pode ser alterada, modificada, negociada. Apresentamos um rascunho ‘gordo’, contendo todas as contradições, até para servir de subsídios para o debate.
CM- Mas qual é o caminho da negociação com esses setores descontentes?
OS – Trabalhamos com o cenário real. A situação do setor de audiovisual, como todos sabem, não é das melhores. As redes de TV abertas estão endividadas. A expansão da TV a cabo atingiu metade do prognóstico inicial que foi feito. O cinema depende das benesses do Estado e não possui um mecanismo de sustentabilidade. E apenas parte do setor do audiovisual [que representa 1% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro] tem uma legislação específica. Há faces normatizadas e não normatizadas.
A inadequação do modelo atual para enfentar a revolução tecnológica que está por vir é evidente. A convergência tecnológica moldará uma nova realidade. O que temos diante de nós é uma oportunidade fenomenal para o setor de audiovisual proporcionada pela digitalização. Aliar políticas de desenvolvimento com tecnologia é papel para um Estado forte. Não podemos esquecer que a estrutura da TV brasileira foi montada com dinheiro do contribuinte.
É impossível normatizar um setor sem ferir interesses aqui e ali. A estratégia do governo é difícil, mas é a que precisa ser feita: sentar com todos e negociar. Procuraramos tirar o mínimo possível daqueles já fazem parte do setor. Mas como em qualquer negociação, ambos os lados precisam ceder. Nossa intenção não é enfraquecer ninguém. As grandes corporações produtoras de conteúdo audiovisual exercem a função de âncoras do desenvolvimento.
CM- E qual é o sentido da diversidade na iniciativa que está sendo proposta pelo Ministério da Cultura?
OS- Parte da reação que se viu possui um caráter ideológico e está ligado à questão da diversidade cultural. Alguns setores espernearam dizendo que estaríamos cerceando a ‘escolha’ da população. Na verdade, nós queremos ir mais fundo e tocar no motivo pelo qual essas ‘escolhas’ são feitas. Como governo, não nos cabe interferir na ‘escolha’, mas temos que trabalhar para que o público tenha acesso ao mais amplo leque de opções possíveis. Por que o povo gosta de filme americano?
A audiência das semanas de filmes nacionais promovidas por algumas redes de televisão é surpreendente. O número de pessoas que têm assistido aos filmes brasileiros nos cinemas também tem crescido muito. Houve um crescimento surpreendente dos público das produções nacionais no ano passado.
CM- Como se dá a ligação do projeto da criação da Ancinav com o projeto Revelando os Brasis, lançado neste mês em Milagres-BA, que incentivará a produção cinematográfica em munciípios de até 20 mil habitantes e irá viabilizar 40 produções de curtas-metragens?
OS- Essas são as duas águas, os dois caminhos da política cultural do MinC. Incentivar o desenvolvimento do mercado cultural e do acesso à cultura. São duas frentes profundamente complementares. O Revelando os Brasis é um dos melhores exemplos é do objetivo central do Ministério de estimular, fomentar e desenvolver ações práticas para que a cultura seja de fato acessível.
Dedicamos nosso esforço para estender a compreensão de cultura. Não é apenas o direito de assistir aos filmes que está na Constituição.Programas como esse possibilitam que jovens tenham contato com a produção de cinema e TV e dá a chance ao país de garimpar os seus talentos.’
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‘Essência da Ancinav responde anseios de documento da Globo’, copyright Agência Carta Maior (www.agenciacartamaior.com.br), 19/08/08
‘No trecho final da exposição de motivos do projeto de lei de criação da Agência Nacional de Cinema e do Audiovisual (Ancinav), a iniciativa do Ministério das Comunicações (MinC) é classificada como ‘um salto na preservação do Patrimônio Cultural Brasileiro e no desenvolvimento das atividades cinematográficas e audiovisuais no Brasil, marco indelével no processo de aprimoramento de nossas instituições’.
