‘Você eu não sei, mas fiquei estranhamente satisfeito ao ler sobre o assalto ao Banco Central em Fortaleza. Ainda não entendi bem por quê. Não foi orgulho bobo de subdesenvolvido com a evidência que temos criminosos high-tech tão eficientes quanto os do Primeiro Mundo. Também não se trata de torcer pelos bandidos. É que foi uma transferência ilegal de dinheiro sem qualquer ambigüidade, sem qualquer outro significado. Pura, num certo sentido. Os bandidos cavaram um túnel, entraram na caixa-forte do banco, pegaram o dinheiro e levaram embora, e pronto. Nenhuma dúvida sobre a motivação dos bandidos (queriam dinheiro), a origem do dinheiro (uma caixa-forte) ou o efeito do crime sobre nossa vida institucional, nossas ilusões ou nosso futuro (efeito nenhum). Vai-se investigar se houve algum tipo de conivência no assalto e não está completamente fora de cogitação que o nome ‘Delúbio’ apareça em algum lugar, mas tudo se restringirá ao mundo do crime convencional em que só assalta quem é assaltante. Talvez minha satisfação venha do fato de que hoje, quando ninguém mais sabe se seu vizinho de portão ou de bancada é corrupto ou não, ou onde termina o caixa dois e começa a desmoralização de toda uma classe, o assalto ao Banco Central nos reassegura que ainda fazem assaltos em moldes clássicos. Pelo menos isso.
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A não ser pela história dos dólares na cueca, o atual escândalo nacional ainda não tinha chegado perto do sexo. Houve a ameaça daquela secretária de pousar nua para a ‘Playboy’ mas a opinião geral foi que o resultado não seria exatamente estimulante. Mas agora, finalmente, o sexo real ameaça invadir os inquéritos, e já tem gente pensando ‘dane-se a CPI, quero saber é como eu vou me explicar em casa!’ Parece que entre as técnicas promocionais do sr. Valério estava a organização de festas em que eram providenciadas acompanhantes femininas para políticos e empresários que faziam negócios, presumivelmente moças com conhecimento de matemática para poderem ajudá-los com os números, e que a fornecedora de acompanhantes era uma Jeany Mary, conhecida em Brasília por este seu serviço de catering especializado. Não se sabe se a Jeany Mary será chamada a depor mas já se prevê uma competição entre as CPIs para ser a primeira a ouvi-la e recordes de audiência. Também são previsíveis as discussões sobre limites para as investigações – elas devem se restringir a este governo ou incluir safadezas de governos anteriores? – e se, no caso provável de haver tapes, as sessões das CPIs não deveriam ser transferidas para tarde da noite por causa das crianças.
De certa maneira, o aparecimento de uma Jeany Mary na história tem o mesmo efeito reconfortador do assalto ao Banco Central em Fortaleza. Um escândalo sexual também nos remete a um tempo de compreensão mais fácil, pois também não tem nada de inédito.’
Folha de S. Paulo
‘Conexão Tucana’, copyright Folha de S. Paulo, 11/08/05
‘As declarações do publicitário Marcos Valério à CPI, na terça-feira, trouxeram mais elementos sobre a amplitude do esquema de repasses ilícitos coordenado por ele. Já se sabia que o ‘valerioduto’ data de antes do governo petista, tendo sido utilizado por políticos do PSDB e do PFL mineiros. Agora, Valério apresentou uma lista com 75 nomes ligados aos tucanos que teriam sido beneficiados em 1998, durante a campanha à reeleição do então governador de Minas Gerais, Eduardo Azeredo. De acordo com o depoente, o total de empréstimos para o candidato, que hoje ocupa a presidência do PSDB, foi de R$ 9 milhões.
A circunstância das transferências não é menos escusa. Valério afirmou que obteve os empréstimos no Banco Rural a pedido de um intermediário de Clésio Andrade, ex-presidente do PFL de Minas e candidato a vice-governador na chapa de Azeredo. E, da mesma forma que fez com o PT, apresentou como garantia para a operação bancária um contrato de publicidade -dessa vez, com a Secretaria de Comunicação de Minas Gerais. Um outro detalhe chama a atenção: antes de candidatar-se, Andrade foi sócio do publicitário na agência SMPB.
O cenário se complica diante das declarações de que, durante o governo Fernando Henrique Cardoso, as agências de Marcos Valério eram responsáveis pelas contas dos Correios, da Eletronorte e dos ministérios dos Transportes e do Trabalho. E piora em face da evidência, revelada por esta Folha em novembro de 2000, de que a SMPB fez doação de R$ 50 mil não-declarados à campanha para a reeleição de FHC em 1998.
Ao que tudo indica, o PT foi muito além de usar recursos de caixa dois para campanha -e isso não pode ser perdido de vista pelas CPIs. Porém, mais do que ‘desviar o foco do problema’, como argumentam as lideranças do PSDB, aprofundar as investigações sobre os vínculos entre o ‘valerioduto’ e os demais partidos é uma forma de entender sua verdadeira dimensão. Só então será possível aplicar de modo equânime as punições cabíveis e conceber a profundidade das reformas que urge propor.’