‘É provável que o ministro Antonio Palocci Filho não chegue ao final do governo Lula. Mas ele está desempenhando papel semelhante ao do personagem de um filme clássico de Vittorio De Sica, que relata a história de um sujeito de vida obscura contratado pelos alemães para se passar por um dos heróis da resistência italiana. Seu papel seria mostrar pusilanimidade em público na hora da execução, visando destruir a imagem do seu personagem. No decorrer do processo, o ator vai assumindo o personagem e parte para a morte se comportando como herói.
A entrevista de domingo passado, talvez seu canto de cisne, entrará para a história dos momentos nobres da vida nacional, em um período em que, como em todos os momentos de catarse, a falta de discernimento e de escrúpulos parece ter se disseminado por todos os poros do poder.
A vida pregressa de Palocci o condena, sim. Agora, aparecem os aditamentos dos contratos da Leão & Leão. Amanhã, vão descobrir as mágoas da viúva de Ralph Barquete -seu assessor direto, morto no ano passado- , esmiuçarão bens de parentes e todo o estoque de recursos que podem levar à verdade ou à mentira, desde que se atinja o objetivo proposto.
Palocci integrou o grupo dos pragmáticos do PT que operaram em Santo André, Ribeirão Preto e outras grandes cidades, sim. Indicado ministro da Fazenda, imbuiu-se da importância do cargo, da relevância de sua atuação para a estabilidade do país. Afastou-se de todos os esquemas, manteve profissionais à frente de todos os cargos relevantes da Fazenda. Ganhou grandeza.
Sua política econômica foi medíocre e equivocada -e daqui mesmo não cansei de criticá-lo. Independentemente de qual seja a política econômica, porém, a estabilidade econômica é valor nacional. Como avalista da estabilidade, Palocci poderia ter insinuado que, depois dele, o dilúvio. Não o fez. Enquanto os críticos bradavam com a ferocidade dos linchadores que estabilidade não é valor maior, Palocci disse que era. Mais que isso: disse que era valor tão forte e consolidado que independia dele. Ofereceu-se para o sacrifício sem retórica, sem falso heroísmo, em nome do valor do qual se tornou guardião.
É possível que, passada mais uma grande noite do justiçamento, quando o país estiver recolhido à lassidão que sucede às grandes libações, a opinião pública se dê conta de que, independentemente de seu passado, dos equívocos de sua política econômica, a entrevista de Palocci foi um dos raros momentos de grandeza nesse episódio.
Em geral, sociedades saem purificadas desses processos quando erros de governantes são levantados e punidos dentro de regras institucionais e da atitude severa, porém equilibrada, de suas instituições -incluindo a mídia. O que se conseguirá com esse episódio, mais uma vez, será apenas saciar momentaneamente um tipo de comportamento periódico, doentio, profundamente entranhado na cultura brasileira, que permite o extravasamento dos piores impulsos -sempre que há o pretexto da ‘boa causa’.’
Dora Kramer
‘O que não é espelho ‘, copyright O Estado de S. Paulo, 23/08/05
‘Todos os elogios que se fizeram à fala do ministro da Fazenda, domingo, são pertinentes. Antonio Palocci, de fato, foi objetivo, elegante na forma – inclusive gramatical -, respeitoso, esteve à altura da crise em sua entrevista coletiva, a começar pelo formato escolhido.
Algo absolutamente normal e natural caso não vivêssemos um momento peculiar da democracia, em que autoridades públicas tomam o imperativo de prestar contas à Nação como um sinal de fraqueza. Quando envolvidas em denúncias, invertem o ônus da responsabilidade à oposição e, no limite, à sociedade, cujo dever, por essa ótica, deve ser o de amenizar para não complicar.
Palocci fez apenas o que se espera de uma autoridade diante de uma acusação envolvendo o patrimônio público: deu sua versão sem derivar para fantasias, insultos nem jactâncias e, sobretudo, mostrou consciência de que o governo está em dívida para com o País, e não ao contrário, como parece raciocinar o presidente da República quando reage no diapasão da ofensa pessoal.