‘É preciso evitar a perda de hegemonia econômica nacional na cultura. O domínio econômico interfere, reorganiza e dirige a produção e circulação de bens culturais, com forte impacto sobre o modo de fazer, criar e viver dos brasileiros. O que se vê é a Globalização tendendo a uniformizar idéias e modos de vida, uma uniformização feita, sobretudo, sob a influência americana’. Conceitualmente, esse poderia ser mais um trecho da exposição de motivos da proposta da Ancinav. No entanto, a argumentação que abre este parágrafo faz parte do documento-síntese do seminário ‘Conteúdo Brasil’, organizado pela TV Globo em parceria com a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) no início deste ano. No início de julho, uma comitiva de artistas que têm contrato com o conglomerado da família Marinho entregou as conclusões aprovadas em plenário pelos atores, cineastas, escritores, produtores, publicitários, jornalistas, diretores de TV, editores de livros, arquitetos, cientistas e educadores que participaram do evento.
O documento pede, fundamentalmente, a intervenção do Poder Executivo e do Congresso Nacional na regulação do setor de produção cultural para: 1) esteder as regras da radiodifusão para a transmissão de conteúdo pelas empresas de telecomunicação; 2) ações de proteção ao produto cultural nacional; 3) políticas públicas e investimentos para reforçar o caráter estratégico da cultura; 4) incremento da divulgação do conteúdo em escala interna e externa; 5) atenção especial à educação para formação cultural; 6) garantia da liberdade de expressão artística e intelectual e de informação e comunicação. A sustentação apresentada pelo MinC à premência da regulação ao setor vai ao encontro do disposto no item ‘Globalização e Cultura Nacional’ do documento da TV Globo. ‘A veiculação de conteúdos estrangeiros faz (…) parte de uma estratégia de dominação cultural dos mercados emergentes, em apoio à dominação econômica e política. É uma ameaça promovida pelas grandes produtoras mundiais de mídia e os gigantes das telecomunicações, com o poder que lhes conferem, nos seus países de origem, mercados internos fortes, crédito farto e políticas governamentais altamente favoráveis’.
Trata-se de uma luta desigual, afirma a Globo no documento. Em números de 2001, divulgados por revista especializada, é assim o faturamento dos grandes grupos: AOL-Time Warner, US$ 36 bilhões; Walt Disney, US$ 25 bilhões; Viacom, US$ 23 bilhões; Vivendi, US$ 24 bilhões; Bertelsmann, US$ 19 bilhões; News Corporation, US$ 13,8 bilhões; Comcast, US$ 8 bilhões. No Brasil, segundo dados publicados na imprensa, a TV Globo, o maior grupo de mídia do país, teve no mesmo ano um faturamento de US$ 1 bilhão; a Abril, US$ 494 milhões; Estado de S. Paulo, US$ 210 milhões; Folha, US$ 196 milhões; SBT, US$ 182 milhões. ‘Mas esqueçamos os grandes grupos estrangeiros. Analisemos o que é considerado um pequeno grupo de mída, o alemão Axel Springer, que edita, entre outros, o tablóide Bild e o Die Welt (o Bild vende milhões). Seu faturamento em 2001 foi de US$ 3 bi, três vezes maior do que o da maior empressa de mídia nacional’, complementa o texto de conclusão do ‘Conteúdo Brasil’.
Ainda de acordo com o documento, o desenvolvimento e a expansão da indústria cultural nesses países não é obra apenas de seus grandes conglomerados, mas parte de uma estratégia de Estado. ‘Precisamos assim, urgentemente, formular e implementar uma clara política cultural, com o objetivo de fomentar e proteger os conteúdos nacionais, revendo as regras que regem as atividades de produção, distribuição, comercialização e consumo. Isso tanto para fortalecer o nosso próprio mercado como para aumentar a nossa presença no mercado mundial de bens e serviços culturais’, complementa.
