Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Marcelo Coelho

‘Peguei em armas pela liberdade de imprensa’, disse o deputado José Dirceu num dos raros momentos de vivacidade do seu depoimento ao Conselho de Ética da Câmara, na terça-feira passada.


A frase ilustra as dificuldades do ex-ministro em se mostrar convincente quando toma a palavra. Não é que seja mentira. Só é um tanto dura de engolir. Se ele dissesse que pegou em armas pelo socialismo, pela justiça social, pelo fim da ditadura, não haveria reparos a fazer. Mas pegar em armas pela liberdade de imprensa?


Claro, qualquer pessoa que, nos anos 70 ou 80, lutasse pela redemocratização do país estava automaticamente defendendo o fim da censura a jornais e revistas. Só que isso não significa que a liberdade de imprensa levasse alguém a entrar na luta armada. Muito menos no caso de José Dirceu, a quem não repugna manter relações com Fidel Castro.


De qualquer modo, José Dirceu tem motivos para reclamar da imprensa. Fiquei chocado, por exemplo, ao topar, na coluna de Millôr Fernandes na revista ‘Veja’, com uma foto do ex-ministro num riso escancarado, que revelava suas mais recônditas obturações. A imagem servia para o humorista chamar José Dirceu de ‘Boca de Ouro’ e citar, sem muito propósito, falas do conhecido facínora de Nelson Rodrigues.


Diante do Conselho de Ética, José Dirceu insistia: tem sido vítima de um linchamento moral, e não há prova nenhuma contra ele. ‘Estou cada vez mais convencido de minha inocência’, declarou, numa formulação infeliz, com jeito de ato falho.


Em outra ocasião, ele também já tinha tropeçado em palavras parecidas. Afirmara-se ‘inocêncio’, despertando alguns risos na platéia, ao lembrar involuntariamente um prócer político com quem não tem muitos pontos em comum.


Na mesma linha de deslizes verbais, chamou-me a atenção uma frase de José Dirceu na sua entrevista para Mônica Bergamo, na Folha de domingo passado.


Ele reafirmava que o dinheiro do valerioduto veio de empréstimos de campanha feitos pelo PT e por Marcos Valério no Banco Rural. ‘O problema’, acrescentou, ‘é que não se quer aceitar essa tese’. Uma ‘tese’? Do seu ponto de vista, não deveria ser uma ‘tese’, uma ‘versão’, uma ‘teoria’, mas sim um fato, uma verdade meridiana e simples…


Atos falhos e impropriedades vocabulares não são, todavia, prova de culpa. A questão é que, embora sem provas, ninguém acredita que José Dirceu seja inocente, e que toda a responsabilidade pelo valerioduto estivesse apenas nas mãos de Delúbio Soares.


A imagem de ‘manda-chuva’ é indissociável de José Dirceu, e ainda hoje a sua argumentação fica talvez debilitada por um excesso de vaidade: se o acusam, se o perseguem, é porque ele, José Dirceu, representa a esquerda, representa o governo Lula etc. Logo após sua demissão, ficou célebre a frase com que José Dirceu se referia ‘ao meu governo’.


Resumindo, é como se José Dirceu dissesse: embora todo-poderoso, não tive poder nenhum sobre o que acontecia. Em tese, é possível que tenha sido assim. Mas, numa psicologia algo perversa, talvez ele até se sinta mal ao afirmar que algo escapara ao seu controle.


Dizer-se inocente equivale a admitir que seu poder não era tão grande assim.


E isso dá um tom fosco, desanimado, às suas declarações. Quanto mais Roberto Jefferson se dizia culpado, mais acreditavam nele. O contrário ocorre com José Dirceu. Ele poderia dar argumentos no sentido de que não era necessário pagar ‘mensalão’, de que as votações dos partidos aliados seguiam outra lógica, de que há contradições e inconsistências nas acusações dos adversários…


Mas José Dirceu se fecha, dizendo o mínimo possível, numa atitude de pura resistência.


Ainda aqui, seu passado de esquerda o condena: em tempos de delação premiada, ele segue o princípio de não entregar seus companheiros.