Todo mundo notou, mas não custa ressaltar ainda uma vez, que se houvesse nesse governo meia dúzia de personagens com a mente em dia, como Antonio Palocci, o ambiente da crise seria outro. Não no tocante ao conteúdo das denúncias, desobedientes a fidalguias que são, mas em relação à capacidade de gerenciamento para organizar as forças sociais e políticas na travessia da adversidade.
As negativas do ministro, é evidente, nem de longe reduzem a gravidade dos fatos, como de resto não encerram o assunto abordado por Rogério Buratti que, a despeito de todo açodamento dos procuradores de São Paulo, está em consonância com a realidade agora em processo de esclarecimento no âmbito federal e com as investigações há tempos em curso no Ministério Público sobre a sistemática de pedágio pago por prestadoras de serviços públicos aos cofres do PT.
Se Buratti mentiu ao envolver o ministro no caso ou se o ministro foi quem se entregou ao exercício do logro ao negar, ver-se-á adiante no desenrolar das investigações. Estas, nessa altura, já independem de vontades ou de truques para se desmoralizar este ou aquele investigador.
Palocci demonstrou exatamente essa consciência ao expor sua opinião contrária à forma de atuação dos procuradores sem recorrer ao instituto da desqualificação do Ministério Público nem se fazer de vítima de intenções ocultas, preconceitos, conspirações e tolices semelhantes.
Apresentou seus argumentos, expôs sua posição, declarou-se disposto e preparado para enfrentar as coisas como elas são, e resumiu isso numa frase: ‘Não temo o porvir nem o que está colocado.’ Um homem público diante de suas circunstâncias, sejam quais forem elas. Na atual conjuntura, uma raridade.
Óbvio, mas inevitável, o registro do contraponto entre a reação de Antonio Palocci e as ações do presidente Luiz Inácio da Silva. Alivia saber que o presidente, como disse ontem em seu programa de rádio, aprovou com entusiasmo a fala do ministro.
Aflige, porém, ouvir dele a frase: ‘Acho que o Palocci deu a resposta que o Brasil precisava ouvir.’ Ora, era do presidente da República que o País estava esperando uma resposta condizente. Não veio até agora e, mais grave, no mesmo programa Lula não deu mostras de aptidão para seguir o exemplo.
Teve ali nova oportunidade – aliás, tem toda do mundo o tempo inteiro -, mas dispensou: ‘Nós vamos tocar o barco’, disse, sem indicar para onde.
Não sendo ao fundo do mar já será um alento.
Intransferível
José Dirceu defendeu-se ao Conselho de Ética argumentando que não era deputado à época das acusações. Era sim, licenciado da função, mas não da delegação popular conferida por 600 mil eleitores em 2002.
Secessão
A direção do PMDB, Michel Temer, Geddel Vieira Lima, Eliseu Padilha e Moreira Franco à frente, decidiu formalizar o racha do partido dentro do Congresso. A este movimento, surgido na Câmara, juntam-se os oito senadores que, conforme anunciou o senador Mão Santa ontem, formarão um grupo independente da orientação governista até então preponderante na bancada do PMDB do Senado, sob a liderança de José Sarney e Renan Calheiros.
A idéia é transpor para o Parlamento uma realidade já existente no partido, cuja convenção nacional de dezembro último aprovou o abandono dos cargos federais (decisão ignorada) e a candidatura própria à Presidência da República em 2006.
Na Câmara, os deputados, além de não seguir a liderança formal, contestarão permanentemente a legitimidade do líder Wilson Santiago, indicado pelo antecessor, José Borba, integrante da lista dos candidatos a perderem o mandato por negociarem apoio em troca de dinheiro.
No Senado, o grupo recuperou a denominação de ‘autênticos’ que identificava a, digamos, esquerda ética do MDB. Na Câmara, há certo constrangimento em adotar o nome para não dar margem a ironias.’