No capítulo sobre ‘Convergência Tecnológica’, mais coincidências. ‘Os marcos legais para a comunicação social, no Brasil, derivam da Constituição de 1988, quando não havia telefones celulares, internet e fluxo de dados transfronteiras na diversidade e intensidade atuais. Em função disso, a Constituição de 1988 trata basicamente de dois temas: a cultura como ativo a ser protegido e fomentado pelo Estado e a regulação das empresas jornalísticas e de radiodifusão, que eram os únicos meios existentes na época para veiculação dos conteúdos de jornais impressos, rádios e TVs’. E segue: ‘Falta, portanto, no ambiente regulatório em vigor, uma visão ampla e integrada das comunicações, que podem ser mais bem entendidas se separarmos as quatro camadas que as compõem: infra-estrutura, serviços, aplicações e conteúdo (…). A camada do conteúdo está regulamentada apenas para as mídias que usam as infraestruturas tradicionais: rádio, televisão convencional, jornal e revista. Mas quem ‘transmite’ uma estação de televisão ou um jornal pela internet não é obrigado a seguir nenhuma regulamentação. Isso é uma assimetria, que deve ser estudada e que pode levar à criação de um novo marco regulatório’.
Mas apesar das congruências, na parte sobre ‘Qualidade e Liberdade’ do documento entregue a Lula é que as reivindicações da TV Globo se diferenciam dos anseios do Ministério da Cultura materializados no projeto da Ancinav. Valendo-se das dimensões propostas pelo professor Arlindo Machado (PUC-SP), o ‘Conteúdo Brasil’ coloca como primeiro item da definição do que é ‘qualidade’ – especificamente no setor do audiovisual – o conceito técnico, seguido do conceito mercadológico. Logo em seguida aparecem os conceitos de inventividade, pedagógico e político. Por fim, os dois últimos conceitos necessários para ‘qualidade’, na consolidação de recomendações da TV Globo, são o de minoria e de diversidade.
Apesar do documento global frisar que a ‘qualidade’ estabelecida por Machado no livro ‘A televisão levada a sério’ prevê a reunião simultânea dos seguintes conceitos, o espaço para as minorias e a diversidade cultural aparecem com mais destaque e vigor nas justificativas apresentadas pelo MinC para propor a criação de uma nova agência reguladora para o setor.’
Sandra Crespo
‘Conselho faz a mídia mostrar a cara’, copyright Revista Consultor Jurídico (www.conjur.com.br), 18/08/08
‘Bendito Conselho Federal de Jornalismo! Nem tanto sou a favor dessa proposta, nem tão contrária, preciso ler, ouvir e refletir mais para me posicionar em definitivo. Porém, diferentemente da maioria, acho que o governo enviou o projeto em bom momento. Afinal, já passou da hora de os jornalistas começarem a dialogar sobre o exercício diário de seu ofício e também sobre o que está em jogo no Brasil quando o assunto é comunicação.
Nessa hora entra a comentarista Míriam Leitão. Mais uma vez ouço a jornalista descer a lenha no Conselho, novamente classificá-lo como autoritário e ameaçador da liberdade de expressão. Até aí, nada de novo, pois desde a primeira hora Míriam vocifera na TV Globo e na CBN (que também é Globo) contra a proposta que o governo Lula enviou ao Congresso ‘para controlar o conteúdo da imprensa’.
A novidade foi o finalzinho da fala da Míriam Leitão nesta terça-feira, 17, quando Heródoto Barbeiro perguntou: ‘Mas tem gente a favor (do conselho), não é?’; e ela respondeu mais ou menos assim: ‘Tenho visto muito pouca gente a favor, mas é aquela coisa que a Veja diz, quem manda na Fenaj são assessores de imprensa, e esse pessoal está muito longe da realidade das redações’.
Bendito conselho de jornalismo que faz emergirem pérolas como essa aí de cima. Senão, vejamos: ‘tenho visto muito pouca gente a favor’ é um papo muito pessoal, Míriam. Que eu saiba, jornalista tem de ser mais preciso em suas informações. Míriam deveria ter pelo menos o resultado de uma pesquisa para dizer em rede para todo o Brasil que há muito pouca gente a favor.
Por sua vez, a matéria de Veja citada pela eminente colunista, matéria que é assinada pela jornalista Malu Gaspar, começa assim: ‘Lula se deixa enganar por uma associação de assessores de imprensa de empresas estatais que se fazem passar por jornalistas e manda para o Congresso um projeto de lei que representa o mais sério ataque à liberdade de expressão no Brasil desde o regime militar’.
