‘‘Conhece um caminho menos ruim do que os outros?’ – diz o motorista, olho no olho, pelo espelho retrovisor. Da Glória à Gávea, atravessando meio Rio de Janeiro, não há tantos roteiros assim. Mas a maneira como ele fez a pergunta, embrulhada em opinião, avisava de saída que o táxi iria se meter no labirinto infindável dos assuntos que puxam outros assuntos. Se não quisesse puxar conversa, ele perguntaria, no máximo, que caminho o passageiro preferia.
Papo de motorista é a protofonia clássica da enrolação jornalística. Mas no caso, pelo menos, não se tratava de mais um anônimo falante, desses que os repórteres usam como bonecos de ventríloquo. Ele se chama Jorge Schweitzer, segundo a licença colada no pára-brisa e o cartão de visita que ele me entregaria no fim da corrida. No papel, só o nome, os números de telefone e o endereço para correspondência na internet. Nenhuma oferta de serviço.
Schweitzer mora em Copacabana, com o filho adolescente, que se encarrega, como voluntário, de lhe trazer toda manhã, antes do café, os jornais cariocas onde o pai confere as seções de cartas como quem se olha no espelho. Ele é um desses leitores que têm lugar cativo na imprensa. ‘No ‘Jornal do Brasil’ saio praticamente todos os dias’, diz Schweitzer. ‘O Dia’ também costuma publicá-lo com freqüência. E ele agora está de olho nas páginas de ‘O Globo’.
Gosta de ‘conferir até as vírgulas’ de seus textos impressos. E fica ‘meio chateado quando mudam alguma coisa’. Tem estilo. Ou melhor, vários estilos, feitos sob medida para os jornalistas com quem se corresponde. Mantém com eles, à distância, uma certa intimidade. ‘Sabe o Fritz?’ – pergunta, lá pelas tantas. Não adianta se fazer de desentendido e perguntar que Fritz. ‘O Utzeri. Ele me manda tudo o que sai no site Flor do Lavradio. Ele tem um jeito de escrever que eu, de tanto ler, aprendi’, ele informa.
Confessa que decifrou também a fórmula ‘do Augusto’ – Nunes, evidentemente. ‘Ele começa contando uma história mais ou menos antiga, como quem não quer chegar a lugar nenhum, e no fim está falando mesmo é das coisas que acontecem no momento’, diz Schweitzer. Usou a mesma tática para lhe enviar outro dia um e-mail em que atracava o governo Lula no naufrágio do Titanic, com o comandante na ponte do convés fazendo de conta que mandava no transatlântico de casco furado. ‘Ficou bom’, ele diz.
Mas Schweitzer reconhece que às vezes carrega na metáfora, ‘como o Villas Boas Corrêa, que para mim é mestre nisso’. Ih, o táxi ainda não passou do Jardim Botânico e ele está chegando cada vez mais perto. Explica como aprendeu a escrever com método e cuidado. Primeiro, faz um rascunho à mão, em qualquer pedaço de papel que esteja a seu alcance quando baixa a inspiração. Passa o dia retocando o manuscrito. À noite, na hora de recolher, antes de ir para casa passa num cybercafé, põe tudo no computador e despacha para as redações. ‘Com o e-mail ficou fácil’, afirma.
É um leitor quem tem leitores. Na Taberna da Glória reúne-se uma mesa de fregueses assíduos onde ‘fãs declarados’de Jorge Schweitzer passam em revista os textos que ele conseguiu emplacar nas últimas edições dos jornais. Ainda circulam pela internet as mensagens que ele emplacou ultimamente no ‘JB’. Como esta: ‘Ao mesmo tempo em que nos enche de esperança o início das operações conjuntas das polícias (federal, civil e militar) no Rio de Janeiro, deixa-nos intrigados quanto à escolha do horário de 7h para iniciar a ocupação de favelas. A não ser que exista alguma razão técnica que justifique esta decisão; fazer operação durante o dia na favela somente beneficia a divulgação pela mídia, visto que a luz natural é excelente para ficar bem na foto’.