Kennedy Alencar, Eduardo Scolese e Ana Flor
‘Após Palocci, Lula planeja voltar a falar da crise na TV’, copyright Folha de S. Paulo, 23/08/05
‘Avaliando que a entrevista na qual o ministro Antonio Palocci Filho (Fazenda) rebateu as acusações de corrupção deu novo fôlego ao governo federal, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu que vai voltar a se pronunciar a respeito da crise política e pediu aos ministros Jaques Wagner (Relações Institucionais) e Márcio Thomaz Bastos (Justiça) que articulem uma reunião dos chefes dos três poderes da República.
A data de uma nova abordagem pública da crise política não está definida. Lula resiste, por exemplo, a conceder uma entrevista coletiva. Ele está analisando o tom, o mérito e a forma da fala. Pode, por exemplo, fazer novo pronunciamento em cadeia de TV e rádio.
A reunião com os chefes do poderes Legislativo e Judiciário tem o objetivo de discutir o que Lula considera ‘abusos e leviandades’ na crise política e reafirmar que o governo deseja investigar ‘todas as acusações de corrupção com tranqüilidade e observando a lei’, diz um auxiliar do presidente.
Ao final do dia de ontem, quando o fechamento do mercado financeiro mostrou que surtira efeito a entrevista de Palocci e após seu programa de rádio cacifando o ministro da Fazenda, Lula se mostrou aliviado. ‘Ganhamos uma chance para respirar’, disse, segundo relato de interlocutores.
No domingo, numa entrevista de mais de duas horas, Palocci negou a acusação do advogado e ex-assessor Rogério Tadeu Buratti de que autorizou a entrega de R$ 50 mil mensais ao PT quando prefeito de Ribeirão Preto. Respondeu ainda detalhadamente a informações sobre a relação com Buratti.
O dólar caiu 2,65%, fechando em R$ 2,385, e a Bolsa subiu. Na sexta-feira passada, dia em que o ministro da Fazenda foi acusado, o dólar subiu e a Bolsa caiu.
Aos ministros, Lula disse que esse ‘respiro’ pode ser temporário e que, portanto, não bastava ‘abafar’ a crise seguidas vezes. O presidente concordou com o diagnóstico de seus auxiliares de que o governo deve aproveitar o momento para tentar gerar outros fatos positivos. Lula afirmou ser necessário trabalhar com urgência os projetos prioritários do governo para apresentá-los à população no período eleitoral do ano que vem. O presidente alimenta o sonho de recuperar cacife e se candidatar à reeleição.
O presidente discutiu anteontem e ontem suas prioridades no Orçamento da União para 2006, como algumas PPPs (Parcerias Público Privadas), o aumento de atendimentos na área social (Bolsa-Família) e alguns projetos específicos (transposição das águas do rio São Francisco).
A intenção do presidente é falar ainda nesta semana, mas o mais provável é que ele o faça somente após o novo depoimento de Buratti à CPI dos Bingos, previsto para amanhã. Se Buratti não trouxer fatos novos contra Palocci, a avaliação do governo é que o ministro da Fazenda conseguirá se afastar de vez do centro da crise.’
Ali Kamel
‘Liberal à brasileira’, copyright O Globo, 23/08/05
‘Em tese, uma reforma político-eleitoral pode ser feita em benefício dos eleitores ou dos eleitos. Na prática, como parlamentares legislam em causa própria, no mundo inteiro as reformas são do segundo tipo. A proposta do PFL, aprovada na semana passada pelo Senado, não foge à regra. Tudo nela visa a beneficiar os partidos de uma maneira canhestra, como se as agremiações e os políticos fossem inimputáveis. Que um partido que traz no nome o rótulo de liberal proponha tantas limitações à liberdade de expressão política é algo que só confirma a geléia ideológica em que vivemos.
