‘O título está errado, é o leitor que come cru quando o jornalista apressado não consegue conter a sua voracidade em dar um furo, ou impressionar. Mas através da explicação do erro encontrei a resposta à pergunta que Eliakim Araújo me fez ao trocarmos opiniões sobre a criação ou não do conselho federal de jornalismo.
– Você conhece alguma pesquisa sobre o que pensa o público em geral sobre a imprensa, o jornalismo, o jornalista? – perguntou-me o ponderado amigo Eliakim.
Em primeiro lugar chutei do jeito que ‘ela’ veio, sou contra qualquer tipo de engenharia controladora, ou julgadora se preferir o leitor, tento ser anarquista sempre que é possível, ainda acredito que não fazer revolução no dia-a-dia é viver com um cadáver entre os dentes. Definitivamente, não sou ponderado. O que não me impede de gostar de notícia, texto, pergunta, tudo ao ponto, nem mal nem bem passado.
A palavra pesquisa, no contexto da pergunta, me remeteu à pesquisa de mercado, ricocheteou no âmbito acadêmico das pesquisas de campo, antropossocial, e parou no plexo solar feito uma bola no estômago, formando uma bela prisão de ventre.
– Sei que há uma associação de pesquisadores de jornalismo – respondi em seguinda, levando a discussão para um extremo inimaginável do contexto ‘vigiar ou não a atividade de jornalista’. Pois os fundadores dessa associação invernam na semiótica e motivações estilísticas, a razão de os jornais serem produzidos assim e assado, e isto não tem nada a ver com o pato aqui.
A ética no jornalismo e a conduta do jornalista, esta é a pauta. Vale a pena lembrar que o primeiro leitor da primeira notícia impressa do mundo foi pego de surpresa. Deve ter passado por um toco, ou pedra, e leu o desenho de um bicho morto, o seu matador, a arma utilizada e parte da platéia do evento. O jornalismo somente evoluiu disso quando os viajantes, comerciantes e negociadores diversos, ainda nos tempos bíblicos, inventaram sem querer a profissão de jornalista. Para se enturmarem por onde passavam levavam notícias, informavam sobre o que viam nas bandas de lá, de onde vinham. Isto é, na sua essência, como se vê, o jornalista é um eterno ‘freelancer’, e meio mentiroso. Pois ele nunca sabe toda a verdade, logo sempre informa e noticia uma dose relativa de mentira. Hoje, ele apenas inverteu a ordem de atuação um pouco: passou a ser ‘freelancer’ na profissão dos outros. Desafio os observadores da impresa, a favor ou contra o conselho que vigiará o jornalista e jornalismo, a me provarem o contrário.
É certo que o jornalismo evoluiu, atingiu um status na esfera científica da comunicação a tal ponto que mereceu na existência do homem ser a tendência de uma determinda era. A atual, diga-se de passagem, colocando a figura do jornalista em destaque. Isto posto, em favor do leitor, proponho o consenso à seguinte afasia: o debate sobre a criação de um conselho federal do jornalismo, oportuno, desde que não se conclua que a sua criação é necessária e que, assim, o debate nunca acabe.
Seria até mais fácil utilizar a força do oponente e aceitar às pressas a oficialização desse conselho, inclusive com o texto original do seu projeto de criação, que prevê pagamento de ‘jeton’ para os seus conselheiros, e outros absurdos tais como os verbos ‘orientar e controlar’. Vejamos: se a FENAJ, federação de sindicatos, digo, jornalistas, não foi capaz de vencer os donos de veículos que demitem a rodo já faz mais de uma década, é provável que a mesma afasia lhes impeça de ‘orientar e controlar’ na prática, o que defendem com tanta pressa através da criação do tal conselho. Logo, a tendência dessa cúpula, que tanto quer o conselho, deve ser a atrofia.
Mas e se eu estiver errado? Por isso o debate, que já começou tarde e nunca deveria parar.
Me debato, caro leitor, agora generalizando, contra a pressa no fazer, no opinar, e até no pensar. Já não se lê mais como antigamente o texto todo, nas entrelinhas, desconfiando um pouco do viajante – muitas vezes um vigarista.