O resultado é menos heróico do que burocrático. ‘Tudo foi aprovado pelo partido’; ‘essa pergunta não sou eu quem tem de responder’; ‘eu não era deputado quando tais casos ocorreram’… José Dirceu diz que assume responsabilidades políticas, mas não sabemos exatamente quais, nem a respeito do quê.


Ganha assim um significado paradoxal a frase mais forte de sua entrevista à Folha: ‘eu fui desumanizado, eu não existo mais’. Talvez esse processo não tenha começado agora.


A sensação de ‘inexistência’ remete aos tempos de sua clandestinidade. Mas é a própria posição de ‘apparatchik’ do partido, de executivo político capaz de agir sem nenhuma sentimentalidade, pronto a fazer ‘o que é necessário’ no jogo do poder, que o desumaniza aos olhos da opinião pública, e transforma em dura indiferença pessoal o que ele chama (ainda?) de idealismo político.’




Tariq Ali


‘Aprendendo com a Venezuela’, copyright Folha de S. Paulo, 30/9/05


‘Em 21 de setembro, seu jornal me acusou de expressar o ‘ranço’ antidemocrático e sugeriu que minhas críticas ao presidente Lula tinham algo a ver com o respeito dele à ‘integridade das instituições’ (editorial ‘Esquerda Obtusa’, pág A2). Normalmente, ignoro tentativas de difamação como essa, mas, dada a crise política que o Brasil vem atravessando, creio que seja necessário refutar seus argumentos.


O que argumentei, em conferência no Rio de Janeiro, é que muitos políticos, entre os quais Lula, respeitam instituições antidemocráticas como o FMI, o Banco Mundial e a OMC. Trata-se das instituições do Consenso de Washington: nenhuma delas eletiva, mas com quadros apontados por, ou sujeitos à, aprovação dos EUA.


Será que democracia hoje quer dizer uma economia neoliberal que dê primazia ao consumo, tenha a especulação como cerne da atividade econômica e dependa da entrada do capital privado nos domínios até agora inviolados da provisão coletiva? Se é isso que a democracia tem de tolerar, o que temos na verdade é uma ditadura do capital.


Será possível desafiar esse consenso, no mundo neoliberal? Ou qualquer forma de desafio desse tipo deve ser considerada ‘populismo’ ou ‘ditadura’? Será que a diversidade se reflete no fato de que os 247 editores de Rupert Murdoch espalhados pelo mundo apoiaram todos a Guerra do Iraque?


Os acontecimentos na Venezuela são importantes não porque esse rumo possa ser seguido por todos os outros países latino-americanos. Cada país tem sua especificidade. Mas a importância da Venezuela reside no fato de que os bolivarianos revigoraram e fortaleceram a democracia. A Constituição bolivariana concede ao povo o direito de destituir o presidente. Nenhum outro país nas Américas tem cláusula semelhante.


As opiniões expressas em seu editorial ecoam as da oligarquia e dos partidos políticos venezuelanos, que vêm sendo derrotados regularmente nas eleições locais, nacionais e no referendo. Foi o ex-presidente Jimmy Carter que declarou que o referendo realizado na Venezuela foi plenamente democrático.


O país inteiro sabe o que aconteceu. Chávez derrotou seus oponentes democraticamente, e pela quarta vez consecutiva. E isso apesar da completa hostilidade dos veículos privados de mídia. Correspondentes estrangeiros em Caracas se convenceram de que Chávez é um caudilho opressor e, como o autor de seu editorial, estão desesperados por traduzir em realidade as suas fantasias.


Será que Lula e o PT podem aprender alguma coisa com essa experiência? Sim, podem. Na Venezuela, 1 milhão de crianças das favelas e das aldeias mais pobres agora recebem educação gratuita; 1,2 milhão de adultos aprenderam a ler e escrever. No que tange à saúde, os 10 mil médicos cubanos enviados transformaram a situação nos distritos mais pobres, nos quais 11 mil clínicas de bairro foram estabelecidas, com a triplicação do orçamento da saúde. Devemos acrescentar uma lei de reforma agrária aprovada e implantada apesar da resistência, tanto legal quanto violenta, dos senhores de terras. No final de 2004, 1.262.467 hectares haviam sido distribuídos a 116.899 famílias. Os motivos da popularidade de Chávez são óbvios.


