‘Poucos meses depois de Vladimir Putin ter sido eleito presidente da Rússia pela primeira vez, em março de 2000, o Kremlin deu início a uma campanha para silenciar a mídia independente e para controlar os meios de comunicação do país, segundo disse à Folha, por e-mail, Yevgenia Albats, professora do departamento de ciência política da Escola Superior de Economia de Moscou e âncora da rádio Echo Moskvy.
‘A liberdade de imprensa passou a ser algo em extinção na Rússia depois que Putin se tornou presidente. E a situação ficou muito mais difícil para os jornalistas independentes’, disse ela.
Em artigo publicado pelo Centro por Integridade Pública, entidade com sede em Washington, Albats detalha as etapas da campanha supostamente orquestrada pelo Kremlin. ‘Três meses depois [da eleição presidencial], em junho [de 2000], o então proprietário do conglomerado Media-Most, Vladimir Gusinsky, que se opunha a Putin e apoiara seus rivais na eleição presidencial, se encontrou na cadeia’, afirma o artigo de Albats publicado nos EUA.
‘À época, o Media-Most controlava um grande segmento do mercado nacional de informação, incluindo uma importante rede de notícias, a NTV, vários canais a cabo, o diário ‘Segodnya’ (hoje), uma revista política semanal chamada ‘Itogi’ (conclusões) e outros meios. Gusinsky foi solto três dias depois graças a um acordo que ficou conhecido como ‘liberdade por ações’ -o magnata da mídia entregou o controle da empresa ao monopólio estatal Gazprom em troca de sua liberdade.’
Mais tarde, após ter deixado a Rússia, Gusinsky criticou o acordo. Em 2004, como lembra Albats em seu texto, ‘a Corte Européia de Estrasburgo confirmou a ilegalidade das ações do Estado [russo] contra ele’. Em abril de 2001, a direção da gigante do gás Gazprom despediu os administradores da NTV, forçou seus principais âncoras e repórteres a deixar a empresa, fechou o ‘Segodnya’ e mandou embora toda a Redação da ‘Itogi’. ‘Desde então, o Media-Most praticamente cessou de existir’, lamenta a jornalista.
A campanha do Kremlin também visava dominar, de acordo com ela, a outra grande rede de TV russa, a ORT (Televisão Pública Russa). Esta era, em parte, de propriedade da iniciativa privada. ‘O Kremlin passou a controlar a ORT em 2001. Ainda é obscuro o modo como o acordo foi feito. Sabe-se que um dos ex-proprietários da ORT, o barão da imprensa e do petróleo Boris Berezovsky, acabou no exílio em Londres’, indica o artigo de Albats.
‘Enquanto isso, seu sócio, Roman Abramovich -dono da gigante do petróleo Sibneft e o segundo homem mais rico da Rússia, de acordo com a ‘Forbes’-, adquiriu a parte de Berezovsky na ORT. Então… a Sibneft ganhou direitos exclusivos de exportação da estatal petrolífera Slavneft, e o Estado passou a controlar a ORT.’
Abramovic é também dono do Chelsea, time britânico, e Berezovsky é suspeito de ser investidor da MSI no Corinthians.
O controle estatal das maiores redes de TV russas foi relatado na mídia global como parte da guerra de Putin contra os novos ricos, os chamados ‘oligarcas’, que enriqueceram com o processo de privatização da década de 90, ordenado pelo presidente Boris Ieltsin. Albats reconhece que os ‘oligarcas’ tiveram um papel decisivo no que tange à corrupção da imprensa, porém defende a diversidade que existia quando eles comandavam a mídia da Rússia.
‘Eles [os ‘oligarcas’] realmente fizeram uso de seu poder para influenciar e para chantagear o governo. Hoje está claro, contudo, que a diversidade de seus interesses comerciais, que iam do petróleo a metais, passando por bancos e pela imprensa, ao menos permitia a existência de uma pluralidade de opiniões na imprensa russa’, afirma o artigo da jornalista, intitulado ‘Mídia Russa: um Homem Morto ainda Andando’.
‘Importância estratégica’
Segundo seu texto, ‘o Kremlin, que tem hoje sob seus auspícios todas as cinco redes de TV de alcance nacional (eram duas quando Ieltsin era presidente) e controla cerca de 90% de toda a imprensa nacional (56,7% em 2000), se comporta como uma empresa fortemente controlada, que não aceita a dissidência’.
‘No verão [setentrional] passado, Putin assinou um decreto para classificar as principais redes de TV russas de ‘empresas de importância estratégica’ para o Estado. A lista de mais de mil firmas, em sua maioria de propriedade de empresas estatais, proíbe a privatização de qualquer parte das empresas sem uma autorização pessoal do presidente’, diz Albats.