A proposta parte do pressuposto de que, no aperto, todos são corruptos. Tiveram a idéia de propor a proibição dos showmícios, porque são muito caros. Propuseram que apenas os candidatos falem na TV, sem nenhuma sofisticação de imagem, sem cenas externas, também para reduzir os custos de produção. Proibiram ainda a divulgação de pesquisas eleitorais nos 15 dias que precedem a eleição. E, por fim, propuseram a proibição de distribuir camisetas, broches, bonés e outras quinquilharias.
É como uma casa em que um dos membros é alcoólatra: não se compra bebida alcoólica. É como se os políticos dissessem: se a campanha for cara, eu roubo. Se eu quisesse provocar, diria: se for barata, também.
A forma que encontraram para impedir a realização de showmícios foi proibir que artistas sejam contratados, de forma remunerada ou não, para animar comícios. Isso é expressão pura de autoritarismo, uma medida claramente inconstitucional. Se um artista quiser participar espontaneamente de uma campanha, cantando, que o faça. É direito dele. Se um partido quiser pagar a um artista para entreter os seus eleitores, que o faça. Se um partido adversário considerar o expediente baixo, que denuncie. Se achar que um showmício é caro, que não faça. Se achar que o partido adversário gasta rios de dinheiro para comprar shows, que denuncie. Por que a legislação deve tutelar partidos e políticos? Eles que tomem conta de si.
Na mesma linha está a proibição de distribuir quinquilharias. Se um candidato é idiota o suficiente para acreditar que comprará o voto de alguém com um chaveiro ou um boné, por que terá de ser a sociedade a impedi-lo de gastar dinheiro, inutilmente, com isso? Nós não temos nada com o assunto, chega a ser ridículo pensar em tal tipo de proibição.
As propostas para o horário eleitoral obrigatório vão num caminho também perigoso, o da censura. Já escrevi aqui um artigo mostrando que a propaganda política, tal como é feita no Brasil, é pura fraude. Aquele escritório em que políticos, professores e intelectuais fingiam trabalhar no programa eleitoral de Lula era apenas cenário, uma fantasia. Como também eram falsos os debates em que Lula era ‘sabatinado’ por estudantes. Duda Mendonça disse na CPI que muitas vezes Lula gravava de bermudas e paletó, com fita crepe colada atrás para o caimento parecer melhor. Todo mundo achou natural, mas não é. Igualmente, Serra foi falsamente entrevistado pelo apresentador de TV Gugu Liberato. Os programas eleitorais do tucano fingiam ser telejornais, o que certamente confundia o eleitor. Tudo isso é condenável, mas a solução não é impor que apenas o candidato fale, sem imagens, sem cenas externas. A solução é que o TSE impeça a mentira. Tem poderes para isso.
Aquele escritório virtual do Lula era tão obviamente falso que o TSE poderia simplesmente proibi-lo. ‘Mostre o comitê de verdade, não um cenário’, diria a sentença. Ou mesmo um dos adversários poderia ter denunciado a fraude, se não estivesse cometendo fraude idêntica. Entrevista falsa? Não pode. Telejornal enganoso? Ponha fora do ar. Mas se um candidato de fato se dispuser a reunir um grupo de estudantes para se submeter a perguntas, por que proibi-lo? Se um candidato quiser mostrar in loco suas obras, por que impedir? Se mostrar o que não existe, deve sofrer as sanções: o TSE punirá ou os adversários denunciarão ou a imprensa cumprirá o seu papel. Se o candidato quiser mostrar os defeitos das obras de seu adversário, que o faça. Se estiver mentindo, que seja punido ou denunciado, seja pela imprensa, seja pelos adversários. O que não faz sentido é proibir tudo, para que a fraude não seja possível. Mais uma vez, é como proibir a venda de carros para impedir o roubo de carros.
O mesmo projeto prevê a redução no tempo da campanha. Os partidos teriam até o dia 31 de julho para definir as candidaturas e até o dia 5 de agosto para registrá-las. Como a eleição é no primeiro domingo de outubro, até um mês e vinte e cinco dias antes das eleições o país não teria um quadro definido de candidatos, o que geraria uma instabilidade grande do quadro político, com prejuízos para os cidadãos. Pode ser bom para os partidos, que ganhariam mais tempo para conchavos. Mais uma vez, porém, será uma reforma para eleitos, não para eleitores.