Ou esta: ‘Lula tem alternado momentos de euforia com outros de desânimo, nos quais nos surpreende com argumentos de que é difícil viabilizar mudanças respeitando os limites que o poder lhe concede. A longa trajetória do PT até chegar ao poder proporcionou-lhe tempo suficiente para distinguir o que é possível concretizar do que é simples jogo de cena com interesse eleitoreiro. Ao declarar que sonha retornar a residir nas cercanias das fábricas, após acabar o mandato, Lula sinaliza que não gostou de ser vidraça e que o hábito de apontar erros alheios é muito mais cômodo’.
Na internet, há amostras de Schweitzer em endereços imprevisíveis. Na Revista Virtual: ‘A inocência do delegado enganado pela esposa estelionatária (que fingiu estar grávida de gêmeos, roubou 45 mil de sua conta e fugiu com seu carro e sua pistola) nos deixa muito preocupados quanto à preparação que os policiais cariocas recebem na Academia de Polícia’. E no jornal ‘O Dia’, lançando um suplemento dominical: ‘O taxista Jorge Schweitzer, 49 anos, está animado com a surpresa que o jornal está preparando. Ele vai acordar cedo e garantir um exemplar para o filho Rodrigo, 12, aluno da 5ª série da Escola Municipal Roma, em Copacabana. ‘Não tenho Internet em casa, e minha enciclopédia está ultrapassada. Meu filho começou a estudar justamente estes temas. A revista virá em boa hora’, comemorou Jorge’.
Foi nesse jornal, também, que meses atrás ele viu a notícia da compra de 350 cantis para a Guarda Municipal do Rio de Janeiro. A prefeitura pagaria pelo lote R$ 4.043. Schweitzer fez as contas, dava R$ 115,51 por cantil. Foi à Casa da Armada, tradicional provedora de militares na Praça Mauá, e achou o mesmo produto por R$ 13. ‘O vendedor ainda me informou que, seu eu comprasse 350, dava para fazer um preço mais baixo’, ele conta. Mandou o e-mail de praxe. A denúncia foi parar na Câmara Municipal. E derrubou o preço concorrência. Dito isso, o táxi chegou à Gávea. A essa altura, Schweitzer provavelmente estava a um passo de revelar os erros da imprensa brasileira na cobertura do governo Lula, antes do furo de reportagem assinado por Roberto Jeffferson. Mas isso ficou para outra vez. Não dá para ter tudo numa corrida de R$ 21.’
FILOSOFIA & MÍDIA
‘Filosofia numa hora dessas…’, copyright No Mínimo (www.nominimo.com.br), 05/09/2005
‘A filosofia está na moda, constata-se nas prateleiras das livrarias, nos lançamentos das editoras, nos best-sellers de leitura rápida. Nomes como Nietzsche e Schopenhauer passaram a freqüentar as capas dos livros das vitrines. Os cafés filosóficos em bares e restaurantes badalados estão lotados. Na TV, o quadro de Viviane Mosé no Fantástico e a presença da filósofa Márcia Tiburi no programa ‘Saia Justa’ confirmam: a filosofia se aproxima da auto-ajuda e tenta oferecer ao público ferramentas de compreensão desse mundo estranho em que vivemos. E a filósofa Marilena Chauí foi tratada pelos jornais como uma espécie de celebridade do pensamento, um tipo que deveria ‘iluminar’ os leigos sobre como agir diante da crise governamental que o país atravessa. Além das expectativas iluministas descabidas, a filosofia que invade a TV não consegue oferecer nada mais do que um pouco de alento a quem está acostumado a amargas as noites de domingo diante da telinha.
Nem por isso se deve pensar que a reflexão filosófica está fora do debate da crise contemporânea. Ao contrário: apesar das críticas ao silêncio de Chauí, quem ouviu ou leu o texto completo da sua apresentação verá que ela tem importantes contribuições ao debate. ‘O recuo da cidadania e a despolitização produzem a substituição do intelectual engajado pela figura do especialista competente, cujo suposto saber lhe confere poder para, em todas as esferas da vida social, dizer aos demais o que devem pensar, sentir, fazer e esperar, dando-lhes um receituário para viver,’ diz ela. Para quem está disposto a refletir com mais profundidade do que oferecem as manchetes de jornal, Chauí dá uma pista importante: não adianta esperar do intelectual uma explicação certeira e definitiva para a corrupção no governo Lula.
