Wednesday, 13 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1313

Luís Nassif

‘Tenho especial admiração pela Danuza Leão. Mas a crítica que fez à Festa Junina do Palácio do Alvorada me pegou no fígado. Nada contra críticas ao Lula, porque presidentes foram feitos para serem criticados, mesmo. Mas tratar como tratou a minha festa favorita me deixou passado.

Ainda guardo na memória as festas juninas que fui ver em Aracaju. Foi como se abrissem as cortinas dos tempos, com o Nordeste de hoje refletindo meu sul de Minas dos anos 50. Antes que junho termine, ainda irei a outro centro nordestino de música junina, dançarei ao som de Luiz Gonzaga e Dominguinhos, de Assis Valente e Alceu Valença.

Minha amiga Danuza viu no bigodinho de Lula a elegia ao atraso, do Jeca Tatu, de Monteiro Lobato. Mas nossos caipiras não são assim.

Certa vez conversava com o embaixador Walther Moreira Salles sobre o fato de a imprensa, em uníssono, ‘acusar’ o então presidente Itamar Franco de caipira. Sábio e cosmopolita, o embaixador retificou. ‘Não é caipira, não. Caipira é um sujeito ladino, que sabe compreender o mundo a partir do que aprende em seu canto. O Itamar é diferente: é provinciano.’ E toca a contar histórias e histórias sobre a sabedoria caipira.

Longe de mim enaltecer a falta de estudos, que é para ser lamentada, não celebrada. Mas o caipira não. O caipira é coisa nossa, como a goiabada cascão, que Assis Chateaubriand pretendeu introduzir na cozinha francesa.

São curiosas essas mudanças ocorridas na vida nacional. Historicamente, talvez o Rio de Janeiro seja a única região do país infensa a festas juninas. Desde o século passado era uma cidade cosmopolita, porta de entrada do Brasil. O interior nunca chegou a penetrar na capital. O máximo a que se chegou foi o regionalismo nordestino que dominou nos anos 20 a música urbana carioca.

Em uma longa pesquisa que fiz sobre a vida carioca nos anos 40 e 50, destacava-se o sentimento de internacionalização, da primeira sociedade mercantil moderna do país. Lendo ‘A Sombra’ e outras publicações da sociedade carioca, percebia-se o sentimento de superioridade sobre o Brasil do interior -incluída, nessa classificação, a própria São Paulo. A bem da verdade, o estilo das festas e casamentos paulistanos contrastava nitidamente com a elegância do ‘café society’ carioca.

Naqueles tempos, os grã-finos cariocas descobriram o negro. No pós-guerra, havia festas para celebridades estrangeiras, em casas com grandes quintais e morros ao fundo. Do alto desciam negros com seus batuques. Mas era uma mera emulação dos norte-americanos, depois que a cultura negra explodiu com o jazz.

Está certo que o nativismo que emergiu desse período era basicamente modernizante, na decoração, na arquitetura, na poesia, na literatura. Mas a cultura regional brasileira era celebrada como valor nacional.

Hoje em dia, as festas juninas são uma tradição de norte a sul. Não existe escola pública ou privada, popular ou de rico que não tenha sua festa junina. Dia desses, houve uma festa junina de grã-finos aqui em São Paulo em que o noivo era presidente de uma grande empresa de serviços, e a noiva, uma atriz conhecida. Creio, mesmo, que, se Fernando Henrique Cardoso tivesse montado uma festa caipira no Alvorada, seria saudada como um ato de requinte intelectual do sociólogo. Por que a crítica a Lula? Porque sua goiabada cascão era com queijo minas, não com camembert.

No ano passado fui a uma festa junina no sítio de Toninho Trevisan, em Itu. Levei minhas duas caçulinhas, mais Sofia, uma sobrinha de três anos que enfrentava problemas sérios de saúde. Foi inesquecível! Fiz o túnel com Dorinha, que ainda não completara quatro anos, vi Bibi dançando feito doida, de braços dados com Sofia, como se tivessem nascido sabendo, cercadas de adolescentes, adultos, velhos, enquanto uma bandinha despejava temas juninos. E eu, desengonçado e tímido como pode ser um filho de mineiros, me vi abraçando e dançando com minhas menininhas.

