Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Mario Sergio Conti

‘No quarto volume da série ‘O sacerdote e o feiticeiro’, ‘A ditadura encurralada’, Elio Gaspari expõe o desenlace do paradoxo que se propôs a analisar: como duas personalidades que foram decisivas na construção e manutenção do regime militar, Ernesto Geisel e Golbery do Couto e Silva, contribuíram para a sua dissolução.

O desenlace do paradoxo está na demissão do general Sylvio Frota do ministério do Exército, em outubro de 1977. É uma demissão a frio, que Gaspari, para captar o seu caráter cerebrino, descreve com imagens de uma partida de xadrez: ‘estavam protegidos o bispo e a torre do rei’; ‘defendera a rainha’; ‘era a defesa do rei’.

O que sobressai no relato é o aspecto militar da preparação de um cheque-mate que visa resolver um problema que é também militar: fazer com que o comandante-em-chefe das Forças Armadas, o presidente da República, tenha no ministro do Exército um subordinado, e não o chefe de um poder paralelo e desafiador.

Geisel arma o ataque a Frota só com oficiais, avisando previamente e colocando aliados em postos-chaves de comando, que por sua vez deslocam tropas para protegê-lo. É uma estratégia defensiva, efetivada para o caso do adversário rebelar-se e tentar um golpe militar.

Em nenhum momento Geisel apela para seus aliados civis ou, muito menos, cogita uma mobilização política para fazer frente a uma eventual reação de Frota. Quem ensaiou um recurso à sociedade foi Frota, que pouco depois de destronado divulgou um enésimo documento denunciando a solerte infiltração comunista internacional, sempre pronta a desencaminhar o Brasil da sua boa trilha ocidental e cristã. Como na sua tentativa de mobilização militar, o apelo do ex-ministro foi feito de retórica, e não de empenho material. Frota brandiu adjetivos, e não armas. Ou, como disse o coronel Kurt Pessek: ‘O Frota passou o dia movendo-se pela cidade no Ford Landau de ministro do Exército. Se ele tivesse se movido de tanque, o resultado seria outro’.

Os aliados civis de Geisel, um arco formidável que ia do sistema político institucional ao empresariado, passando pela Igreja católica, pela grande imprensa e pela maioria dos sindicatos, rapidamente apoiou a demissão. Antes do desenlace, fingiram que os atritos entre Geisel e Frota eram um problema de caserna. E ficaram esperando para ver quem sairia vencedor. Depois, apoiaram Geisel da maneira como o vencedor queria: com um silêncio satisfeito e reverente, pontuado aqui e ali por aplausos discretos.

Como na proclamação da República, e na frase famosa que a sintetizou, o povo assistiu bestializado à demissão de Frota. Até porque a contestação de massa ao regime, que estava reduzida naquele ano quase que exclusivamente ao movimento estudantil, não estava interessada nas disputas internas do regime. De certa forma, tanto fazia quem fosse o ditador.

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O último capítulo de ‘A ditadura encurralada’ repete, sintetizando, a introdução de ‘A ditadura envergonhada’, onde serve também de abertura para todo o ciclo de ‘O sacerdote e o feiticeiro’ – que comportará mais um volume, narrando o final do governo Geisel, e o fim das vidas dele e de Golbery. Por que a repetição?

Não parece que ela seja apenas um recurso narrativo, que visa desmanchar uma parte das expectativas do leitor, contando como a história acabará. Colocada no início de ‘O sacerdote e o feiticeiro’, a demissão de Frota serve para explicitar o problema que Gaspari se propõe a analisar, o da reação de dois personagens fundamentais da ditadura ao fluxo concreto da história. Na introdução de ‘A ditadura envergonhada’, Geisel, com o auxílio de Golbery, unem o Exército e as Forças Armadas com o objetivo de, num futuro indeterminado, fazer com que abandonem o poder político. No capítulo que se segue, ambos aparecem fazendo o contrário: dividindo o Exército e as Forças Armadas para derrubar o governo e tomar o poder.

O recurso faz com que o foco dos livros esteja sempre em Geisel e Golbery e, nas palavras de Gaspari, no ‘estratagema que marcou suas vidas. Fizeram a ditadura e acabaram com ela’. Muito que bem. Mas como no próprio enunciado do estratagema o substantivo é a palavra ‘ditadura’, é a história dela que os livros contam.

