‘Convenhamos, o Brasil é um país grande e importante no coração do continente sul-americano – mesmo que nem sempre pareça assim. Que o digam as gordinhas de Ipanema.
A essa altura talvez ninguém agüente mais ouvir falar do último imbróglio do The New York Times nas areias brasileiras. Se assim for, só pode ser sintoma de melhora. Enfim, quantos homens-hora, tonéis de tinta, pestanas e loas à pátria se gastaram na imprensa no mês passado? Tudo instigado por uma reportagem, digamos, fora de medida, sobre o problema – ou não – do sobrepeso nacional. Nem Gisele nem Helô Pinheiro. Esqueça a capivara da Lagoa Rodrigo de Freitas. A musa deste verão atende pelo nome de Larry Rohter. O que deu no Brasil?
Deu no The New York Times, é claro. Não vou meter a minha caneta no novo barraco. O que acrescentar à polêmica que já foi esmiuçada em capa de jornal, no Jornal Nacional e pelo ciberespaço afora, engordando manchetes que seriam exageradas até para saudar a segunda vinda de Cristo?
Não me entendam mal. Sempre me deixou embevecido, e um tanto perplexo, quando uma nota minha repercutia nas folhas nacionais, qualquer folha que fosse. Ainda mais no início da carreira, quando tinha uns vinte e poucos anos e sérias dúvidas se algum leitor prestava atenção a mim. Deu no Brasil? Logo, existo. Assim é a insegurança típica do correspondente principiante neste País. Mas por que tanta comoção por aqui com uma notícia lá fora? Afinal, o Brasil já passou dos 500 anos.
Por definição, matéria de jornal é perecível, mesmo a mais controvertida. Mas ainda me intriga a quizumba que se criou com essa. Afinal, há anos que médicos, nutricionistas, professores e jornais Brasil afora vêm alertando sobre a epidemia de obesidade global, inclusive a brasileira. O NYTimes pode ter errado o enfoque, trocando cariocas por checas, mas não errou o tema. (Curiosamente, outro erro da reportagem nem sequer foi discutido: segundo as pesquisas, a única fatia da sociedade que conseguiu perder peso nos últimos tempos foi a das mulheres de renda mais alta, enquanto os pobres, graças à melhora da sua renda e à junk food barata, engordam cada vez mais. Ou seja, não é a garota de Ipanema que está fora do peso, é a empregada dela).
Não importa. Mais que a saúde, o que estava em jogo era a imagem nacional. Um jornal carioca se deu ao trabalho de desvendar a verdadeira identidade da garota da reportagem. Depois, mandou fotografá-la, perguntando-lhe pérolas do tipo ‘você reparou se os brasileiros estão gordos?’ (não, ela não reparara). Lançado o debate que não existia, vieram as repercussões. Repórteres saíram a campo sondando a todos sobre a vida e obra do notório correspondente. Leitores entupiram os jornais e a internet, clamando pela punição de Rohter. Apareceu até uma ONG dedicada à defesa da população de peso avantajado, a International Size Acceptance Association, para denunciar o libelo gringo.
Soa familiar? Todos se lembram da primeira rodada Brasil x NYTimes, quando Rohter investiu na suposta queda do presidente pela bebida. Deu no que deu, e quase que o correspondente foi brindado com a expulsão. Só depois do mea-culpa (meia culpa?) do Times é que as coisas se acalmaram. Acalmaram, em termos. A julgar pelas versões febris que seguiam orbitando pela mídia, Rohter seria (escolham vocês) capacho de George W. Bush, espião da CIA, um tucano travestido de repórter que vive tricotando com José Serra e, finalmente – a minha versão favorita – um devorador de mulheres indígenas da Amazônia, território que almeja remeter aos cuidados do seu tio, o Sam. Por fim, salvaram-se todos, menos o senso do ridículo.
Que elixir é esse que bastam umas poucas linhas publicadas num jornal estrangeiro e, pronto, o País já está de porre de novo? E quem foi que elegeu o NYTimes como o oráculo da vida brasileira? É, sim, um senhor jornal, mas não é senhor da nação. Seus jornalistas, como todos os outros, acertam, erram, dão furos, fazem besteira e soltam opiniões. Mas quando essas opiniões são só elogio – o aplauso do NYTimes ao programa brasileiro de combate a aids, o editorial saudando a vitória do Brasil perante à OMC contra os subsídios dos países ricos, a calorosa coluna celebrando a própria eleição do presidente Lula – é a glória.