E, por fim, a proibição de pesquisas eleitorais fere de morte o direito que todo eleitor tem de se informar livremente. Saber se seu candidato é viável ou não, e, com isso, fazer escolhas, é um direito inalienável do eleitor. Negar isso a ele é ferir a Constituição. É uma medida de cunho autoritário, que só beneficia os partidos.
O mais curioso é que a reforma toca apenas levemente no financiamento de campanha. A lei atual simplesmente não prevê punição para empresa que doe em caixa dois. Na proposta aprovada pelo Senado, nenhuma mudança. Por via das dúvidas, não se mata a galinha dos ovos de ouro.
Mais uma vez, eu repito que mais importante do que mudar as regras é mantê-las, para que o eleitor saiba usá-las, e fazer com que sejam cumpridas. Nós precisamos apenas de ajustes: fidelidade partidária, cláusula de barreira e punição para doadores irregulares. Querer proteger a democracia com proibições é um contra-senso. Na verdade, o que se quis proteger não foi nem o eleitor nem a democracia, mas os eleitos. ALI KAMEL é jornalista.’
Miriam Leitão
‘Melhor resposta’, copyright O Globo, 23/08/05
‘O contra-ataque do ministro Antonio Palocci foi bem feito e preciso. Ontem, o mercado mostrou em cotações o alívio sentido após a entrevista arquitetada para acontecer antes da abertura dos pregões. Mas a crise está longe de acabar e há várias incertezas. Hoje, o Banco BMG vai executar uma dívida do Partido dos Trabalhadores exigindo o pagamento em 24 horas ou algum bem penhorado em garantia.
Este empréstimo que o BMG executará foi avalizado pelo ex-presidente do PT José Genoino e pelo ex-tesoureiro Delúbio Soares, como representantes do PT e como pessoas físicas, bem como por Marcos Valério. O banco está executando todas essas pessoas num mesmo processo. O valor originalmente era de R$ 2,4 milhões, mas agora está em torno de R$ 3,3 milhões (o contrato é de 17 de fevereiro de 2003). Eles entrarão com a ação de execução em Belo Horizonte e cabe ao juiz apenas verificar se a petição está de acordo com a lei. E, no caso, está. O problema é que só um dos avalistas, o publicitário Marcos Valério, tem bens para responder a essa execução. Para o banco, cobrar a dívida judicialmente é uma forma de provar que ela foi feita e não é parte de um processo de operação para esconder outros delitos.
A entrevista do ministro foi um sucesso que reverteu toda a piora do mercado na sexta-feira. Bolsa, dólar e risco voltaram às cotações de quinta-feira. Mas a entrevista do ministro Palocci foi mais ou menos como o lançamento da bala de prata.
Foi um alívio a maneira como o ministro da Fazenda reagiu à crise. Ele fez o mais simples e mais correto. Não inventou uma desculpa mirabolante, não declarou que foi traído, não divulgou uma nota, não subiu no palanque. Convocou com a maior brevidade possível uma entrevista sem limitação de tempo, assunto ou veículo. Falou para todos sobre todas as questões levantadas. Isso não enterra o assunto, o país voltará a viver momentos de tensão esta semana ainda, mas, se não houvesse qualquer reação, se Palocci preferisse o mutismo de outros, o governo passaria a definhar mais rapidamente.
Bala de prata quando não funciona, há pouca coisa a fazer. Se novos fatos e provas surgirem contra o ministro da Fazenda, adiantará pouco trocar o ministro. Ao contrário do que disse o próprio Palocci, sua substituição é, sim, um enorme complicador para o governo Lula. Mas o mercado externo trabalha com o cenário B: o da saída de Palocci e nomeação de Murilo Portugal para o lugar.