E a contam não do ponto de vista de Geisel e Golbery. As vidas deles, e sobretudo a sua ação política, aparecem claramente determinadas pela situação concreta: o panorama internacional, a conjuntura econômica, as ações e reações de outras forças políticas. O ponto de fuga desse conjunto é a barbárie – na forma da tortura e do assassinato do adversário.

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Como nos volumes anteriores, em ‘A ditadura encurralada’ as palavras são constantemente confrontadas com os atos, que as desmentem. O efeito geral é cômico.

Geisel, por exemplo, aparece várias vezes reclamando do Exército e da sua alta oficialidade, dizendo que eles querem uma ‘ditadura bem botocuda’ – como se o seu governo fosse o de uma pacata democracia parlamentar, e não o regime que recorria à tortura e censurava uma apresentação do Balé Bolshoi. O mesmo Geisel, tão cioso do seu antiamericanismo, aceita a humilhação de ser sabatinado pela mulher do presidente americano Jimmy Carter. E, em que pese o anticomunismo espalhafatoso, a ditadura brasileira e a ditadura cubana aparecem de mãos dadas em Angola, apoiando o mesmo movimento guerrilheiro de libertação nacional.

Na raiz das queixas de Geisel, no mal-estar que ele exprime durante toda a sua presidência, está uma constatação singela: ele não podia fazer o que queria. Como o ditador não era o que queria, e sim o que fazia, também ele era um peão no jogo de xadrez brasileiro e mundial. Exceto num dia, o 12 de outubro de 1977, quando demitiu o seu ministro do Exército.

É pouco? Sem dúvida. Mas nem antes nem depois um presidente brasileiro cortou tão fundo na carne do Exército, e nem exerceu tão plenamente o poder.’



HISTÓRIA ORAL DO EXÉRCITO
José Maria Mayrink

‘A história dos vencedores’, copyright O Estado de S. Paulo, 1/08/04

‘Ameaça comunista, conspiração, golpe ou contragolpe, linha-dura, terrorismo, AI-5, prisões, tortura, censura, anistia, revanchismo – militares e civis falam, sem nenhum constrangimento, sobre o movimento de 31 de março de 1964 que derrubou o presidente João Goulart e sobre sua participação no regime de 21 anos de ditadura. São, até agora, 173 entrevistas que a História Oral do Exército (Biblioteca do Exército Editora, R$ 200 a coletânea, telefone (21) 2519-5732) reuniu numa coletânea de dez tomos, aos quais se somarão mais quatro ou cinco, na primeira quinzena de setembro, com novos depoimentos.

Um dos principais entrevistados, o ex-senador Jarbas Passarinho, assina também um prefácio, reproduzido em todos os volumes, que deixa claro o objetivo da obra: registrar definitivamente a versão dos vencedores. ‘Todos pedem desculpas aos comunistas que combateram e venceram’, escreve o coronel que, depois de ter sido governador do Pará, foi ministro dos presidentes Costa e Silva, Emílio Medici e João Figueiredo.

Os autores desses depoimentos, afirma Passarinho, ‘são quase mortos-vivos a sofrer o ‘revanchismo’ dos que, derrotados pelas armas, são vitoriosos pela versão que destrói os fatos’. Os vencedores, acrescenta, ‘pedem desculpas em nome das centenas dos que morreram certos de lutar pela Pátria e cujas famílias não mereceram receber indenizações’. Contundente no prefácio, o ex-ministro mantém o mesmo tom numa entrevista de 22 páginas que, a exemplo de outros depoimentos, é mais um ensaio que entrevista.

‘Pago até hoje por ter assinado o AI-5’, disse Passarinho ao comentar um dos episódios mais duros do regime militar, acrescentando que, nas mesmas circunstâncias, assinaria de novo. Ele e o deputado Delfim Neto (PP-SP), então ministro da Fazenda. ‘Na circunstância que prevaleceu naquele instante e com o conhecimento que tinha da realidade, assinaria de novo’, afirma o professor da Universidade de São Paulo que, entre 1967 e 1985, serviu aos governos de três generais.