Levarei para sempre, no mesmo canto da memória onde guardo as festas juninas da minha infância.’



Painel do Leitor, Folha de S. Paulo

‘Cartas de Leitores’, in Painel do Leitor, copyright Folha de S. Paulo

’18/06/04

Ainda o arraial do Torto

‘É natural a reação de alguns leitores ao texto de Danuza Leão sobre o arraial do Torto. Naturalmente, os que criticam a colunista chamando-a de ‘lady alienada’ sucumbiram, como tantos, à patética demagogia do Planalto. Lula é mestre nisso. Com seu carisma, ele a faz tão bem que fica difícil não ser cativado pela sua espontânea simplicidade. O que poucos percebem é que o que se critica não é o fato de terem escolhido a fantasia de caipira para comemorar suas bodas, e sim o péssimo gosto de marcar a data com uma festa à fantasia. Demonstra, no mínimo, falta de seriedade -seja qual for a fantasia. Ao leitor que menciona que FHC provavelmente faria uma festa ‘à la francesa’, vale lembrar que, se fosse o caso, talvez Fernando Henrique escolhesse, sim, um tema mais cosmopolita para a ocasião. Mas jamais o fez. Porque ele e dona Ruth são pessoas sérias, conscientes da importância da sobriedade nas atitudes de um chefe de governo, detalhe que parece escapar constantemente a Lula e à sua turma. Encantando a muitos, talvez, porém jamais enganando pessoas lúcidas como Danuza.’ Claudia Matarazzo (São Paulo, SP)

‘Como professora de um programa de pós-graduação em educação, trouxe para minha aula desta semana o texto de Danuza Leão publicado em 15/6 para servir de material para análise. Foi uma oportunidade exemplar para que pudéssemos discutir sobre as práticas discursivas dos grupos hegemônicos da sociedade, que instituem como ‘norma’ a ‘sua’ cultura, medindo todas as demais com sua régua cultural, numa operação que acaba por produzir a desvalorização e o desprezo de outros modos que não os seus de estar no mundo e de dar sentido a ele. O destaque dado pela Folha ao texto mostra claramente o lugar que este jornal hoje ocupa na mídia brasileira.’ Gelsa Knijnik (Porto Alegre, RS)



17/06/04

Arraial do Lula

‘Sobre o texto de Danuza Leão de 15/6, acho surpreendente uma pessoa ser capaz de escrever um texto tão interessante e poético como o publicado no domingo passado sobre Chico Buarque e outro tão preconceituoso e despropositado como esse sobre a festa de são João no Torto.’ Lycia Ribeiro (Rio de Janeiro, RJ)

‘Foi completamente constrangedor o artigo de Danuza Leão publicado no dia 15/6. Em qualquer lugar do mundo, é costume das elites decadentes diferenciar-se das classes mais baixas por meio da desqualificação de seus hábitos. Acostumada às altas rodinhas de Ipanema, onde a alta cultura fervia, talvez a autora do texto nunca tenha olhado para além da esnobe zona sul carioca. Tratar a festa junina como uma ‘breguice’ é virar as costas para uma das maiores tradições de nosso país. E nada mais caipira do que virar as costas para o país e para a sua população em nome de um certo ‘glamour’ alienígena que tem por finalidade demonstrar a superioridade de uma classe social.’ Fernando Sarti Ferreira (São Paulo, SP)

‘Eu também penso que uma festa caipira não era a forma mais adequada para comemorar 30 anos de casamento. Daí a dizer que sempre se soube que a saudade de FHC ia ser grande, fica por conta exclusiva de dona Danuza Leão.’ Fernando Mazzucchelli (São Paulo, SP)



17/06/04

Arraial no Torto

‘Há muito tempo não se via um texto jornalístico tão cheio de preconceitos como a crônica de Danuza Leão sobre a festa caipira na Granja do Torto (‘Fala sério, Lula!’, Brasil, pág. A7, 15/6). Ali temos de tudo. Um verdadeiro ‘Manual do Preconceituoso Engajado’. Lula deu a lady Danuza o pretexto que ela esperava para destampar o seu repertório. Ficamos sabendo que existe folclore chique e folclore brega. Certamente as quadrilhas juninas nordestinas -uma tradição oriunda das danças de salão do tempo do império, com coreografia elaborada e ainda hoje com alguns pontos cantados em francês- pertencem à segunda categoria só por serem aqui da bugrada. O que é que a lady queria? Que Lula comemorasse as bodas de pérola metido num smoking, ao som de Frank Sinatra? Ou que deixasse, à moda de alguns paulistanos chiques, para comemorá-la no dia do Halloween, ele e dona Marisa vestidos à caráter?’ Felício Limeira de França (Recife, PE)