O mercado tem simplificado a crise desde o começo. As análises subestimaram a capacidade de aprofundamento da crise a cada etapa do seu desdobramento. Faz o mesmo agora, quando avalia que Portugal poderia substituir Palocci e ainda fortalecer o caráter ortodoxo da política macroeconômica. O que vai se perguntar se Palocci cair é que governo Lula permaneceria e até quanto tempo.
O Dresdner divulgou uma análise dizendo que é ‘extremamente prematuro’ esperar a queda do ministro Palocci, porém, se acontecer ‘o Plano B que está sendo imaginado em Brasília implica uma equipe ainda mais ortodoxa. Como resultado, todas as nossas macropremissas permanecem inalteradas’. O Dresdner acha que o Brasil só pode melhorar (só tem upside ) porque o que o mercado mais temia, o ministro Palocci ser acusado de alguma coisa, já aconteceu. No curto prazo, a análise dá certo, tanto que eles previram uma segunda-feira otimista e foi o que aconteceu.
O banco WestLB considera que, se houver troca de ministro da Fazenda, ficará claro que a política econômica é do próprio presidente Lula e ela ficará, então, mais forte. Diz ainda que a oposição será cautelosa no ataque ao ministro Palocci e isso ajudará a manter os mercados calmos. Essa visão simplifica demais o que está acontecendo.
O economista José Roberto Mendonça de Barros discorda da visão do mercado. Acha que ele vem subestimando a crise porque tem sempre um viés de curto prazo:
– O que o mercado tem visto é que o país vai crescer 3%, que a inflação está derretendo e que os fundamentos externos estão ótimos. Isso, de fato, é bom, mas temos que ver do ponto de vista do custo de oportunidade. Crescer 3% é bom se a gente olhar para trás. Mas, se olhar para o lado, é insuficiente, porque os outros países estão crescendo mais. E é lamentável se olhar para a frente, para o que a gente precisa crescer para reduzir a pobreza brasileira – diz.
Ele lembra que as cotações vão bem, mas a cabeça das pessoas está sendo afetada:
– Todas as pesquisas mostram um consumidor muito mais preocupado com ele mesmo, com a família e com o país. Um consumidor assim compra menos e, por isso, neste momento, o comércio não sabe como será o Natal. As sondagens empresariais mostram que os empresários estão cautelosos com os novos investimentos. Há o risco concreto de haver uma crise energética nos próximos anos. Nada disso entra na consideração dos analistas do mercado financeiro – afirma.
José Roberto acha que a crise tem sido tão contundente e a resposta do governo tão ineficaz que o melhor a esperar é um cenário em que o governo chegue mais ou menos inteiro às eleições.
Nesse aspecto, o lançamento da bala de prata – a resposta clara, objetiva e direta do ministro Palocci – é a melhor contribuição que o governo já fez para se manter no posto.’
Zuenir Ventura
‘Lições da crise’, copyright O Globo, 24/08/05
‘Foram dois dias de calmaria e bonança em que governo e oposição comemoraram o que de certa maneira parecia ansiado por todos: a troca de elenco, de papéis e de clima político. Em lugar de valérios, delúbios, doleiros e prostitutas, um personagem como Antonio Palocci que, além da credibilidade, passou para o país tranqüilidade – pelo menos até que chegue à CPI dos Bingos o imprevisível na pessoa de Rogério Buratti, ex-amigo, ex-assessor e delator premiado. Teme-se que ele vá carregando revelações explosivas presas à cintura.
Alguém já disse que a imprevisibilidade é a marca dessa crise – tudo pode acontecer. Como no famoso pleonasmo cantado por Johnny Alf, o inesperado sempre faz uma surpresa. E em geral ruim. Torcer contra a lei de Murphy atualmente parece que não adianta muito: se algo tem chance de dar errado, pode ter certeza, vai dar mesmo. O pão do café da manhã de Lula tem caído diariamente com a manteiga para baixo.