Ponto final. Veja e Míriam Leitão decretaram que a Federação Nacional dos Jornalistas não é composta por jornalistas. Míriam, pena eu não poder chamá-la de colega, pois me sinto impedida devido à minha condição atual de trabalhadora em assessoria de imprensa. Apenas gostaria que você soubesse que os assessores de imprensa apuram informações e fazem até mesmo reportagens para subsidiar melhor seus assessorados e os jornalistas com quem interagem diariamente. Os assessores de imprensa convivem com repórteres e sabem muito bem a quantas anda a exploração nas redações.
A revista Veja e Míriam Leitão podem não ter conhecimento disso, mas as assessorias de imprensa evoluíram a ponto de muitas terem constituído redações bastante respeitadas pelos repórteres da chamada grande mídia.
Míriam Leitão e Veja também não devem ter sido informadas de que em julho último houve eleição para a Federação Nacional dos Jornalistas, com disputa entre duas chapas. Mas, claro, quem é pessoa jurídica não deve mesmo estar a par das disputas nos sindicatos e na Federação. Não deve saber, portanto, que há um imenso contingente de repórteres que está em redações – e não em assessorias de imprensa – trabalhando dez, doze horas por dia para ganhar pisos salariais menores do que R$ 1.000.
A tão respeitada revista e a tão famosa colunista igualmente desconhecem, imagino, que o grande debate que se trava hoje entre os jornalistas que compõem a Fenaj e os que fazem oposição à atual diretoria (entre os quais eu me incluo) é relativo à democratização dos meios de comunicação.
Mas que democratização hein, Míriam? Já é tudo tão democrático! Está garantida no Brasil a liberdade de expressão dos Civita, dos Marinho, dos Abravanel, dos Mesquita e dos Frias. Já estão asseguradas as emissoras de rádio para os representantes de todas as oligarquias brasileiras. E o público brasileiro goza de uma programação de qualidade: ratinhos, gugus e faustões mandam ver, mostram como pode a realidade ser tão grotesca; xuxas dançam e cantam até dissolver o cérebro das criancinhas.
Está tudo bem nas redações que tiveram toda a liberdade para destruir donos e funcionários da Escola Base; que mandaram o Ibsen Pinheiro para o ostracismo por causa de mil dólares que viraram um milhão; está tudo ok nas redações que veiculam imagens de suspeitos pobres e negros, cuja dor da desmoralização em suas comunidades não sai no jornal depois de comprovada sua inocência.
Bendito seja o Conselho Federal de Jornalismo por suscitar um debate tão incômodo como esse, para os patrões e os patronais. Uma disputa que expõe as vísceras da mídia privada, oligopolizada com propriedade cruzada, cujo conceito muito próprio de liberdade de expressão exclui rádios e tevês comunitárias, despreza emissoras públicas e estatais e ignora a potencialidade comunicativa de pequenos jornais de bairros.
Nas redações da grande mídia há, felizmente, muitos profissionais íntegros que, independentemente de serem favoráveis ou não ao Conselho, estão preocupados com os rumos da comunicação no Brasil e com a situação de sua categoria.
Dentro dos sindicatos há também gente de redações, pessoas que se impõem uma jornada adicional para participar de reuniões chatas com patrões e de assembléias muitas vezes esvaziadas; indivíduos que batalham para pagar as contas do sindicato e atrair a categoria, hoje tão dispersa a ponto de só se lembrar da existência da entidade quando leva um chute das gazetas e folhas da vida.
Este é, pois, um momento especial. Intocável, a grande mídia reage em uníssono contra qualquer controle social sobre o conteúdo de sua programação. E alguns jornalistas – por sinal os mais vistosos e influentes no cenário nacional – fazem coro, mostram a cara e todo o seu preconceito contra assessores de imprensa e sindicalistas.
Como a coisa só está começando – oba! – sugiro debates e mais debates, a serem promovidos pelas instâncias representativas dos jornalistas. E também pelas entidades de pessoas jurídicas que fazem jornalismo. (*) Sandra Crespo é jornalista desde 1985. Coordenadora de Comunicação da Liderança do PT na Câmara dos Deputados, já trabalhou no Zero Hora, SBT e TV Manchete e nas assessorias de imprensa da Andes, de Aloizio Mercadante e Celso Daniel, quando deputados federais pelo PT de São Paulo.’