‘Excelente sob todos os aspectos o que escreveu ontem Danuza Leão na pág. A7. Quando diz que ‘estamos num Estado quase totalitário’, arrebenta a boca do balão (para manter o tom da festa). Não há oposição, pois todos são comprados para o governo obter o que quer.’ Ary Cesar (Santo André, SP)

‘Entre tantas idéias infelizes do Planalto em seu vale-tudo populista, a mais calamitosa foi a da festa caipira na Granja do Torto. Danuza Leão, com sua fina intuição analítica, disse tudo em seu artigo. ‘Foi um desastre’ do começo ao fim. O mais desastroso foi o erro de concepção de associar a figura do caipira à pessoa de Lula. O caipira, com toda a simpatia que desperta, é, sociologicamente, um duplo marginal: expulso dos padrões da vida rural e alienado dos modelos da vida urbana. Um joão-ninguém, um pobre diabo genialmente retratado por Monteiro Lobato na figura do Jeca Tatu. Não consome e não produz. O caipira é o modelo do Brasil que não vai para a frente, do Brasil que não deu certo. Efusivos parabéns a Danuza Leão.’ Gilberto de Mello Kujawski (São Paulo, SP)

‘Danuza Leão brindou-nos com um coquetel de superficialidade, incoerência e elitismo ao comentar a festa de Lula e Marisa. Dizer que o folclore de uma região do país representa o ‘atraso’, uma ‘caipirada’, só pode ser encarado como má-fé, preconceito e falta do que dizer. Com certeza, se fosse uma festa à la francesa de FHC e dona Ruth, Danuza estaria lisonjeada por julgar ter um presidente progressista e moderno.’ Maurício Palma Resende (São Paulo, SP)

‘Lamentável e preconceituoso o artigo da senhora Danuza Leão sobre as bodas do presidente Lula e da primeira-dama. Se a colunista continuasse morando no interior e ainda fosse pobre, como a maioria da população brasileira, talvez conseguisse perceber o que existe de tradição nas festas juninas que acontecem em todos os cantos do Brasil. O convívio, em salões iluminados, com o charme e com a champanhe embotaram sua visão. Quanto à saudade de FHC e dona Ruth, que faça bom proveito dela.’ José Alberto Volpe (Campinas, SP)’



LULA, 500 DIAS
Folha de S. Paulo

‘Fotógrafo oficial lança livro sobre Lula’, copyright Folha de S. Paulo, 17/06/04

‘O fotógrafo oficial da Presidência, Ricardo Stuckert, lançou ontem o livro ‘Lula, 500 Dias em Fotos’, que traz 160 fotos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva desde a posse.

Marisa Letícia, primeira-dama, representou Lula no lançamento ontem à noite.

As fotos mostram Lula em seus locais de trabalho, nas residências oficiais e em viagens pelo país e pelo exterior.

‘As fotos são em sua maioria inéditas. Sinto ter captado as imagens mais autênticas do presidente. Elas vão do Lula espontâneo, com a informalidade que é a sua característica mais forte, ao Lula que mantém a pose e cumpre os rituais do cargo nos momentos em que aparece como chefe de governo’, diz Stuckert.

‘Lula, 500 Dias em Fotos’, editado pelos jornalistas Hélio Campos Melo e Regina Echeverria, foi pago por quatro empresas (Santander-Banespa, DaimlerChrysler, Valisére e Cia. Suzano de Papéis). A estimativa de custo é de R$ 140 mil, montante que se pretende arrecadar com as vendas. A TIM e a Telecom Italia são as patrocinadoras da exposição.

A renda da venda será doada ao Fome Zero. A tiragem inicial é de 5.000 exemplares. O preço vai de R$ 24,90 (banca) a R$ 35 (livrarias Siciliano).’