Tortura – Militares são a maioria, mas alguns civis também foram ouvidos. Todos ligados ao regime, exceção apenas do deputado José Genoino, o presidente nacional do PT que nos anos 70 participou da guerrilha do Araguaia. É de Genoino um dos testemunhos mais incisivos da coletânea. ‘Fui torturado’, disse o parlamentar em sua entrevista, depois de afirmar que ‘dentro da comunidade de informações, as pessoas eram torturadas’. Ele descreve o que isso significava:

‘Era uma situação extremamente grave, delicada, na qual o cidadão ficava negociando a vida. Disputa entre a vontade de viver e a de não falar, e você se equilibrando no fio da navalha. Naquele período, foi um processo em que a ‘comunidade de informações’ não se autolimitava.’ O ex-guerrilheiro admite que nem todos tinham conhecimento dessa prática. ‘Como os processos de interrogatórios sob tortura não eram públicos, não sei se todas as organizações militares sabiam o que acontecia naquela região…’

Generais que ouviram denúncias sobre torturas garantem que, se elas existiram, jamais foram autorizadas. ‘A tortura existiu, eu nunca neguei isso, ‘numa ponta da linha’, às 2 horas da manhã, fora do controle…

Entretanto, ela nunca foi política, nem norma, nem ordem dos escalões superiores’, declarou o general Leônidas Pires Gonçalves, ministro do Exército no governo Sarney. ‘O Exército Brasileiro nunca deu ordem para que alguém fosse torturado’, garante o general Jaime José Juraszek, que foi chefe do Centro de Informações do Exército (CIE) e viria a ser comandante militar do Nordeste.

Apontado pela atriz e ex-deputada Bete Mendes como torturador, o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra se defende com indignação. Ex-chefe da Operação Bandeirantes e do Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), em São Paulo, o oficial estranha que Bete Mendes só tenha dito que foi torturada 14 anos depois de ter falado ‘livremente, sem coação’ não apenas no DOI como também na polícia e na auditoria militar.

Versões – As entrevistas coletadas pelo Exército são transcritas sem contestação, porque se trata de depoimentos que a História Oral do Exército registra sem questionar. Por isso, há versões que se contradizem ou que se completam. No caso do ex-sargento Gregório Bezerra, por exemplo, o coronel Dynalmo Domingos de Souza, que participou de sua captura em Pernambuco, conta como ele foi preso e exposto à execração pública nas ruas do Recife, mas com a ressalva de que não o viu ser amarrado e arrastado por um jipe, como consta de sua biografia.

Ao falar de Gregório Bezerra, o militar lembra o ‘exagero’ com que foi tratado pelo coronel Darcy Ursmar Villocq Viana, então diretor do Parque Regional de Mecanização, que tinha uma ‘diferença’ com ele. ‘Villocq não fazia segredo de sua posição incisiva’, disse o coronel Dynalmo, lembrando que às vezes, quando o instrutor estava dando ordem unida, ele assumia o comando só para ordenar: ‘Pisa firme! Pisa na cabeça do comunista! Pisa com força!’’ O comunismo é tema recorrente nas entrevistas. Generais e coronéis analisam a ‘ameaça comunista do governo Goulart’ como uma das causas principais do movimento de 1964. Além de Jarbas Passarinho, os generais Rubens Resstel, Carlos Meira Mattos e Otávio Costa tratam desse período com serenidade – sem, no entanto, menosprezar o que encaravam como perigo real.

Esses e outros entrevistados negam que os Estados Unidos tenham participado da conspiração ou apoiado a queda do regime. Mas o testemunho de maior peso nesse particular é o do general Vernon Anthony Walters, então adido militar na embaixada americana. ‘Não tínhamos o menor interesse em intervir num conflito interno no Brasil’, declarou ele, observando que a única preocupação de Washington era com a possibilidade de os soviéticos mandarem ajuda para um dos lados. ‘Para evitar isso, havia um plano, mas somente no caso de eles mandarem navios’, revelou.