A influência do Kremlin também é sentida no cotidiano das empresas de telecomunicações, de acordo com a jornalista russa. No ano passado, ‘Leonid Parfenov, eminente personalidade da TV e âncora de um popular programa de análises chamado ‘Namedni’, foi despedido depois de veicular uma entrevista com a mulher do líder separatista tchetcheno Zelimkhan Yandarbiyev, que fora assassinado, no Qatar, por agentes russos. Segundo a mídia, alguns agentes da FSB (a sucessora da KGB) eram veementemente contrários à entrevista’.
Em junho de 2004, uma corte qatariana condenou dois agentes russos à prisão perpétua pela morte de Yandarbiyev. Moscou negou que os dois agentes tivessem envolvimento com o assassinato. Recentemente, eles foram extraditados para cumprir pena na Rússia. Mas, segundo a Anistia Internacional, estão soltos.
Albats sustenta, em seu artigo publicado nos EUA, que a campanha de Putin não se limita ao setor audiovisual, pois a imprensa escrita também foi alvo de decisões tomadas pelo poder central.
‘Em outra medida similar do Kremlin, que nunca foi tornada pública, os maiores jornais e as maiores editoras da nação [russa], incluindo o diário ‘Izvestia’ e o tablóide ‘Komsomolskaya Pravda’, que têm uma circulação regional combinada de mais de 25 milhões [de exemplares], além do popular tablóide semanal ‘Argumenti i Facti’, foram classificados de publicações de importância estratégica para o Estado e, portanto, não poderão ser postos à venda sem a aprovação do Kremlin.’
Um dos casos mais recentes diz respeito à cobertura feita pelo diário ‘Izvestia’ da tragédia de Beslan (Ossétia do Norte), onde um seqüestro numa escola realizado por rebeldes tchetchenos acabou com a morte de mais de 300 pessoas, incluindo diversas crianças.
De acordo com Albats, Raf Shakirov, editor do ‘Izvestia’ até setembro de 2004, foi ‘forçado a pedir demissão’ por ter publicado fotografias de página inteira da tragédia de Beslan, o que foi considerado uma ‘traição’ por Putin.’
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‘Imprensa livre é lei na Rússia, diz parlamentar aliado do presidente’, copyright Folha de S. Paulo, 27/02/05
‘A Rússia é um país democrático, no qual a liberdade de imprensa é garantida pela Constituição, de acordo com Serguei Mironov, presidente do Conselho da Federação (Câmara Alta do Parlamento da Rússia) e o terceiro homem na hierarquia de poder do país.
‘A Rússia é um país livre e democrático. A liberdade de imprensa é garantida pela Constituição. Às vezes podemos não gostar de algumas publicações da mídia oposicionista, e saliento que ela existe na Rússia. Mas não podemos fechar esses meios de comunicação porque a Constituição estabelece que a liberdade de imprensa deve ser respeitada’, afirmou Mironov em entrevista concedida à Folha em abril de 2004.
Ele citou o caso de Boris Berezovsky, ex-proprietário da rede de TV privada ORT e detentor de uma fortuna estimada em US$ 3 bilhões -que vive no Reino Unido-, para ilustrar sua explicação sobre a liberdade dada à mídia.
‘Por exemplo, Berezovsky, que gosta de dizer que é inimigo de [Vladimir] Putin [presidente russo], publica seus artigos na imprensa russa com certa freqüência, afirmando que a democratização falhou no país’, disse.
‘É importante para Berezovsky que Putin seja visto como seu inimigo. Mas o presidente não lhe dá atenção. Quando publica seus manifestos na imprensa russa, Berezovsky não percebe que fala de uma Rússia antiga, onde o dinheiro roubado era a base do Estado e da sociedade. Graças a Putin, porém, a Rússia mudou e transformou-se num país livre e democrático.’
‘Quando um presidente se reelege com 71% dos votos, fica claro que ele trabalha pela democracia e que isso é reconhecido pela população’, prosseguiu Mironov.
Questionado sobre a possibilidade de o Kremlin realizar uma campanha de cerceamento à liberdade de imprensa, como sustentam os EUA, o senador russo foi enfático: ‘De jeito nenhum! O fato de as pessoas poderem falar sobre esse assunto mostra que a acusação não é verdadeira. Quem violou as leis russas e teve de fugir do país por conta disso diz coisas que não têm base na realidade’.