Agora, quando a mesma folha critica o País, ou erra, como no caso das checas de Ipanema, é um escândalo. O santo tem pé de barro! Se o injustiçado for algum governante, é um atentado à pátria. ‘O Brasil seria uma república de bananas se o governo não reagisse à agressão perpetrada contra a honra do presidente e à imagem do País’, disse à época José Genoino, presidente do PT, em carta aberta às redações nacionais. ‘O jornalista não se limitou a caluniar e difamar’, afirmou. ‘Está prejudicando os interesses do Brasil no exterior.’
Quanto poder! O problema é que a fúria da vítima só acaba enobrecendo o agressor.
No Rio, eu soube que um bloco pré-carnavalesco elegeu o recente ‘caso Rohter’ como tema de seu desfile pelas ruas cariocas. Este, sim, é o Brasil que conheço. Criou confusão? Carnaval nele! Foi assim que sempre entendi o bordão ‘deu no New York Times’ do admirável Henfil, como uma brincadeira sobre o frenesi nacional com a opinião alheia – e não um casus belli. Saudades do Henfil.
*Correspondente da revista Newsweek no Brasil’
ARQUIVOS DO PORÃO
‘Militares rejeitam idéia de parceria internacional para abrir arquivos’, copyright O Estado de S. Paulo, 5/2/05
‘As declarações do ministro-chefe da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, Nilmário Miranda, feitas no Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, a favor de uma parceria internacional para fazer a abertura dos arquivos secretos d o regime militar foram recebidas, nas Forças Armadas, com grande descontentamento. A idéia do ministro é que haja troca de informações sobre os arquivos brasileiros e os existentes em outros países da região, principalmente com os de Argentina, Chile e Paraguai.
Para os militares, a idéia é ‘inoportuna’ e ‘desnecessária’ e pode abrir brechas para o que chamam de ‘interferência inaceitável’ em assuntos internos do País. A insatisfação partiu de diferentes pontos do País, como Porto Alegre, Brasília, Recife, Fortaleza e até Manaus. Uma das preocupações dos militares é que existam documentos, em outros países, que possam constranger ex-dirigentes e instituições no Brasil. Eles se referem às ações conjuntas executadas pelos governos militares na América do Sul, como a Operação Condor, nos anos 70. A questão, avaliam alguns, pode até trazer problemas diplomáticos.
Informados dessas reações, alguns auxiliares do governo informam que ‘não há ainda uma decisão’ a respeito dessa integração. A idéia do ministro Nilmário, adiantam, ‘ainda não foi discutida em nível interno’. Os documentos sobre o assunto, esclarece um assessor, só podem ser abertos para quem tenha relação direta com eles.
INSATISFAÇÃO
A insatisfação desses militares, que inclui muita gente da ativa, já foi levada ao Gabinete de Segurança Institucional – cujo titular, general Jorge Armando Félix, teve ontem uma reunião com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Segundo alguns assessores, já existe a preocupação com a possibilidade de surgirem notas de repúdio dentro dos quartéis.
Ao comentarem a proposta de Nilmário, esses descontentes referem-se em especial à troca de informações com os países vizinhos – a situação mais problemática seria com a Argentina. Embora ressalvem que não têm nada a esconder sobre o que aconteceu – até porque esses militares não eram ligados ao regime militar -, eles não querem ver pessoas e instituições condenadas por quem não participou dos episódios. Se houve anistia, lembram, ela tem de valer para os dois lados.’
INGLÊS NO ITAMARATY
‘Diplomacia muda’, copyright Jornal do Brasil, 2/2/05
‘Os ‘americanófobos’ não enxergam no inglês o vetor mais eficiente para embaixadores?
O governo petista retirou a exigência de conhecimento da língua inglesa, a mais importante do cenário político-estratégico internacional, dos exames de admissão à carreira diplomática. Motivo: exigir que os candidatos ao Itamaraty conheçam o idioma de Charles Dickens seria manifestação de elitismo explícito e uma injustiça com os candidatos monoglotas. Podemos, pois, inferir que os teóricos do partido consideram o conhecimento prévio de inglês desnecessário à preparação dos futuros diplomatas. Quem sabe achem mais acertado reduzir os padrões dos critérios de seleção, em vez de colimar a qualidade intelectual do corpo discente; ou talvez acreditem que um curso expedito daria aos alunos do Instituto Rio Branco a fluência de um Daniel Webster. Será que os exacerbados ‘americanófobos’ e ‘anglófobos’ das esquerdas anacrônicas não enxergam no inglês o vetor mais eficiente para os demais atributos indispensáveis aos embaixadores? A dúvida procede, porquanto agem e reagem como se fossem seguidores da réplica célebre de Robespierre à Madame Lavoisier que implorava pela vida do marido genial: ‘A República não precisa de sábios’.