A torcida para que Buratti esteja mentindo é tão grande hoje quanto a que houve em relação ao primeiro depoimento de Roberto Jefferson. A crença de que a verdade é apanágio dos virtuosos dificulta aceitar que ela às vezes aparece entre os viciosos. A esperança é que a história não volte a se repetir agora. Outra marca desses escândalos é o fato de que o inimigo não mora ao lado, mas dentro de casa. Nunca a oposição no Brasil teve tão pouco trabalho para desmontar um governo que se tem auto-implodido. Getúlio Vargas, de onde estiver, deve ficar olhando para Lula com inveja, lembrando-se de Carlos Lacerda, o demolidor de presidentes.
Meio como consolo, fala-se muito nos aspectos pedagógicos da crise. Afinal, alguma coisa de útil deve-se retirar sempre da adversidade. Independentemente do que acontecer hoje na CPI, devem sobrar lições para parlamentares, promotores e jornalistas que estão às voltas com essa tarefa delicada que põe em risco a reputação dos outros.
De minha parte, tenho algumas dúvidas em relação aos procedimentos do Ministério Público e da imprensa – à tagarelice de um lado e à busca do furo a qualquer preço de outro. Como fazer para que um instrumento pouco testado como a denúncia premiada, envolvendo negociação com bandidos, seja o começo e não a conclusão das investigações? Até onde pode ir a confiança na palavra de um condenado a 25 anos sem nada a perder? Como evitar que o jornalista, sem abrir mão da informação, seja manipulado por deputados, senadores e promotores?
***
Como prefeito, Cesar Maia é um aplicado repórter investigativo. Ah, se ele desse à cidade a atenção que dá ao seu blog.’
O Estado de S. Paulo
‘O exemplo de Palocci’, Editorial, copyright O Estado de S. Paulo, 23/08/05
‘O ministro Antonio Palocci não tentou, na longa entrevista que concedeu à imprensa no domingo, empurrar para baixo do tapete as acusações que lhe foram feitas pelo advogado Rogério Buratti. Sua principal preocupação foi a de manter a confiança do mercado na política econômica. E a resposta não tardou: ontem, os mercados de ações e câmbio, que haviam reagido espasmodicamente na sexta-feira – quando um promotor de Ribeirão Preto divulgou, precipitada e irresponsavelmente, trechos do depoimento de Buratti -, funcionaram em clima de euforia. Não poderia haver melhor demonstração de que a franqueza com que o ministro Antonio Palocci enfrentou as acusações e respondeu aos repórteres na entrevista coletiva era a forma correta de tratar de um aspecto da crise que, se não fosse devidamente circunscrito, poderia tumultuar a economia.
O comportamento de Palocci foi exemplar. Começou por deixar o presidente Lula inteiramente à vontade para decidir se o melhor para o País, nas circunstâncias, era a sua demissão, o seu afastamento temporário ou a sua permanência no Ministério da Fazenda. Decidido que ficaria, Palocci convocou a imprensa e deu as explicações que o caso exigia.
Demonstrou, com sua atitude, uma habilidade e, sobretudo, uma responsabilidade política que seus companheiros de partido – acusados de fazer parte de uma sórdida empreitada para arrecadar fundos de campanha e comprar a aliança de outros partidos – não tiveram. Não jogou responsabilidades sobre ombros alheios. Em sua defesa, apresentou fatos e argumentos. E, ao contrário do ex-chefe da Casa Civil José Dirceu, não se colocou acima do bem e do mal. Ao contrário, repetiu e insistiu que não está acima de questionamentos e da lei e que atenderá a qualquer solicitação dos órgãos que investigam o escândalo.
O ministro da Fazenda, que sempre demonstrou ser mais competente, na administração dos negócios públicos, que seus colegas de partido, mostrou ser, também, politicamente mais competente que eles. Não recorreu à ‘choradeira’ de Lula, que dois dias antes se declarara ‘injustiçado e perseguido’. Também não caiu na esparrela insustentável do ‘querem acabar com o meu governo’. Em vez disso, reconheceu que os escândalos de corrupção tiveram origem no partido e no governo.