Luiz Carlos Merten
‘Executivo quer retaliar País por causa da pirataria e Ancinav’, copyright O Estado de S. Paulo, 18/08/08
‘O homem forte da Motion Pictures Association (MPA) no Brasil, Steve Solot, misturou a discussão sobre pirataria com o debate sobre a Agência Nacional de Cinema e do Audiovisual (Ancinav) e disse que a grande indústria americana de cinema está perdendo cerca de US$ 800 milhões no Brasil. E ele ameaçou com retaliação: o governo americano poderá cortar os subsídios e taxar a importação de produtos brasileiros até o limite desse valor, como uma forma de compensação. Para o ministro interino da Cultura, Sérgio Sá Leitão, a declaração – feita no seminário que a MPA promoveu no 32.º Festival de Gramado, encerrado ontem – é uma grave ingerência nos assuntos internos do País.
‘É uma atitude intimidatória que não podemos aceitar nem é democrática’, esbraveja Sá Leitão. ‘Iremos aos foros internacionais para protestar contra esse absurdo. O Brasil é soberano para aplicar a regulamentação da atividade cinematográfica que melhor servir ao País.’ Seu discurso antiamericano foi considerado demagógico por alguns jornalistas.
‘Não é nada disso’, garante o produtor Luiz Carlos Barreto. ‘A MPA não tem nada que intimidar o governo brasileiro numa fase que se apresenta tão auspiciosa para nós, que fazemos cinema no Brasil. Pela primeira vez em muitos anos, o governo está seriamente empenhado em criar uma legislação que regulamente o mercado e estabeleça as condições para o desenvolvimento do nosso cinema. Esse tipo de discurso do Steve Solot vai contra a própria disposição de dialogar dos distribuidores.’
Diálogo foi a palavra mais proferida nos encontros para debater a Ancinav em Gramado. O tema do momento demorou para entrar na pauta do festival, mas terminou se impondo, como não podia deixar de ser. Sá Leitão, em companhia do secretário do Audiovisual, Orlando Senna, e do diretor-presidente da Agência Nacional de Cinema (Ancine), Gustavo Dahl, participou ontem de uma coletiva para oficializar o site que abriga a discussão sobre a Ancinav na internet.
No site www.cultura.gov.br/projetoancinav, está a minuta do projeto, a exposição de motivos e as ferramentas que permitem ao internauta pesquisar, opinar e ter acesso às opiniões dos outros. ‘O projeto contempla a atividade cinematográfica do ponto de vista da economia’, diz Sá Leitão. ‘O governo não está querendo criar mecanismos de controle ou manipulação dos conteúdos’, garante Senna.
Dahl apóia o debate. ‘Não existe nenhuma caixa-preta na discussão da Ancinav.’ O projeto foi encaminhado no dia 6 ao Conselho Superior de Cinema, que tem agora até 60 dias – a data limite é 6 de outubro – para analisá-lo e aperfeiçoá-lo. ‘Nosso projeto é light’, diz Sá Leitão.’
Nelson Breve
‘Espião de Deus ou Pistoleiro de Aluguel’, copyright O Agência Carta Maior (www.agenciacartamaior.com.br), 17/08/08
‘O jornalismo precisa de um reordenamento corporativo para servir melhor à sociedade. O melhor caminho para reestruturarmos a profissão, não sei. Mas o pior é fugirmos do debate, desqualificando os interlocutores e repelindo a idéia de um controle social externo, tal como fizeram e continuam fazendo setores do Poder Judiciário.
Tentava concluir o Curso de Jornalismo da Escola de Comunicações e Artes da USP, no início da década de 90, sem saber direito o que fazer com o diploma. Das conversas com Sergio Gomes, um dos três professores que mais influenciaram minha formação profissional (os outros foram Carlos Chaparro e Cremilda Medina), incorporei um conceito, que simboliza perfeitamente o ideal que persigo na profissão desde que me formei, há mais de 10 anos: o jornalista é um espião de Deus.