De fato, Chauí não fez o papel do ‘especialista competente’ nem moldou sua apresentação aos insistentes apelos midiáticos pelos quais os intelectuais estão sendo cobrados. A melhor defesa de Chauí fez o jornalista Sergio Augusto no caderno ‘Aliás’ (Estado de S.Paulo) de domingo, 28: ‘Para publicações à cata de declarações bombásticas, nada mais decepcionante do que ouvir uma intelectual falar de forma alusiva (Montesquieu não fez isso?) e reivindicar seu direito ao silêncio enquanto nada de original tem a dizer. Chaui não quer dar opiniões, tão-somente, mas oferecer uma análise à altura de uma pensadora, tarefa que requer serenidade e uma compreensão menos lacunar do que está acontecendo.’ (links abaixo, o jornal é fechado a assinantes). Pelos argumentos do jornalista se pode lembrar da boa definição para essa incompatibilidade, feita pela crítica argentina Beatriz Sarlo durante sua participação na última FLIP: ‘Os meios de comunicação cortejam os intelectuais hoje com resultados que nem sempre são bons para ambos os lados’.
Mas não é só pela popularidade que se mede a força da reflexão filosófica. Durante toda a semana passada aconteceu na PUC-Rio o ‘Krisis – 2º Fórum de Filosofia Contemporânea’, que reuniu estudiososo em 50 mesas de debates sobre ética, niilismo, pós-modernidade, linguagem e arte. Além da Filosofia, pesquisadores de outros campos como Literatura, Ciência Política e Social, Educação, Direito e Psicologia estiveram presentes. A principal atração internacional ficou por conta da conferência do filósofo italiano Gianni Vattimo, que fez a abetura do evento. Seu livro mais recente no Brasil é ‘Depois da Cristandade – por um cristianismo não religioso’, aqui resenhado pelo jornalista Flávio Pinheiro (link abaixo), no qual o pensador italiano mostra como a morte do ‘Deus moral’ abriu caminho para uma renovada vitalidade religiosa.
Embora tenha feito ótimas referências críticas à Igreja Católica, o tema da conferência de Vattimo foi ‘O que significa pensar depois do 11 de setembro’. falou especificamente sobre o que ele chama de ‘pensamento fraco’, uma tentativa de refletir sobre o mundo em oposição às doutrinas fortes e, por isso mesmo, autoritárias que vigoram na história recente do Ocidente. Foi ao se definir como ‘anarquista não-violento’ que apontou saídas: reconhecer que é preciso abandonar a expectativa de soluções fortes, únicas e admitir que um ‘pensamento fraco’ pode tornar a realidade mais leve e ‘menos nitidamente cindida entre o verdadeiro e a ficção.’
Para os que estiverem interessados em aprofundar as reflexões sobre ‘pensamento fraco’, esse é o tema do livro ‘Niilismo e (pós)-modernidade: introdução ao pensamento fraco de Gianni Vattimo’ (Editora PUC-Rio, R$ 20,00156 págs.), de Rossano Pecoraro, com posfácil de Vattimo. No texto ‘O fim da filosofia na idade da democracia’, Vattimo questiona justamente o papel do filósofo soberano que pode oferecer respostas para tudo. Não pode, mas a constatação não oferece bons índices de audiência.’
DIRETÓRIO ACADÊMICO
‘Tese: malformações arteriovenosas raquimedulares’, copyright No Mínimo (www.nominimo.com.br), 04/09/2005
‘O título da publicação não é animador: ‘Tratamento endovascular das malformações arteriovenosas raquimedulares: resultados clínicos e angiográficos’. Ela tem duzentas páginas, vinte e três tabelas, nove gráficos e dezessete ilustrações. Sua bibliografia lista mais de cento e cinqüenta livros e artigos, a grande maioria deles em inglês, e uns poucos em português e francês.