É ridículo sugerir que a Venezuela está à beira de uma tragédia totalitária. Foi a oposição que tentou arrastar o país nessa direção. Quando pedi a Chávez que explicasse sua filosofia, respondeu:


‘Não acredito nos postulados dogmáticos da revolução marxista, não aceito que estejamos vivendo em um período de revoluções proletárias. Tudo isso precisa ser revisado. A realidade nos diz isso a cada dia. Nosso objetivo atual na Venezuela é a abolição da propriedade privada ou uma sociedade sem classes? Creio que não. Mas, se me dizem que, por causa dessa realidade, não se pode fazer nada para ajudar os pobres, as pessoas que enriqueceram esse país com seu trabalho -e nunca esqueça que parte desse trabalho era escravo-, é então que digo que não posso concordar. Jamais aceitarei que não pode haver redistribuição de renda na sociedade. Nossas classes altas nem mesmo gostam de pagar impostos. É um dos motivos para que me odeiem’.


A elite quer que Lula sangre lentamente até a morte, para que possa então substituí-lo. Aqueles de nós que consideram o que aconteceu no Brasil como tragédia desejam que Lula mude de rumo e ajude aqueles cujos votos o tornaram presidente. Se isso é sinal de obtusidade, admito-me culpado.’




Clóvis Rossi


‘O país do baixo clero’, copyright Folha de S. Paulo, 30/9/05


‘Vistas as coisas com mais vagar, nota-se que o baixo clero espraiou-se muito além daqueles 300 que elegeram Severino Cavalcanti presidente da Câmara.


Aldo Rebelo, o novo presidente, não é baixo clero? Afinal, o perfil dele traçado pela Folha ontem menciona um ‘colecionador de fracassos’. Qual é a opinião relevante que se ouviu de Rebelo em sua longa militância política? Você aí tem a mais remota idéia de que país ele construiria se assumisse a Presidência algum dia?


Seu partido, nas propagandas televisivas que casualmente estão ou estiveram no ar, diz-se ‘o partido do socialismo’. Mas, na hora do vamos ver, a única coisa socializada pelo governo de que faz parte o PC do B é o caixa dois. Nada contra o socialismo, é bom ressalvar, mas tudo contra a incoerência total, a mentira.


A difusão maciça do baixo clero foi até fotografada: os deputados pilhados comemorando a vitória de Rebelo são, quase todos, do baixo clero, inclusive aqueles que a mídia, piedosamente, poupa do rótulo. Exemplo: João Paulo Cunha, antecessor de Rebelo e agora na lista de cassáveis, quando presidente da Câmara contratou uma penca de funcionários para as lideranças, sem concurso, e se orgulhava disso.


Mesmo quando admitia que, se todos os contratados comparecessem no mesmo dia ao local de trabalho, nem caberiam. Não é o típico comportamento de baixo clero?


O governo, de modo geral, é baixo clero, se por essa expressão se entender políticos cuja opinião é inexistente. Afinal, o presidente Lula elegeu-se à base do que ele próprio designaria depois como ‘bravatas’. Eliminadas as ‘bravatas’, sobra o quê? Uma catarata de frases feitas, um festival do lugar-comum e algumas graves escorregadelas, tipo ‘minha mãe nasceu analfabeta’, como se todas as mães (e pais e filhos e filhas) também não nascessem assim.


E assim navegará o país na sua crônica mediocridade e na sua eterna lama.’




Agência Folha


‘Partido terá muito pouco tempo na TV’, copyright Folha de S. Paulo, 30/9/05


‘O PMR, futuro PR, depende de alianças com outros partidos para dispor de tempo suficiente na televisão e no rádio para as eleições do ano que vem, disse o senador Marcelo Crivella.


Com o registro recém-liberado pela Justiça Eleitoral, a nova sigla dispõe, por ora, apenas do tempo que a legislação eleitoral destina a todos os partidos políticos, tenham ou não representação na Câmara: um terço do horário eleitoral gratuito é distribuído igualmente entre todas as legendas.


A maior parcela do tempo (dois terços) é distribuída proporcionalmente às bancadas dos partidos eleitas no último pleito (em 2002). Como o PMR não existia naquela eleição, não tem direito a esse tempo, mesmo que conquiste vários deputados federais.