Acabo de ler um belo livrinho, Alice no país dos enigmas, de um renomado matemático, lógico e filósofo que brinca com a dificuldade de se distinguir verdadeiro e falso, real e irreal. Logo de cara ele propõe um exercício de pensamento: conheci dois gêmeos idênticos, não sei o nome de um e o outro se chama João, um deles só diz a verdade o outro sempre mente. Como saber qual é o João se você tem apenas a chance de uma pergunta de três palavras para fazer para um deles?
Envie as respostas, sem pressa, com pressa não vai conseguir mesmo. (*) Escritor e jornalista. Tradutor de Por Quem os Sinos Dobram, de E. Hemingway. Dirige a Clínica Literária (www.clinicaliteraria.com.br) e preside o Instituto Brasil Costal, entidade de difusão das questões do meio ambiente marinho e costeiro.’
Mauro Santayana
‘Primeiro, a liberdade’, copyright Agência Carta Maior (www.agenciacartamaior.com.br), 13/08/08
‘Jornalistas conscientes de sua condição não podem aceitar esse abominável Conselho – proposto pela Federação da categoria de assalariados que somos – mediante o qual alguns, escolhidos ao sabor das circunstâncias políticas, terão o direito de orientar, fiscalizar e punir jornalistas.
John Wilkes foi uma das figuras mais controvertidas da Inglaterra, em um dos períodos cruciais do Império, o do reinado de Jorge III, quando estava em curso o movimento de independência dos Estados Unidos. Membro do Parlamento e dele expulso por duas vezes, condenado à prisão, prefeito eleito de Londres, autor de um livro obsceno ‘Essay on Woman’, paródia pornográfica de ‘Essay on Man’, do celebrado Alexander Pope, Wilkes era detestado pela aristocracia britânica. Mas foi o político mais popular de Londres em seu tempo.
Wilkes foi tudo o que contrariava a boa ordem aristocrático-burguesa da segunda metade do século 18 na Inglaterra. Nenhum outro homem lutou com tanto denodo pelas liberdades políticas, tendo como eixo de seu combate a reivindicação da total liberdade de imprensa. Wilkes editava seu próprio jornal, que escrevia sozinho, o North Britton, que em seu número 45 foi considerado o mais subversivo dos impressos contra o Rei Jorge III. É preciso lembrar que, naquele tempo, não havia sindicatos de jornalistas, nem registros profissionais, mas – apesar de toda a força da nobreza e da burguesia ascendente – havia alguma liberdade de imprensa.
Liberdade de imprensa não é concessão feita aos jornalistas, sindicalizados ou não, mas um dos direitos do homem e do cidadão. Qualquer pessoa, dentro desse raciocínio, goza da liberdade de imprimir papéis e os distribuir, neles escrevendo o que quiser. Foi essa liberdade, tolerada antes de ser reconhecida pela Revolução Francesa e pelo ‘Bill of Rights’ da Constituição norte-americana, que possibilitou os grandes debates do Iluminismo e abriu caminho à democracia moderna.
Wilkes não tinha o título de jornalista, como não o tinha tampouco a outra imensa figura daquele tempo, que foi Tom Payne, o principal articulador intelectual da independência dos Estados Unidos com ‘The Common Sense’. Payne foi também o precursor do ‘welfare state’, em suas obras antecipadoras, entre elas ‘Rights of Man, Agrarian Justice’ e outras. Eles foram jornalistas, como outros cidadãos comuns, porque exerceram o jornalismo. Um deles, Payne, era homem pobre, de origem proletária. O outro, Wilkes, nascera rico e, quando se viu sem dinheiro, não lhe faltaram admiradores para mantê-lo em sua vida confortável. Em suma: qualquer um, em qualquer tempo, deve ter o direito de imprimir e distribuir o que quiser. Hoje, com a internet qualquer um, com seus blogs, é jornalista.