Com um pouco de lógica, e o recurso a Aurélio e Houaiss, conclui-se que o trabalho diz respeito ao tratamento no interior dos vasos sangüíneos das malformações das artérias e veias da medula espinhal. O entendimento do trabalho não é impossível. Mas ele requer, além de lógica e dicionários, o conhecimento prévio de fatos que não estão ao alcance do leitor comum. Seria preciso conhecer a fundo artérias, veias, medula, coluna vertebral, o funcionamento do cérebro, anatomia, epidemiologia, fisiopatologia, sintomatologia, história natural, tecnologia (para compreender e analisar diagnósticos com imagens) e outras disciplinas e técnicas que sequer imagino. Para entendê-lo, em suma, seria preciso estudar e praticar medicina durante anos.
Como ‘Tratamento endovascular’ foi apresentada à Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo com vistas à obtenção do título de Doutor em Ciências, fui assistir à defesa da tese.
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A primeira defesa de tese que vi foi de Barbara Heliodora, sobre aspectos da obra de Shakespeare, no Departamento de Teatro da Escola de Comunicações e Artes da USP, há uns trinta anos. A penúltima foi em Paris, no Institut de Beaux-Arts, quando Émilie Boudet apresentou seu trabalho sobre a arquitetura moderna brasileira. Ambas estavam nervosas. E ambas se saíram bem, depois de bater boca com o inevitável encasquetador.
A segunda tese que assisiti, também na USP, tinha Paulo Emílio Salles Gomes e Antonio Candido na banca. Não lembro quem era o autor da tese. O tema tinha algo a ver com histórias em quadrinhos. ‘Ô, Candido, confesso que li as revistinhas sentado no vaso’, disse Paulo Emílio na sua primeira intervenção, esclarecendo que não entendia nada de quadrinhos. Minha última experiência com teses universitárias se deu na Sorbonne. Vi uma candidata defender uma tese sobre imprensa brasileira. Era péssima e ela foi aprovada.
Só vi essas quatro teses na vida.
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A sobre ‘Tratamento endovascular’ foi marcada para as oito e meia da manhã de uma terça-feira. Não é um horário adotado com freqüência nos meios que freqüento. O local é o Instituto de Radiologia do Hospital das Clínicas. Com receio de me perder – o HC é o maior complexo hospitalar do Brasil – chego antes do horário. Topo na esquina com o autor da tese, um neuro-cirurgião. Estranho dois fatos: é a segunda vez na vida que o vejo de gravata (a primeira foi no seu casamento); ele veio de metrô (apesar de ter carro).
O candidato se encaminha para o anfiteatro e eu vou ao bar tomar café. Ando duas quadras e sou abordado por três pessoas. Uma pede moedas para um lanche. Outra, uns trocados para a condução. A terceira, dinheiro para comprar remédio. A manhã é de sol e a rua é lúgubre. Dezenas de pessoas mal vestidas, estropiadas, mancando, sofrendo, com dor, carregando sacolas gastas, arrastando crianças de nariz escorrendo. Camelôs, papéis sujos no chão, fumaça de ônibus, buzinas. O bar, infecto, nem usa mais xícaras. Tomo café num copinho de plástico molengo.
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O auditório é acanhado. Os quatro membros da banca, presidida pelo orientador da tese, assim como o candidato, estão de beca preta, punhos de renda e faixa verde na cintura. As indumentárias solenes contrastam com o desleixo da paisagem urbana lá fora. Elas se ligam à tradição acadêmica, se inscrevem numa seqüência de pesquisas científicas que tem alcance mundial.
A apresentação do candidato é tranqüila e bem articulada. Ele primeiro explica seus objetivos, faz o histórico do grupo de doenças que pesquisou, descreve-as de diferentes maneiras, explica como as tratou.