Embora vejamos nessa medida absurda mais uma expressiva demonstração petista de que não existem limites para a imbecilidade humana, não temos razão para grandes cuidados. O PT – se Deus for mesmo brasileiro – não ocupará o Executivo eternamente; algum dia, a sensatez voltará ao nosso Ministério das Relações Exteriores, e a casa vai ser arrumada. É claro que ficará uma seqüela. Teremos de permeio alguns diplomatas mudos: aqueles que não sabiam inglês antes e não conseguiram aprendê-lo depois nos níveis exigidos pela lide diplomática. Os ‘mudinhos’ carregarão essa ponderável deficiência ao longo da carreira, em relação aos colegas plurilíngües mais articulados, para gáudio dos intérpretes desempregados.
Qualquer que seja a acepção que adotemos para o vocábulo ‘elite’ – fina flor da sociedade ou seu segmento mais apto – é dela que desejamos ver sair nossos negociadores internacionais. Aos menos qualificados é preciso dar condições de almejar e disputar cargos em nossas embaixadas em pé de igualdade. Esta é uma meta de longo prazo, que deve ter início no curso maternal; jamais será atingida com ‘canetadas’ ideológicas. Somente com uma postura realista, firmaremos acordos relevantes, o que a mentalidade tacanha deste governo ainda não fez em dois anos. Importante é ter diálogo e abertura com o Norte desenvolvido, onde se encontram os maiores parceiros comerciais do Brasil, em vez de persistir na jacobina mediocridade de uma cruzada socialista e terceiro-mundista.
A decisão do ministro Celso Amorim de rejeitar a língua global de um mundo globalizado é risível, raiando pelo ridículo; o que, porém, realmente nos espanta é o fato de o comissariado petista não ter percebido que Amorim, depois das sandices proferidas sobre o assunto, certamente, perdeu o respeito de seus subordinados. Na esteira das ironias do jornal suíço Tribune de Genéve, é provável que o ministro seja hoje motivo de chacota até mesmo entre os mais ínfimos dos vice-cônsules. As piadas se multiplicam e, maldosamente, caçoam da decantada pouca instrução do presidente, do vice-presidente e do presidente da Câmara, que poderia ser contagiosa. O governo estaria sofrendo um surto de agravação do apedeutismo de sua cúpula. Amorim se defende e diz que qualquer um aprende inglês em três anos. Pois bem, o chefe dele, o presidente Lula da Silva, em mais de cinco décadas, sequer conseguiu assimilar corretamente o português, a nossa última flor do Lácio, tornando-a cada vez mais inculta e menos bela.’
CENSURA EM RORAIMA
‘Justiça proíbe rádio de citar nome de prefeita de Boa Vista’, copyright Folha de S. Paulo, 3/2/05
‘Uma das maiores rádios de Boa Vista, a Equatorial FM, está proibida pela Justiça de Roraima de citar o nome da prefeita da capital, Teresa Jucá (PPS), em sua programação. O objetivo da decisão, de caráter liminar, é coibir abusos e resguardar a honra da prefeita.
Desde o início do ano, a rádio vinha transmitindo programas críticos abordando a gestão da prefeita, que foi reeleita.
Temas como viagens, aumento de salário dos secretários e alteração nas regras do transporte público eram freqüentes. Conforme trechos divulgados pela assessoria da prefeitura, os apresentadores usavam tom jocoso.
Nos debates, os radialistas veiculavam várias vezes a música ‘Cadê Tereza’, de Jorge Ben Jor, que agora está proibida, assim como qualquer comentário sobre a vida política, pública ou pessoal da prefeita, por expô-la ao ridículo, conforme a ordem judicial.
Com receio de ser hostilizada, segundo o advogado da prefeita, Emerson Luís Delgado Gomes, Jucá resolveu entrar na Justiça com ação indenizatória por danos morais e pedir a suspensão da citação de seu nome.
Márcio Junqueira, diretor da rádio e comentarista de alguns programas, afirma ser vítima de censura e perseguição.
Na ação movida pela prefeitura, também foi alegado que os apresentadores da rádio não podiam fazer programas críticos por não serem radialistas profissionais. Junqueira nega que seus empregados não sejam radialistas e diz que a lei não o impede, como diretor da emissora, de fazer críticas a pessoas públicas no ar.
‘Estão dizendo que vão até fechar nossa rádio e nossa televisão [uma retransmissora da TV Record]. Estamos travando uma luta contra interesses poderosos. As críticas que veiculamos são sobre uma pessoa pública, uma prefeita que deve dar satisfação ao povo.’
Até 2003, a Prefeitura de Boa Vista manteve programa semanal pago na Equatorial FM para divulgar as ações de sua gestão.
A decisão liminar é contestada com recurso no Tribunal de Justiça de Roraima. Ficou estabelecida multa de R$ 5.000 por dia, em caso de descumprimento da ordem.’