Para tentar exercer essa função na sociedade, abandonei uma carreira bem sucedida de bancário. Alguns anos depois, já com experiência profissional, ouvi de um colega de trabalho outra expressão que se encaixa bem na visão crítica que tenho hoje do exercício dessa profissão: jornalista é pistoleiro de aluguel.
As duas definições têm gênese no conceito de justiça. Podemos dizer que o jornalista é pago para fazer justiça. Mas a visão de justiça do pistoleiro de aluguel é particular, segmentada. Mistura o julgamento dele próprio com a representação da realidade feita pelo contratante. Por outro lado, o espião de Deus tem mandato para buscar um senso de justiça mais abrangente: o bem comum. Ele está a serviço da justiça divina, da justiça para o equilíbrio da sociedade. Sua função é não deixar que os mais fracos sejam injustamente subjugados pelos mais fortes.
Os jornalistas querem ser espiões de Deus, mas a estrutura social das redações acaba empurrando a grande maioria para a condição de pistoleiros de aluguel. Isso não é uma peculiaridade de países como o Brasil. Nem está relacionado ao maior ou menor grau de liberdades democráticas. A partir de uma pesquisa, feita na década de 1950, com 120 jornalistas de jornais de médio porte do Noroeste dos EUA, o sociólogo Warren Breed, da Universidade Tulane (Nova Orleans), concluiu que os donos ou responsáveis pelas publicações (publishers) exercem um controle efetivo sobre o que é publicado, usando mecanismos subliminares que produzem o conformismo das redações.
No artigo ‘Controle Social na Redação: uma Análise Funcional’, publicado originalmente em 1955 no volume 33 da revista Social Forces, ele mostra como é passada a orientação política no interior da redação, de que maneira os jornalistas a percebem e quais os motivos que os levam a aceitar passivamente essa situação. A conclusão de Breed é que só a pressão social sobre o publisher pode conduzir a uma imprensa mais livre e responsável:
‘A fonte de recompensas do jornalista não se localiza entre os leitores, que são manifestamente os seus clientes, mas entre os seus colegas e superiores. Em vez de aderir a idéias sociais e profissionais, ele redefine os seus valores até ao nível mais pragmático do grupo redatorial. Ele ganha, desse modo, não só recompensas ao nível do estatuto mas também a aceitação num grupo solidário empenhado num trabalho interessante, variado e, por vezes, importante. Assim, os padrões culturais da sala de redação produzem resultados insuficientes para as mais vastas necessidades democráticas. Qualquer mudança importante tendente a uma ‘imprensa mais livre e responsável’ deve provir de várias pressões sobre o publisher, que incorpora o papel decisório e coordenador’.
Quem conhece a realidade de uma redação e tem uma visão crítica do jornalismo sabe que as observações feitas por Warren Breed há quase 50 anos continuam extremamente atuais. O foca chega em uma redação, mira o jornalista de maior prestigio – a principal estrela do jornal, revista, rádio ou TV – e se pergunta: o que preciso fazer para chegar lá? Não estamos falando aqui de pessoas sem caráter ou mal-intencionadas. São jovens íntegros que sonham melhorar o mundo com suas reportagens. Mas, o que acontece quando as sugestões de pauta ou textos finais não passam pelo crivo dos chefes e editores? Sentem-se fracassados, sem entender bem onde está o problema.
O controle da redação é silencioso, subliminar. Um dia, o jovem repórter apura um caso que agrada o andar de cima e vira manchete principal. É a glória. Dignamente, ele encontrou seu espaço na redação, sendo cumprimentado pelos colegas e visto com admiração ou uma ponta de dor-de-cotovelo pelos concorrentes. Sem perceber, ou em uma estratégia consciente para alcançar os degraus de maior independência na profissão, se encaixou na matriz ideológica do comando da redação. Por gratidão, estima ou estratégia de sobrevivência, ele firma um pacto de lealdade com os superiores. Nada é explícito. No máximo, a recomendação da leitura regular dos editoriais.