Pelo pouco que deu para entender, a pesquisa se estendeu durante onze anos. Foram identificados e tratados 35 pacientes com malformações arteriovenosas na medula espinhal. Eles estavam espalhados pela Santa Casa de Misericórdia, pelo Instituto do Coração e no Hospital das Clínicas. A tese investigou esses pacientes, dividiu as suas malformações em quatro tipos e outros tantos subtipos. Catalogou-as segundo critérios de faixa etária, gênero e reação aos tratamentos.
Fico com a impressão que o trabalho foi árduo, longo, complexo, tateante.
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Todos os membros da banca começam a argüição elogiando a tese. Nas quatro a que assisti, na França e em São Paulo, os elogios são de praxe. O que varia é a ênfase. Nesta, mais que entusiasmados, os enaltecimentos são líricos. Os examinadores usam expressões como ‘tese linda’, ‘exuberante’, ‘formidável’. Parece que eles estão falando de um poema, ou de um quadro, e não de um texto cerrado, difícil, sobre minúcias de veias e artérias da medula. Onde os leigos enxergam aridez, os especialistas descobrem harmonias, beleza.
Cada examinador faz dezenas de comentários, que o examinado agradece e esclarece, um a um. Eles criticam e analisam absolutamente tudo: de erros de digitação a questões de método, do emprego de materiais cirúrugicos e recursos radiológicos a tipologias e organização de tabelas. O ambiente é um misto de camaradagem e rigor. Todas as restrições cabíveis são feitas, mas sempre com o objetivo de melhorar a tese, de fazê-la render mais. A discussão é difícil de acompanhar.
Um dos poucos pontos que compreendi dizia respeito à palavra ‘método’. Um dos professores repreendeu o candidato por ter dado o título a um capítulo com a palavra ‘métodos’. Há professores no departamento que sabem grego, disse o argüidor, e o senhor deveria tê-los procurado. Eles esclareceriam que ‘método’ quer dizer os ‘meios’ que se usa para chegar a um determinado objetivo. Logo, usar a palavra no plural é uma redundância. Na hora da resposta, o candidato disse que concordava com a observação do mestre. Ele teria preferido usar ‘método’ no singular. No entanto, prosseguiu, a edição mais recente do ‘Guia de apresentação de dissertações, teses e monografias’ do Serviço de Biblioteca e Documentação da Faculdade de Medicina da USP estabeleceu que a palavra a ser usada era ‘métodos’ no plural. E assim foi feito.
Todos os professores recomendaram que a tese fosse publicada em livro. Dois deles recomendaram inclusive a publicação em inglês. Eles argumentaram que 35 casos de malformações, reunidos ao longo de mais de uma década, é um número mais do que expressivo para um grupo de moléstias raras, das quais se sabe muito pouco. E que a conclusão final, de que vale mais a pena aplicar cola, em vez de tampões, nos procedimentos cirúrgicos, deve ser disseminado entre os profissionais da área.
Aqui e ali, durante as intervenções, deu para perceber como a pesquisa científica é marcada pelo subdesenvolvimento. Os procedimentos aludiram ‘às dificuldades de se trabalhar em instituições públicas’, como fez o defensor da tese. À ‘falta de material’ que às vezes ocorre. Ao isolamento dos pesquisadores, cada qual na sua instituição, com acesso reduzido ao que se faz no exterior.
A tese foi aprovada por unanimidade.
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Venho de uma família de médicos e farmacêuticos. Ou melhor, venho de uma família enorme, onde há gente das profissões mais variadas. Proporcionalmente, o grupo de médicos e farmacêuticos é o maior. Passei a infância ouvindo conversas sobre tratamentos, cirurgias, remédios, fórmulas, sintomas, avanços científicos. Acompanhei meus maiores em hospitais e laboratórios. Sei que o que é a conversa entre médicos e entre farmacêuticos, de como eles vibram com determinados casos clínicos, doenças e drogas, abstraindo o padecimento dos pacientes.
