‘Departamento de Estado dos EUA confirma que oposição a Chávez tem recebido recursos com o objetivo de ‘apoiar a democracia’ no país. Dia 11, tentativa de golpe contra líder venezuelano completou dois anos.
O porta-voz do Departamento de Estado dos Estados Unidos, Adam Ereli, admitiu e defendeu, no dia 8 de abril, a assistência financeira que o governo norte-americano vem dando a partidos e organizações que fazem oposição ao governo Chávez, na Venezuela, segundo informou o jornal El Universal, de Caracas. Segundo Ereli, os recursos enviados a grupos opositores têm como fim ‘apoiar a democracia’.
A declaração do porta-voz foi uma resposta da Casa Branca ao protesto formal feito pelo embaixador da Venezuela na Organização dos Estados Americanos (OEA), Jorge Valero, contra a interferência de Washington nos assuntos internos do país. ‘Isso não é interferência, isso é apoiar a democracia’, disse o porta-voz, que acrescentou: ‘Dizemos abertamente e estamos orgulhosos disso’.
Na semana passada, Jorge Valero denunciou na OEA que o governo dos EUA está financiando atividades antidemocráticas de organizações antichavistas. Em sua denúncia, Valero informou que a fundação ‘National Endowment for Democracy’ (NED) está financiando organizações que atuam na Venezuela como partidos políticos de oposição. A NED é uma organização privada, criada pelo Congresso dos EUA em 1983 com o objetivo de ‘fortalecer as instituições democráticas no mundo’. Para isso, recebe fundos governamentais e privados. Segundo Valero, o governo dos EUA vem financiando regularmente grupos de oposição a Chavez no país. E citou alguns números: esses grupos já receberam US$ 2 milhões da Agência de Informação, US$ 2 milhões da Agência para o Desenvolvimento, e US$ 1 milhão da Oficina para a Democracia, os Direitos Humanos e o Trabalho (ligada diretamente ao Departamento de Estado).
Valero denunciou ainda que o diretor da NED para a América Latina e o Caribe, Christopher Sabatini, converteu-se em um dos principais assessores políticos da oposição na Venezuela. ‘Ele apóia e promove toda uma rede conspirativa em nosso país, mantendo relações estreitas permanentes e de cumplicidade com os principais líderes da oposição, incluindo os setores golpistas’, declarou o embaixador.
Chávez lembra golpe
O presidente Hugo Chávez lembrou neste domingo (11) a tentativa de golpe de Estado patrocinada por setores da oposição, com apoio do governo dos EUA, em 11 de abril de 2002. Em pronunciamento feito no programa ‘Alô, Presidente’, transmitido por rádio e televisão, Chávez disse que o golpe foi resultado da ação de ‘uma elite articulada com interesses do exterior, a qual lançou uma operação sangrenta para derrubar um governo legalmente constituído’. E reafirmou que está nascendo, na Venezuela, ‘a pátria frente a anti-pátria defendida por aqueles que querem vê-la amarrada a interesses estrangeiros’. Chávez referiu-se à história da exploração do petróleo na Venezuela e às manobras que ‘entregaram uma das principais riquezas do país, durante quase 100 anos, a empresas norte-americanas’.
O presidente venezuelano voltou a acusar a Casa Branca de intromissão nos assuntos internos do país, dizendo que ‘o Estado imposto pelo poder de Washington anda por aí, tentando reorganizar-se’. ‘Mas ele não conseguirá fazê-lo’, acrescentou, ‘e o Estado bolivariano é que está nascendo’. Chávez enfatizou ainda que o imperialismo norte-americano conseguiu impor seu domínio durante quase um século, até 1998, quando o povo venezuelano escolheu um governo que não veio para trair seu país. ‘Dois anos depois daquele sangrento golpe de Estado, dirigido pela oligarquia apátrida e apoiada pelo governo imperialista de Washington, reafirmamos que seguiremos abrindo o caminho para a Venezuela de todos, em paz, mas com justiça’, concluiu o presidente.
Debate em Porto Alegre
A passagem dos dois anos da tentativa de golpe contra Chávez na Venezuela será lembrada em Porto Alegre com uma programação especial. Organizada pela Attac Porto Alegre, União Nacional de Estudantes (UNE) e Via Campesina, a programação divide-se em duas partes. Nesta segunda-feira (12), às 19h, ocorre a exibição do filme-documentário ‘La Revolución no será transmitida’, da irlandesa Kim Bartley, no plenarinho da Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul. Na terça (13), no mesmo horário e local, será realizada uma palestra-debate com o jornalista e historiador Gilberto Maringoni, autor do livro ‘A Venezuela que se inventa, petróleo, poder e intriga nos tempos de Chávez’, obra que será lançada em Porto Alegre a exemplo do que já ocorreu em outras cidades do país.’