‘Pessoas como Berezovsky e [Vladimir] Gusinsky [empresário de mídia que teve problemas com a Justiça russa] estão fora da Rússia hoje por causa de atividades ilícitas. Se houvesse uma campanha contra a liberdade de imprensa, eu seria o primeiro a denunciá-la’, acrescentou Mironov.’
Folha de S. Paulo / The New York Times
‘TV da Defesa estimula patriotismo’, copyright Folha de S. Paulo / The New York Times, 27/02/05
‘A TV russa de hoje já é comparada ao birô de propaganda da era soviética. O que, então, pensar da mais recente rede de TV inaugurada no país? O Ministério da Defesa começou no dia 20 deste mês a colocar no ar seu canal próprio de TV: o Zvezda, ou Estrela, oferecendo um misto de orgulho e patriotismo ‘made in Russia’. ‘A ideologia do canal é simples’, disse seu diretor-geral. ‘Para poder defender, é preciso amar.’
O Estado russo já controla ou é dono das três maiores redes de televisão do país, e seus programas se esforçam para não causar ofensa ao Kremlin. Mas o Zvezda quer ser algo inteiramente diferente. Não será uma versão russa da rede do Pentágono, que transmite para os militares americanos no exterior, mas um empreendimento comercial nacional dotado da missão ideológica explícita de conquistar corações e mentes.
O ministro da Defesa, Serguei Ivanov, afirmou que o objetivo da nova rede é fornecer ‘influências ideológicas e de informação eficazes’ -especialmente, deixou claro, entre os jovens em idade de se alistar que hoje fazem de tudo para não fazê-lo.
Na ausência de concorrência privada no setor de TV, resultado dos freios aplicados à rádio e televisão pelo presidente Vladimir Putin, o lançamento da Zvezda significa que, concretamente, o Estado estará brigando por audiência com o próprio Estado.
‘Não reivindicamos o monopólio do patriotismo’, disse Savushkin, tomando cuidado para não ofender os programas de visão patriótica das TVs principais, a Primeiro Canal, a Rossiya e a NTV. ‘Ele está presente, sim, nos outros canais -mas, quanto mais patriotismo, melhor.’
Ivanov, que tem ligações estreitas com Putin, poderia até se dar ao luxo de ser menos diplomático. Em observações transmitidas pela TV feitas numa reunião do gabinete no final do ano passado, o ministro da Defesa deplorou o estado em que se encontra a TV russa, que transmite uma abundância de sexo e ainda mais violência, mesmo durante o dia e no fim da tarde.
‘É preciso acabar com a imbecilização do povo’, disse Ivanov. (Tradução de Clara Allain)’
PAPA & MÍDIA
‘O silêncio do comunicador’, copyright Folha de S. Paulo, 26/02/05
‘Escalado para acompanhar o estado de saúde do papa João Paulo 2º, vim lendo, no avião, o livro ‘Anjos e Demônios’, de Dan Brown, autor de ‘O Código da Vinci’, que se transformou em febre planetária.
‘Anjos e Demônios’ conta a história de uma seita (os ‘Illuminati’) empenhada em destruir o Vaticano em nome do resgate da ciência. Radicalismo da seita à parte, a história do choque entre fé e ciência continua muito atual e repleta de paixões.
Terminados os vôos (mas não o livro), caio em uma situação que parece um gigantesco paradoxo: o papa, que vem sendo o mais midiático de todos os tempos (e, portanto, o que melhor sabe usar os meios de comunicação), está agora proibido de falar, pelo menos ‘por alguns dias’, para poupar a laringe.
Pode escrever, é verdade, como o fez anteontem, ao sair da sala de operações, mas não é a mesma coisa. Os escritos do papa podem ser relevantes, mas é a sua presença física que dá força à mensagem, mesmo quando a sua dor é tamanha que a imagem parece passar uma mensagem de fraqueza ou até de agonia.
O paradoxo é acentuado pelo fato de que o papa, que reage a certos sinais considerados próprios da modernidade, acaba sendo homenageado por ao menos um desses sinais. Mensagens enviadas por celulares pedem que o receptor acenda uma vela e a coloque na janela ‘por um homem que está lutando por todos, crentes ou não’.
Fico imaginando se algum dos cardeais que formarão algum dia o colégio que elegerá o sucessor de João Paulo 2º usa celular. E como será o primeiro conclave (a reunião em que ficam trancados, sem o menor contato com o resto do mundo) na era dos celulares. Serão apreendidos antes de que os cardeais se fechem na Capela Sistina?
Fica-se com a impressão de que o Vaticano é um mundo à parte, embora encravado numa Roma que é muitíssimo mais mundana e pecadora que celestial.’