As generalizações são difíceis. Acredito, contudo, na superioridade de determinadas profissões sobre outras. Um publicitário, por exemplo, é moralmente inferior a um professor, pois o primeiro propaga a mentira, enquanto o outro busca propagar algum tipo de verdade. E não tenho dúvidas de que a medicina é superior ao jornalismo. Uma busca minorar o sofrimento, curar, tornar a existência menos dolorida. O outro, não.
É com o trabalho paciente e anônimo de centenas, de milhares de médicos como o autor de ‘Tratamento endovascular’, com tentativas e erros, com falta de recursos, com o trabalho difícil que se acumula, com os avanços quase imperceptíveis, que determinados pacientes poderão sair da cama, readquirir os movimentos, ter uma vida melhor.’
AUTOCENSURA
‘O cactus do diretor’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 1/09/2005
‘Ouço uma entrevista online com o Tom Zé na Rádio Metodista, produzida pela Universidade Metodista de São Paulo. Em certo momento, ele hesita, não sabe se deve falar de temas mais polêmicos no veículo de uma instituição religiosa. O professor que o entrevista deixa-o à vontade, diz que aquela é uma emissora universitária. Tom Zé vai em frente.
Pouco tempo atrás, passei por algo semelhante quando fui chamado para o programa ‘Clip Gospel’, da Rede Gospel de Televisão. Embora a atmosfera fosse jovial e dinâmica, fiquei em dúvida se deveria ou não divulgar a webnovela que estamos produzindo na allTV. ‘Será que novela é pecado para a Igreja Renascer?’, me perguntei, mas acabei arriscando e deu certo, o apresentador Marcelo Aguiar foi simpático e apoiou o meu ‘comercial’.
Acho que eu teria tido menos sorte, se, numa TV ou numa Rádio Record, viesse a falar de uma das minhas primeiras reportagens, quando estudava na Cásper Líbero. Escolhera a Igreja Universal como palco de uma matéria sobre religião. E testemunhei uma roubalheira inominável sobre a pele ressecada dos miseráveis. Assunto tabu na Record, tratado assim, sem meias-palavras.
Não pense que o tema da coluna de hoje é o telhado de vidro, ou o dogma, ou o radicalismo das religiões. Tudo isso, na verdade, me remete à uma palavra fantasmagórica, a um vocábulo assombroso que, entra reunião de pauta, sai reunião de pauta, pulula nas mentes dos atormentados das Redações: autocensura.
A dúvida do Tom Zé, a minha dúvida, a dúvida do pauteiro, do repórter ou do editor é siamesa com o que chamamos de ‘linha editorial’ do veículo em questão. A pergunta é esta: ‘Será que vão me deixar falar ‘isso’?’. Afinal, ‘isso’ é o que, supostamente, contraria os interesses dos donos da quitanda que fala.
Esse advérbio, ‘supostamente’, é a concessão da realidade. Explico: cansei de ver colega dizendo ‘Ah, ‘isso’ é melhor não sugerir porque ‘a casa’ não vai gostar’. Ou ‘Nem pensar, melhor não falarmos na reunião, ‘isso’ não passa’. Aí alguém chega e sugere. Para surpresa geral, o editor-chefe aceita. A reportagem é veiculada e de estorvo passa a ser a cereja do bolo daquela edição.
Há que se evitar a conclusão de que o dono do jornal, o dono da emissora não vai gostar, e que por isso não se deve sugerir a pauta. Isso é autocensura. Muitos chefes acomodados cultivam esse cactus embaixo da mesa. Assemelham-se, não raro, a feitores mais rigorosos do que o dono da Casa Grande. Querem mostrar serviço às avessas.
Falo dos chefes, mas a arraia-miúda também gosta de sentir e de incutir medo. Fácil explicar. Medo garante o emprego (de novo, ‘supostamente’…). Aprecio a prudência, mas rechaço a tolice fundada na pusilanimidade.
Jornalista que se preza tem a obrigação de brigar pela pauta que considera importante. Deve-se tentar, deve-se buscar o sim ou o não, jamais se omitir.
Ou, então, que fique lá a regar o cactus do diretor… Quem sabe não nasce uma florzinha…’