Por enquanto, além do senador Marcelo Crivella, filiou-se ao partido o deputado federal José Divino (RJ). O presidente do PMR, Vítor Paulo dos Santos, disse que pelo menos outros três deputados federais estão prestes a entrar no partido. Isso deve acontecer até o início da próxima semana. Quanto aos deputados estaduais, ele disse que já são muitos. O partido está presente nos 27 Estados.


Outro congressista que está na mira do PMR é o senador mineiro Aelton Freitas (que era suplente de José Alencar). Ele estava presente ontem no ato de filiação do vice-presidente, mas não sinalizou se aceitará trocar o PL pela nova sigla. No final de outubro, será realizada em Brasília a convenção que oficializará a mudança do nome de PMR para PR.’




Joaquim Falcão


‘Um novo índice’, copyright Folha de S.Paulo, 29/9/2005


‘Joseph Stiglitz e Amartya Sen, ambos ganhadores do Prêmio Nobel de Economia, reuniram-se em Nova York com especialistas de todo o mundo para criar um novo índice mundial: o índice de acesso ao conhecimento, batizado em inglês de ‘A2K’. O Brasil foi representado pelo professor Ronaldo Lemos, da Fundação Getulio Vargas. Não é difícil compreender a grande utilidade desse novo índice.


Anualmente, os Estados Unidos produzem um relatório de repercussão mundial sobre pirataria. Nele, os países são classificados por seus esforços de combate à pirataria e por sua legislação de proteção aos direitos de propriedade intelectual. Quanto mais defender o autor, melhor estará o país. Não se trata de relatório comum. Um país que não combate a pirataria nem protege o direito autoral pode sofrer sanções do governo americano, como aconteceu com a Ucrânia. É natural. Os Estados Unidos são os maiores produtores de bens intelectuais do mercado. Querem protegê-los. Querem que seus usuários paguem por essa utilização. O uso é, no fundo, uma relação de consumo. Ao comprar um tênis Nike, além do objeto em si, estou comprando um direito: o de usar um produto daquela marca específica.


Em toda relação de consumo, o produtor invariavelmente se verá em oposição ao consumidor. Aquele defende um direito, este defende outro. É justamente a partir dessa equação que o novo índice se coloca e se faz necessário. Stiglitz, Amartya e milhares de outros economistas começaram a notar uma correlação perversa entre direito de propriedade intelectual, de um lado, e direito do acesso à informação e ao conhecimento, de outro. A hipótese com que trabalham é simples: em vez de estar a favor da produção e da disseminação de conhecimento, o direito de propriedade intelectual, quando radicalizado, limita injustamente o acesso à informação e pode se voltar contra o legítimo direito dos povos ao conhecimento. São dois, entre outros, os indicadores dessa radicalização.


Primeiro, a extensão do prazo legal para que uma obra caia em domínio público. Esse prazo deve ser suficiente para remunerar o produtor por sua criação. Mas qual o limite dessa remuneração? É o que se pergunta. Quando se estende demasiadamente o início do domínio público, privilegia-se o produtor em detrimento do consumidor. O direito de propriedade, em detrimento do direito à informação.


A conceituada e conservadora revista ‘The Economist’ defende que, na economia moderna, um prazo de 14 anos seria mais do que suficiente para bem remunerar o direito de propriedade. O mínimo exigido pela Organização Mundial de Comércio (OMC) é de 50 anos a partir da publicação da obra. No Brasil, essa radicalização é ainda maior. O prazo aqui é de 70 anos, contados a partir da morte do autor. Na prática, o prazo de proteção é quase sempre de mais de cem anos.


Os Estados Unidos acabam de prolongar também esse prazo, desbalanceando ainda mais as relações entre produtor e consumidor. Passou de 70 para 90 anos, graças à chamada Lei Mickey Mouse, pois teria sido criada para favorecer a empresa de Walt Disney. Essa nova lei americana extrapola Mickey e torna mais difícil o acesso à informação literária, musical ou fotográfica de milhões de norte-americanos que, lá também, não podem arcar com os direitos autorais para se informarem. E sem informação não há conhecimento nem educação. Não há século 21.