Vejamos o jornalista como profissional, que recebe seu salário ou sua remuneração como colaborador, e disso vive. Ele é empregado como outro qualquer, tenha a posição que tiver. Isso me lembra velho companheiro, dos mais respeitáveis da imprensa brasileira, diretor de jornal e íntimo de seu patrão, que se viu demitido de uma hora para outra, sem qualquer indício de que isso ocorreria. ‘Descobri que era apenas um empregado, e que o fulano é um patrão’ – disse-me em seu desabafo. Como advertem os comunistas, não podemos ter ilusão de classe. Somos empregados, ganhando um pouco mais ou um pouco menos, conforme as leis do mercado e da conveniência política das empresas editoras. Por isso, precisamos de sindicatos, que defendam os nossos direitos de empregados. Os sindicatos podem ter diretorias de esquerda ou de direita, dependendo das circunstâncias políticas, mas não podem ser sindicatos de esquerdistas ou de direitistas. Os sindicatos são dos trabalhadores, em sua condição de trabalhadores, e não em sua opção ideológica ou político-partidária – da mesma forma que um presidente da República é o presidente de todos os brasileiros: petistas ou pefelistas, progressistas ou reacionários, católicos e protestantes, devassos ou castos.
Os jornalistas conscientes de sua condição não podem aceitar esse abominável Conselho – proposto pela Federação da categoria de assalariados que somos – mediante o qual alguns, escolhidos ao sabor das circunstâncias políticas, terão o direito de orientar, fiscalizar e punir os jornalistas. Primeiro, a orientação a que nos submetemos, queiramos ou não, é a da pauta decidida pelas empresas que nos pagam os salários e são donas dos jornais. Podemos discordar da orientação, e por isso, perder o emprego, o que não podemos é contrariar a própria consciência. Não se adquire a consciência moral em cápsulas, como se adquirem os tranqüilizantes. Nós a adquirimos na dialética do sofrimento, na rebeldia contra a injustiça e na solidariedade para com os outros – quando a adquirimos; se não a temos como um hormônio da alma, não há Conselho que dela nos possa suprir. Somos trabalhadores empregados como outros quaisquer: industriários, comerciários, bóias-fria e vaqueiros. Somos mais dependentes do que os camelôs, quando donos de sua mercadoria e de sua banca de rua.
Para os que defendem a criação do Conselho, iludidos pelo apoio político que a iniciativa recebe, essas reflexões não são agradáveis – mas necessárias. E é bom lembrar que só entre os leitores anônimos podemos contar com alguma admiração sincera. Os poderosos, salvo alguns, e de modo pessoal – não nos amam. Já é muito quando nos respeitam. E para nos punir, nos crimes de calúnia, injúria e difamação, já é um exagero a Lei de Imprensa em vigor. Basta o Código Penal.
Se se criasse tal Conselho, qualquer jornalista poderia ter o seu registro cassado por meia dúzia de pessoas dependentes de patrões, nacionais ou estrangeiros, de partidos políticos ou do governo. Esse tribunal espúrio também poderia impedir, pela ameaça ou constrangimento moral, a circulação de idéias e informações, impor a autocensura e retirar dos jornalistas, além do direito ao trabalho, a liberdade de expressão, que a Constituição garante a todos os brasileiros. Mauro Santayana, jornalista, é colaborador do Jornal da Tarde e do Correio Braziliense. Foi secretário de redação do Última Hora (1959), correspondente do Jornal do Brasil na Tchecoslováquia (1968 a 1970) e na Alemanha (1970 a 1973) e diretor da sucursal da Folha de S. Paulo em Minas Gerais (1978 a 1982). Publicou, entre outros, ‘Mar Negro’ (2002).’
Jorge Maurique
‘É equívoco dizer que liberdade de imprensa é valor absoluto’, copyright Revista Consultor Jurídico (www.conjur.com.br), 18/08/08
‘Instalou-se no Brasil uma violenta discussão, gerando verdadeira celeuma, sobre a proposta recentemente remetida ao Congresso Nacional para a criação do Conselho Federal de Jornalismo. Mas não é novidade no ordenamento jurídico brasileiro a existência de controles éticos para profissões.
Os conselhos de fiscalização de profissão, autarquias federais, foram criados principalmente a partir da última metade do século passado, com a finalidade de proteger o interesse da sociedade e dos trabalhadores que exercem profissões que o legislador regulamentou.
Ao lado da liberdade de profissão, que a Constituição Federal estabeleceu, pode a lei exigir que naquelas profissões onde se busca preservar a vida, a saúde, a liberdade e a honra, o profissional esteja submetido ao controle ético de um conselho, tendo como pressuposto esse controle a defesa da dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho.