Palocci também se distanciou anos-luz do estilo do presidente Lula, que não se cansa de repetir que as coisas boas que este País tem tiveram início no dia 1.º de janeiro de 2003 e não perde ocasião de desancar seu antecessor. O ministro da Fazenda reconheceu, lhanamente, que a economia não teria tão bons fundamentos, hoje, se não fossem medidas decisivas adotadas nos governos Sarney, Itamar e Fernando Henrique.
As investigações sobre as denúncias de envolvimento do ministro Antonio Palocci na corrupção endêmica promovida pela direção nacional do PT – primeiro nas prefeituras que o partido conquistou, entre elas, a de Ribeirão Preto, e depois em nível federal – não param, entretanto, com as explicações que deu durante a entrevista coletiva de domingo. Ele certamente será chamado a prestar novos esclarecimentos, especialmente sobre os contratos da prefeitura de Ribeirão Preto com a Leão e Leão Ltda., nas CPIs e nos inquéritos que correm na Polícia Federal e no Ministério Público.
Por enquanto, porém, a maior ameaça à calma restabelecida vem de dentro do governo. Esse o sentido de uma advertência do ministro, que vale mais para o presidente da República do que para o mercado financeiro: enfraquecer a política econômica ‘seria um grande engano, um engano do tamanho do Brasil’.
É bom o presidente Luiz Inácio Lula da Silva levar muito a sério essa advertência. Com ou sem Palocci, a segurança da economia e, portanto, de seu governo depende em primeiro lugar da manutenção dos padrões seguidos até agora.
Não só entre os aliados, mas também, e principalmente, entre os ministros petistas do governo, há pressões para o afrouxamento da política. As denúncias contra o ministro da Fazenda podem servir como sinal para a intensificação desse movimento.
Por enquanto, fortalecido com a reação favorável à sua entrevista, Palocci não terá dificuldade para convencer o presidente a não dar ouvidos a esses ministros. Mas as investigações sobre sua gestão na prefeitura de Ribeirão Preto apenas começaram.’
Folha de S. Paulo
‘A defesa de Palocci’, Editorial, copyright Folha de S. Paulo, 23/08/05
‘Atingido pelas declarações de seu ex-assessor Rogério Buratti, que o acusou de receber e transferir para o PT propinas de empresas de coleta de lixo quando prefeito de Ribeirão Preto, o ministro da Fazenda, Antonio Palocci Filho, assumiu uma atitude bastante diferente daquela que vem sendo adotada por alguns de seus correligionários suspeitos de corrupção.
Embora tenha se queixado da maneira açodada com que as declarações de Buratti foram transmitidas à imprensa, no que não deixa de ter alguma razão, o ministro não procurou fomentar surradas teorias conspiratórias nem isentar o PT dos erros e desvios que cometeu.
Ao apresentar-se para uma entrevista coletiva, aceitando ser inquirido por jornalistas durante longo tempo, o ministro fez o que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem procurado evitar. Talvez Palocci possua algumas virtudes que não coincidem com as do presidente: não parece ver na mídia um inimigo, é articulado e dificilmente cede à exaltação, conseguindo imprimir uma linha de racionalidade a seus discursos.
Infelizmente, os elogios que o presidente dirigiu à performance de seu colaborador da área econômica -’mostrou tranqüilidade e segurança’- não poderiam servir para ele próprio, que, até aqui, além dos acalentados improvisos para audiências encomendadas, se limitou a um oblíquo pronunciamento.
Palocci transmitiu credibilidade em sua autodefesa e demonstrou maturidade ao analisar o quadro de crise que abala o país. Foram acertadas as suas avaliações de que a gestão da economia brasileira pode prescindir de sua presença no ministério e de que, mantidas as diretrizes básicas de responsabilidade fiscal e respeito aos contratos, não há motivos para temer maiores turbulências.
Não é possível considerar, todavia, que as declarações do ministro tenham encerrado o caso. A dinâmica da crise tem sido pródiga em surpresas, e o denunciante ainda irá prestar depoimento à CPI. Novos elementos podem, em tese, surgir.’