Muitas vezes, o jornalista em ascensão trava negociações difíceis – e até consegue evitar alguns desequilíbrios e eventuais imparcialidades decorrentes da orientação editorial. Em outras, ele acaba encontrando argumentos para convencer a si próprio de que concorda com a orientação. As razões são várias: prestígio profissional, auto-estima, bens materiais, conforto da família, conquista da independência profissional, prazer de trabalhar em uma atividade empolgante etc.
O enquadramento é imperfeito, existem brechas para superar o bloqueio orientador. Depende muito da ousadia do jornalista e da personalidade das pessoas que estão nos postos chave da estrutura hierárquica. Um jornalista pode chegar ao ponto máximo da carreira com a convicção de que não precisou fazer nenhuma concessão aos seus princípios éticos. Mas, por apego a tais princípios, pode também bater de frente com os interesses de seus superiores ou do comando da redação.
São esses jornalistas, bloqueados ao longo da vida profissional, que defendem a criação de um mecanismo de controle social externo das redações. São tidos como fracassados pelos colegas que permanecem na vitrine da profissão. Visto por um lado, realmente são – não conseguiram se equilibrar na navalha das redações. Por outro, podem ser considerados rebeldes que não aceitaram o jogo escorregadio do controle social interno – orientado por quem manda, de fato, nas publicações e emissoras.
Mas o preconceito tem mão dupla. Os excluídos das redações consideram pelegos ou enquadrados – ou covardes, como qualificou o presidente Lula – os que permanecem na linha de frente da profissão. Por isso, querem impor-lhes um Conselho Federal de Jornalismo que rompa com a lógica do controle social interno, considerado lesivo aos interesses da sociedade. Querem que os meios de comunicação sejam democratizados e os espiões de Deus sejam libertados da condição de pistoleiros de aluguel.
Por outro lado, os profissionais das redações não aceitam ser controlados, principalmente por instituições partidarizadas e aparelhadas por pessoas afastadas da realidade profissional. Eles não se sentem representados por suas entidades sindicais e temem um dirigismo que, a pretexto de democratizar os meios, o controle da profissão sirva a interesses autoritários que desejam o cerceamento da liberdade de imprensa. Para os dirigentes das entidades sindicais, esse discurso serve apenas ao interesse dos patrões.
Esse é um assunto em que todos têm razão e que deveria ser debatido com racionalidade, sem preconceitos e sem suposição de má-fé na orientação das opiniões contrárias. É de interesse da sociedade que nós jornalistas consigamos encontrar um bom caminho para a auto-regulamentação da nossa profissão. A inabilidade – seguindo o postulado da boa-fé – do governo petista ao colocar a criação do CFJ em discussão no momento em que pipocam denúncias incômodas contaminou irremediavelmente o projeto. Criou um clima de desconfiança que interditou o debate, desviando o assunto do foco principal.
Nossa profissão precisa de um re-ordenamento corporativo para servir melhor à sociedade. As estruturas sindicais e associativas atuais estão contaminadas e dissociadas dos profissionais. Estes, consideram-se auto-suficientes para enfrentar o controle interno nas redações e tentam se convencer de que a orientação individual é melhor guardiã da ética que a consciência coletiva. O melhor caminho para reestruturarmos a profissão, não sei. Mas o pior é fugirmos do debate, desqualificando os interlocutores e repelindo a idéia de um controle social externo, tal como fizeram e continuam fazendo setores do Poder Judiciário.
Não podemos continuar fingindo ter uma liberdade que não temos. No início deste ano, repórteres da sucursal de Brasília de um grande jornal – aqui omitido para evitar constrangimentos – se queixaram de censura interna. Contaram a colegas que a menção de qualquer questionamento à política econômica conduzida pelo ministro da Fazenda, Antonio Palocci, nas matérias produzidas pela Sucursal estava vetada pela direção editorial. Apesar da revolta, não houve uma queixa ao Conselho de Ética da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj). Ninguém ousa denunciar, porque todos querem continuar trabalhando nesse mercado cada dia mais afunilado. Isso é liberdade de imprensa? Nelson Breve é chefe da Sucursal de Brasília da Agência Carta Maior’