Afinal, para que servem os conselhos de fiscalização de profissão? Sobre o tema, com propriedade analisou o jurista João Leão de Faria Júnior, em antiga lição, quando asseverou que ‘Os Conselhos e Ordens se organizaram porque a sociedade necessita de um órgão que a defenda, impedindo o mau exercício profissional, não só dos leigos inabilitados como dos habilitados sem ética. Tanto uns como outros lesam a sociedade. Compete aos Conselhos evitar essa lesão’.
Portanto, a criação dos conselhos de fiscalização profissional atende primeiramente ao interesse da sociedade, tanto que são mantidos por tributo previsto na Constituição Federal (art. 149). Cabe aos conselhos estabelecer as regras éticas de cada profissão e, identificada qualquer falta dessa natureza, instaurar o processo administrativo para sua cabal e definitiva apuração.
É importante notar que são os próprios profissionais que definem as regras de cada profissão, não havendo qualquer ingerência governamental nesse aspecto. Os dirigentes de tais órgãos são eleitos por seus pares, ou seja, a lei prevê regras democráticas para a escolha de seus dirigentes.
Pois bem, se é essa a função do conselho, prevalecendo a auto-regulamentação, com os jornalistas dizendo o que é ético e o que não é, qual a razão da grande resistência à criação do CFJ? Em primeiro lugar, credito essa resistência à desinformação do que seja um conselho de fiscalização profissional.
Em segundo lugar, ao momento político, em que, às vésperas de um pleito eleitoral, as forças políticas procuram, de um lado, desautorizar a crítica e, de outro, criticar qualquer iniciativa que renda dividendos políticos.
Em terceiro, ao fato de que grande parte da mídia resolveu que cabe somente a ela mesma definir o que seja ética no jornalismo e ética de jornalista, criando seus próprios manuais de redação, sem qualquer controle social.
Qualquer entendimento diverso é classificado como totalitário ou ditatorial. Ao mesmo tempo, é contraditório que, num momento em que a própria mídia reverbera a exigência de controle para órgãos de Poder (como, por exemplo, o Conselho Nacional da Magistratura), ela não pretende se sujeitar a qualquer controle.
A existência de um conselho não significa cerceamento à liberdade do jornalista, ao contrário, deve exatamente velar pela liberdade de imprensa, que é o interesse maior da sociedade. Mas significa que o jornalista sem ética poderá sofrer, ao lado das sanções civis e penais cabíveis, também a sanção ética de sua corporação.
Por outro lado, criado o conselho, somente poderá exercer a profissão de jornalista aquele que estiver inscrito no conselho. Isso é mau, é ditatorial? Penso que não, pois hoje quem credencia o jornalista para sua profissão é um órgão do Poder Executivo, o Ministério do Trabalho. É mais democrático o controle pelo Poder Executivo ou o autocontrole da profissão? Evidente que o controle pela própria categoria é a melhor opção.
Por último, a afirmação que a liberdade de imprensa é um valor absoluto é um grave equívoco, haja vista que recentemente o Supremo Tribunal Federal condenou, com o apoio de toda a sociedade, uma pessoa que, sob o pretexto da liberdade de imprensa, exercitava o racismo.
Entretanto, é necessário registrar que no projeto enviado ao Congresso Nacional existem dois grandes equívocos. O primeiro pretender não apenas fiscalizar a profissão do jornalista, mas também a atividade de jornalismo, que é um conceito muito subjetivo e muito mais amplo. Aí existe, realmente, risco para a independência dos órgãos de imprensa.
Essa parte deve ser suprimida, já que o texto do anteprojeto já prevê a obrigação de indicação de jornalista responsável por material de conteúdo jornalístico publicado ou veiculado. Portanto, nessa parte, o projeto comete um excesso.
O outro erro é sobre a primeira composição do CFJ, que ficou muito corporativa, sendo que deveria ser mais plural, prevendo a indicação também de membros por demais órgãos de imprensa, como a ABI, entre outros. Quanto a isso, ainda, deveria ser fixado um mandato único para a primeira composição provisória, sem possibilidade de prorrogação.