O segundo indicador dessa radicalização é a diminuição das hipóteses em que se limitam os direitos autorais. No Brasil, por exemplo, a legislação anterior a 1998 permitia a cópia de trechos de livros para fins acadêmicos. Agora, não mais. Estamos na contramão do estímulo à educação. Milhões de estudantes brasileiros estão privados de acesso a informações fundamentais para a sua formação. Em países como França, Itália e Alemanha, uma parcela do preço da cópia feita vai para os autores e editoras. Com isso, todos ganham universidades, que não precisam comprar os livros com preços de varejo, e editoras, que se remuneram pelas cópias feitas.


Nossa Constituição é clara. O direito de propriedade resulta de delicado equilíbrio entre o interesse individual e a função social da propriedade. O direito individual à propriedade intelectual não é absoluto. Tem de ser ponderado com outros direitos. O licenciamento compulsório dos direitos de patente sobre remédios expressa justamente essa ponderação. Até a OMC já reconhece que o direito à saúde de um povo é mais importante do que o direito de propriedade intelectual de uma empresa.


O relatório anual norte-americano sobre pirataria, com base em dados das empresas interessadas, defende o produtor e os países produtores. O novo índice de acesso ao conhecimento, sob a liderança da Universidade Yale e de instituições de países em desenvolvimento, defenderá os países consumidores e o consumidor. O desafio é criar uma legislação que estimule financeiramente a criação sem prejudicar o acesso de todos à própria criação. [Joaquim Falcão, 62, é diretor da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas (RJ) e membro do Conselho Nacional de Justiça. @ – jfalcao@fgv.br]




RONALD GOLIAS
Barbara Gancia


‘Ó, Cride! Avisa a mãe que perdeu a graça!’, copyright Folha de S. Paulo, 30/9/05


‘Deixo de lado as nojeiras de Brasília e hoje vou de Ronald Golias. Por várias vezes usei este espaço para reafirmar que ele foi o melhor de todos, melhor até que Oscarito. Há pouco mais de dois anos, ele fez questão de agradecer os elogios. Meu colega, o colunista e editorialista da Folha Marcos Augusto Gonçalves, topou Golias em um restaurante e foi conversar com ele. Assim que soube que Marcos trabalhava no mesmo jornal que eu, Golias pediu que ele ligasse para mim. Eu estava em casa, trabalhando ao computador, quando atendi o telefonema: ‘Melhor sentar, você está prestes a falar com um gênio’, avisou Marcos. Golias conversou comigo como se fosse um iniciante que agradecia a chance de ter sido mencionado na imprensa pela primeira vez. Senti-me honrada em atestar que ele sabia meu nome e comovida com sua simplicidade.


Assim que ouvi sobre sua morte, entrei na internet a fim de conferir se o noticiário refletia a importância que ele teve para minha geração. Quem está dobrando o cabo dos 40 anos sabe do privilégio que foi vê-lo como Carlos Bronco Dinossauro ou o genial professor Bartolomeu Guimarães.


Nos últimos dias, falei com muita gente que guarda boas lembranças de Golias. O jornalista Guilherme Meirelles, por exemplo, recorda o dia em que estava no ônibus escolar e o carro de Golias parou ao seu lado. A criançada começou a gritar o nome dele e Golias retribuiu envesgando os olhos e grudando a língua no vidro. Na era do insufilme, seria uma brincadeira impensável.


O maquiador Lazzinho, da TV Bandeirantes, lembra que, apesar da fama de pão-duro, Golias (que sempre vestia pólo vermelha e calça preta) andava com um saco, desses de padaria, cheio de dinheiro para dar de gorjeta aos técnicos das emissoras em que trabalhava. Segundo Lazzinho, Golias tinha suas manias. ‘Apesar de fumar feito chaminé, ele não suportava cinzeiro sujo’, diz. ‘Andava pela casa, que não tinha móveis, com uma TV portátil que levava de cômodo em cômodo.’


Lulla Gancia, minha mãe, sempre diz que um dos dias mais divertidos de que se lembra foi vendendo livros com Golias em um estande da -hoje extinta- Feira da Bondade.


Ó, Cride! Fala pra mãe que a geração do ‘Pânico na TV’ não tem idéia do que perdeu. Ela não sabe quem é um ou outro, mas Golias foi nosso Cantinflas. Pessoalmente, desde que Paulo Francis se foi, eu não chorava tanto pela morte de um famoso.’