‘A Revolução de 1964 foi planejada em São Paulo’, afirmou o general Resstel, acrescentando que, a partir do exemplo paulista, ‘no Rio de Janeiro, no Sul e no Nordeste, civis e militares passaram a entender-se, a confabular, a prever conseqüências, se o regime comunista tão repudiado pela Nação assumisse o poder’. Isso, apesar das dificuldades em São Paulo, onde ‘o grupo conspirador civil detestava (o governador) Adhemar de Barros’, conforme lembra Meira Mattos.

A participação de São Paulo mereceu um volume na coletânea da História Oral do Exército, que dedica cinco tomos ao Rio de Janeiro e Minas Gerais. Nenhum demérito para os paulistas, adverte o general Geraldo Luiz Nery da Silva, um dos coordenadores da obra, com a explicação de que, se Rio e Minas tiveram mais espaço, foi porque esses Estados concentravam maior número de militares e civis que lideraram ou apoiaram o movimento.

A começar pelos seus governadores, Carlos Lacerda e Magalhães Pinto, apontados entre os os principais líderes do movimento, embora com restrições. Aliás, quando se fala em liderança, ficam evidentes as rivalidades. ‘O general (Antônio Carlos da Silva) Muricy apareceu lá de pára-quedas e depois posou de líder’, ataca o coronel Henrique Carlos Guedes, filho do general Carlos Luís Guedes. Ele disse que não entende, até hoje, por que Olímpio Mourão Filho chamou Muricy para comandar a coluna que marchou de Minas para o Rio.

A história que começa em 31 de março – ou antes, com episódios como o Comício da Central do Brasil – avança pelos anos seguintes, até a decretação da anistia, já no governo Figueiredo. No caso de São Paulo, um dos entrevistados é o coronel Erasmo Dias – atualmente vereador pelo PP, na capital , na época comandante de unidade na Baixada Santista.

Erasmo Dias conta como ele e um capitão invadiram e retomaram, na madrugada de 1.º de abril, a refinaria da Petrobrás em Cubatão, que fora ocupada pelos ‘bonés vermelhos dos pelegos comunistas’. Ele se orgulha de, como comandante do Forte de Itaipu, em Praia Grande, haver hospedado num alojamento transformado em ‘prisão 2 estrelas’ alguns dos líderes do congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE) de Ibiúna, entre os quais José Dirceu e Wladimir Palmeira.

O coronel rememora também a perseguição ao ‘traidor’ e ‘desertor’ capitão Carlos Lamarca, que ele caçou com seus homens no Vale do Ribeira. Como secretário da Segurança no governo Paulo Egydio Martins, nos anos 70, ele acompanhou a crise desencadeada pela prisão e morte do jornalista Vladimir Herzog e do metalúrgico Manoel Fiel Filho, episódios que levaram à exoneração do comandante do 2.º Exército, general Ednardo d’Ávila Mello.

Pena que não se estendesse mais sobre esses incidentes.

Bispos – Ao analisar a posição da Igreja Católica, quase todos os entrevistados destacam o apoio que os militares receberam dos cardeais d. Jaime de Barros Câmara (Rio de Janeiro) e d. Vicente Scherer (Porto Alegre). A Marcha da Família com Deus pela Liberdade, que reuniu milhares de manifestantes em várias capitais, reforça esse apoio.

Entre os bispos de esquerda que se opuseram ao movimento, apontam d. Hélder Câmara (Olinda e Recife), d. Paulo Evaristo Arns (São Paulo) e d. Pedro Casaldáliga (São Félix-MT).

Os quatro ou cinco últimos volumes programados para setembro acrescentarão mais algumas dezenas de depoimentos à coletânea. Com uma novidade logo no tomo n.º 11, conforme adianta o general Nery. ‘Nesse volume, o coronel Ernesto Caruso responderá à interpretação que o jornalista Elio Gaspari faz em sua obra sobre o movimento militar.’

Isso mesmo, movimento militar. ‘Ditadura’ e ‘anos de chumbo’ são expressões que irritam muito os participantes do movimento de 1964. ‘Isso é propaganda da extrema esquerda ou dos inocentes úteis’, afirma Armando Falcão, ministro da Justiça no governo Geisel. Ele estranha que se fale em ditadura, quando ‘foi a própria Revolução que se declarou finda’, pois ‘a iniciativa de encerrar o ciclo partiu dela, espontaneamente, ainda com toda a força e o poder na mão’.’