FT
DENUNCIA CONSPIRAÇÃOClóvis Rossi
‘Jornal vê conspiração UE-Mercosul’, copyright Folha de S. Paulo, 15/04/04
‘A manchete principal do jornal britânico ‘Financial Times’ rompeu ontem a mansa rotina do acordo entre a União Européia e o Mercosul, para constituir uma área de livre comércio que seria a maior do mundo.
‘Bruxelas conspira para ganhar rodada comercial’, gritava o título da capa desse jornal que é a Bíblia para a comunidade de negócios e, em menor medida, também para o mundo diplomático. Para emprestar ainda mais força ao título, o texto levava a assinatura de Guy de Jonquières, especialista em comércio e ele próprio uma instituição dentro da instituição que é o ‘Financial Times’.
Logo que o jornal chegou às missões diplomáticas em Bruxelas, telefonemas agitados foram trocados entre os embaixadores do Mercosul. A idéia de um complô era delicada, na medida em que insinuava que os países do Sul fechariam um acordo com a União Européia, que envolveria algumas concessões agrícolas, mas, em contrapartida, os levaria a abandonar o G20, o grupo de países em desenvolvimento liderado pelo Brasil que trata de arrancar concessões agrícolas em outro âmbito (o da Organização Mundial do Comércio).
De Jonquières chegava a dizer que a proposta européia representava, na prática, ‘a compra de Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, com a oferta de concessões comerciais preferenciais’.
Como toda teoria conspiratória, esta precisava ser verossímil para prosperar. Era. A própria Folha já havia mostrado, na edição de ontem, embora despindo-a de qualquer tom conspiratório, que a proposta européia era uma ‘isca astuciosa’.
Por quê? Primeiro, é preciso explicar a oferta agrícola que se supõe que os europeus farão. Ela deve ter duas etapas: na primeira, os europeus abrem um certa parte de seu mercado já, mas deixam o restante na dependência do que vier a ser acertado no âmbito global, ou seja, na chamada Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio.
Exemplo concreto: se a UE tiver necessidade de importar 100 toneladas de carne, reservará desde já 30 toneladas, por hipótese, para o Mercosul. As outras 70 ficariam para os demais países-membros da OMC, mas com a perspectiva de um montante adicional para o Mercosul.
Se verdadeira essa oferta, o Mercosul poderia se tornar um aliado dos europeus nas negociações globais, em que os dois blocos têm colidido freqüentemente, porque ganharia uma garantia prévia de que será beneficiado pelas concessões européias.
Como é natural nessas ocasiões, as duas partes envolvidas desmentiram rotundamente a teoria da conspiração.
O embaixador do Brasil junto à UE, José Alfredo Graça Lima, tem até argumentos que, de fato, enfraquecem a idéia de complô.
Diz que o acordo UE-Mercosul trata acima de tudo de acesso a mercado, o jargão diplomático para designar redução ou eliminação de tarifas de importação. Já o G20 defende, principalmente, a redução e/ou eliminação dos dois outros pilares do protecionismo agrícola, quais sejam os subsídios internos e à exportação.
Portanto, mesmo que haja acordo com a Europa para ampliar o mercado para bens agrícolas do Mercosul, ele não interferiria com as principais reivindicações do G20 no âmbito da OMC.
Já Gregor Kreuzhuber, porta-voz do comissário europeu para Agricultura, o austríaco Franz Fischler, prefere ser direto: ‘A idéia de dividir o G20 é incorreta e não faz sentido’.
Para o porta-voz de Fischler, a negociação com o Mercosul vem sendo conduzida de ‘forma totalmente transparente’. Acrescenta: ‘Um acordo entre a duas partes seria bom para ambas, o que não significa que a União Européia não esteja totalmente comprometida com o êxito da Rodada Doha. Uma coisa não exclui a outra’.
Por conta da suposta conspiração ou não, o fato é que se instalou ontem uma certa confusão em torno da troca de ofertas melhoradas entre UE e Mercosul.
Dois funcionários da Comissão Européia, o braço executivo do conglomerado de 15 países (serão 25 a partir do dia 1º), chegaram a confirmar que as ofertas seriam apresentadas na sexta-feira.
Mas, no fim da tarde, ninguém mais dava certeza alguma.
O que havia de concreto é que as propostas dos quatro países do Mercosul haviam sido canalizadas para Buenos Aires, já que a Argentina é a presidente de turno do bloco sulista. Uma vez consolidadas, seriam encaminhadas a Bruxelas.
Do lado europeu, o eventual adiamento da troca de ofertas era explicada com duas hipóteses:
1) A União Européia quer ter certeza prévia de que sua oferta agrícola será aceita pelo Mercosul.
2) Os europeus gostariam de que a proposta do bloco sulista para compras governamentais oferecesse acesso a mercado (ou seja, abrisse aos europeus a possibilidade de participar em concorrências públicas nos quatro países do Mercosul em igualdade de condições com os locais).
A proposta do Mercosul tratará de ‘transparência’ nas licitações, mas não de acesso a mercado.’