Portanto, avaliando-se o projeto com espírito desarmado das paixões partidárias e dos interesses econômicos, é possível perceber vários pontos positivos na proposta do CFJ. Pela sua importância, a questão merece discussão aprofundada, que deve se dar no Congresso Nacional, aliás, o palco adequado para o trato democrático da matéria. Afinal, se diz violento o rio caudaloso, mas nunca as margens que o aprisionam. Jorge Maurique Juiz federal em Santa Catarina e presidente eleito da Ajufe’
Luís Nassif
‘A proposta da Ancinav’, copyright Folha de S. Paulo, 18/08/08
‘Para discutir seriamente a nova Ancinav (Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual), a primeira providência é não misturá-la com o Conselho Federal de Jornalismo. A proposta do conselho é de controle de conteúdo; a da Ancinav não é.
Houve leitura apressada do artigo 43 da minuta que cria a agência. O artigo 222 da Constituição Federal dispõe que a propriedade de meios de comunicação de massas no Brasil tem que ser 70% de capital nacional, e a responsabilidade editorial, de brasileiros natos ou naturalizados. O artigo 43 da minuta diz que caberá à agência fiscalizar, para saber qual produto se enquadra no disposto na Constituição, e de quem é a responsabilidade editorial, para fins de identificação da nacionalidade. É muito diferente de controlar conteúdo.
Hoje em dia existem dois processos de convergência digital que derrubam fronteiras entre redes físicas e plataformas tecnológicas e de conteúdo -a televisão digital e a telefonia. Essa convergência tem levado globalmente a uma série de megafusões entre empresas de telefonia, de rede física e de produtores de conteúdo, algo que ameaça as produções nacionais, inclusive de países da Europa. Não se trata de questão trivial, mas de um tema cuja discussão será ampliada no âmbito da OMC (Organização Mundial do Comércio).
O Brasil dispõe de uma indústria de audiovisual que, vista no conjunto, deve faturar por volta de R$ 15 bilhões, com enorme potencial de crescimento, como gerador de emprego, de renda e de divisas, graças à diversidade cultural do país.
A missão de uma política para a área deveria ser a de criar estímulos para que novos produtores culturais surjam no país e que as atuais emissoras se voltem para o mundo -como exportadoras de produtos de entretenimento. A função da política pública é abrir espaço para o novo. Se se limitar a ser um consenso do velho, o novo jamais nascerá.
Hoje em dia esses dois movimentos são atrapalhados pela reserva de mercado que existe na distribuição cinematográfica e na área de radiodifusão, com o atual sistema de concessões. Não há espaço para a entrada do novo, e há o acomodamento do já estabelecido.
Até agora, as leis de incentivo à cultura trabalharam exclusivamente do lado da oferta, não da demanda. Ao lado de produtos culturais relevantes, foram produzindo filmes que não são distribuídos por falta de salas, espetáculos teatrais de fins de semana (porque o patrocínio já garantiu o retorno) e uma gama de eventos sociais sem significado cultural.
Incentivos fiscais, especialmente em atividades de mercado, devem servir de base para uma segunda etapa, na qual a produção seja auto-sustentada. Daí a relevância de dois movimentos seqüenciais. O primeiro, a criação de um verdadeiro mercado, derrubando as barreiras de entrada à produção independente e estimulando a busca do mercado externo para as grandes emissoras. O segundo, o fim gradativo do paternalismo e das reservas de mercado.’
Antonio Machado
‘Presidente escorrega feio ao disparar crítica a jornalistas’, copyright Cidade Biz (www.cidadebiz.com.br), 18/08/08
‘O presidente Lula abre um perigoso precedente contra si mesmo e não ilustra a Presidência que exerce ao desferir afirmações em tom jocoso a propósito do projeto de lei que enviou ao Congresso, propondo a criação do Conselho Federal de Jornalismo – iniciativa só tomada por ele, segundo garantem os seus assessores do Planalto e o presidente do PT, José Genoino, em atenção a pedido de um órgão sindical, a Fenaj, Federação Nacional de Jornalistas, e isto porque a nova entidade surgiria sob a figura de uma autarquia, cuja criação é de competência federal.
Primeiro, na semana passada, Lula disse a repórteres que queriam entrevistá-lo que só daria declarações se eles defendessem o conselho. Voltou ao tema, outra vez com ironia, ao sair, em São Domingo, do banquete em comemoração à posse do presidente da República Dominicana.
Disse aos jornalistas que o aguardavam que eles eram ‘um bando de covardes’, por não terem tido ‘coragem’ de defender o tal do conselho em torno do qual firmou-se a unanimidade de que está eivado de más intenções, indo do cerceamento da liberdade de expressão e da atividade jornalística ao condicionamento velado da imprensa à vontade do poder.