LÍNGUA PORTUGUESA
Deonísio da Silva

‘Amor, ordem, progresso’, copyright Jornal do Brasil, 2/08/04

‘As duas palavras de nossa bandeira, ‘ordem’ e ‘progresso’, são de inspiração positivista. Mas, à semelhança do lema dos inconfidentes, ainda presente nas bandeiras de Minas Gerais e do Acre, não são uma citação fiel ao original.

Com efeito, Augusto Comte resumiu sua doutrina de modo diferente na primeira edição de seu Catecismo positivista: ‘O Amor por princípio, a Ordem por base e o Progresso por fim’. As três palavras, fundamentos de seu sistema filosófico, foram escritas com iniciais maiúsculas.

Mais tarde, o autor deu nova redação ao lema, que ficou assim: ‘O Amor por princípio, e a Ordem por base; o Progresso por fim’.

Criador de novos vocábulos – foi ele quem inventou a palavra ‘sociologia’ -, justificou ‘a feliz modificação, que esta manhã introduzi, a tempo, sem dúvida, na fórmula fundamental da nossa religião’, escrevendo: ‘Combino o segundo termo com o primeiro; isolando o último; o que doravante deve adaptá-la melhor ao seu destino normal’.

Acrescentou ainda outros motivos: ‘Enquanto eu tive de superar a insurreição do espírito contra o coração e a cisão do progresso relativamente à ordem, a forma primitiva era preferível. Mas, tendo o meu volume final preenchido assaz essas duas condições, a nova redação fará sentir melhor a constituição religiosa do positivismo, a aliança entre o amor e a fé para guiar a atividade’.

A República nasceu em berço violento. Seus obstetras estavam armados quando trouxeram a criança ao Brasil, no dia 15 de novembro de 1889. Os positivistas derrubaram, por golpe militar, um imperador que estava no poder desde o dia 7 de abril de 1831. Dom Pedro II tinha apenas 6 anos quando sucedeu ao pai, Dom Pedro I. Estava no poder há 58 anos, nove dos quais sob tutela de José Bonifácio de Andrada e Silva e de Manuel Inácio de Andrade Souto Maior, o Marquês de Itanhaém.

O pai abdicou em favor do filho para enfrentar o irmão, Dom Miguel, a quem derrotou em campos de batalha. O tio usurpara da sobrinha, Dona Maria II, nada mais nada menos que o trono português. Dom Pedro I fez por merecer, além de todos os títulos, o de pai herói, pai do século. Deu um país para cada filho! E fez tudo isso em pouco tempo. Ao morrer, em 1834, tinha apenas 36 anos.

Mas quais eram as armas do imperador? Duas lhe foram essenciais e ele soube manejá-las com coragem. A palavra e a espada. Os monumentos não soluçam, mas Dom Pedro I, bem representado, a cavalo, de espada na mão, freqüentemente é ofendido por palavras, atos e omissões, assim como outros heróis que tanto fizeram pelo Brasil.

Semana passada foi o próprio presidente Lula o autor de estranha lamentação: a falta de heróis brasileiros! Quanta desinformação do presidente, quanta falta de escola e quanta indulgência da imprensa diante de ofensa assim descomunal!

Dom Pedro I foi o nosso Bolívar. Utilizou a espada para garantir a liberdade e a independência. Teve os seus feitos heróicos facilitados por outro estadista que o Brasil insiste em desprezar. É Sebastião José de Carvalho, o Marquês de Pombal, de quem os ímpios gostam de lembrar apenas que expulsou do Brasil os padres jesuítas.

Como se não tivesse reconstruído Lisboa após o terremoto, nem incrementado a lavoura de café e a construção naval entre nós. E, principalmente, como se não tivesse incentivado o ensino da língua portuguesa no Brasil.

Esta coluna alterna assuntos miúdos do português cotidiano com algumas visões panorâmicas. Hoje lembramos que a omissão do amor no lema inscrito na Bandeira Nacional é sintoma de desordem e atraso. Quem leu Os sertões, de Euclides da Cunha, sabe que os republicanos não o excluíram apenas da bandeira. A violência segue vitoriosa. Em Canudos alcançou seu apogeu.’