Ao emitir juízo de valor sobre o assunto, mesmo que recorrendo ao expediente da mordacidade, Lula acabou desmentindo o presidente de seu próprio partido, segundo o qual ‘o governo nada tem com isso’ e ‘estão botando nas costas dele o que ele não deve’, sendo, por isso, recomendável a retirada do projeto do Congresso, deixando a iniciativa de defendê-lo com a Fenaj, que o reivindicou.
Já não ficaria bem ao presidente, mesmo com a atenuante de sua história de vida e passado de homem simples, o linguajar que empregou ao se dirigir aos jornalistas, ambos estando ali, frente a frente, por força de suas responsabilidades e a trabalho – Lula representando o país num ato oficial, os repórteres exercendo sua obrigação, e direito, vale dizer, de informar a sociedade sobre as atividades do chefe do governo.
Difícil negar que seu comentário injurioso à imprensa não traísse uma forma de intimidação. Extrapolou ao sugerir que os jornalistas estavam contra o conselho por temer retaliação das empresas que os empregam, única explicação para a gratuita acusação de covardia aos repórteres que o acompanharam em sua visita à República Dominicana e depois ao Haiti.
Por alguns momentos foi como se tivesse abdicado da majestade presidencial em favor do sindicalista que compõe a sua biografia, quando cobrou a ‘posição classista’ dos repórteres e indagou, como que afirmando, se ‘não é uma reivindicação histórica’ a criação do conselho.
Covardia seria deixar passar, sem discussão, uma iniciativa que parte do pressuposto de que a sociedade precisa ser defendida da imprensa, o que por si é uma contradição, já que é pela informação que lhe é prestada pela imprensa que a sociedade se defende, além de existir ao seu dispor ‘no nosso Direito diversas possibilidades de controlar e coibir os excessos da liberdade de expressão’, como muito bem afirmou o ministro do STF, Joaquim Barbosa, ao inquirir a serventia do Conselho Federal de Jornalismo.
O que é covardia
Covardia seria não questionar a representatividade da Fenaj para falar e pleitear em nome de toda uma categoria dividida entre os jornalistas que trabalham em redações – e, portanto, seriam os sujeitos do controle e fiscalização do cogitado conselho -, e os que exercem atividades de assessoria de imprensa, tão digna quanto à dos colegas de jornais, revistas, rádios e TVs, mas com atuação bastante diversa daqueles e com outros tipos de problemas.
Covardia também seria ignorar que o setor de mídia foi talvez o mais prejudicado, nos últimos anos, pela recessão da economia, que foi particularmente severa com a publicidade e a circulação, além de sofrer, na outra ponta, brutal aumento de custos. As empresas precisaram adequar-se financeiramente, implicando a redução de seus quadros, enquanto o setor público continuou empregando, inclusive em suas áreas de divulgação.
É provável que já haja mais profissionais registrados trabalhando em assessorias de imprensa que em redações, tornando uma quimera a afirmação de Lula de que, ‘para ele, para o governo, o que importa é fazer as coisas que a categoria entenda que sejam boas para ela’. A que categoria ele se refere, à dos que trabalham em redações ou em assessorias?
Enquanto direitos trabalhistas não há porque distinguir uma da outra, mas em se tratando de ética da informação, liberdade de imprensa e responsabilidades afins é notória a diferença de atribuições e deveres entre um e outro ramo de especialização, ficando evidente, pela leitura do projeto, que o interesse é o controle da notícia. Lê-se no artigo 7º, no qual até a palavra ‘censura’ se faz presente: ‘As penas aplicáveis por infrações disciplinares são as seguintes: I – advertência; II – multa; III – censura; IV – suspensão do registro profissional por até trinta dias; V – cassação do registro profissional’ e por aí vai a coisa.
Já que se dispôs a tomar partido de um dos lados, que sequer tem o apoio oficial do PT e muitos petistas de peso se manifestaram contrários – assim como a OAB, a ABI, os presidentes do STF e do STJ, da Câmara e do Senado -, que o presidente o faça com conhecimento e não como torcedor de uma causa que deveria merecer sua repulsa, se estivesse melhor informado.’